CAPITALISMO DE PLATAFORMA
Em decisão inédita, VT paulistana reconhece vínculo entre trabalhadores e empresa de crowdwork

Imprensa MPT

A 59ª Vara do Trabalho de São Paulo, em sentença proferida no dia 10 maio, reconheceu o vínculo empregatício dos chamados ‘‘trabalhadores de plataforma digital’’ que prestam serviço para a Ixia Gerenciamento de Negócio Ltda. (empresa de crowdwork), determinando a anotação das Carteiras de Trabalho e Previdência Social (CTPS).

O juízo trabalhista também proibiu a empresa de contratar e manter novos empregados como microempreendedor individual (MEI) ou autônomo. Por fim, foi condenada a pagar R$ 130 mil, a título de dano moral coletivo. Cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2)

A decisão é consequência de ação civil pública (ACP) ajuizada pelo procurador do trabalho Rodrigo Barbosa de Castilho, do Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT-SP). Trata-se do primeiro julgamento sobre o tema em ação coletiva na Justiça do Trabalho no Brasil.

O procurador Rodrigo Castilho destacou a importância dessa decisão de primeiro grau. Segundo ele, é um marco nas relações de trabalho no Brasil. ‘‘Um daqueles casos paradigmáticos para formar jurisprudência e inspirar outros magistrados, no Brasil e no mundo. A sociedade espera justamente isso das instituições: coragem para tomar decisões em busca de um país mais justo e menos desigual.”

Entenda o caso

O MPT-SP processou a Ixia Gerenciamento de Negócio após concluir, em investigação, que os trabalhadores que prestam serviço à empresa preenchem os requisitos necessários para o reconhecimento do vínculo empregatício – a onerosidade, a pessoalidade, a não eventualidade e a subordinação. A empresa alegou que os trabalhadores seriam ‘‘empreendedores’’.

Entretanto, para a juíza do trabalho Camila Costa Koerich, a tese não se sustenta. “Não existe empreendedorismo que seja realizado. Qual seria a atividade econômica e a qual risco econômico está submetido [o trabalhador], senão em relação ao valor econômico de seu trabalho (que não é estipulado por ele), horários de trabalho (disponibilizados pela reclamada e que devem ser cumpridos) e exercício de atividade (escolhida pela reclamada)?”, questiona.

Para a magistrada, o trabalhador não pode ser visto como uma mercadoria. E exemplificou: até mesmo a nomenclatura utilizada internacionalmente para os trabalhadores da área – crowdworking (human-as-a-service) – já demonstra o potencial de precarização do Direito do Trabalho.

No site oficial da Ixia, a empresa afirma que ‘‘melhora a qualidade e velocidade do atendimento, eliminando erros humanos, garantindo a cordialidade e a precisão das informações fornecidas’’. Além disso, garante que ‘‘valoriza as pessoas por automatizar tarefas repetitivas, liberando-as para agregar valor’’.

O que é crowdwork?

O crowdwork é uma forma de trabalho que surge e se desenvolve no contexto do capitalismo de plataforma. Em muitos casos, as pessoas são contratadas via plataforma digital para desempenhar atividades, na maioria das vezes, de baixa complexidade, para terceiros. Elas realizam o que se chama de microtarefas, atividades muito curtas que duram segundos ou poucos minutos.

O solicitante, por meio da plataforma digital, requisita o serviço de terceiros para uma determinada atividade. A seleção é feita, geralmente, por ordem de chegada.

A testemunha ouvida no processo judicial trabalhista, por exemplo, tinha como única atividade ouvir áudios e compreender o que a pessoa falava naquele áudio, corrigindo eventual falha ou falta de ‘‘conhecimento’’ da inteligência artificial (IA).

Segundo o procurador Renan Kalil, especialista no assunto, “em várias plataformas de crowdwork, conforme os seres humanos vão realizando essas atividades e ‘treinam’ as tecnologias, as capacidades de inteligência artificial avançam. É um ciclo virtuoso para as empresas de tecnologia, mas nem tanto para os trabalhadores, que vivenciam condições de trabalho precárias. Diversos autores chamam essas tarefas feitas pelos trabalhadores de ‘trabalho fantasma’, ‘trabalho escondido’ e ‘atrás das cortinas’, o que evidencia sua invisibilidade”, aponta.

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Processo 1000272-17.2020.5.02.0059/SP

TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS
TST admite sucessão entre empresas que assumiram créditos devidos a vigilante

Secom/TST

Ministro Agra Belmonte decidiu monocraticamente    Foto: Secom TST

O ministro Agra Belmonte, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), deferiu pedido de sucessão processual da Explorer II Fundo de Investimento em Direitos Creditórios não Padronizados como credora dos valores devidos a um vigilante de São Paulo (SP). Os créditos haviam sido cedidos pelo profissional à Pro Solutti Consultoria e Investimentos em Ativos Judiciais, que, por sua vez, os cedeu à Explorer. Com isso, o vigilante foi excluído da ação.

Entenda o caso

A reclamação trabalhista foi ajuizada em 2018 contra a Pentágono Serviços de Segurança Ltda., que prestava serviços para o Hospital Cruz Azul São Paulo. As duas empresas foram condenadas ao pagamento de diversas parcelas, como 13º salário proporcional, aviso-prévio e multa sobre o saldo do FGTS.

O caso chegou ao TST por meio de agravo de instrumento interposto pela Cruz Azul. Em janeiro de 2022, a Explorer apresentou petição informando e comprovando ser cessionária de instrumento particular de cessão e transferência de direitos creditórios trabalhistas pactuado com a Pro Solutti, que, por sua vez, era a detentora do crédito decorrente da reclamação trabalhista, em razão da cessão anteriormente pactuada com o vigilante. Requereu, assim, que passasse a constar como parte da ação.

Cessão

A cessão de crédito é um negócio jurídico bilateral, gratuito ou oneroso, que permite que o credor transfira a um terceiro seus direitos em uma relação obrigacional. Com a transferência, o novo credor assume todos os direitos, ações, privilégios e garantias do credor originário. A matéria é disciplinada pelo Código Civil (artigos 286 e 298).

Em sua decisão monocrática, o ministro Agra Belmonte explicou que, embora a CLT não disponha expressamente sobre o tema, o Código Civil pode ser aplicado ao caso. Assinalou, ainda, que a cessão de crédito trabalhista está prevista na Lei de Falências (Lei 11.101/2005, artigo 83, parágrafo 5º) e mesmo na Lei 14.193/2021, que institui a Sociedade Anônima do Futebol.

Urgência

Sem vedação expressa em lei, o relator considera que a cessão de crédito devidamente constituído em juízo não configura renúncia de direitos trabalhistas. “Desde que observados os requisitos de validade do negócio jurídico, é uma ferramenta a ser utilizada por  aquele trabalhador que, diante da demora na resolução da ação, necessita satisfazer com maior urgência as suas necessidades”, afirmou.

Consentimento tácito

Ao receber a petição, o ministro deferiu prazo para que a Cruz Azul, autora do agravo de instrumento, se manifestasse, mas não houve resposta. Em relação a esse ponto, o ministro lembrou que o artigo 109, parágrafo 1º do Código de Processo Civil (CPC) não exige o consentimento expresso da parte contrária, e, assim, a sucessão processual pode ser admitida na forma tácita.

A razão para a admissão tácita, segundo o relator, é que a  possibilidade de cessão do crédito não está condicionada ao consentimento do devedor, que não pode impedi-la. “A sua eficácia está condicionada à notificação ou à ciência do devedor apenas para ciência de que agora deve pagar ao cessionário, e não mais ao cedente”, concluiu.

Leia aqui a decisão do ministro

AIRR-1000508-86.2018.5.02.0075

PROPRIEDADE INDUSTRIAL
TJ-RS condena concorrente por contrafação de desenho industrial de garrafa térmica

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A violação de desenho industrial, por parte do concorrente, é prática de contrafação, conduta ilícita que caracteriza concorrência desleal. Logo, o dano moral é presumido; isto é, a parte prejudicada nem precisa provar os prejuízos para ter direito à reparação.

Nesta linha de raciocínio, amparada em jurisprudência superior, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) acolheu apelação para condenar uma metalúrgica da Serra gaúcha a pagar R$ 15 mil, a título de danos morais, à Termolar.  A concorrente copiou o formato de uma tradicional garrafa da Termolar, o que já havia lhe rendido condenação em danos materiais no primeiro grau – confirmada em grau recursal.

‘‘Atinente ao pedido da parte autora de destruição dos moldes e ferramentas destinados à fabricação da garrafa térmica com bomba diamante, tenho que não merece provimento, uma vez que a determinação de abstenção de produção e comercialização do produto pela ré Soprano, sob pena de incidência de multa para o descumprimento, já se mostra suficiente’’, escreveu no acórdão a desembargadora-relatora Isabel Dias Almeida, negando, no ponto, este pedido.

Ação indenizatória por contrafação de desenho industrial

Termolar S/A, tradicional fabricante de produtos de isolamento térmico, sediada em Porto Alegre, ajuizou ação indenizatória por contrafação do desenho industrial da sua garrafa térmica “Magic Pump” pela concorrente Soprano Eletrometalúrgica e Hidráulica Ltda, localizada na cidade de Farroupilha. A garrafa do concorrente, discorreu na inicial, possui as características essenciais do desenho industrial (DI) do seu produto – registrado com exclusividade no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) em maio de 1999.

Embora ambos apresentem-se visualmente parecidos, garantiu, a “Magic Pump” tem características ornamentais que a tornam única no mercado, passível de fácil reconhecimento pelo consumidor mesmo sem visualização da marca Termolar. Em vista da contrafação de desenho industrial protegido, a autora pediu ao juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Farroupilha a condenação da Soprano em danos morais e materiais, dando à causa o valor de R$ 50 mil.

Sentença de parcial procedência

A juíza Cláudia Bampi julgou a ação parcialmente procedente. Condenou a Soprano a indenizar a Termolar em danos materiais, em valores a serem apurados em liquidação de sentença; e a de se abster de produzir e vender produto com desenho industrial (DI 5900541-6) da autora, sob de multa no valor de R$ 10 mil por infração.

Para a julgadora, a perícia técnica demonstrou que o produto da empresa ré, denominado ‘‘garrafa térmica com bomba diamante’’, possui características exclusivas da patente concedida à empresa autora da ação indenizatória. E isso basta para comprovar a contrafação – copia de desenho industrial. Afinal, o direito de propriedade industrial recebe proteção tanto no inciso XXIX do artigo 5º da Constituição como nos artigos 2º e 95 da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96).

O artigo 95, citado na sentença, é elucidativo: ‘‘Considera-se desenho industrial a forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial’’. Se houver violação de direito, o artigo 208 da mesma Lei prevê: ‘‘A indenização será determinada pelos benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido’’.

Prova técnica da contrafação

Segundo salientou o perito no laudo, ‘‘o desenho da ‘Garrafa térmica com Bomba Diamante’, da parte ré, apresenta alterações básicas que preenchem o requisito de novidade, em relação ao desenho da ‘Garrafa Térmica Magic Pump’, registrado pela parte autora no DI5900541-6. Entretanto, as diferenças verificadas não são suficientes para resultar em uma configuração visual de fato distinta da anterior; isto é, a representação não apresenta originalidade. Ante ao exposto, pode-se concluir que a forma plástica ornamental do produto da parte autora foi repetida no desenho da parte ré’’.

Ao fim e ao cabo, ficou comprovado o uso ilícito de desenho industrial, o que enseja o dever de indenizar, conforme dispõem os artigos 44, 208 e 209 – todos da Lei 9.279/96. ‘‘Entendo que é notório que a parte demandante deixou de faturar com o uso indevido de seu desenho e que a parte demandada auferiu lucro com a fabricação e venda de tais produtos. Em decorrência disso, faz-se necessário condenar a parte requerida [Soprano] à reparação dos danos materiais, consistentes em perdas e danos, causados à autora’’, registrou a sentença.

A juíza Cláudia Bampi negou, entretanto, o pedido de reparação moral, sob o argumento de que a parte autora não conseguiu provar, cabalmente, que o uso indevido do seu ‘‘desenho industrial’’ lhe trouxe prejuízos de imagem – a sentença, em flagrante erro material, refere prejuízos à ‘‘marca’’ ao invés de ‘‘desenho’’ – o foco do litígio.

Apelações ao Tribunal de Justiça

Da sentença, ambos os litigantes apelaram. A ré Soprano suscitou uma série de nulidades processuais, denunciou vício no laudo pericial e alegou litispendência de ações sobre propriedade industrial no âmbito da Justiça Federal – o que levaria à anulação da sentença e/o à suspensão ou extinção do processo.

A Termolar reiterou o pedido de danos morais presumido, decorrente da conduta perpetrada de contrafação e de atuação anticoncorrencial. Também requereu a destruição dos moldes utilizados na prática de contrafação, bem como dos objetos resultantes do ilícito. Disse que a destruição é necessária para garantir a determinação de abstenção.

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Ação ordinária 048/1.13.0001096-4 (Farroupilha-RS)

Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS

 

LEILÃO JUDICIAL
Impenhorabilidade de bem de família tem de ser alegada antes da assinatura da carta de arrematação

Imprensa STJ

Ao negar provimento ao recurso especial (REsp) interposto por uma devedora, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que é incabível a alegação de impenhorabilidade de bem de família após a realização do leilão judicial do imóvel penhorado e o término da execução, caracterizado pela assinatura do auto de arrematação.

O colegiado considerou que, a partir dessa assinatura, surgem os efeitos do ato de expropriação em relação ao devedor e ao arrematante, independentemente do registro no cartório de imóveis, o qual se destina a consumar a transferência da propriedade com efeitos perante terceiros.

No caso dos autos – uma execução de título extrajudicial –, a devedora invocou a proteção ao bem de família, com base na Lei 8.009/1990, cerca de dois meses depois da arrematação de parte de um imóvel de sua propriedade. O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) negou o pedido, sob o fundamento de que tal alegação deveria ter sido feita antes da arrematação.

Bem leiloado deixa de pertencer ao devedor antes da transferência de propriedade

Ao STJ, a devedora argumentou que, como a carta de arrematação não havia sido registrada na matrícula do imóvel, a execução não teria terminado, de acordo com o artigo 694 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973. Ela também apontou precedentes da Corte que teriam admitido a análise da impenhorabilidade do bem de família após a arrematação.

Segundo a ministra Isabel Gallotti, relatora do recurso na Quarta Turma, após a conclusão do leilão, independentemente do registro da carta de arrematação no cartório, o devedor já não pode desconhecer sua condição de desapropriado do imóvel que antes lhe pertencia.

A magistrada explicou que, lavrado e assinado o auto, a arrematação é considerada perfeita, acabada e irretratável, suficiente para a transferência da propriedade do bem, nos termos do artigo 694 do CPC de 1973.

A ministra observou que, no caso analisado, transcorreram cerca de cinco anos entre a penhora e a assinatura do auto de arrematação sem que a devedora alegasse que o imóvel seria destinado à residência da família – apesar de ela ter recorrido da penhora. ‘‘No caso presente, a execução encontra-se exaurida em relação ao bem arrematado’’, declarou Gallotti.

Precedentes citados não se aplicam ao caso

A relatora afirmou ainda que a decisão do TJ-GO está alinhada com a jurisprudência do STJ, no sentido de que a impenhorabilidade do bem de família é matéria de ordem pública, que pode ser analisada pelo juiz a qualquer momento – mas apenas antes da assinatura da carta de arrematação do imóvel (AgInt no AREsp 377.850).

Ao manter o acórdão recorrido, a ministra observou que não se aplicam ao caso os precedentes do STJ indicados pela devedora – seja porque não tratam de bem de família, que é regido por lei especial (Lei 8.009/1990), seja porque não examinaram a questão sob o enfoque do artigo 694 do CPC de 1973, fundamento da decisão do TJ-GO.

REsp 1536888

 

O PODER DOS RELATOS
Canal de denúncia é ferramenta que fortalece o programa de compliance trabalhista

Por Christian Charles do Carmo de Ávila

O compliance faz parte da estrutura de Governança Corporativa e tem como foco principal evitar a ocorrência de não conformidades; ou seja, impedir que leis, normas ou regras internas sejam desrespeitadas, evitando, assim, atos de corrupção em todos os níveis.

É possível, assim, afirmar que o setor responsável pelo compliance da empresa tem a função de monitorar e assegurar que todos os envolvidos estejam de acordo com as práticas de conduta da organização.

Dentre outros pilares que compõem um programa de integridade, abordaremos o pilar relativo ao canal de denúncia, que está inserido dentro de um mais abrangente, como o do monitoramento. Isso em razão de se tratar de uma ferramenta de uso contínuo que permite a verificação de não conformidades a partir de relatos internos e externos.

Rogéria Gieremek¹, uma das grandes vozes do compliance nacional, salienta que o monitoramento e os testes de controle visam a verificar, na prática, a aderência dos processos e procedimentos estabelecidos com a lei e as normas internas da empresa. Aqui, entrariam, também, as due diligences, as auditorias e as investigações, internas e externas, no trinômio detecção-tratamento-resposta a incidentes.

Um canal de denúncia pode estar localizado dentro da própria estrutura da empresa ou, externamente, através de empresa contratada para este fim. Aliás, esta última possibilidade pode ser entendida por alguns como a mais independente e profissional. Isso, certamente, traria mais segurança e estimularia os denunciantes a se utilizar desta ferramenta.

Segundo a doutrina de Melo, Silva e Souza², diversas são as contribuições dos canais de denúncia: tornar a empresa mais protegida contra os eventos de fraudes e comportamentos antiéticos; fornecer transparência aos processos de negócio e às relações entre os diversos agentes da governança; inibir desvios de conduta e melhorar o ambiente de trabalho; e suportar a atuação da auditoria interna com informações relevantes e atualizadas..

Por meio do canal de denúncia, qualquer colaborador, terceiro ou mesmo cliente, pode comunicar à empresa, por exemplo, eventos relacionados a desvio de mercadorias, uso impróprio de bens, incluindo veículos – inclusive, se determinado motorista prestar serviços para terceiros enquanto em atividade para o seu empregador. Ainda, auxilia na denúncia de abusos ocorridos nas relações de trabalho por superiores hierárquicos, podendo também, proteger a empresa de falsas acusações desta natureza, como é possível verificar no seguinte julgamento do recurso ordinário (RO) 0000639-29.2014.5.04.0733 oriundo do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, RS):

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. Hipótese em que os elementos probatórios contidos nos autos não confirmam a ocorrência dos danos morais alegados pela reclamante a ensejar o deferimento da pretensão de indenização a tal título. Recurso ordinário não provido.

(…) a reclamada tinha programa de compliance no qual um funcionário poderia telefonar e comunicar situação de assédio, sendo um 0800; a depoente não telefonou para este número porque as pessoas que sabe que ligaram foram despedidas; a ligação é anônima, mas não sabe quais são os procedimentos internos de andamento da denúncia; (…)

A própria reclamante narrou que a ré tinha um programa de ‘‘compliance’’ em que poderia denunciar eventual assédio moral, restando garantido o anonimato de quem denunciasse, fato que foi corroborado pela última testemunha ouvida e indica uma postura proativa da ré para coibir o assédio moral no seu ambiente de trabalho.

Da leitura do depoimento da autora em conjunto com a documentação trazida pela reclamante, noto que a autora não passou por transtornos psiquiátricos no período do alegado programa de terceirização, tendo as manifestações da autora se iniciado quase dois anos após o término do citado programa.

Como visto, esta ferramenta alerta a empresa sobre comportamentos reprováveis de funcionários, o que auxiliará na aplicação de sanções ou até mesmo na demissão destes funcionários por justa causa em face de atos graves que venham a causar danos financeiros ou à sua imagem. Foi o que ocorreu no julgamento do RO 1001193-41.2021.5.02.0705, oriundo do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, SP), em que uma funcionária foi demitida por justa causa por desrespeitar o código de ética e o regramento interno da empresa:

‘‘Pede a autora a nulidade da justa causa aplicada, sob argumento de que fora injustamente acusada de manter relacionamentos afetivos com todos os representantes de empresas de remoção, se beneficiando de ‘mimos’, frequentando bares e restaurantes com eles. Aduz que houve denúncia ao setor de compliance e lhe foi negado acesso ao teor da denúncia e, posteriormente, fora dispensada por justa causa.

‘‘A reclamada afirma que houve denúncia, iniciando apuração dos fatos e concluindo em razão das provas colhidas que os atos da autora se enquadrou como mau procedimento, eis que revelou segredo do qual tinha conhecimento, violando código de conduta e favorecendo participante em processo licitatório em trâmite.

‘‘Dos áudios colacionados pela reclamada, extraio que a reclamante entrou em contato com o Sr. André, (…) informando acerca da denúncia e procedimento administrativo que envolvia a autora (…). Nas mensagens de whatsapp apresentadas nos (…) constato que a autora fornece informações acerca de valor de contrato com outra empresa (…).

‘‘Extraio do relatório de investigação interna, (…) que houve novas informações acerca do vazamento de informações por parte da autora. (…) Na 11ª cláusula do contrato de trabalho celebrado entre as partes, fls.224, consta expressamente o comprometimento da autora em não revelar ou divulgar a terceiros, bem como não utilizar de modo algum nenhuma informação confidencial ou não de que tenha conhecimento ou acesso em razão da profissão e atribuições desempenhadas na reclamada, sob pena de enquadramento aos termos do artigo 482 da CLT.

‘‘Às fls. 231, a reclamada apresenta termo de confidencialidade assinado pela autora, (…). Do todo analisado, entendo que a autora, efetivamente, inobservou regramento interno da reclamada e expresso no termo de confidencialidade e em cláusula do contrato de trabalho celebrado entre as partes(…).

‘‘Sendo assim, não procede o pedido de nulidade da justa causa (…)’’

Como visto, o canal de denúncia se mostra uma ferramenta versátil e imprescindível para a manutenção do programa de compliance, devendo sempre ser considerada quando da adoção de um programa de conformidade trabalhista.

Christian Charles do Carmo de Ávila é advogado especializado em Direito e Processo do Trabalho e Compliance Trabalhista

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¹ A aplicabilidade da Lei anticorrupção brasileira às sociedades de economia mista. Revista de Direito Administrativo Contemporâneo. Vol. 22, ano 4, São Paulo: Ed. RT, Jan-fev. 2016, p. 177
² MELO, Hildegardo Pedro de Araújo; SILVA, Gilson Rodrigues da; SOUZA, Rossana Guerra de. A proteção do anonimato e a Eficácia do Compliance: Um estudo experimental sobre a influência do Canal de denúncia Anônima na Comunicação de problemas de Compliance no Brasil. São Paulo, 2016, p. 6. Disponível em: <https://congressousp.fipecafi.org/anais/artigos162016/50.pdf>. Acesso em: 10 mai. 19.