EVASÃO FISCAL
TJRS decide manter fora do Simples empresa criada pelo Grupo Tevah para reduzir ICMS

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Foto: Divulgação Tevah Outlet

A Lei Complementar 123/2006 (que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte) contempla duas situações para exclusão de micro e pequenas empresas enquadradas no Simples Nacional. Pela dicção do artigo 3º, exclusão obrigatória, quando extrapolarem o limite de faturamento. Pelo artigo 29, de ofício, se forem constituídas por interpostas pessoas.

A constatação sinérgica destas duas situações levou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) a confirmar sentença que negou a reinclusão de uma fábrica de roupas no regime tributário simplificado. A empresa é administrada, informalmente, pela família Tevah, que fracionou juridicamente o seu grupo econômico para recolher menos tributos – especialmente, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Des. Miguel Ângelo da Silva
Foto: Imprensa TJRS

Para o relator da apelação na 22ª Câmara Cível do TJRS, desembargador Miguel Ângelo da Silva, o laudo que embasou o auto de lançamento do fisco estadual – ancorado numa operação policial de combate à sonegação de ICMS – mostrou claramente a formação de grupo econômico integrado pela empresa autora da ação anulatória.

‘‘Aludido laudo, pois, cujas conclusões não foram infirmadas [invalidadas] pela prova dos autos, revela o agir fraudulento da demandante em conjunto com outras empresas no intuito de blindagem patrimonial, com a utilização, outrossim, de subterfúgios que evidenciam senão sofisticada engenharia de evasão fiscal, sobretudo com a formação de verdadeiro grupo econômico de fato constituído para fins de, dentre outros aspectos, usufruir irregularmente da sistemática de tributação implementada pelo Simples Nacional. Logo, descabe cogitar da sua desconstituição’’, anotou no acórdão.

Ação anulatória de débito fiscal

C. A. Donida (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – Eireli) ajuizou ação anulatória, contra o Estado do Rio Grande do Sul, para desconstituir o termo administrativo que a excluiu do Simples Nacional e o auto de lançamento que constituiu crédito tributário de ICMS referente ao período de janeiro de 2009 a dezembro de 2013 no valor de R$ 1,35 milhão mais multa qualificada de 120% e juros.

A autora informou que foi excluída do Simples Nacional em janeiro de 2009 pelos seguintes motivos: não ter dado ciência ao fisco gaúcho de que sua receita bruta foi superior ao limite estabelecido no artigo 3º, inciso II, da LC 123/2006; não comunicou o exercício de atividade vedada ao enquadramento no Simples; e também porque constituiu empresa em nome de interposta pessoa, como prevê o inciso IV do artigo 29 do Estatuto.

No caso concreto, segundo a petição inicial, o ato administrativo de exclusão foi fundamentado na existência de grupo econômico entre a C. A. Donida e a empresa Top Marcas e Franquias Ltda, chamado, pela fiscalização tributária, de Grupo Tevah. Seria uma estratégia criada pelos sócios da THV Comércio do Vestuário Ltda, pertencente a Eduardo e Daniel Tevah, com o intuito de reduzir o recolhimento de tributos.

Citado pela 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Porto Alegre, o Estado do Rio Grande do Sul apresentou contestação. Em suma, defendeu a participação da autora no grupo econômico Tevah, ratificando as conclusões do auto de lançamento. Indicou que, para fins de limites de enquadramento no Simples Nacional, devem ser somados os faturamentos das três empresas que compõe o Grupo Tevah – e não apenas o da empresa C. A. Donida.

Sustentou que o faturamento do Grupo Tevah alcançou R$ 6,4 milhões, ao passo que o limite para inclusão e manutenção no Simples Nacional era de R$ 2,4 milhões no exercício de 2008 (base para 2009). Por esta razão, a autora não poderia estar enquadrada no Simples Nacional.

Diluição de patrimônio 

Procurador de Justiça José Túlio Babosa
Foto: Imprensa MPRS

Para o procurador de justiça José Túlio Barbosa, representante do Ministério Público na 22ª Câmara Cível do TJRS, o auto de lançamento mostra, a partir do relatório da ‘‘Operação Efeito Dominó’’, que os irmãos Tevah, acossados pelas centenas de débitos fiscais, criaram a Top Marcas e Franquias Ltda para franquear e administrar as suas lojas e cobrar royalties de produtos da marca Tevah. Além disso, constituíram a empresa C.A. Donida para industrializar os produtos Tevah, repassando para esta o antigo parque industrial da THV.

Através dessas iniciativas, segundo Barbosa, os irmãos Tevah diluíram o patrimônio de sua empresa, envolvida em vultoso débito fiscal – mais de R$ 23 milhões à época do ajuizamento da ação anulatória –, terceirizando as lojas para outras empresas, através de franquias. E mais: dilapidaram o seu próprio parque industrial, já que o locaram para a C.A. Donida por irrisórios R$ 25 mil por ano. Em síntese, o objetivo era, primeiramente, fugir das consequências da insolvabilidade fiscal e, depois, evadir-se da responsabilidade fiscal futura.

‘‘A efetividade do esquema idealizado, reclama, obviamente, o comando de fato e sua ocultação das autoridades tributárias, sem o que poderiam estas, como fizeram, demonstrar a constituição de um grupo empresarial, oculto sob o rol de sócios irreais, emissão de documentos fiscais inidôneos e administração efetiva pelos controladores, tudo acobertado pelo manto da regularidade empresarial modernizada’’, escreveu o procurador de justiça no parecer enviado à 22ª Câmara Cível, como registra o acórdão de apelação.

Sentença de parcial procedência

No primeiro grau, a 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Porto Alegre tomou como correta a exclusão da parte autora do regime simplificado de tributação, pela questão de interposta pessoa e também pela falta de comunicação ao fisco estadual. Tudo com base em dois dispositivos, combinados, da Lei Complementar 123/2006: artigos 3º e 29.

Entretanto, o juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedente a ação anulatória, determinando ao fisco estadual a exclusão do crédito tributário lançado nas operações de industrialização por encomenda dos demais clientes da autora, não envolvidos nas prestações de serviço simuladas entre as empresas do Grupo Tevah e suas franqueadas. Também determinou a amortização dos valores já recolhidos a título de ICMS na sistemática do Simples Nacional e, por fim, redução da multa para o patamar não confiscatório de 100%.

Juíza Marialice Bianchi
Foto: Imprensa Ajuris

Ao fundamentar a sentença, a juíza Marialice Camargo Bianchi disse que a ‘‘Operação Efeito Dominó’’, tocada pela Receita Estadual, Policia Civil e pelo MPRS, constatou a constituição de empresas mediante a utilização de interpostas pessoas, todas integrantes de um grupo econômico de fato – o Grupo Tevah –, a fim de usufruir do Simples Nacional e de se beneficiar do diferimento do ICMS, para reduzir o seu recolhimento. Tudo sob a administração informal dos irmãos Tevah.

A magistrada ‘‘pinçou’’ alguns fatos do auto de lançamento, composto por 71 páginas, que justificam a participação de C. A Donida no Grupo Tevah: Carlos Aurélio Donida foi funcionário da empresa THV Comércio do Vestuário Ltda. de junho de 1990 a janeiro de 2007, e a empresa autora foi constituída em dezembro de 2006; a partir de janeiro de 2007, funcionários demitidos da THV foram admitidos pela C.A. Donida, que locou da THV toda a estrutura de sua fábrica; o contrato de locação do imóvel em que opera a empresa C.A. Donida tem como avalistas os irmãos Tevah; simulação de operações por conta e ordem de terceiro; ingerência direta na C. A. Donida, pelo presidente e pelo diretor comercial da Top Marcas, mandando modificar, controlar e informar custos de produção (não só de mão-de-obra, como se fosse de fato mero prestador de serviços, mas também custo de matéria prima); os Tevah pediam o estudo de alternativas para melhoria da qualidade; isso além de ordens de cunho pessoal, como produzir roupas para uso próprio e pedidos para consertos de calha e da piscina das suas residência e de membro da família Tevah.

‘‘Verifica-se que a relação dos sócios da THV com a Autora encontra-se além do controle de padrões de marca e de qualidade dos procedimentos corriqueiros do ramo de confecções,  […]. A corroborar o exposto, destaca-se outro excerto da peça fiscal que demonstra que Carlos Aurélio Donida não atuava como empresário individual independente, mas como empregado subordinado aos sócios da THV, atendendo, inclusive, demandas de cunho pessoal dos seus superiores mesmo após seu desligamento dessa empresa’’, anotou a magistrada na sentença.

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9010080-75.2018.8.21.0001 (Porto Alegre)

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