NOVAS REGRAS
Os impactos do PL 4.173/2023 e a taxação dos fundos de investimentos e offshores

Por Murilo Muniz Silva

O Senado Federal aprovou dia 29 de novembro o Projeto de Lei (PL) nº 4.173/2023, que estabelece a tributação de aplicações em fundos de investimento no País e da renda auferida por pessoas físicas residentes no País em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior. O PL seguirá agora para sanção presidencial.

Das alterações propostas no PL, destaca-se a modificação na forma de pagamento do Imposto de Renda (IR) para fundos de investimento constituídos sob a forma de condomínio fechado, com a instituição de pagamento semestral (come cotas), e sobre trusts e entidades no exterior, as offshores.

Até a edição da Medida Provisória (MP) 1.184/2023, que foi a base incorporada do PL, os fundos de investimentos cuja forma de condomínio seja fechado, possuíam como regra geral a incidência da tributação do IR sobre os ganhos no momento do resgate das cotas ao fim do prazo de duração, ou em caso de liquidação do fundo, de amortização ou alienação das cotas. Com a MP e PL, a tributação dos fundos passará a ser semestral (em maio e novembro) ou em cada distribuição de rendimentos, amortização ou resgate de cotas, o que já ocorre com os fundos de condomínio aberto.

As novas regras de tributação periódica não serão aplicáveis aos Fundo de Investimento em Participações (FIP), Fundo de Investimento em Índice de Mercado (EFT), Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), desde que classificados como entidade de investimento, que detenham estrutura profissional, e Fundo de Investimento em Ações (FIA) mesmo se não for entidade de investimento.

Além disso, permanecem com as regras de tributação os Fundos de Investimento Imobiliário (FII) e os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (FIAGRO), os investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em fundos de investimento em títulos públicos, os investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em FIPs e aos Fundos de Investimento em Empresas Emergentes (FIEE), os Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE) e os Fundos de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIPPD&I), os Fundos de Investimento com Carteira em Debêntures Incentivadas, os fundos de investimentos com cotistas exclusivamente residentes ou domiciliados no exterior, e os ETFs de Renda Fixa, aplicando-se as regras especificadas em lei.

No caso dos FII e FIAGRO apesar de não prevista alteração na forma de tributação dos rendimentos, o PL traz significativa proposta de mudança para garantia da isenção do Imposto de Renda aos cotistas. O PL eleva para 100 o número mínimo de cotistas necessário para direito da isenção do IR. Assim, somente fundos com no mínimo 100 cotistas farão jus à isenção do IR sobre os rendimentos distribuídos.

Também haverá mudanças quanto à tributação dos trusts e das offshores, que atualmente somente são tributados os ganhos quando do ingresso dos recursos no Brasil. O PL determina que os rendimentos desses bens sejam declarados na Declaração de Ajuste Anual (DAA), ficando sujeitos à tributação a alíquota de 15%, com possibilidade de dedução do imposto pago no país de origem, desde que haja reciprocidade de tratamento e previsão de compensação em acordo ou convenção internacional, com o país de origem dos rendimentos.

Além das alterações acima, destaca-se a possibilidade de antecipação do recolhimento do IR sobre os rendimentos auferidos até 31/12/2023, com uma alíquota reduzida e pagamento parcelado.

No mais, vê-se que o PL tem evidente intuito de aumento de arrecadação de recursos pelo Governo Federal. No entanto, tal objetivo não deve ser feito sem a observância dos princípios norteadores do Direito, em especial o da Anterioridade Tributária, o que se mostra com a tributação dos rendimentos até o exercício de 2023.

Portanto, a aprovação do PL certamente terá significativos impactos nos planejamentos tributários e societários já implementados, que deverão ser reavaliados, visto que certamente a incidência do IR para momento futuro se tratou de um fator preponderante para a realização. Da mesma forma, o dia a dia da gestão dos Fundos de Investimentos também terá impactos, pois serão adicionadas novas obrigações aos administradores e gestores pelo recolhimento do imposto.

Murilo Muniz Silva é sócio da área societária no escritório Diamantino Advogados Associados.

PRONUNCIAMEMENTO UNIFORME
Plenário do STF vai examinar reclamação sobre vínculo de emprego de trabalhadores de aplicativos

Foto Divulgação

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) remeteu para o Plenário a Reclamação (RCL) 64018, que contesta decisão da Justiça do Trabalho que reconheceu vínculo de emprego de um motofretista com a plataforma Rappi. Até o momento, a questão do trabalho para aplicativos de entregas ou de transporte de passageiros, a chamada ‘‘uberização’’, vem sendo tratado apenas no âmbito das Turmas e em decisões monocráticas, daí a aceitação da proposta de encaminhá-lo ao Plenário para que haja um pronunciamento uniforme sobre a matéria.

Formas alternativas

Na sessão desta terça-feira (5/12), o colegiado analisou a questão pela primeira vez, ao concluir o julgamento de outro processo, a Reclamação (RCL) 60347, apresentada pela empresa Cabify. Por unanimidade, os ministros acompanharam o relator no sentido que a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais) contrariou precedentes vinculantes do STF que admitem formas alternativas de prestação de serviços no mercado de trabalho.

No julgamento conjunto da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 48), da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 324) e do Recurso Extraordinário (RE) 958252, com repercussão geral (Tema 725), o Plenário afirmou a legalidade da terceirização e de qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas.

Com base nesses julgados, em julho deste ano, o relator da RCL 60347 havia suspendido o andamento do processo trabalhista em que fora declarado o vínculo de emprego celetista e, hoje, seu entendimento foi mantido pela Turma.

Estratégias empresariais

Em seu voto pela procedência da reclamação para cassar a decisão do TRT-3 e julgar improcedente a ação trabalhista, o ministro Alexandre de Moraes observou que o Plenário já decidiu que a Constituição Federal não impõe uma única forma de estruturar a produção e que o princípio da livre iniciativa garante aos agentes econômicos liberdade para eleger suas estratégias empresariais.

Microempreendedorismo

Para o relator, motoristas de aplicativos de entrega ou de transporte são microempreendedores, pois têm liberdade para aceitar ou recusar corridas e para escolher os horários de trabalho e a plataforma para a qual prestarão serviço. Eles também podem ter outros vínculos, porque não há exigência de exclusividade e de disciplina nem hierarquia em relação à plataforma.

Segundo Moraes, essa nova forma de trabalho revolucionou o setor para o bem do consumidor e possibilitou o aumento de renda principalmente na pandemia, quando esses serviços se multiplicaram. O ministro ressaltou, porém, a necessidade de regulamentação para aprimoramentos de segurança.

Precedentes vinculantes

No mesmo sentido, o ministro Cristiano Zanin salientou que a Justiça do Trabalho, ao reconhecer o vínculo de emprego nesses casos, desconsiderou os precedentes vinculantes do STF. Para ele, essa não é uma relação de trabalho típica da CLT, mas outra forma de contratação que pode merecer disciplina própria.

Seguridade social

A ministra Cármen Lúcia acompanhou o relator, mas mostrou preocupação no sentido de que o sistema de uberização não contempla direitos garantidos na Constituição, como a seguridade social. Para ela, essa é uma questão a ser pensada pela sociedade e pelos governantes, e, por isso, propôs que um dos processos fosse levado à análise do Plenário.

Ofício ao CNJ

Acolhendo sugestão do ministro Luiz Fux, os ministros decidiram encaminhar um ofício ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com um levantamento das reclamações que vêm sendo recebidas pelo STF e, a seu ver, demonstram o descumprimento de seus precedentes pela Justiça do Trabalho. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

RCL 64018

CONCRETIZAÇÃO DA ATIVIDADE-FIM
Revendedor retalhista de combustível tem direito a creditamento de ICMS, decide TJRS

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Divulgação Guterres

O transportador revendedor retalhista (TRR) faz jus ao aproveitamento do crédito do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre a compra de combustíveis e de peças de reposição e manutenção para a sua frota de veículos.

A conclusão é da 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), ao reformar sentença que denegou a segurança pleiteada pela Guterres Comércio de Combustíveis Ltda., inconformada com ato da autoridade fiscal que veda o direito de créditos fiscais de ICMS sobre as compras dos principais insumos utilizados no comércio atacadista de combustíveis.

A relatora da apelação, desembargadora Marilene Bonzanini, disse que a Corte, em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), reconhece o direito ao creditamento de ICMS relativo à aquisição de insumos. E não só os consumidos no processo e integrantes do produto final, mas também daqueles vinculados à atividade do estabelecimento, os chamados produtos intermediários imprescindíveis à atividade-fim, ainda que não integrados ao produto final, sem limitação temporal prevista na legislação.

Princípio da não-cumulatividade

Desa. Marilene Bonzanini foi a relatora
Foto: Jônatas da Costa/Ascom TRE RS

Ela explicou que tal possibilidade decorre do princípio da não-cumulatividade, esculpido no artigo 155, parágrafo 2º, inciso I, da Constituição Federal. O dispositivo autoriza a compensação do ICMS incidente em cada operação de circulação de mercadorias ou em cada operação de prestação de serviços, com o montante cobrado nas operações anteriores.

‘‘Quer dizer, em virtude do princípio da não-cumulatividade, seria reconhecida, em tese, a possibilidade de a impetrante [do mandado de segurança], ora apelante, de creditamento dos valores de ICMS relativos a aquisições do combustível utilizado em sua frota de veículos, peças de reposição/manutenção, desde que utilizados para a concretização da atividade-fim da empresa’’, escreveu no acórdão.

Atividade principal: comércio atacadista de combustíveis

A julgadora destacou que a atividade principal da Guterres é o comércio atacadista de combustíveis, realizado por TRR. Esta informação se torna imprescindível na medida em que o juízo de origem, que denegou a segurança, entendeu que tal atividade não corresponderia a transporte propriamente dito.

‘‘Entretanto, nem por isso se pode ignorar que há transporte do combustível destinado à venda e, por conseguinte, a imperiosidade de ser utilizado combustível neste transporte. Quer dizer, a mesma razão jurídica que se aplica a outros casos de transporte se apresenta inafastável também nas hipóteses, como a em tela, em que se cuida de transportador retalhista (T.R.R)’’, fulminou a desembargadora-relatora no acórdão, concedendo a segurança.

Mandado de segurança

Guterres Comércio de Combustíveis Ltda. impetrou mandado de segurança (MS) na 6ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, em face do subsecretário da Receita Estadual, para ver reconhecido o seu direito de realizar o creditamento de ICMS sobre as aquisições de combustíveis para a sua frota de veículos, bem como de peças de reposição/manutenção, bens destinados ao seu ativo permanente. A empresa se dedica, principalmente, ao comércio atacadista de combustíveis realizado por transportador retalhista (TRR).

Denunciou que a Secretaria da Fazenda do RS, por meio do Parecer 12.030, veda o creditamento, argumentando que tais insumos devem ser considerados material de consumo do estabelecimento. Nesse raciocínio, o ICMS relativo à sua entrada somente poderia ser creditado a partir da data firmada no artigo 33, inciso I, da LC 87/96, com igual redação no artigo 33, inciso XII, do Livro I do RICMS/RS.

A impetrante salientou que a legislação estadual nada prevê acerca do aproveitamento do crédito por contribuintes sujeitos à técnica da substituição tributária (ST) para frente. Esclareceu, por fim, que não objetiva a concessão do direito creditório quanto às mercadorias vendidas por substituição tributária, mas quanto aos insumos necessários para o desenvolvimento da sua atividade econômica e aos bens destinados ao seu ativo permanente.

A defesa do fisco estadual

Em defesa, a autoridade coatora lembrou que a Constituição adotou o critério chamado ‘‘crédito físico’’ para o aproveitamento de insumos, no sentido de que só podem ser abatidos do valor do tributo produtos que venham a sair do estabelecimento ou que se integrem aos produtos que saírem do estabelecimento.

Quanto à transferência de saldo credor de ICMS-ST (substituição tributária), disse que ‘‘não há o que falar em direito ao creditamento de ICMS fruto da diferença de preços entre valor do bem adquirido e preço de revenda, conforme definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Tema 201’’. É que, na aquisição de combustível para consumo próprio, não há venda ao consumidor nem diferença de bases de cálculo presumida ou real.

Assim, ante a impossibilidade de transferência a terceiros do saldo credor acumulado, pediu a denegação da segurança.

Segurança denegada no primeiro grau

O juízo da 6ª Vara da Fazenda Pública observou que a parte autora tem como atividade principal o ‘‘comércio atacadista de combustíveis realizado por transportador retalhista’’; ou seja, embora esta sustente que as aquisições se destinam ao exercício de sua atividade-fim, a atividade principal não corresponde à prestação de serviços de transporte – mas ao comércio atacadista de combustíveis.

Para a juíza Marialice Camargo Bianchi, o transporte das mercadorias próprias configura mero diferencial competitivo, atividade-meio que dá suporte à atividade-fim, prestada à empresa por si mesma, no seu próprio interesse.

‘‘Nesse sentido, o combustível, lubrificante, e peças e partes de reposição adquiridos pela impetrante não representam insumos utilizados na consecução da atividade-fim do contribuinte, mas bens de uso e consumo empregados na atividade-meio. Ou seja, apenas dão suporte à atividade principal.’’

Diante do conjunto probatório carreado aos autos e da legislação de regência, a juíza entendeu que a impetrante não faz jus a concessão da segurança. Isso porque, diante da atividade principal desempenhada pela empresa, o direito ao creditamento de ICMS decorrente das aquisições de combustíveis, lubrificantes e peças é vedado pelo disposto nos artigos 20, parágrafo 1º, e 33, da LC 87/96.

‘‘Por outro lado, […] a impetrante pleiteia tão somente o direito de transferir o saldo credor de ICMS-ST oriundo das aquisições das mercadorias objeto da ação (combustível utilizado em sua frota de veículos, peças de reposição/manutenção e aquisição de bens destinados ao seu ativo permanente). Logo, não havendo o reconhecimento do direito de crédito, a controvérsia acerca da transferência de seu saldo credor restou prejudicada, razão pela qual deixo de apreciar a questão. Em face do exposto, denego a segurança’’, decretou a juíza na sentença.

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MS 5108481-41.2022.8.21.0001 (Porto Alegre)

 

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