LAW AND ECONOMICS
Cresce a influência da Economia nas decisões da Justiça brasileira
Por Luciano Benetti Timm
O uso do Judiciário para resolver disputas chegou a níveis preocupantes no Brasil, com custos bilionários e riscos de graves impactos para a sociedade. Para sair dessa armadilha, a mais alta Corte do país tem cada vez mais recorrido à Análise Econômica do Direito. O Congresso Anual da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro, na PUCPR, em Curitiba, marca a consolidação dessa corrente formada por juristas e economistas que buscam com dados científicos alertar para as consequências das decisões.
Um dos marcos mais recentes do avanço da Análise Econômica do Direito é a providência inédita do ministro Luís Roberto Barroso, ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), de ter chamado para a sua equipe um economista, Guilherme Resende, que era economista-chefe do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Essa escolha demarca a incorporação de uma nova perspectiva no STF. Em Direito, normalmente a gente olha para trás: matou alguém, qual a prova do crime? O Cade olha para a frente. Quando você incorpora consequência na decisão, tem de olhar para a frente. E isso é algo que os economistas fazem melhor, porque usam estatística.
É inegável que muitas políticas públicas hoje são feitas pelo Judiciário, e elas têm de ser baseadas em evidências, para evitar a atuação ideológica. Veja o caso dos planos de saúde: uma ordem para baixar o preço pode até ser popular, mas eleva o risco de falência das empresas, o que é pior para os consumidores. Decisões muito fáceis e ideológicas talvez não sejam o melhor caminho para a própria sociedade.
Outro exemplo são as plataformas de entrega. Para o consumidor, ter de se deslocar até um local para adquirir ou consumir um produto é menos eficiente do que recebê-lo em casa. Se aumentar o risco de condenações judiciais ao prestar o serviço, as empresas começarão a jogar no preço o risco de condenação.
O setor aéreo no Brasil sofre com uma litigância desproporcional. Emocionalmente todo mundo que perdeu um voo pode ver um motivo para ser indenizado. Caso isso ocorra, porém, essa despesa da companhia irá compor o preço, e ele continuará aumentando com frequência, porque a infraestrutura brasileira é pobre. É comum, quando ocorre uma chuva, o aeroporto ter de suspender a operação, e isso a empresa não tem como evitar, nem é responsabilidade dela. Na média internacional, a margem de lucro dessas empresas é de 2% – quando não têm prejuízo, como vem sendo o caso nos últimos anos. Se os processos comerem metade dessa margem, a tendência é de as empresas deixarem o país. Para o passageiro, é melhor ter três opções do que uma. Mas, se fica muito caro operar, o resultado é um monopólio natural: sobrará uma só.
Um tema recente é o dos apagões de energia. Ao tratá-los, é preciso lembrar que eventos extremos são imprevisíveis. Talvez com a repetição deles, daqui a dois, três anos, seja possível identificar um novo padrão. Antes disso, é simplista culpar a concessionária por um evento extremo. É mais complexo. A lição não é sair multando e expondo a empresa. É preciso buscar as causas. Pode ser que a prefeitura não tenha feito a poda das árvores como deveria, e elas caem na fiação. E toda decisão traz efeitos: caso se chegue à conclusão de que a solução é colocar a fiação para baixo da terra, o que multiplicaria o custo, é necessário ver quem vai pagar. A ciência ajuda a resolver esses dilemas, se a gente quiser trabalhar com evidências, em vez de seguir com crenças.
A Análise Econômica do Direito se apresenta como uma alternativa para derrubar o alto grau de judicialização. O Brasil é um caso único: tem hoje mais de 80 milhões de processos. O segundo país nesse ranking é a Índia, com em torno de 30 milhões, só que a Índia tem quase sete vezes mais população do que o Brasil. O impacto é no bolso do cidadão, porque cada processo tem um custo. R$ 100 bilhões é o que nós, brasileiros, gastamos por ano com disputas judiciais. E 50% já foi julgado, então o Judiciário não segue os seus próprios precedentes.
Para saneamento básico, o orçamento da União é em torno de R$ 1 bi. Significa que gastamos 100 vezes mais em disputa do que em saneamento. Em 10 anos, a gente já poderia ter entregado para a população brasileira saneamento completo, mas está torrando recurso público em disputas repetitivas. Do ponto de vista do contribuinte, é péssimo. O Judiciário precisa se racionalizar, e a Análise Econômica do Direito, com evidências, tem muito a contribuir para isso.
Luciano Benetti Timm é professor da FGV-SP e sócio do CMT Advogados