RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
A importância de analisar a posição de dependência econômica das empresas
Por Lara Fernanda de Oliveira Prado
No intricado cenário das relações contratuais empresariais brasileiras, surge uma questão que transcende a mera formalidade dos acordos: a dependência econômica.
A reflexão sobre esse tema ganhou destaque à luz de um processo judicial recente, com o julgamento do Recurso Especial 1.989.291-SP, que gerou debates sobre a paridade contratual e o exercício abusivo de posição dominante. Este conflito evidenciou a complexidade das relações comerciais entre uma empresa multinacional e um representante brasileiro.
O cerne da polêmica está na validade de uma cláusula de limitação de responsabilidade, que foi objeto de análise da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A decisão do STJ, ao validar a cláusula de limitação de responsabilidade em favor da multinacional, destaca a presunção de paridade nas relações contratuais comerciais. Contudo, é imperativo questionar se esta presunção é consistente com a realidade das relações de poder subjacentes a tais contratos.
Avaliação da dependência econômica
Nesta relação, o distribuidor brasileiro viu-se numa posição de dependência econômica da multinacional, o que comprometeu significativamente a sua capacidade de negociação. A multinacional, detentora de maior poder econômico e de mercado, aproveitando a sua supremacia contratual, impôs cláusulas desfavoráveis cujo único objetivo era aumentar abusivamente os seus lucros em detrimento do distribuidor.
Surge então a necessidade de repensar a liberdade contratual ilimitada nos contratos comerciais, de abordar situações em que uma das partes se encontra em clara desvantagem, de considerar a presença de assimetrias de poder e vulnerabilidades que as prejudicam excessivamente.
A dependência econômica contratual não é uma mera abstração jurídica, é uma realidade vivida por diversas empresas que se encontram numa posição de inferioridade e sem poder de negociação, face aos gigantes corporativos. O exercício abusivo de uma posição dominante pode mesmo conduzir a concorrência desleal e dificuldades financeiras.
Dessa forma, a admissão irrestrita de cláusulas limitantes de responsabilidade incentiva a sua maior elaboração nos contratos societários. Acontece que o reforço desta cultura contratual é problemático, pois impede que a parte vulnerável seja compensada pela verdadeira magnitude do dano que lhe foi causado.
Neste contexto, é importante considerar a teoria do terceiro contrato, introduzida pela doutrina italiana, que reconhece a existência de uma categoria contratual intermediária entre o contrato clássico e o contrato de consumo. Esta teoria aplica-se especialmente às relações entre empresas, nas quais uma das partes se encontra numa posição fraca em relação à outra.
Sob esse ângulo, haveria uma intervenção judicial criteriosa, com delicado equilíbrio entre a proteção dos contratantes mais vulneráveis e a preservação do princípio da autonomia contratual. Diante disso, destaca-se a importância de identificar no caso específico a real dependência econômica de uma das partes e verificar se houve abuso derivado desta situação.
Assim, o reconhecimento do terceiro contrato como uma categoria contratual distinta abre caminho para uma abordagem mais equilibrada das relações comerciais. Isto porque os extremos estabelecidos no domínio do direito contratual não abrangem todas as variedades contratuais que, pelas suas características específicas, não se enquadram neste binário. É preciso buscar uma regulamentação que leve em conta as particularidades das relações.
Enquanto os países europeus buscam soluções para enfrentar a dependência econômica contratual, aproximando-a do abuso de posição dominante no contexto da legislação antitruste ou da aplicação de princípios do direito do consumidor, o Brasil carece de estrutura para enfrentar esse problema.
Vale destacar que a presunção de paridade estabelecida pelo Código Civil Brasileiro é relativa (art. 421-A.), podendo ser descartada em função de elementos específicos que justificam o desequilíbrio entre as partes. No entanto, a interpretação desta presunção e a regulação da liberdade contratual deixam margem para divergências entre os tribunais. Enquanto alguns seguem uma abordagem mais cautelosa, utilizando princípios do Código de Defesa do Consumidor e do Código de Processo Civil, outros adotam uma postura mais liberal, priorizando a autonomia da vontade das partes sem restrições, conforme decidiu o STJ no REsp 1.989.291.
Esta reflexão torna-se relevante para empresas que buscam segurança jurídica em suas transações comerciais. Portanto, é fundamental promover um diálogo mais amplo e detalhado sobre a dependência econômica nas relações contratuais, considerando as suas implicações no ambiente empresarial. Só assim será possível criar soluções jurídicas mais equitativas e adaptadas às complexidades destas interações comerciais.
Lara Fernanda de Oliveira Prado é sócia da área cível e trabalhista no escritório Diamantino Advogados Associados