MANDATO MERCANTIL
Agente marítimo que age como mandatário do dono do navio não paga despesas portuárias

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O agente marítimo, como regra, atua como mandatário mercantil do armador, praticando atos e administrando interesses em nome deste, de forma onerosa, como prevê o artigo 653 do Código Civil (CC). Assim, a agência não pode não pode ser responsabilizada por despesas ou danos causados a terceiros por atos realizados a mando do dono do navio, quando nos limites do mandato.

Foto: Portos RS

O entendimento levou a 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) a negar apelação interposta pela Superintendência do Porto de Rio Grande (SUPRG), que, no primeiro grau, perdeu a queda-de-braço para a Tranship Brasil Agenciamentos Marítimos. Com a decisão de segundo grau, a agência se desonera de pagar quase R$ 140 mil à administração portuária por despesas de atracação de um navio que pegou fogo.

Tal como o juízo de origem, o colegiado recursal percebeu que a parte apelada – a agência marítima – atuou em representação da proprietária da embarcação apenas no que dizia respeito à chegada, partida e desembaraço do navio. Com isso, ‘‘ afigura-se inviável sua responsabilização pelo eventual inadimplemento de obrigação imposta ao proprietário da embarcação (taxa de utilização do berço de carga geral do Cais do Porto do Rio Grande pelo navio Duden)’’, registrou o acórdão, confirmando os fundamentos da sentença.

Ação anulatória

A Tranship Brasil ajuizou ação anulatória em face de duas cobranças movidas contra si pela Superintendência, pelo tempo de permanência de um navio sinistrado no cais. Na petição inicial, a agência narrou que, em 22 de novembro de 2009, o navio de bandeira turca Duden pegou fogo enquanto navegava na costa de Tramandaí (RS). Após salvamento realizado pela Marinha do Brasil, a embarcação atracou no Porto de Rio Grande em 10 de dezembro daquele ano. Como o proprietário não retirou o navio, foi aplicada a pena de perdimento.

Posteriormente, em leilão realizado no dia 7 de junho de 2011, o navio foi arrematado por Jorge Luiz de Azevedo Branco Valentim, sócio da empresa Lyra Navegação Marítima Ltda. O adquirente contratou, então, os serviços de agenciamento marítimo prestado pela parte autora, outorgando respectiva procuração. No edital do leilão, restou definido o prazo de 20 dias úteis para a retirada da embarcação, cujo termo inicial seria a data do pagamento e da apresentação do termo de transferência de posse e propriedade – o que ocorreu em 14 de junho de 2011.

A parte autora salientou que o arrematante poderia retirar a embarcação até o dia 12 de julho de 2011. Afirmou que a demandada cedeu área de sua responsabilidade ao Estaleiro da Quip, circunstância que levou à realização de contrato entre a empresa arrematante e a Quip para a permanência do navio pelo prazo de 30 dias, a contar do dia 6 de julho de 2011. Finalmente, em 12 de agosto, a embarcação deixou o cais do Estaleiro.

Com a desatracação, a Superintendência do Porto de Rio Grande emitiu duas cobranças em nome da Tranship, que as impugnou em nível administrativo. A ré, entretanto, indeferiu o pedido, mantendo a cobrança – o que deu ensejo à ação anulatória.

Sentença procedente

A 1ª Vara Cível da Comarca de Rio Grande julgou procedente a ação anulatória, por entender que a parte autora atuou como simples mandatária do proprietário da embarcação. Ante os termos da procuração outorgada em favor da autora, anexada no processo, constatou ausência de responsabilidade pelo pagamento das despesas de atracação. Logo, ao fim e ao cabo, os débitos descritos nos documentos anexados à petição são inexigíveis.

Citando o artigo 653 do Código Civil, a juíza Carolina Granzotto disse que a autora atuou em representação da proprietária da embarcação. Assim, a responsabilidade do agente marítimo se limita aos termos do mandato que, no caso, consiste na representação perante órgãos públicos e ao atendimento das necessidades do navio no porto de destino. As demais obrigações são de responsabilidade do mandante – a dona do navio.

A julgadora informou que, noutro julgamento, reconheceu a responsabilidade do agente marítimo pelo pagamento das despesas de praticagem (serviços de pilotagem de navios nos portos). Contudo, naquele julgamento, ressaltou, a empresa armadora era estrangeira e não possuía representantes no Brasil.

‘‘Por tais razões e sopesando que havia habitualidade na emissão de faturas em nome da agência marítima, assim como as despesas eram adimplidas pelo mandatário sem qualquer oposição, naquela hipótese, reconheci a legitimidade do agente marítimo, modo a assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pelo cliente estrangeiro. Por outro lado, no caso dos autos, a situação é diversa, tendo em vista que a proprietária da embarcação é empresa nacional, com personalidade jurídica, o que não impede a cobrança em seu desfavor’’, definiu na sentença.

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Processo 023/1.18.0000607-6

Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS