EMBARGOS DE TERCEIRO
Marca pode ir a leilão se a sua cessão não foi integralmente registrada na Revista de Propriedade Industrial

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Embora a marca seja considerada bem móvel pelo artigo 5º da Lei de Propriedade Industrial (LPI), sua propriedade se transfere mediante averbação no ‘‘registro validamente expedido’’, como sinaliza o artigo 129. Tanto é assim que o artigo 137 condiciona a produção de efeitos perante terceiros a partir da data da publicação da anotação de alteração do seu titular.

Por isso, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) negou apelação da JA Saúde Animal, que queria, por meio de embargos de terceiro, evitar a penhora da marca ‘‘Calfomag’’ – adquirida de um tradicional laboratório gaúcho –, para quitar multas aplicadas por uma autarquia federal.

O relator dos embargos, desembargador Rômulo Pizzolati, entendeu ser possível a penhora por terceiros – no caso, promovido pela autarquia. É que, na situação concreta, posta nos autos, a empresa embargante não provou a posse integral da marca objeto da penhora.

‘‘No caso, malgrado o aditivo de compra do restante da marca tenha sido firmado em agosto de 2018, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) certificou, em resposta ao termo de penhora oficiado, que o pedido de registro daquele sinal distintivo, em nome da parte autora, ainda estava em andamento. Ou seja, à época da penhora (agosto de 2019), a anotação de transferência da marca ainda não havia sido  publicada na Revista de Propriedade Industrial, situação que não impede a sua constrição, nos termos em que determinado pelo magistrado de origem’’, explicou o desembargador-relator.

Em reforço ao entendimento, Pizzolatti citou precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Diz, na parte que interessa, excerto da ementa do acórdão do REsp 1761023/SP, relatado pela ministra Nancy Andrighi: ‘‘Hipótese concreta em que a anotação referente à cessão do registro marcário efetuada pelos recorridos não foi publicada na Revista de Propriedade Industrial, de modo que seus efeitos não se operam sobre os recorrentes, o que viabiliza a penhora por eles requerida’’.

Penhora de marca veterinária

Os embargos de terceiro foram ajuizados por JA Saúde Animal (Patrocínio Paulista-SP) em face da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e do Laboratório Leivas Leite S/A (Pelotas-RS), com o objetivo de derrubar a constrição incidente sobre a marca comercial ‘‘Calfomag’’, levada a efeito nos autos da execução fiscal 5000623-44.2017.4.04.7110. Esta execução, movida pela ANTT contra o laboratório gaúcho, decorre de multa por infração no transporte rodoviário.

Na petição inicial dos embargos, a parte embargante alega ser legítima titular do bem penhorado. Afirma que, em 5 de maio de 2017, mediante contrato de compra e venda firmado com o Leivas Leite, adquiriu 50% da licença (registro) do produto ‘‘Calfomag’’, ficando como titular do produto perante o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).

Posteriormente, em 1º de agosto de 2018, por intermédio de termo aditivo, a empresa paulista adquiriu o restante da licença do produto,  passando a ser proprietária da totalidade da referida licença. Assim, por ser adquirente de boa-fé, a marca não poderia ser penhorada naquela execução fiscal.

Embargos parcialmente providos

A 1ª Vara Federal de Pelotas reconheceu a ilegitimidade do Leivas Leite para figurar no polo passivo dos embargos, já que foi a parte exequente (ANTT) quem indicou o bem à penhora na execução fiscal; e deu parcial procedência ao pleito da JA Saúde Animal, para garantir a reserva da sua cota-parte sobre a marca penhorada.

Segundo a sentença, a documentação apensada aos autos mostra que o contrato particular de compra e venda de 50% da licença (registro) do produto ‘‘Calfomag’’ perante o Mapa e o Inpi foi celebrado em 5 de maio de 2017. Diferentemente, o juízo tomou a alegação de que teria, por termo aditivo, adquirido o restante da licença sobre a marca, como ‘‘mera arguição’’ desprovida de qualquer comprovação. Ao fim e ao cabo, restou comprovada, apenas, a aquisição de 50% da licença do produto.

‘‘Assim,  estando evidenciado que a parte embargante adquiriu 50% da licença (registro) do produto Calfomag perante o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) em momento anterior à penhora e não havendo qualquer indício de má-fé por sua parte na aquisição do bem, imperativa a parcial procedência dos presentes embargos de terceiro apenas para o fim de garantir a reserva da sua cota parte, nos termos do artigo 843 do CPC, sobre o produto da alienação judicial do bem penhorado, por entender que se trata de bem indivisível’’, escreveu na sentença o juiz federal Cláudio Gonsales Valério.

Apelação ao TRF-4

Inconformada com o teor da sentença, a JA Saúde Animal apelou ao TRF-4. Em razões, disse que inexistia a penhora combatida, seja quando adquiriu metade da licença constrita (em maio de 2017) ou quando comprou o seu restante (em agosto de 2018).

A apelante inda sustentou que a ausência do registro dessas aquisições não impede a tutela da sua posse por meio de embargos de terceiro, como sinaliza a Súmula 84 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Pediu, então, a reforma da decisão recorrida, para que seja reconhecida proprietária de 100% da licença do produto “Calfomag’’.

Clique aqui para ler a sentença

Clique aqui para ler o acórdão

Execução fiscal 5000623-44.2017.4.04.7110/RS

Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS

DANO MORAL TRABALHISTA
Empregador condenado a pagar R$ 3 mil por atraso na quitação de verbas rescisórias

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O inadimplemento das parcelas rescisórias, por parte do empregador, causa abalo de natureza íntima no seu ex-empregado, dando ensejo à reparação por dano moral. Afinal, o trabalhador, por se constituir na parte hipossuficiente da relação trabalhista, fica desprovido de recursos necessários à sua sobrevivência.

Com este entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), no bojo de vários pedidos vertidos numa reclamatória trabalhista, acolheu recurso para condenar em danos morais uma empresa que presta serviços para uma indústria farmacêutica na cidade de Caxias do Sul. O valor da reparação foi arbitrado em R$ 3 mil.

Em sede de recurso, a reclamante disse ser evidente que o atraso no pagamento das verbas rescisórias a que tinha direito, por mais de três anos, lhe trouxe sofrimento. Afirmou que a conduta da reclamada constitui ato ilícito, nos termos do artigo 186 do Código Civil, tratando-se de dano moral presumido. No aspecto, pediu a reforma da sentença proferida pela 1ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul, que não reconheceu o ilícito.

Lesão da esfera íntima do trabalhador

A relatora do recurso ordinário na Corte trabalhista, desembargadora Tânia Regina Silva Reckziegel, observou que o pagamento das verbas resilitórias (aquilo que é devido ao empregado uma vez rompido o vínculo contratual) ocorreu fora do prazo legal, o que, inclusive, deu ensejo à condenação da demandada ao pagamento da multa prevista no artigo 477, parágrafo 8º, da CLT.

Segundo a magistrada, a Constituição Federal, diz, em seu art. 5º, inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. E o dever de indenizar, decorrente da prática deste ato ilícito, encontra previsão no Código Civil (CC), em seus artigos 186 e 927.

‘‘O dano moral pode ser definido como o evento apto a produzir efeitos de natureza interna e subjetiva no ser humano, causando tristeza, dor, sofrimento, e/ou quaisquer outros sentimentos capazes de afetar o lado psicológico. Desse modo, trata-se de lesão causada em aspectos da personalidade, atingindo a esfera íntima e valorativa da pessoa. É inegável que o atraso no recebimento das verbas resilitórias deixa o trabalhador sem condições de satisfazer suas obrigações financeiras ou prover seu próprio sustento ou de sua família’’, escreveu no voto.

Clique aqui para ler a sentença

Clique aqui para ler o acórdão

Reclamatória 0021607-33.2019.5.04.0401 (VT Caxias do Sul-RS)

 Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS

 

TRIBUTÁRIO
Razões para não modular os efeitos da decisão do STF no RE 1.063.187-SC – Tema 962

Por Claudio Tessari e Camila Pinheiro

O STF  julgou o mérito do RE 1.063.187-SC, publicado em 16.12.21, tema 962, fixando a tese “É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário’’.

A Fazenda Nacional opôs embargos de declaração (EDs), arguindo, também, a modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade com base na estabilidade da jurisprudência do STJ, especialmente a do REsp 1.138.695-SC, tema 505¹, que reconheceu a “higidez da cobrança tributária em questão”.

A modulação requerida no RE por meio dos EDs sugere dois momentos: a) 24.09.21 – data em que finalizado o julgamento virtual referente a inconstitucionalidade; ou b) 01.09.21 – data do agendamento da inclusão do processo em pauta para o dia 17.09.21, se não, o próprio dia de início do julgamento.

Ainda que a modulação possa ser requerida via embargos de declaração, a regra, quando o acórdão é omisso sobre os efeitos temporais, é a aplicação dos efeitos ex tunc (retroage), visando não estimular atos inconstitucionais.

Reconhecendo o estado de imperfeição das leis e dos padrões decisórios, o STF está autorizado a adotar decisão alternativa – ao considerar os impactos na segurança jurídica e no excepcional interesse social –, permitindo, excepcionalmente, a aplicação dos efeitos ex nunc (não retroage ou limita o prazo para retroação) por meio da modulação dos efeitos.

A modulação dos efeitos não encontra respaldo, específico, na Constituição Federal; seu alicerce é resultado das garantias constitucionais refletidas em legislação esparsa e no Código de Processo Civil (CPC), art. 927 que, em seu § 3º, assevera que “na hipótese de alteração de jurisprudência dominante (…) pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”, deixando claro que os dois requisitos (segurança jurídica e interesse social) devem estar presentes na medida em que utiliza “e no”.

Não se desconhece que as legislações de regência da matéria modulação – Leis 9868/99 (art. 27) e 9882/99 (art. 11) –, utilizam “ou” em relação aplicação dos referidos requisitos, mas, entendemos que no presente caso, pelas razões anteriores, deve prevalecer a aplicação do art. 927, § 3º, do CPC.

No entanto, ao se encorajar a aplicação de normas viciadas de inconstitucionalidade, se autoriza, também, a desobediência à Constituição. Como há muito defende o Ministro Marco Aurélio: “toda norma editada em desarmonia com essa última é nula, natimorta”²; ou seja, não a admite sob hipótese alguma.

Contudo, a modulação dos efeitos da decisão proferida nos autos do RE 1.063.187-SC está posta e precisa ser enfrentada pelo STF, e acreditamos existirem razões para que tal pleito seja indeferido.

É que desde meados de 1970 o STF trilha o caminho de parametrização da modulação dos efeitos, acatando a segurança jurídica e o excepcional interesse social como requisitos para outorgar efeito ex nunc às decisões que declaram a inconstitucionalidade e exigem a modulação dos efeitos da decisão no tempo.

Tem-se que os direitos fundamentais, alicerçados na segurança jurídica e no excepcional interesse social, são conquistas caras tanto da sociedade quanto processuais e democráticas. Por isso, a Constituição Federal é colocada em primeiro plano; ou seja, a modulação dos efeitos no tempo “trata-se de fenômeno anormal que se deseja seja raro”³ e trabalhado nos limites das previsões constitucional e legal, já que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição da República Federativa do Brasil” (art. 1º do CPC).

Prima-se pelo discurso jurídico, o qual deve ser enfrentado com precisão, profunda justificação, já que o dever de fundamentação outorga voz às decisões judiciais e garante que graves equívocos não sejam praticados, considerando que a declaração de inconstitucionalidade não é matéria a ser revisitada.

Quando a Fazenda Nacional traz à baila a segurança jurídica, para pleitear a modulação no RE 1.063.187-SC, da forma como fez – ou seja, fundamentando na estabilidade da jurisprudência do STJ (REsp 1.138.695-SC) –, sem dúvida provoca a aplicação do art. 927, § 3º, do CPC, e também evoca, implicitamente, os interesses públicos enquanto defensora do caixa fiscal (tributário), ignorando os excepcionais interesses sociais em nome do equilíbrio financeiro do Estado que, sempre, envolverá expressivo contingente de dinheiro. As razões consequencialistas são inadmissíveis e imprecisas diante da ausência técnica e concreta das informações prestadas. De qualquer forma, autorizar o Estado a aproveitar-se da própria torpeza é temerário e inaceitável.

A segurança jurídica é um bom argumento jurídico, mas não caminha sozinho na modulação dos efeitos já que, conforme demonstrado, há indispensabilidade do excepcional interesse social cumulada a esse.

Pertinente destacar a dissonância entre o interesse público e o social, aqui, em especial, essas expressões não podem ser confundidas e/ou utilizadas como sinônimos. O interesse público permeia os interesses do Estado (consequencialismo), já o interesse social – diante de um recorte conceitual – é baseado na segurança social, afastando todo e qualquer caráter político ou fiscal-arrecadatório.

A definição e aplicação do excepcional interesse social não é tarefa fácil, não está prescrita na legislação, em livros, sequer nas decisões judiciais, mas sem dúvida corresponde aos interesses dos administrados (sociedade), não dos administradores do Estado. Por isso, diz-se que o Estado tem o papel de executor dos interesses públicos e defensor dos interesses sociais frente à Constituição Federal.

Georges Abboud4 expõe que “os direitos fundamentais são limites para a atuação de qualquer poder público”, jamais podendo “ser suprimidos ou restringidos com fundamento em uma suposta primazia do interesse público por meio de decisão de inconstitucionalidade que venha privilegiar o interesse do Poder Público em detrimento dos direitos dos jurisdicionados”.

Em relação à atribuição de efeitos moduladores no presente caso, não se está diante da segurança como proteção dos direitos individuais dos cidadãos, mas da segurança social, exigindo-se a demonstração de prejuízo real à segurança jurídica e ao excepcional interesse social, profunda análise do caso jurídico e, ainda, ponderação e fundamentação da decisão, tudo para evitar o deferimento de uma modulação equivocada.

Diante do exposto, entendemos que não estão presentes todos os requisitos necessários que para o STF, de forma válida e constitucional, module os efeitos da decisão proferida no RE 1.063.187-SC, na medida em que para modulação:

a) é imprescindível que a segurança jurídica esteja conjugada ao excepcional interesse social (art. 927, 3º, do CPC), que necessariamente, por se constituírem em conceitos abertos, vagos e indeterminados devem ter suas presenças devidamente justificadas e fundamentadas por meio de uma interpretação integrativa – lei material, lei processual e preceitos constitucionais – para garantir os direitos fundamentais constitucionais e processuais;

b) ao estabelecer tal fundamentação, deverão ser afastadas as hipóteses que caracterizam razões de interesse público, em substituição ao excepcional interesse social, pois a decisão a ser proferida influenciará as obrigações da organização do Estado, enquanto ente público, ou seja, fazendo-se uma comparação entre a disposição/interpretação constitucional que foi infringida pela lei – então declarada inconstitucional – e os valores constitucionais que representam os efeitos produzidos pelo ato inconstitucional, forçoso é concluir que haverá reflexo no Estado-administrador e, não, no Estado-social;

c) o efeito consequencialista ao caixa do Estado-admininstrador, ainda que sob a névoa da segurança jurídica, só pode ser utilizado de forma válida se, efetivamente: 1) também, restar demonstrado (tecnicamente) o expressivo valor pecuniário que foi recolhido de forma inconstitucional pelos Contribuintes aos cofres públicos a título de IRPJ e CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário, ou seja, necessariamente deve ser feita uma comparação – sopesamento – entre o valor arrecadado e o valor a restituir; c.2) a diferença aritmética/pecuniária entre o primeiro e segundo valores der negativa. Assim, não há como, simplesmente, arguir que o “Estado vai quebrar se não for aplicado o efeito modulador, in casu”.

Cláudio Tessari é doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.  Mestre em Direito pela UniRitter Laureate International Universities. Especialista em Gestão de Tributos e Planejamento Tributário Estratégico pela PUCRS. Professor visitante de vários cursos de pós-graduação lato sensu e LLM. Sócio do Instituto de Estudos Tributários – IET. Membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/RS. Advogado Tributarista

Camila Bandel N. Pinheiro é pós-graduada em Direito Tributário. Advogada

______________________________________________________________________________________________________

1 “Quanto aos juros incidentes na repetição do indébito tributário, inobstante a constatação de se tratarem de juros moratórios, se encontram dentro da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dada a sua natureza de lucros cessantes, compondo o lucro operacional da empresa”
2 A título de exemplo: ADI 6167 ED; ADI 6518, ADI 4712; ADI 4782; ADI 5469;ADI 5681; ADI 6321; ADI 3601 ED; ADI 3609; ADI 3660.
3 ALVIM, Teresa Arruda. Uma novidade perturbadora no CPC brasileiro de 2015: a modulação. Revista de Processo, v. 312, São Paulo: Thomson Reuters, fev. 2021, p. 301-330. E-book.
4 ABBOUD, Georges. Processo Constitucional Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. E-book.