DISCRIMINAÇÃO REGIONAL
Loja do interior de SP vai pagar R$ 10 mil por tratar vendedora como ‘‘anta nordestina’’

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Reprodução Pinterest

O artigo 1, inciso 1, da Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), considera discriminação qualquer distinção fundada em raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão.

Por violar este e outros dispositivos da Constituição e do Código Civil (CC) brasileiro, a 1ª Vara do Trabalho de Itaquaquecetuba (SP) condenou uma loja de roupas a indenizar em danos morais uma vendedora – nascida na Bahia – chamada constantemente de ‘‘burra, idiota e anta nordestina’’ no ambiente laboral. Ela vai receber R$ 10 mil.

Vendedora era ‘‘desinfetada’’ ao chegar ao trabalho

De acordo com os autos, a gerente do estabelecimento, além de xingá-la, a obrigava a guardar seus pertences em local diverso dos demais trabalhadores. Também borrifava o bactericida Lysoform na reclamante, na frente de outros empregados, para ‘‘desinfetá-la’’, sob o argumento de que ela saía do estágio de Enfermagem direto para exercer as atividades na loja.

O juiz do trabalho Hantony Cassio Ferreira da Costa disse que a reclamante comprovou, através da prova testemunhal, que era tratada de forma indigna, com xingamentos que visavam diminuir suas capacidades, o sentimento que possui de si mesma (honra subjetiva) e a imagem que os colegas possuem dela (honra objetiva).

Xingamentos rebaixam a autoestima do empregado

Para o julgador, o empregado não se despe da sua dignidade ao ser contratado pelo empregador. A subordinação do contrato de trabalho não é pessoal, mas jurídica. Assim, subordinação pessoal significa subjugação.

‘‘Extrapolando qualquer razoabilidade, o uso de palavras como anta, imbecil, idiota, não possuem qualquer justificação plausível para serem proferidas, senão a pura intenção de rebaixamento da autora em seu ambiente de trabalho, minando sua resistência e permanência no emprego’’, escreveu na sentença.

‘‘Destaco o uso de alcunhas como ‘anta nordestina’, que carrega uma arraigada discriminação regional, traço de teorias capacitistas, em que se acredita que pessoas de determinada origem, raça, cor, linhagem familiar, estado da federação etc. sejam melhores ou mais aptas que outras. O conceito de discriminação se assenta exatamente sobre o fato de se realizar distinções injustificáveis’’, concluiu o magistrado.

Clique aqui para ler a sentença

ATSum 1000904-65.2023.5.02.0341 (Itaquaquecetuba-SP)

 

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EXECUÇÃO TRABALHISTA
Tema 1.232 do STF: ampla defesa dos grupos econômicos em risco

Por Lara Fernanda de Oliveira Prado

Nas últimas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento virtual do Tema 1.232, trazendo à tona uma questão crucial para o processo do trabalho. Em discussão está a possibilidade de incluir no polo passivo da execução trabalhista empresas de um grupo econômico que não participaram da fase de conhecimento.

Anteriormente, vigorava o entendimento sumulado de que a empresa do grupo econômico não participante da fase de conhecimento não poderia constar na execução. No entanto, desde 2003, com o cancelamento da Súmula 205 do TST, o entendimento predominante foi o da possibilidade de tal inclusão, o que viola os princípios fundamentais do contraditório e da ampla defesa.

O Supremo, por meio do Tema 1.232, tem a chance de alterar esse cenário, trazendo à baila o devido processo legal. Contudo, a perspectiva não é essa se os demais ministros seguirem o voto do relator Dias Toffoli, que propôs uma tese que impacta o cenário empresarial. Felizmente, a decisão não é final, pois o julgamento está suspenso por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

A sugestão do relator foi permitir a inclusão direta na execução, desde que precedida por um incidente de desconsideração da personalidade jurídica, conforme os artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil, com modificações do artigo 855-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Segundo o ministro, esse incidente garantiria a oportunidade de defesa da empresa e, ao mesmo tempo, aprimoraria a efetividade do processo do trabalho.

No entanto, a tese não se sustenta. Primeiramente, porque a defesa, na fase de execução, é muito mitigada, seja pela impossibilidade de influir na decisão de mérito do processo e na criação ou não do próprio crédito trabalhista, seja pela exposição da empresa a sofrer constrições em seu patrimônio antes mesmo de defender a inexistência de responsabilidade solidária.

Nessa toada, a balança entre garantir o crédito trabalhista e respeitar o contraditório e o devido processo legal é evidente.

Para além disso, utilizar o incidente de desconsideração para incluir empresas de grupo econômico na execução trabalhista parece extrapolar a finalidade original do instituto, que é muito bem delineada e exige a demonstração de pressupostos específicos (vide artigo 134, § 2º, CPC). Assim, a decisão do relator pode ser vista como a tentativa de criar um novo instituto, algo que legalmente cabe apenas ao legislador.

Quando o Judiciário ultrapassa os seus limites

A tese abordada visa efetividade, mas levanta questionamentos sobre a competência do Judiciário para legislar. Ao analisar o voto de Toffoli, é inevitável reparar o paradoxo que se delineou. Nele, o ministro cita ‘‘O Processo’’, de Franz Kafka, que destaca como o caráter instrumental do processo pode resultar no esvaziamento dos direitos individuais em prol de um Estado autoritário.

Por meio da citação, Toffoli enfatiza a violação de princípios jurídicos fundamentais, alertando para o risco de tornar o processo um fim em si mesmo, conduzindo à arbitrariedade e insegurança jurídica. Contudo, a ironia surge quando observamos que o mesmo trecho pode ser aplicado à própria tese do ministro. Ao ‘‘criar um novo instituto’’ para inclusão direta de empresas na execução trabalhista, Toffoli, paradoxalmente, pode conduzir o Brasil e seus empresários à insegurança jurídica e ao descrédito nas leis, indo de encontro aos princípios que ele mesmo destaca.

Mais uma vez, parece que o Judiciário extrapola sua competência ao legislar. A proposta, embora almeje uma justiça mais célere e simplificada, abre precedentes para interpretações distorcidas e abusivas da lei, seguindo a narrativa de Kafka. A inserção de um ‘‘novo instituto’’ não previsto em lei poderia fortalecer um Estado de viés autoritário, desconsiderando os imperativos de justiça e comprometendo os alicerces do devido processo legal.

Assim, fica evidente a necessidade de um equilíbrio entre a efetividade processual e a preservação dos princípios fundamentais do direito. O Judiciário, ao buscar soluções inovadoras, deve estar atento para não comprometer a segurança jurídica e o respeito aos direitos individuais, mantendo a confiança da sociedade nas instituições e evitando que o processo se torne, ele próprio, um entrave à Justiça.

Lara Fernanda de Oliveira Prado é sócia da área cível e trabalhista no Diamantino Advogados Associados