MUDANÇA DE PARADIGMAS
Reforma tributária e a corrida maluca das alíquotas que já começou

Por Bruno Minoru Takii

Diamantino Advogados Associados

Uma das promessas mais repetidas por aqueles que são responsáveis pela reforma dos tributos sobre o consumo é a garantia de que a carga tributária atual não será impactada pela nova legislação. Entretanto, quando se caminha por estradas totalmente desconhecidas, a prudência é algo que não se deve perder de vista.

Na teoria, para que a carga tributária atual seja mantida, bastaria ao legislador considerar os ajustes ocorridos no sistema para, ao final, definir a alíquota modal dos novos tributos sobre o consumo, o IBS e o CBS.

Falar, porém, é bem mais fácil que realizar. Isso porque a tarefa para se chegar ao ‘‘número mágico’’ envolve não só considerar as inúmeras diferenças entre o atual e o novel sistema, mas também os movimentos que serão feitos pelos atores políticos e econômicos em decorrência da mudança de paradigmas.

Uma das mais relevantes modificações trazidas pela reforma tributária é a alteração da dinâmica de arrecadação dos impostos, que hoje é concentrada no Estado/Município do fornecedor e passará a ser no Estado em que se localizar o consumidor. Ao assim proceder, a equipe responsável pela reforma buscou pôr fim à chamada ‘‘Guerra Fiscal’’; isto é, à competição entre entes federativos fundada na redução da carga tributária para a atração de investimentos da iniciativa privada.

Ocorre que, em muitos dos casos, entes federativos que apelam para a ‘‘Guerra Fiscal’’ costumam ser aqueles menos atraentes para a alocação racional de investimentos, seja porque não dispõem de grande mercado consumidor, ou os índices educacionais da população local são baixos, ou sua infraestrutura é precária, ou até mesmo porque, mesmo possuindo atributos para a atração de capital, está perto o suficiente de ente federativo com capacidade de atração indiscutivelmente superior. E, nesses casos, o único diferencial passa a ser a redução do custo tributário, elemento que é vital em um país que concentra a sua tributação nos impostos sobre o consumo.

Com a redesignação da competência para o ente federativo de destino, o que se espera é a realocação de investimentos privados de acordo com a lógica de mercado: isto é, empresas mais próximas de seus centros consumidores, ou de seus fornecedores de matérias primas, ou dos locais que lhe fornecerão mão de obra qualificada, trazendo potencial ganho de eficiência ao país.

Para remediar os efeitos colaterais desse movimento, o texto da reforma tributária fez diversas concessões aos entes federativos possivelmente afetados, sendo a maior delas o mecanismo previsto no novo artigo 131 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT.

De acordo com esse dispositivo, entre os anos de 2029 e 2077, a maior parte do que for arrecadado por Estados e Municípios (90% em 2033) deverá ser direcionado a um fundo nacional que, com base na média das arrecadações individuais dos entes federativos entre os anos de 2024 e 2028, fará a redistribuição do total das receitas tributárias. Em termos mais diretos, a arrecadação dos próximos 45 anos dependerá do índice obtido por cada ente federativo nos próximos 5 anos.

Quanto à Nota Oficial divulgada pelo Ministério da Fazenda, buscado culpabilizar o governo anterior e o Congresso Nacional pelo aumento abrupto e generalizado das alíquotas do ICMS, é preciso analisar os fatos. Primeiro, a limitação das alíquotas aplicáveis para a energia elétrica, combustíveis, gás de cozinha e telecomunicações já vinha sendo imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sob o fundamento da essencialidade desses itens. Portanto, não se tratava de fato novo e inesperado.

Depois, a aprovação da lei complementar, objeto de crítica pelo atual governo, ocorreu em junho de 2022. Esse fato é que dava aos Estados prazo mais que suficiente para o estudo dos impactos e eventual imposição de aumento de alíquotas, tal como, isoladamente, alguns Estados fizeram já para o ano de 2023.

E, por fim, é indiscutível que o estímulo ao aumento da arrecadação trazido pela nova reforma tributária é imensamente superior àquele eventualmente motivado por perda de arrecadação vinculada aos movimentos judiciais e legislativos de 2022. Não por outro motivo, 21 Estados e o DF já decidiram que irão elevar suas alíquotas para 2024, sendo o Maranhão o recordista de aumento, com 4 pontos percentuais.

Em meio a tantos efeitos colaterais inevitáveis e naturais do processo, este é, sem dúvidas, um daqueles que só são explicáveis pelo ritmo atropelado de tramitação da proposta. Isso porque para se evitar a ‘‘corrida maluca’’ dos Estados para ver quem arrecada mais ao longo dos próximos anos (e isso não envolve só o aumento de alíquotas), bastaria que se tivesse o cuidado de fixar o período de apuração do percentual de redistribuição em períodos pretéritos, como, por exemplo, os ‘‘últimos 5 anos’’.

Existe a certeza de que mais problemas serão identificados ao longo dos anos, e que os Estados e Municípios eventualmente afetados farão pressão para que as suas necessidades sejam atendidas. E, claro, o custo de tudo isso será arcado pelo cidadão.

Bruno Minoru Takii é sócio da área tributária do Diamantino Advogados Associados

FALTA DE PROVAS
Gerente absolvido pelo crime de estelionato não será indenizado pelo empregador

Se a sentença penal não foi considerada prova apta pela Justiça, não se pode falar em desconstituição da coisa julgada. Assim, a Subseção II, Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2), do Tribunal Superior do Trabalho (TST), rejeitou ação rescisória de um ex-gerente financeiro de uma indústria de produtos de limpeza.

Na rescisória, ele buscava desconstituir uma decisão que julgou improcedentes os seus pedidos de indenização por danos morais e materiais fundamentados na sua absolvição em ação penal.

Para a SDI-2, a sentença penal absolutória juntada aos autos não serve para o fim rescisório, porque a intimação eletrônica da sentença penal foi disponibilizada antes da decisão rescindenda, o que a descaracteriza como prova nova.

O colegiado também ressaltou que, ainda que se admitisse a referida prova como fundamento da ação rescisória, o fato de haver absolvição em ação penal, pela ausência ou insuficiência de provas, não garante julgamento favorável na esfera trabalhista.

Entenda o caso

Um ex-gerente financeiro da Scarlat Industrial Ltda., de Suzano (SP), foi condenado em reconvenção, pela Justiça do Trabalho, a devolver mais de R$ 7 milhões decorrentes de desvio de recursos quando era empregado da empresa. Paralelamente, ele respondeu a uma ação penal pelos crimes de estelionato e formação de quadrilha, mas foi absolvido por falta de provas.

Com fundamento nessa absolvição, o ex-gerente ajuizou uma nova ação, pretendendo compensação por danos morais e materiais cometidos pela empresa. Contudo, essa pretensão reparatória do ex-gerente foi negada e ele ajuizou ação rescisória, sustentando que a sentença penal que o absolveu seria uma prova nova apta a rescindir a decisão que negou o seu pedido reparatório.

Ação rescisória

A Seção Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo) julgou a ação rescisória improcedente por entender ausente qualquer fundamento capaz de desconstituir a coisa julgada. O colegiado regional concluiu que a absolvição em ação penal ajuizada pelo Ministério Público se deu por falta de provas, o que não interfere na esfera civil ou trabalhista.

Recurso ordinário

Ministro Amaury Rodrigues Pinto Júnior
Foto: Secom/TST

O ex-gerente financeiro recorreu ao TST. O relator do recurso ordinário na SDI-2, ministro Amaury Rodrigues Pinto Júnior, verificou, de plano, que a sentença penal absolutória transitada em julgado não atendia aos requisitos de cabimento da ação rescisória fundamentada na existência de prova nova. Isso porque, nos termos da Súmula 402 do TST, a prova nova é aquela cronologicamente velha, já existente ao tempo do trânsito em julgado da decisão rescindenda, mas ignorada pelo interessado ou de impossível utilização, à época, no processo.

O ministro registrou que, embora a sentença penal fosse um documento cronologicamente velho, não haveria como considerar que se tratava de uma prova ignorada ou de impossível utilização, tendo em vista que, como admitiu o próprio autor da ação, estava disponível em data anterior à decisão rescindenda.

Absolvição penal não garante êxito

O ministro também ressaltou que, conforme o Código Civil e a jurisprudência do TST, o fato de haver absolvição em ação penal pela ausência ou insuficiência de provas, por si só, não garante julgamento favorável na esfera trabalhista. Isso se dá porque, sem manifestação acerca do juízo de mérito quanto à autoria e à materialidade do crime imputado, não há juízo de certeza capaz de vincular a Justiça do Trabalho.

Resultado 

Dessa maneira, foi negado provimento ao recurso ordinário e mantida a improcedência da ação rescisória, razão pela qual a parte não conseguiu desconstituir a decisão que indeferiu os seus pedidos de reparação por danos morais e materiais baseados na absolvição penal por falta de provas.

A decisão foi unânime. Contudo, houve a apresentação de recurso extraordinário com o objetivo de que o Supremo Tribunal Federal analise o caso. Com informações do técnico judiciário Bruno Vilar, compiladas pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

Leia aqui o acórdão do agravo interno

Leia aqui o acórdão dos embargos declaratórios em recurso ordinário

SEM AUTORIZAÇÃO
Empresas têm de indenizar mulher por uso indevido de imagem em propaganda

Reprodução Internet

A 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal manteve decisão que condenou, solidariamente, as empresas Linha Move Ltda, Smart Indústria e Comércio de Produtos para Reabilitação e Ortopedia Ltda e a Loja do Cadeirante Fabricação e Comércio de Cadeiras de Rodas Ltda a indenizar mulher por utilização indevida de sua imagem. A decisão fixou a quantia de R$ 9 mil, por danos morais.

A autora relata que, em 2018, celebrou contrato com a Loja do Cadeirante, para uso de sua imagem, por um ano, em campanhas publicitárias. Afirma que, em janeiro de 2023, foi surpreendida pela empresa Move, que usou a sua imagem no Instagram e na fachada do estabelecimento comercial.

Ela conta que, ao tentar solucionar a questão com a Move, foi informada de que a empresa é revendedora da marca Smart e que teria o direito de divulgar as fotos da fabricante para comercialização dos produtos. Por fim, afirma que sua imagem foi utilizada para fins comerciais sem sua autorização.

No recurso, a empresa Move argumenta que apenas divulga as imagens passadas pela fabricante e que não dispõe do contrato firmado entre as partes. Alega que o suposto contrato de cessão de imagem não foi juntado no processo e não houve comprovação de dano moral sofrido pela autora.

Já a Smart e a Loja do Cadeirante afirmam que não utilizaram a imagem da autora após 2019, tampouco se beneficiaram do uso da sua imagem. Sustentam que ela não notificou o seu interesse em não ter a sua imagem vinculada aos produtos e que o prazo para a utilização das imagens seria indeterminado.

Necessidade de autorização

Na decisão, a Justiça do DF explica que o direito à imagem não dispensa a devida autorização, sendo passível de indenização quando ofender a honra ou se destinar a fins comerciais. Destaca que a autora cedeu o uso de sua imagem, em 2018, para divulgação dos produtos fabricados pela Smart. Ressalta que foi divulgada as imagens da mulher pela Move, nas redes sociais e fachada de estabelecimento, fato reconhecido pela ré.

Por fim, a Turma menciona que a autora comprovou a utilização de sua imagem, após o ano de 2019, ou seja, sem a sua autorização expressa. Dessa forma, ‘‘A utilização das imagens da recorrida com fins comerciais, sem sua anuência, além de caracterizar conduta ilícita, acarreta o dever de reparação dos eventuais danos morais suportados pela autora’’, concluiu o colegiado.

A decisão foi unânime. Com informações da Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).

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Processo 0722898-82.2023.8.07.0003

FLAGRANTE INDIFERENÇA
TRF-4 condena INSS a pagar R$ 15 mil por humilhar cadeirante na perícia médica

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não viola direitos de personalidade elencados no artigo 5º da Constituição – privacidade, intimidade, honra e imagem – quando indefere qualquer benefício previdenciário. Mas causa dano moral presumido quando humilha e ainda nega o restabelecimento de aposentadoria por invalidez, sem justificativa plausível, a um segurado cadeirante.

Com a prevalência deste entendimento, a 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) manteve sentença que restabeleceu a aposentadoria por invalidez de um ajudante geral que, pelo agravamento da doença, já se locomovia em cadeira de rodas, e ainda condenou a autarquia a pagar dano moral pelo sofrimento infligido ao segurado durante a perícia.

Conduta abusiva

Segundo a esposa do segurado, que o acompanhava, um servidor do INSS insistia que ele deveria entrar na sala da perícia sozinho, mesmo estando em cadeira de rodas, sem os movimentos dos braços. Tal atitude foi considerada abusiva pela Justiça, pois a perícia anterior já havia constatado ‘‘distrofia muscular progressiva (CID 10 G71.0)’’, doença que causa incapacidade laboral total e permanente.

Em audiência, o próprio autor narrou as humilhações por que passou na perícia. O médico se recusou a olhar os seus documentos e, virando as costas, mandou que passasse na recepção para conhecer o resultado da perícia – que negou a renovação do benefício. Justo quando se encontrava ‘‘todo atrofiado’’, sem conseguir mover a cadeira de rodas, dependendo de alguém para tudo, inclusive higiene e alimentação.

Abalo psíquico

Des. Paulo Afonso Brum Vaz foi o voto vencedor
Foto: ACS/TRF-4

No primeiro grau, a 2ª Vara da Comarca de Urussanga (SC), por competência delegada em ações previdenciárias, entendeu que a negligência da autarquia não se traduziu em ‘‘mero dissabor’’, mas efetivo ‘‘abalo psíquico’’, suficiente para ensejar uma reparação por danos morais. Em função da gravidade da conduta, o juiz de direito Roque Lopedote arbitrou a indenização em R$ 30 mil.

No julgamento do recurso de apelação, no segundo grau, prevaleceu o voto divergente do desembargador federal Paulo Afonso Brum Vaz, que não viu ‘‘mero cancelamento de benefício’’, mas conduta desrespeitosa do corpo clínico da autarquia. Isso porque o jusperito, mesmo diante de um segurado em situação de extrema vulnerabilidade, assinou laudo desfavorável sem qualquer justificativa idônea para cessar a prestação previdenciária.

‘‘Com efeito, no caso sub examine, era flagrante que o segurado, que necessita de uso de cadeiras de rodas, jamais poderia retornar ao labor após estar aposentado por incapacidade permanente, vendo-se privado de sua subsistência pela absoluta indiferença do perito do Instituto Previdenciário ora recorrente, tornando presumido o dano moral em casos desta natureza’’, cravou no acórdão. Brum Vaz apenas reduziu pela metade o quantum indenizatório, que caiu de R$ 30 mil para R$ 15 mil.

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5001659-12.2019.8.24.0078 (Urussanga-SC)

 

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CUMPRIMENTO DO CONTRATO
Quitação retira o direito do consumidor de desistir da compra do imóvel, decide STJ

Foto: Secom TRT12/FreePik

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o cumprimento integral do contrato de compra e venda de imóvel por ambas as partes impossibilita o exercício do direito de desistência previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Para o colegiado, o adimplemento integral das obrigações, tanto pelo fornecedor quanto pelo consumidor, caracteriza cumprimento de contrato, com a consequente extinção do negócio jurídico. Assim, a turma estabeleceu o entendimento de que a quitação afasta a pretensão do consumidor de exercer o direito de desistência para desfazer o negócio.

No caso submetido à apreciação do STJ, o comprador ajuizou ação de resolução contratual alegando que o imóvel não teria sido entregue em sua totalidade, pois alguns dos equipamentos comuns prometidos para o empreendimento – como sauna, quadra poliesportiva e calçamento – não estariam devidamente concluídos.

O juízo de primeiro grau julgou o pedido improcedente, considerando que o contrato já estava totalmente quitado e não era possível desfazê-lo. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) deu parcial provimento à apelação para garantir a possibilidade de desistência mediante retenção de 20% do valor pago.

Desistência por simples vontade do consumidor causaria insegurança jurídica

Ao restabelecer a sentença de primeiro grau, a relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou, citando precedentes do tribunal, que o direito de desistência se justifica quando as prestações se tornam insuportáveis para o consumidor – o que não ficou demonstrado no caso em julgamento.

Além de ambas as partes terem cumprido suas obrigações contratuais, o processo indica que o consumidor utilizou o imóvel comprado em pelo menos duas oportunidades. Assim, a ministra ressaltou que o rompimento do contrato já cumprido, por mera desistência imotivada do consumidor, promoveria insegurança jurídica no mercado imobiliário.

‘‘Facultar ao promitente comprador, após o pagamento de todas as parcelas do preço, a desistência do contrato significaria chancelar verdadeiro comportamento contraditório, em afronta à boa-fé objetiva’’, declarou a relatora. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 2.023.670