EMBARGOS À EXECUÇÃO
Faturamento direto com o tomador das obras não o torna responsável solidário por sonegação de ICMS

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A empresa que contrata as obras civis, mesmo sendo a destinatária das mercadorias, não é responsável solidária pelo tributo não recolhido por terceiro subcontratado, se com este não mantém interesse, contrato nem relação direta de compra e venda.

Com este entendimento, a 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) excluiu uma produtora independente de energia elétrica do polo passivo de uma execução fiscal por sonegação de ICMS. Juridicamente, a decisão do colegiado reformou sentença que julgou improcedentes os embargos do devedor, ajuizados pela empresa de energia, na 6ª Vara Cível da Comarca de Pelotas (RS), contra o fisco estadual.

Para o relator da apelação, desembargador Miguel Angelo da Silva, apesar das discrepâncias apontadas no auto-de-lançamento, que resultou em recolhimento a menor de ICMS, a embargante/executada (empresa de energia) não concorreu para os prejuízos suportados pelo Estado. Não possui, assim, ‘‘interesse comum’’ na situação que constituiu o fato gerador da obrigação principal.

A propósito, o relator citou excerto da ementa do acórdão proferido no julgamento do agravo de instrumento 70075403832, relatado pela desembargadora Marilene Bonzanini: ‘‘O art. 128 do CTN e o art. 5º da LC 87/96 (Lei Kandir) permitem que o legislador ordinário atribua a terceira pessoa a responsabilidade pelo pagamento do imposto e acréscimos devidos pelo contribuinte ou responsável, desde que sua conduta concorra para o não recolhimento do tributo’’.

Além disso, Silva destacou que o faturamento direto das mercadorias à embargante não acarretou nenhuma alteração no preço global a ser pago à primeira contratada, que, por sua vez, subcontratou outra empreiteira – a devedora principal neste processo execução fiscal. Então, não se pode falar que a embargante tenha obtido algum benefício com o caso das notas fiscais inidôneas que envolveu a subcontratada.

‘‘Vale dizer, não há no feito [processo] prova de que a parte [empresa de energia] teve participação nas noticiadas irregularidades ou delas se beneficiou’’, complementou o relator no acórdão da 22º Câmara Cível.

O caso concreto

Segundo o processo, a Santa Vitória do Palmar III Energias Renováveis contratou a Redram Construtora Ltda – por empreitada integral e a preço global – para tocar as obras civis do Complexo Eólico Mangueira-Mirim (no extremo sul do RS). Esta, por sua vez, subcontratou a Pavsolo Construtora Ltda, que faturava diretamente as mercadorias com a Santa Vitória.

Ocorre que a Fazenda Estadual apurou que a Pavsolo lançou mão de um artifício para recolher menos Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em duas entregas de mercadorias. Além de emitir duas notas fiscais (NFs) a partir da cidade do Chuí (RS) – uma em agosto e outra em novembro de 2015 –, a empreiteira subcontratada também emitiu Conhecimentos de Transporte Rodoviário de Cargas (CTRCs) para complementar o valor real da venda. O destinatário das mercadorias – saibro e rachão – era a Santa Vitória. Este valor, é claro, não foi oferecido à tributação, lesando o fisco estadual.

Constatada a irregularidade, o fisco estadual constituiu crédito tributário no valor de R$ 257,9 mil (englobando ICMS, juros e multa). Tomou como sujeito passivo a Pavsolo e, como responsável solidário, a empresa Santa Vitória do Palmar III.

Embargos do devedor

Sentindo-se injustiçada, a Santa Vitória opôs embargos do devedor contra execução fiscal movida pelo Estado do Rio Grande do Sul em face de Pavsolo, pleiteando o reconhecimento de ilegitimidade passiva para responder pelo tributo cobrado. Afinal, entende que não há responsabilidade tributária que justifique a sua inclusão no polo passivo da execução.

Para a autora dos embargos, é nula a decisão administrativa que culminou com a constituição do crédito tributário em seu nome, porque assentada na premissa falsa de que tinha conhecimento de eventuais ilegalidades praticadas pela subcontratada. Ademais, pontuou que não teve participação direta no contrato firmado entre a Redram e a Pavsolo nem obteve vantagem econômica decorrente desta falta.

Sentença improcedente

Para a 6ª Vara Cível (especializada em Fazenda Pública) da Comarca de Pelotas, os documentos anexados aos autos e apresentados ao fisco comprovam que as mercadorias foram adquiridas pela empresa embargante e fornecidas pela Pavsolo. Exatamente as empresas que figuram como responsáveis pelo pagamento do tributo subtraído: a segunda, como devedora principal; e a primeira, como devedora solidária. Tudo na forma estabelecida pelo artigo 13, inciso IV,  Livro 1, do Regulamento do ICMS (RICMS).

Na percepção do juízo de origem, a malícia das empresas negociantes acabou demonstrada pela forma da documentação do negócio. Para uma compra de saibro, no valor de R$ 43.151,47, fizeram destacar o valor de R$ 172.605,90 como conhecimento de transporte; para uma compra de rachão II, no valor de 157.106,88, o valor de R$ 628.427,52 de frete.

Como a legislação exige, em casos como o dos autos, que se considere o valor do transporte no preço da venda, o destaque do ICMS deveria ter sido realizado não sob R$ 43.151,47 e R$ 157.106,88, mas, sim, sobre R$ 215.757,37 e R$ 785,534,40, respectivamente – registrou a sentença.

‘‘Assim, tenho como manifesta a ocorrência da fraude ao fisco, realizada pela empresa Pavsolo, ao deixar de incluir na base de cálculo do ICMS os valores cobrados do destinatário a título de transporte realizado pelo próprio remetente vendedor da mercadoria’’, escreveu o juiz Luís Antônio Saud Teles.

Na visão do magistrado, ao receber os produtos sem a documentação fiscal pertinente, a empresa embargante (destinatária das mercadorias) beneficiou-se diretamente da infração fiscal, uma vez que o destaque a menor do valor do ICMS reduziu o preço do produto para o consumidor final.

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Processo 5007811-97.2020.8.21.0022 (Pelotas-RS)

 Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS