CONFLITO DE COMPETÊNCIA
STJ suspende execução trabalhista contra Transportes Dalçoquio, em recuperação judicial

Imprensa STJ

Ministro Humberto Martins // Foto: Imprensa STJ

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, concedeu liminar para suspender os atos executórios promovidos em uma vara trabalhista do Rio Grande do Sul contra a empresa Transportes Dalçoquio. A decisão se deu em conflito de competência (CC) entre o juízo trabalhista e a vara cível que processa a recuperação judicial da transportadora.

A empresa, uma das maiores do país em seu ramo, teve o pedido de recuperação deferido em 2016 pela 5ª Vara Cível de Itajaí (SC), que determinou a suspensão das ações e execuções movidas contra ela. Apesar disso, a 5ª Vara do Trabalho de Canoas (RS) determinou o prosseguimento de uma execução em reclamatória trabalhista.​​​​​​​​​

A liminar do presidente do STJ sustou os atos executórios da Justiça do Trabalho contra a transportadora. ​No conflito de competência suscitado perante o STJ, a transportadora sustenta que a deliberação sobre seu patrimônio e a autorização para o pagamento de créditos ‘‘inegavelmente concursais’’ cabe ao juízo universal da recuperação.

Juízo universal decide sobre atos que afetam o patrimônio da empresa

Ao analisar o caso, o ministro Humberto Martins salientou que quaisquer atos judiciais que envolvam o patrimônio de empresas falidas ou em recuperação, na vigência da antiga Lei de Falências (Decreto-lei 7.661/1945) ou da nova (Lei 11.101/2005), devem ser realizados pelo juízo universal.

O ministro destacou que, pela jurisprudência do STJ, estão sujeitas a esse juízo quaisquer deliberações acerca da destinação dos valores dos depósitos recursais feitos em reclamatórias trabalhistas, ainda que efetivados anteriormente à decretação da falência ou ao deferimento da recuperação.

‘‘Mesmo em relação aos créditos não sujeitos à recuperação judicial, é competente o juízo da recuperação para determinar a suspensão dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial durante o prazo de suspensão previsto no artigo 6º, parágrafo 4º, da Lei 11.101/2005’’, completou Martins.

Razoabilidade jurídica do pedido de liminar foi demonstrada

O presidente do STJ esclareceu também que, em regra, aprovado o plano de recuperação, ‘‘é incabível a retomada automática das execuções individuais, mesmo após decorrido o prazo de 180 dias previsto no artigo 6º, parágrafo 4º, da Lei 11.101/2005’’.

Para o ministro, ficou comprovada a razoabilidade jurídica do pedido de liminar, bem como o risco da demora, pela iminência de atos constritivos, tendo em vista que houve despacho proferido pela vara trabalhista determinando a intimação da empresa para o pagamento dos valores apurados.

A suspensão da execução vale até a análise definitiva do conflito de competência pela Segunda Seção do STJ, sob a relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Clique aqui para ler a decisão liminar

CC 189835-SC

 

 

DIREITO AGRÁRIO
Equívoco da não indenização da posse na faixa de fronteira

Por Eduardo Diamantino

Não é uma novidade o entendimento dos Tribunais Regionais Federais sobre a não indenização de imóveis desapropriados na faixa de fronteira do Brasil, sob o argumento de que seriam bens da União e, logo, detidos de forma precária. Nessa questão, temos uma novidade e uma crueldade. A novidade é que com o julgamento do RE 1.010.919, que entendeu pela imprescritibilidade da Ação Civil Pública para discutir domínio, o raciocínio deve causar ainda mais estragos no Direito Agrário Brasileiro. A crueldade é que está se aplicando o entendimento de forma mais danosa possível ao proprietário rural.

É preciso voltar à Súmula 477, do Supremo Tribunal Federal (STF), que no final da década de 1960 determinou: ‘‘As concessões de terras devolutas situadas na faixa de fronteira, feitas pelos estados, autorizam, apenas, o uso, permanecendo o domínio com a União, ainda que se mantenha inerte ou tolerante, em relação aos possuidores’’. Tal súmula carrega um enorme casuísmo em sua elaboração, já que apenas três apelações ensejaram a sua edição. Além disso, é ultrapassado e descabido o argumento de que a proteção à faixa de fronteira é necessária à segurança nacional.

Acontece que a realidade fundiária brasileira mostra que a ocupação desse território se deu de forma distinta do determinado no mundo do Direito. A faixa de fronteira brasileira, especialmente na Região Sul do país, foi sendo ocupada por títulos de concessão estaduais ou mesmo das formas de registro anterior sem resistência alguma da União.

Dado o valor econômico das áreas, surgiram conflitos de ocupação. Em um esforço de economia do discurso, é possível dizer que existiam ao menos quatro lados nessa questão: os proprietários das terras que as tinham com registro nos cartórios de imóveis, os posseiros, os estados que haviam titulado as mesmas aos produtores e a União. Considerando que competia à União, através do Incra, tratar da política fundiária brasileira, a ele caberia regularizar a questão.

Deveria ter organizado as ações discriminatórias, conforme previsto na Lei 6.383/76, e resolvido a questão. Não foi o que ocorreu. Foi preferido o fácil caminho da desapropriação para fins de reforma agrária e estabelecida a confusão sobre a área.

Assim, nas décadas de 1970 e 1980, ocorrerem desapropriações na área, destinação das mesmas aos assentados, como se do particular fossem. Tudo isso com problemas no título de domínio. Ou seja, em um dado momento, se usava esse argumento para deixar de pagar a indenização.

A questão era tão sui generis que a jurisprudência da época, procurando dar um desfecho equitativo à questão, passou a admitir que a posse de boa-fé, provada por título registrado em cartório e exercida de forma mansa e pacífica, ensejava a indenização em 60% do valor total. Nesse sentido, no próprio TRF-4, o acórdão da Apelação 20140059934 é exatamente nesse sentido.

Não poderia fazer de forma diferente: I) os proprietários haviam adquirido as terras diretamente dos estados membros, com toda a aparência de legalidade; II) já haviam sido surpreendidos com uma súmula precoce e equivocada editada pelo Supremo Tribunal Federal; e III) haviam sido esbulhados de lá por desapropriação; logo, ao menos, receber pela posse parece ser o mais arrazoado.

Existem mais argumentos a favor dessa questão: não se tratam de  bens indispensáveis à União. Os bens da União podem ser: de uso comum, especiais e dominiciais, que são os aqui tratados. Existe uma gradação de sua importância e desafetação. Prova disso é o disposto no artigo 101 do atual Código Civil. O artigo 67, do Código Civil da época, autoriza a alienação dos referidos bens dentro de condições legais específicas. A forma de posse também conta. O próprio DL 9.760, de 1946, que trata da ocupação de bens da União, diferencia no parágrafo único do artigo 71 a posse de boa fé.

Entender de forma diferente é misturar o joio ao trigo. É isso que está ocorrendo. Aqui reside a crueldade mencionada. A novel jurisprudência vem entendendo por não indenizar de forma alguma os desapropriados de boa-fé, deixando-os à míngua de qualquer reparação pelos prejuízos sofridos.

Com a novidade tratada no início deste artigo, a AGU e o MPF terão permissão para revisitar toda a questão, provocando outro efeito nefasto: a insegurança jurídica. A decisão definitiva proferida em ação de desapropriação pode ser revisitada por meio de ação civil pública, em defesa do patrimônio público, para discutir a dominialidade do bem expropriado, mesmo expirado prazo decadencial para propositura de ação rescisória.

Por isso, essa guinada jurisprudencial há de ser revista. Feita dessa forma só atende aos cofres públicos, que estarão livres de indenizar e poderão aplicar os recursos como bem entenderem.

Eduardo Diamantino é vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABTD) e sócio do escritório Diamantino Advogados Associados

COMÉRCIO ELETRÔNICO
TRF-4 mantém multa à OLX por não impedir a venda de produtos ilegais na sua plataforma

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

As plataformas de comércio eletrônico podem ser responsabilizadas por anúncios divulgados nas suas páginas virtuais, se esses violarem o Código de Defesa do Consumidor (CDC) ou atentarem contra o meio ambiente e a saúde pública. Afinal, dispõem de meios tecnológicos para identificar anúncios irregulares sem que se faça necessária notificação prévia com indicação da URL para a remoção do conteúdo.

A conclusão é da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) ao negar apelação da OLX (Bom Negócio Atividades de Internet Ltda), que impetrou mandado de segurança (MS) contra a Fiscalização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em Curitiba, para se eximir de pagar multa por veicular anúncio de azeite argentino sem registro no Brasil.

Sobre o produto, recai a suspeita da adição de outros óleos que o descaracterizam como azeite de oliva, o que constitui fraude ao consumidor. Segundo a fiscalização do Mapa, também há indícios de que ingressa de forma ilegal no Brasil.

O relator da apelação no colegiado, desembargador Rogério Favreto, confirmou integralmente a sentença que reconheceu a legalidade da multa aplicada à OLX. Para o relator, o Marco Civil da Internet e a jurisprudência superior que garante a liberdade de expressão e impede a censura não afastam a aplicação das demais normas do ordenamento jurídico.

Ao contrário, advertiu, o Marco Civil deve se harmonizar com estas normas de forma a evitar a utilização da internet para a prática de crimes cibernéticos ou de atividades nocivas à saúde, ao meio ambiente, à dignidade da pessoa humana, bem como à segurança pública. Estas questões, aos olhos da Constituição, são tão importantes quanto a liberdade de expressão. Assim, não se pode falar em não-responsabilização das empresas de marketplace por anúncio divulgado nas suas páginas virtuais.

‘‘Ademais, (…), há meios tecnológicos – já utilizados por seus pares [outras plataformas de comércio eletrônico], para identificar anúncios irregulares sem que se faça necessária notificação prévia com indicação do URL para a remoção do anúncio’’, cravou no acórdão o desembargador-relator.

Mandado de segurança

Perante a 1ª Vara Federal de Curitiba, a OLX alegou que sua atividade é muito similar à seção de Classificados de jornal, pois se limita a oferecer espaço para que terceiros anunciem, sem ingerência sobre o seu conteúdo e sem intervir na negociação ou pagamento, que são transacionados diretamente entre os usuários.

Embora tenha removido os anúncios indicados pelo Mapa (azeite de oliva Olivares Del Viejo e Vale Viejo), disse que não tem como e nem por que cumprir a determinação de remover todo e qualquer anúncio destes produtos sem indicação da URL.

Em síntese, sustentou que não tem autorização (nem há exigência) legal para, de iniciativa própria, buscar e remover “outras [ofertas] que contenham anúncio deste produto”. Afinal, não tem obrigação de fazer o monitoramento prévio de anúncios supostamente irregulares, como assegura o parágrafo 1º do artigo 19 da Lei 12.695/2014 (Marco Civil da Internet). 

O juiz federal Friedmann Anderson Wendpap denegou a segurança, sob o argumento de que a plataforma tinha o dever de tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, tornar indisponível o conteúdo dos anúncios. Segundo o juiz, estas providência poderiam ser preventivas, criando requisitos a mais no sistema, para permitir a publicação do anúncio; ou repressivas, implementando códigos de programação para que a inteligência artificial possa identificar anúncios dos produtos ilícitos.

‘‘Entretanto, a impetrante em momento algum comprovou que adotou medidas específicas para o rastreamento e indisponibilização de anúncios de azeite de oliva com marca comercial Olivares Del Vale Viejo ou Vale Viejo; ao contrário, limitou-se a reafirmar que não está obrigada a adotar medidas nesse sentido, delegando aos usuários e à autoridade a identificação da localização dos ilícitos’’, escreveu o juiz na sentença.

Em arremate, o magistrado destacou que a importância dos termos de uso da plataforma está diretamente ligada aos mecanismos próprios de verificação da conformidade das atividades dos usuários aos referidos termos. Ao deixar de implementar ferramentas internas de monitoramento do conteúdo –  prévios ou posteriores à publicação –, a OLX demonstra o seu descompromisso com os próprios termos de uso.

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MS 5035433-45.2021.4.04.7000 (Curitiba)

Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS