JUDICIALIZAÇÃO
Negativas de planos fazem mal à saúde de pacientes e empresas
Por Maria Letícia Mesquita
Quando se trata de planos e seguro saúde, uma das frequentes insatisfações de seus beneficiários são as negativas de serviço. O cerne da dúvida permeia sobre o limite das negativas por parte de tais empresas. Afinal, as recusas são abusivas?
Em recente decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) condenou um convênio privado a garantir a uma beneficiária cobertura domiciliar para tratamento medicamentoso de bipolaridade. A decisão se pautou principalmente na Lei 14.454/2022, que introduziu o parágrafo 13 no artigo 10 da Lei 9.656/98, ao afirmar, categoricamente, que ‘‘cabe ao médico escolhido pelo beneficiário estabelecer qual o método e os materiais mais adequados para o tratamento da condição’’.
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem fixado, desde 2022, que o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem caráter exemplificativo. Apesar de os magistrados terem que analisar a particularidade de cada caso, a postura demostra cada vez mais a inclinação do Judiciário a adotar entendimentos pró-consumidor na matéria.
Por fim, demonstrando que os planos e seguradoras de saúde não conseguirão se eximir de suas obrigações, o STJ determinou (REsp 1.945.959) que uma empresa fosse compelida a ressarcir o Estado de Santa Catarina por atendimento não emergencial determinado judicialmente, via SUS, de paciente segurado. Tal medida se baseia no seguinte raciocínio: rejeitar o pedido do ente público na ação regressiva proposta culminaria no ‘‘patrocínio Estatal da atividade privada’’, conforme apontado pelo ministro Gilmar Mendes no RE 597.064/RJ.
Como se as excessivas negativas administrativas já não fossem o suficiente, o problema ganha novos contornos a partir de uma nova e ousada alternativa dos empresários do ramo: o não cumprimento de decisões judiciais. Em apenas um plano, um dos maiores do mercado, estima-se que apenas nos últimos seis meses de 2023 a operadora tenha descumprido aproximadamente uma centena de decisões judiciais em caráter de urgência – média de uma desobediência a cada dois dias.
Sobre a argumentação de que está apenas exercendo seu direito à ampla defesa, a seguradora agora é alvo de inquérito instaurado pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) para apurar a suposta conduta irregular e abusiva praticada pelo grupo.
Em um país em que o acesso à saúde privada através de empresas do ramo já é realidade para mais de 22% da população, segundo dados da ANS, e a adesão a esse tipo de contrato é exponencial, ficam os questionamentos: é possível harmonizar os interesses dos clientes com a sustentabilidade financeira do negócio? Onde residirá a livre iniciativa empresarial dos ofertantes quando se há vasta judicialização da demanda em desfavor de suas negativas?
A resposta passa por uma conduta defendida por magistrados: as seguradoras poderão escolher para quais tipos de enfermidade oferecerão cobertura, mas não poderão limitar as modalidades de tratamento e intervenções médicas. Garantir uma prestação de serviço de qualidade se mostra muito palpável quando se observa que o necessário é apenas respeitar os critérios médicos e científicos estabelecidos por aqueles que já acompanham os segurados.
A consequente diminuição de judicialização de demandas se mostra benéfica tanto para consumidores quanto para as empresas, uma vez que os processos judiciais englobam não apenas o tratamento ou medicamento requerido, mas também verbas indenizatórias e custas processuais.
A quem insiste em descumprir decisões que revertem negativas abusivas negativas, cabe à ANS, junto com o Judiciário, investigar e coibir a prática com seriedade e da maneira mais ágil possível. É iminente a necessidade de garantir a que o princípio da dignidade da pessoa humana em seu acesso à saúde coexista em harmonia e bom funcionamento com o aspecto financeiro almejado pelas empresas do ramo.
Maria Letícia Mesquita é sócia da área cível no escritório Diamantino Advogados Associados.