AVALIAÇÃO CRUEL
TRT-RS mantém justa causa de supervisor da TIM que chamou atendente terceirizada de “vaca estúpida”

A ofensa às mulheres, valendo-se de expressões de caráter pejorativo, configura estereótipo de gênero, inadmissível no local de trabalho. Além, é claro, de violar direitos de personalidade elencados no artigo 5º da Constituição – privacidade, intimidade, honra e imagem.

A configuração desse quadro levou a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grade do Sul) a confirmar a despedida por justa causa de um supervisor de vendas da operadora de telefonia TIM, que classificou uma atendente de empresa terceirizada como ‘‘vaca estúpida e sem educação’’ ao avaliar o atendimento dela.

A decisão, por unanimidade, manteve a sentença da juíza Ana Carolina Schild Crespo, da 2ª Vara do Trabalho de Pelotas.

Conversa no chat

De acordo com o processo, o supervisor realizou a troca de um chip telefônico e precisou falar com a atendente pelo chat [local usado para conversar via internet, em tempo real, com pessoas que estão distantes] para realizar o procedimento. Ao fazer a avaliação do serviço, referiu-se à atendente na forma pejorativa. A terceirizada pediu providências à empresa. As conversas registradas e as avaliações foram juntadas aos autos.

O empregado já havia recebido duas advertências da empresa. Na primeira vez, por ter debochado de colega que foi atropelado quando andava de bicicleta. Na ocasião, ele gravou o acidente e mandou o vídeo, rindo, para o grupo de vendedores. Na segunda, o caso trazido nos autos, foi a própria troca do chip telefônico que gerou o comentário pejorativo e a posterior despedida. A troca não havia sido autorizada por sua gerente.

O supervisor alegou que não houve gravidade na sua conduta nem proporcionalidade na punição. Afirmou que não foi um xingamento público, mas restrito a um canal ao qual apenas alguns superiores hierárquicos têm acesso. A inexistência de publicidade do comentário e de ofensa direta a outro trabalhador não acarretariam, segundo ele, a despedida por justa causa prevista na alínea ‘‘j’’ do artigo 482 da Consolidação da Leis do Trabalho (CLT) – ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa.

Desa. Beatriz Renck foi a relatora
Foto: Secom/TRT-4

A juíza Ana Carolina Schild Crespo, no entanto, entendeu ser plenamente justificada a rescisão motivada. ‘‘Não é admissível que o autor, especialmente na condição de supervisor, possa utilizar expressões pejorativas e ofensivas contra quem quer seja, na forma como ele reconhece ter feito, não havendo justificativa para tal postura’’, registrou na sentença.

O reclamante recorreu ao TRT-RS, mas não obteve êxito. Os desembargadores ressaltaram que é incontroversa a ofensa à atendente. Em depoimento pessoal, o próprio empregado a confessou.

Perspectiva de gênero

A relatora do acórdão, desembargadora Beatriz Renck, lembra que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou, em março de 2023, a Resolução nº 492, que trata do Julgamento com Perspectiva de Gênero. Para a magistrada, o julgamento deve levar em conta a perspectiva, como forma de concretizar o princípio constitucional da igualdade entre homens e mulheres.

‘‘No caso, é reconhecida a ofensa aos direitos de personalidade da trabalhadora, evidenciando o cometimento de falta grave por parte do empregado. Tenho como justificada a penalidade máxima aplicada de despedida por justa causa”, afirmou a relatora no acórdão.

Também participaram do julgamento os desembargadores Fernando Luiz de Moura Cassal e Simone Maria Nunes. Não houve recurso da decisão do colegiado. Redação Painel de Riscos com informações de Sâmia de Christo Garcia/Secom/TRT-4.

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ATOrd 0020876-56.2022.5.04.0102 (Pelotas-RS)

 

DEMARCAÇÕES DE TERRAS
STF contemplou a ‘‘teoria do indigenato”

Por Lívia Bíscaro de Carvalho

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Além de afastar a tese do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou a tese de repercussão geral com 13 itens para o Tema 1.031, o que terá efeito vinculante a orientar o julgamento de outros processos.

A decisão do STF alinha-se à ‘‘teoria do indigenato’’, que sustenta o direito originário dos povos indígenas às terras que ocupavam antes da formação do estado brasileiro. Seu oposto é a ‘‘teoria do fato indígena’’, em que a data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988, é a referência para o reconhecimento das terras ocupadas – e serve de sustentação para o Marco Temporal.

Os debates não são novos. A tese do ‘‘fato indígena’’ surgiu em 2008 com o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima, quando esse critério foi usado – o documento foi redigido pelo vice-procurador da República Roberto Gurgel. Em 2009, o STF decidiu que os indígenas tinham direito à terra em disputa, pois viviam nela na data da promulgação da Constituição.

Na época, o STF definiu uma série de parâmetros para a demarcação dos territórios indígenas brasileiros. Em 2017, a publicação do Parecer Normativo 1/2017, publicado pela AGU, também abriu brechas para aplicação da tese do Marco Temporal ao determinar a adoção de uma série de restrições às demarcações das terras indígenas – chamadas ‘‘salvaguardas institucionais’’ no caso Raposa Serra do Sol, tornando-as mais tarde sem efeito vinculante.

O fato é que a presença dos povos indígenas no território brasileiro existe desde antes da chegada dos portugueses ao país e mesmo as constituições anteriores à de 1988 cuidaram de assegurar a posse de áreas em que estivessem localizados com caráter permanente.

Inclusive, pela ‘‘teoria do indigenato’’ a ocupação de terras ultrapassa tão somente a habitação para incluir espaços de relevância para cultura e exploração, tal como está disposto atualmente no artigo 231 da Constituição Federal. Em contraponto, a teoria do ‘‘fato indígena’’ considera o direito à terra uma concessão do estado, decorrente da ocupação, a partir da promulgação da Constituição de 1988. Ou seja, o texto constitucional de 1988 não estabeleceu limite temporal para o início da ocupação tradicional, bem como o direito dos indígenas sobre suas terras não depende de qualquer legitimação.

Diante deste impasse, o STF afastou a tese do ‘‘fato indígena’’ por 9 votos a 2, julgando o Marco Temporal inconstitucional. No entanto, a indenização, que até então só contemplava as benfeitorias, agora foi ampliada para terra nua se demonstrada a aquisição de boa-fé, inclusive com direito de regresso da União contra o ente federativo que titulou a área.

Na prática, é louvável que se reconheça o erro do estado e, consequentemente, os direitos daqueles que estão na posse e na exploração da área por terem adquirido títulos presumivelmente legítimos. Afinal, reconhecer a terra como pública não é motivo para deixar de compensar financeiramente aquele que investiu recursos baseados em ato jurídico revestido de boa-fé. O mesmo raciocínio, inclusive, deve ser adotado para faixa de fronteira.

De todo modo, ainda há incertezas se a indenização terá apuração justa e em prazo razoável a fim de que essa suposta compensação pela perda do bem não se torne mais uma longa disputa como em alguns tipos de desapropriação.

As discussões ultrapassam os limites do Judiciário. No final de 2023, o Congresso Nacional promulgou a Lei 14.701/23, que restabeleceu o Marco Temporal com a derrubada do veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a este dispositivo. Ocorre que o Congresso não pode restabelecer algo que o Supremo julgou inconstitucional – e uma série de ações contra a nova lei aponta isso para a Corte. Como se vê, é um debate que está longe de terminar.

Lívia Bíscaro Carvalho é coordenadora da área cível no escritório Diamantino Advogados Associados