LAVAGEM DE DINHEIRO
É ilícito o relatório do Coaf requisitado diretamente pela polícia

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso interposto pela defesa da empresária Helga Irmengard Jutta Seibel – proprietária da fabricante de bebidas Cerpasa, sediada em Belém – para declarar ilícitos dois relatórios de inteligência financeira juntados ao inquérito que investiga suposta prática de lavagem de dinheiro.

A decisão do colegiado superior levou em conta os precedentes da própria Corte e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Produzidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), os relatórios foram usados pela polícia ao fundamentar o pedido de autorização judicial para uma diligência de busca e apreensão contra a empresária.

Na decisão, tomada por maioria, o colegiado estabeleceu que a autoridade policial não pode solicitar relatórios de inteligência financeira diretamente ao Coaf, sem autorização da Justiça.

Ministro Antonio Palheiro foi o relator
Foto: Rafael Luz/STJ

Segundo o ministro Antonio Saldanha Palheiro, relator do caso, esse entendimento não se confunde com a posição adotada em repercussão geral pelo STF, que, ao julgar o Recurso Extraordinário 1.055.941, considerou lícito o compartilhamento de informações por parte da unidade de inteligência financeira do Brasil – o Coaf – e da Receita Federal com os órgãos de persecução penal, mas em outras circunstâncias.

O recurso julgado pela Sexta Turma foi interposto contra decisão do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) que negou o habeas corpus com o qual a defesa pretendia ver declaradas a ilicitude dos relatórios e a nulidade das provas obtidas na busca e apreensão, o que poderia levar ao trancamento do inquérito.

A Corte estadual entendeu que a solicitação de compartilhamento de informações ao Coaf, por parte da autoridade policial, seria constitucional, desde que feita por meio de comunicação formal – o que teria ocorrido na investigação.

Iniciativa do compartilhamento deve ser dos órgãos fiscalizadores

No entanto, o ministro Antonio Saldanha Palheiro fez uma distinção entre a situação analisada no recurso em habeas corpus e o caso julgado pelo STF, que amparou a decisão do TJPA.

De acordo com o magistrado, as teses adotadas pelo STF significam que é possível o compartilhamento dos relatórios de inteligência do Coaf e da íntegra dos procedimentos fiscalizatórios da Receita Federal com os órgãos de persecução penal, se essas instituições, no curso de seu trabalho administrativo, identificarem indícios de ilegalidades.

‘‘No presente caso, constata-se que o órgão policial requisitou diretamente ao Coaf relatórios de inteligência financeira sem autorização judicial, em uma situação diversa da qual foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal’’, alertou o ministro.

Terceira Seção tem precedente sobre requisição do MP à Receita Federal 

O relator observou que o quadro descrito no recurso se assemelha ao que foi analisado pela Terceira Seção do STJ no RHC 83.233, em que o Ministério Público requisitou diretamente à Receita Federal o envio da declaração de Imposto de Renda de determinadas pessoas, o que foi considerado ilícito.

Naquele julgamento, ocorrido no ano passado, a Seção de Direito Penal do STJ proclamou que ‘‘a requisição ou o requerimento, de forma direta, pelo órgão da acusação à Receita Federal, com o fim de coletar indícios para subsidiar investigação ou instrução criminal, além de não ter sido satisfatoriamente enfrentada no julgamento do Recurso Extraordinário 1.055.941, não se encontra abarcada pela tese firmada no âmbito da repercussão geral em questão. As poucas referências que o acórdão faz ao acesso direto pelo Ministério Público aos dados, sem intervenção judicial, é no sentido de sua ilegalidade’’.

Assim, concluiu Saldanha Palheiro, ‘‘o presente recurso em habeas corpus deve ser provido para declarar a ilicitude dos relatórios de inteligência financeira solicitados diretamente pela autoridade policial ao Coaf’’.

O Ministério Público Federal (MPF) opôs embargos de declaração contra a decisão que proveu o recurso em habeas corpus, os quais pendem de julgamento. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no RHC 147.707

ESPECIAL TST
Hora extra é o tema campeão na Justiça do Trabalho no primeiro semestre de 2023

O tema ‘‘hora extra’’ foi o mais recorrente em novas ações na Justiça do Trabalho de janeiro a julho de 2023, somando mais de 288 mil processos em todo o país, segundo levantamento do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Entre as principais demandas, estão questões como: não pagamento de horas extras; falta de registro da jornada de trabalho; supressão das horas extras habituais; integração das horas extras em outras verbas salariais; e invalidade dos cartões de ponto em razão de horários uniformes.

Para tirar as principais dúvidas de empregadores e empregados, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST lançou a série “O papo é”, com matérias temáticas e postagens nas redes sociais. Nesta primeira edição, a equipe da Secom listou um rol de perguntas & respostas que ajuda a entender melhor os direitos e deveres de cada ator neste conflito. Confira a seguir.

O que é hora extra?

Hora extra é a hora trabalhada além da jornada normal. Esta jornada, em regra, é de no máximo oito horas por dia ou 44 horas por semana, a não ser que haja alguma exceção prevista em lei ou acordo coletivo, como é o caso de jornadas especiais de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso. As horas extras são limitadas a duas horas por dia.

Quanto recebe quem trabalha horas a mais?

Quem faz horas extras tem direito a receber um adicional de pelo menos 50% sobre o valor da sua hora normal, conforme previsto na Constituição Federal. Esse percentual pode ser até maior se houver previsão em lei, acordo coletivo ou individual.

Como se calcula a hora extra?

A hora extra é calculada com base no valor da hora normal acrescido de um percentual mínimo de 50%. O cálculo não deve levar em conta valores que não tenham natureza salarial, como vale-transporte, por exemplo. Uma pessoa que recebe um salário mínimo mensal e trabalha 44 horas por semana pode calcular suas horas extras dessa maneira:

1º passo: descobrir o valor da hora normal de trabalho.

Para isso, é necessário dividir o salário pelo número de horas trabalhadas no mês.

Exemplo: R$ 1320 / 220 = R$ 6

(O divisor da jornada de 44 horas é 220. O da jornada de 40 horas é 200).

2º passo: Somar o valor da hora normal ao adicional de 50% de horas extras.

Exemplo: R$ 6 + 3 = R$ 9

Portanto, a hora de trabalho de um empregado que recebe um salário mínimo mensal e trabalha 44 horas semanais em 2023 custa R$ 6. A sua hora extra valerá, no mínimo, R$ 9.

A prestação de horas extras aumenta o valor do repouso semanal remunerado?

Sim. O repouso semanal remunerado é um período de 24 horas consecutivas destinado ao descanso que deve ser concedido preferencialmente aos domingos. Essa parcela é calculada com base nas horas trabalhadas na semana. Logo, se foram prestadas horas extras em determinada semana, o valor do descanso semanal remunerado aumenta.

A majoração do repouso semanal remunerado pela prestação habitual de horas extras repercute nas demais verbas salariais?

Sim. A partir de 20 de março de 2023, o TST alterou a sua jurisprudência (OJ 394 da SDI-1) e passou a entender que o aumento do valor do repouso semanal remunerado decorrente da integração da prestação horas extras habituais repercute no cálculo das parcelas que têm como base de cálculo o salário. Essas verbas são: férias, 13º salário, aviso prévio e FGTS.

Quer dizer que a jornada extraordinária sempre resulta em pagamento de adicional de hora extra?

Nem sempre. É possível que empregado e empregador façam acordo para trocar as horas extras por folgas compensatórias ou mesmo reduzir a jornada de trabalho em outro dia. Contudo, essa compensação deve ser feita em no máximo um ano. Isso quer dizer que as horas extras feitas em um mês devem ser compensadas até o mesmo mês do ano seguinte, no máximo. As partes podem, ainda, adotar um sistema de compensação muito conhecido chamado de ‘‘banco de horas’’.

Todo empregador é obrigado a controlar formalmente a jornada de trabalho?

Não. Apenas os empregadores com mais de 20 empregados são obrigados por lei ao controle formal da jornada. Esse controle pode ser feito por meio de registro manual, mecânico ou eletrônico. Antes da Lei 13.874/2019, também conhecida como ‘‘Declaração de Direitos de Liberdade Econômica’’, os empregadores com 10 funcionários eram obrigados a controlar formalmente a jornada.

Então, não é obrigatório o uso de ponto eletrônico?

Não, o registro pode ser manual. Contudo, os empregados devem ser orientados a anotar os verdadeiros horários de entrada e saída, com as variações normais de minutos de um dia para o outro. Isso porque os registros uniformes, com horários perfeitamente pontuais, invalidam os cartões de ponto como meio de prova perante a Justiça do Trabalho, uma vez que não revelam a realidade do contrato de trabalho.

O empregador que decide fazer o registro eletrônico do ponto pode usar qualquer tipo de equipamento?

Não. O sistema de registro eletrônico deve ser certificado e seguir os requisitos de avaliação de conformidade publicados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). É o que prevê a Portaria 671/2021 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Quais as consequências de não realizar o controle de jornada quando obrigatório?

O empregador acionado na Justiça do Trabalho que não apresenta os controles de frequência obrigatórios fica submetido a uma presunção favorável ao empregado sobre a jornada de trabalho que ele alegar. Isso significa que se alguém ajuizar uma reclamação trabalhista dizendo que trabalhou duas horas extras por dia durante todo o seu contrato de trabalho, caberá ao empregador provar o contrário, e não ao empregado demonstrar as horas trabalhadas.

O que diz a jurisprudência do TST sobre as horas extras?

O TST tem algumas súmulas que pacificam o entendimento acerca das horas extras. Elas abordam aspectos como o ônus da prova, a validade dos cartões de ponto, a supressão das horas extras habituais e a integração das horas extras em outras verbas salariais, entre outros. Algumas das súmulas mais relevantes são:

Súmula 338: Estabelece que é ônus do empregador que tenha mais de 10* empregados o registro da jornada de trabalho e que os cartões de ponto com horários uniformes são inválidos como meio de prova. A presunção relativa de veracidade da jornada alegada pelo empregado pode ser superada se o empregador apresentar prova em contrário. *(Lembrando que, após a Lei 13.874/2019, o registro da jornada é obrigatório para empregadores com mais de 20 empregados).

Súmula 291: Está baseada no princípio da estabilidade financeira do empregado. Ela dispõe que o empregado que prestou horas extras com habitualidade por pelo menos um ano tem direito a uma indenização se o empregador suprimi-las total ou parcialmente. A indenização corresponde ao valor de um mês das horas suprimidas para cada ano ou fração igual ou superior a seis meses de prestação de serviço acima da jornada normal. O cálculo leva em conta a média das horas extras nos últimos 12 meses anteriores à mudança e o valor da hora extra no dia da supressão.

Súmula 264: Trata do cálculo do valor das horas extras. Ela dispõe que essa remuneração é composta do valor da hora normal integrado por parcelas de natureza salarial e do adicional previsto em lei, contrato, acordo, convenção coletiva ou sentença normativa. Isso significa que, para calcular o valor da hora extra, deve-se considerar o salário com todas as parcelas que têm natureza salarial, como comissões, gratificações e prêmios, além do adicional de hora extra pertinente ao caso.

Súmula 347: Estabelece que o cálculo do valor das horas extras habituais, para efeito de reflexos em verbas trabalhistas, observará o número das horas efetivamente prestadas e o respectivo valor. Isso significa que, para calcular o impacto das horas extras em outras verbas salariais, é a realidade do serviço prestado que deve ser levada em consideração, uma vez que se trata de uma verba de natureza salarial recebida de forma condicional.

Equilíbrio

As horas extras são uma forma de compensar o empregado que dedica mais tempo do que o previsto ao seu serviço. No entanto, em excesso, elas também podem trazer consequências negativas para a saúde, a qualidade de vida e a produtividade. Por essa razão, é importante que o empregador respeite os limites legais e as normas coletivas de trabalho.

Também é necessário que o empregado saiba dos seus direitos e deveres relacionados à jornada de trabalho. Além disso, é essencial que ambos busquem um equilíbrio entre o trabalho e o descanso, garantindo o bem-estar pessoal e profissional. Com informações do técnico judiciário Bruno Vilar, compiladas pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

PRESTAÇÃO INDEPENDENTE
Credor pode ceder a terceiros crédito decorrente de astreintes, diz STJ

O credor pode ceder o crédito decorrente de astreintes (multas diárias aplicadas à parte que deixa de atender decisão judicial) a terceiro, se a isso não se opuserem a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o devedor. O entendimento foi estabelecido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Assim, o colegiado manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que permitiu a cessão de crédito a uma empresa durante a fase de cumprimento de sentença. A empresa assumiu o polo ativo da ação movida pelos credores, com o objetivo de cobrar exclusivamente o valor decorrente da multa diária em razão do descumprimento da obrigação de fazer imposta na sentença.

A devedora recorreu ao STJ argumentando que o crédito decorrente das astreintes não poderia ser cedido em função do seu caráter acessório e personalíssimo, razão pela qual a cessão seria nula. Contudo, para o relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze, ‘‘o crédito decorrente da multa cominatória integra o patrimônio do credor a partir do momento em que a ordem judicial é descumprida, podendo ser objeto de cessão a partir desse fato’’.

Multa adquire natureza mista quando a obrigação é descumprida

Ministro Marco Aurélio Bellizze foi o relator
Foto: Sergio Amaral/STJ

Segundo o relator, a imposição das astreintes é o principal meio de execução indireta utilizado pelo Judiciário para influenciar o devedor a cumprir a obrigação imposta por decisão judicial. O ministro explicou que a multa tem natureza coercitiva, pois é fixada antes mesmo da ocorrência do dano, e seu escopo principal é a sua não incidência, já que o comportamento esperado e desejável do devedor é que ele cumpra voluntariamente a obrigação.

Contudo, Bellizze destacou que, a partir do descumprimento da obrigação pelo devedor, a multa cominatória passa a ter natureza mista: enquanto não aplicada, mantém seu caráter unicamente coercitivo, mas, quando incidente, sua natureza passa a ser também indenizatória, em decorrência do dano derivado da demora no cumprimento da obrigação.

‘‘A partir do momento em que a multa incide em razão do inadimplemento voluntário do devedor, passa a ter natureza indenizatória, deixando de ser uma obrigação acessória para se tornar uma prestação independente, e se incorpora à esfera de disponibilidade do credor como direito patrimonial que é, podendo, inclusive, ser objeto de cessão de crédito’’, afirmou.

Bellizze ressaltou que não se trata de cessão do direito de pleitear a imposição da multa ou o cumprimento da própria obrigação de fazer ou não fazer, mas do direito ao crédito derivado do dano que a inexecução provocou.

Conforme o ministro, a cessão diz respeito ao direito de exigir o valor alcançado pela inadimplência do devedor, o qual não é um direito indisponível, já que tem expressão econômica capaz de despertar o interesse de terceiros na sua aquisição. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 1.999.671

DUPLA LIBERDADE
Decisão do STF sobre a jornada 12×36 é positiva

Por Daniele Minervina Silva da Paz

A dinâmica entre empregadores e empregados tem sido alvo constante de discussões jurídicas, especialmente no que concerne à duração e à flexibilidade da jornada de trabalho.

Um dos marcos nessa discussão foi a ADI 5994, ação movida em agosto de 2018 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) no Supremo Tribunal Federal (STF). Essa ação questionava a constitucionalidade da fixação da jornada de trabalho 12×36 por meio de ‘‘acordo individual escrito’’, conforme estabelecido no artigo 59-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) após a reforma trabalhista de 2017.

A CNTS alegou que permitir a fixação da jornada 12×36, por acordo individual, violaria a ‘‘duração normal do trabalho’’ estipulada na Constituição Federal, a qual define uma jornada de até 8 horas diárias e 2 horas extras.

O ponto central do argumento estava na possibilidade de que tal flexibilização poderia ultrapassar os limites legais e prejudicar os direitos dos trabalhadores.

Contudo, é importante ressaltar que a aceitação da jornada 12×36 já estava consolidada na jurisprudência trabalhista, sendo considerada constitucional, inclusive, pela Suprema Corte.

A Súmula 444 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), anterior à reforma trabalhista, já entendia válida a adoção da jornada 12×36, desde que de forma excepcional e prevista em lei ou norma coletiva.

Adicionalmente, o artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal, não proíbe explicitamente a jornada 12×36, mas, sim, estabelece a possibilidade de relativização da jornada de 8 horas diárias ou 44 semanais mediante compensação, por acordo ou negociação coletiva.

Com o passar do tempo, a jornada de trabalho 12×36 foi gradualmente ganhando aceitação. A reforma trabalhista de 2017 trouxe consigo a normatização dessa jornada na CLT, permitindo sua adoção por meio de contrato individual.

Essa mudança representou um passo adiante na flexibilização, possibilitando que a jornada 12×36 fosse adotada por todas as categorias de trabalhadores, baseando-se na liberdade de escolha do obreiro.

Quase cinco anos após sua distribuição, a ADI 5994 foi finalmente julgada pelo plenário do STF em 30 de junho de 2023. A decisão, por maioria de votos, manteve a regra que permite a fixação da jornada de trabalho 12×36 por acordo individual escrito entre empregador e empregado.

A Corte considerou que essa flexibilização não afronta os preceitos constitucionais, entendendo-a como uma opção viável para as partes envolvidas.

A decisão do STF possui impactos significativos tanto para empregados quanto para empregadores. A possibilidade de estabelecer a jornada 12×36 por meio de um acordo individual oferece maior flexibilidade, permitindo que o trabalhador ajuste seu horário conforme suas necessidades e preferências.

Isso é particularmente vantajoso em setores como o da saúde, cuja demanda é constante e flutua ao longo do dia. Além disso, a decisão reduz a dependência das empresas da anuência sindical, para alterações na jornada de trabalho.

Antes da reforma trabalhista, isso era frequentemente necessário. A flexibilização proporcionada pelo acordo individual traz agilidade e autonomia para as empresas. A ADI 5994 gerou discussões essenciais sobre a flexibilidade da jornada de trabalho e seus efeitos na relação entre empregados e empregadores.

A decisão do STF, a favor da possibilidade de fixar a jornada 12×36 por meio de acordo individual, representa uma mudança significativa no cenário trabalhista. Ela oferece aos trabalhadores liberdade para escolher seus horários, e às empresas, maior adaptabilidade às demandas do mercado.

Contudo, é crucial que essa flexibilidade seja exercida de maneira responsável, garantindo que os direitos dos trabalhadores sejam mantidos e respeitados em todos os âmbitos.

Daniele Minervina Silva da Paz é sócia da área trabalhista no escritório Diamantino Advogados Associados

LICITAÇÕES FRAUDADAS
Cade pode condenar associação de empreiteiras com base em prova emprestada, decide TRF-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Sede do Cade, em Brasília
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

A jurisprudência dos tribunais superiores admite a utilização, em processos administrativos e civis, de prova produzida no bojo de ação penal, desde que autorizada por juiz criminal e observados o contraditório e a ampla defesa – ainda que as partes do processo para o qual a prova será trasladada não tenham integrado o procedimento ou a ação criminal.

Orientando-se por este fundamento, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) negou apelação da Associação de Empresários Paranaense de Obras Públicas (Apeop), que tentou, em vão, derrubar as condenações impostas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), após processo administrativo demonstrar que atuou para formação de cartel em licitações de obras públicas no Paraná, fraudando o seu caráter competitivo.

‘‘Malgrado as lacunas existentes nas degravações, a prova testemunhal serve-lhe de complemento e confirma as suspeitas iniciais que levaram à instauração do processo administrativo, sendo perfeitamente possível constatar evidências de uma ação coordenada com o objetivo de influir no resultado de licitações públicas’’, escreveu no acórdão a relatora da apelação, desembargadora Maria de Fátima Freitas Labarrère.

Licitações públicas manipuladas

O litígio começou quando o Plenário do Tribunal Administrativo do Cade, por unanimidade, condenou a Apeop e seus dirigentes por infração à ordem econômica descrita no artigo 21, incisos II, III e VIII, cumulado com o artigo 20, incisos I a IV – ambos da Lei 8.884/94. Nesse julgamento, também restaram condenados administrativamente, por maioria, Gaissler Moreira Engenharia Civil Ltda, FEG Engenharia de Obras – ambas com sede em Curitiba – e o empresário Cláudio Bidoia, do ramo da construção civil.

Segundo aquele processo, os réus, sob a articulação da Apeop, agiram coordenadamente para a formação de cartel. O modus operandi consistia em manipular licitações destinadas à contratação de obras públicas, em proveito de seus integrantes, mediante prática denominada de bid rigging. A expressão pode ser traduzida como ‘‘lance desonesto’’ ou ‘‘manipulação de lances’’.

Conforme a apuração do Cade, a Apeop exercia papel fundamental na organização do conluio, já que possuía prévio conhecimento acerca das empreiteiras que participariam das licitações. Com isso, a entidade promovia reuniões com as empreiteiras e combinava antecipadamente o resultado dos certames. Nessas reuniões, ficava definido que empreiteira seria agraciada em cada licitação – se por meio de ‘‘sorteio’’ ou por meio de ‘‘fila’’. As licitantes vitoriosas pagavam determinada quantia, parcialmente repassada a servidores públicos envolvidos na fraude.

Em diversas oportunidades, as participantes do cartel compartilhavam informações sobre estratégias comerciais ou sobre os valores que seriam consignados nas propostas em licitações nas quais o conluio atuaria. Por infrações constatadas em duas licitações promovidas pela Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec) – Concorrências 2/2004 e 5/2004 –, o Cade multou os réus em R$ 210 mil – valor posteriormente elevado para R$ 310,9 mil, em função multas e juros moratórios.

Finalmente, com fundamento no inciso II do artigo 24 da Lei 8.884/1994, os ‘‘representados’’ foram penalizados com a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais. E, com base na alínea ‘‘b’’ do inciso IV do mesmo artigo, o Cade emitiu recomendação para o Ministério da Fazenda não conceder parcelamento de tributos federais e ainda cancelar os incentivos fiscais ou subsídios públicos por ventura concedidos.

Ação anulatória

Inconformada com a multa e as penalidades, a Apeop protocolou ação anulatória na 3ª Vara Federal de Curitiba em face do Cade, argumentando que a decisão condenatória se baseou, unicamente, em degravações/transcrições desprovidas dos áudios originais e da necessária perícia – das quais não teve acesso. Ou seja, houve cerceamento do exercício do contraditório e da ampla defesa.

Disse que a inexistência de individualização das condutas lesivas, praticadas, em tese, pela entidade e seus associados e prepostos, igualmente prejudicou o exercício do direito de defesa.

Alegou, também, que as degravações são provas ilícitas, pois derivadas de materiais furtados por duas ex-funcionárias da Apeop. Apontou, por fim, que o policial responsável pela degravação é irmão de criação das duas – o que não ficaria provado no curso do processo. Desse modo, concluiu a defesa da entidade, as degravações/transcrições não se mostram imparciais.

Sentença improcedente

O juiz federal Marcus Holz julgou improcedente a ação anulatória, por não constatar ilegalidade no Processo Administrativo número 08012.009382/2010-90 e nas sanções aplicadas à parte autora, nem prejuízo à ampla defesa e ao exercício do contraditório.

Ao fundamentar a sua decisão, ele afirmou que as degravações trasladadas para o processo administrativo originaram-se de prova produzida no curso de ação penal. Trata-se da denominada prova emprestada.

‘‘O emprego de provas confeccionadas em outro processo amolda-se aos princípios da economia processual (dispensando-se a produção de prova já existente) e da busca da verdade possível (em especial diante de hipóteses em que a repetição da prova é impossível ou excessivamente onerosa). Independentemente da natureza apresentada no processo originário, a prova emprestada ingressa no outro processo sob a forma de prova documental – submetendo-se, assim, ao contraditório e à ampla defesa.’’

O julgador derrubou, também, o argumento de que a entrega ilícita das gravações, pelas ex-funcionárias, macularia as provas obtidas no curso das apurações, tornando-as ilegais. ‘‘Como se sabe, cada vez mais tem ganhado notoriedade, no cenário jurídico, a figura do whistleblower (traduzido livremente como assoprador de apito). O termo refere-se à pessoa que, fazendo parte de uma instituição pública ou privada, voluntariamente leva ao conhecimento da autoridade competente informações relevantes acerca de ilícito civil ou criminal, a exemplo de atos de corrupção, fraudes, desperdício de recursos públicos etc’’, explicou na sentença.

O titular da 3ª Vara Federal de Curitiba observou que, à época da instauração do processo administrativo, vigorava a Lei 8.884, de 1994, que transformou o Cade em autarquia e estabeleceu infrações contra a ordem econômica. O artigo 30 diz que a instauração de processo administrativo tendente à imposição de sanções administrativas, por parte da antiga Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, necessita apenas de indícios de materialidade e autoria referentes à prática de infração à ordem econômica.

Segundo o julgador, a Apeop tinha pleno conhecimento das possíveis condutas e fatos apurados no processo administrativo. Assim, não se poderia falar de suposta ausência de individualização adequada das condutas investigadas.

No tocante à tese de que as penas cominadas à entidade seriam excessivas ou desproporcionais, registrou que, embora as infrações houvessem sido praticadas sob a égide da Lei 8.884/94, o Cade aplicou as previsões inseridas na Lei 12.529/11 (legislação superveniente que sucedeu a Lei 8.884/94), já que mais benéficas aos representados.

Além disso, destacou que os acórdãos proferidos pelo Cade gozam de presunção de legitimidade e veracidade. Assim, sua desconstituição está condicionada à apresentação, pela parte interessada, de prova plena e inequívoca da ilegalidade – o que não ocorreu nestes autos.

Neste cenário, arrematou, compete ao Poder Judiciário apreciar apenas a regularidade do processo administrativo, sem entrar no seu mérito, a não ser na hipótese de evidente abuso de poder, arbitrariedade ou ilegalidade perpetrada pela Administração Pública. ‘‘Afinal, os atos administrativos, em especial quando alinhados ao exercício do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, revestem-se de presunção de veracidade.’’

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