AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Proibir exportação de animais vivos não resolve violações à dignidade animal

Por Matheus Cannizza e Eduardo Diamantino

Exportação de bovinos vivos
Foto: Karlos Geromy/Secap/Divulgação

O aumento da presença e relacionamento de animais com os homens nas últimas décadas trouxe consigo uma também crescente – e justa – preocupação com a saúde e bem-estar de outras espécies. No agronegócio, que acompanha e sente de perto essas preocupações, há um tema que é tão controverso quanto delicado: a exportação de animais vivos. Para o bem do debate, portanto, o assunto deve ser tratado com a seriedade e responsabilidade que ele merece.

A tentativa de se proibir a prática é objeto de investidas em duas frentes, uma judicial e outra legislativa. Ambas sustentam que só a proibição é capaz de dar fim ao sofrimento animal no transporte. Não parece o melhor caminho. É preciso que haja uma discussão aberta e responsável sobre o tema, que, seguramente, não se resolverá com uma canetada.

Na via judicial, o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal apresentou uma ação civil pública contra a União com o objetivo de se vetar a prática. Em primeira instância, a 25ª Vara Cível Federal de São Paulo decidiu pela procedência do pedido e determinou a proibição da exportação de animais vivos sob o fundamento de que não estariam sendo adotadas medidas necessárias para a garantia da saúde e bem-estar dos animais. A proibição, se confirmada pelas instâncias superiores, terá eficácia para todo o território nacional. Atualmente, o processo aguarda julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3).

Esta ação, porém, não merece prosperar na forma como foi proposta (e acolhida em primeiro grau). A discussão revela questões estruturais, uma vez que envolve algo enraizado na sociedade, que atinge a todos e possui efeitos permanentes. Não se trata, portanto, de algo pontual. A solução passa pelo debate entre todos os atores envolvidos e que não pode ser conduzido com a simplificação de um dualismo ‘‘autor x réu’’, tampouco se limitar a resolver uma situação passada. A análise dos efeitos práticos da decisão deve contemplar todas as partes.

Apesar de vários pedidos de ingresso de terceiros ligados ao setor agropecuário no âmbito da ação civil pública, todos foram sumariamente rejeitados pelo juízo, que só admitiu o ingresso da entidade ‘‘Mercy for Animals’’ e do Conselho Federal de Medicina Veterinária. Interditar este debate e a participação de todos os atores envolvidos, incluindo do setor produtivo, não parece ser o melhor caminho. É preciso permitir o debate plural para decidir questões estruturais. Afinal, a prática foi responsável por movimentar cerca de 474 milhões de dólares em 2023 só com a exportação de bovinos.

Não basta o Judiciário proibir determinada prática comercial e fechar os olhos para os problemas imediatos que isso causará. Não só a indústria se beneficia economicamente da exportação, mas, também, centenas de milhares de empregos diretos e indiretos são gerados. Ainda, ao proibir as exportações de animais vivos, a sentença limita o exercício da livre iniciativa, afetando não apenas aqueles que já desempenham essa atividade pecuária, mas também todos os que têm a pretensão de exercê-la.

As falhas estruturais apontadas na ação civil pública sugerem que violações aos direitos dos animais podem acontecer também em outros ramos da atividade de criação de animais para consumo humano. Não só em relação à exportação. Assim, a mera proibição de exportação não será capaz de atingir a solução pretendida ao mesmo tempo que causará uma série de outros problemas de ordem social e econômica na cadeia produtiva.

Vale dizer que a atividade já é fortemente regulamentada e está sujeita à fiscalização pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) em todas as suas várias etapas, além da vigilância sanitária dos países que recebem as cargas vivas. Um debate franco e sério deve passar pela discussão de eventuais incrementos regulatórios, mas não a proibição em si. Nesse sentido, o foro adequado para essa discussão é o Poder Legislativo, onde tramitam dois projetos de lei (PL 3.093/2021 e PL 521/2024). Embora as propostas busquem o mesmo resultado, o Congresso Nacional é um ambiente mais propício para a discussão de soluções para questões complexas, com representantes de diferentes setores da sociedade.

Para questões estruturais, há de se dar um tratamento estrutural: com amplo e firme diálogo entre todos que estão e serão envolvidos direta ou indiretamente com o provimento jurisdicional que se pede. Só assim se dará uma solução democrática e justa ao problema, com a necessidade de uma decisão que promova, de forma escalonada, a transição desse estado de desconformidade para um estado ideal, compatibilizando o exercício da atividade econômica com a garantia da dignidade animal.

Eduardo Diamantino é sócio e Matheus Cannizza é coordenador da área de contencioso cível estratégico do escritório Diamantino Advogados Associados

JUSTIÇA THE FLASH
Juiz de Pelotas (RS) encerra falência da Mobicard oito meses após a decretação

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Foto: Vinícius Saija/PM Rio Grande

‘‘Se não forem encontrados bens para serem arrecadados, ou se os arrecadados forem insuficientes para as despesas do processo, o administrador judicial informará imediatamente esse fato ao juiz, que, ouvido o representante do Ministério Público, fixará, por meio de edital, o prazo de 10 (dez) dias para os interessados se manifestarem.’’

Por seguir à risca o espírito do artigo 114-A da Lei 14.112/20, que alterou a Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e de Falência (11.101/05), o Juizado Regional Empresarial da Comarca de Pelotas (RS) declarou encerrada a falência da Mobicard Gestão de Créditos Inteligentes Ltda. E num tempo recorde para os padrões da Justiça estatal: oito meses após a sua decretação pelo juízo.

A empresa, fundada em maio de 2018 em Rio Grande (RS), se dedicava à emissão de vale-transporte, atuando exclusivamente no segmento de bilhetagem eletrônica do transporte coletivo da cidade – cartões ‘‘Mais Rio Grande’’. Mas acabou sucumbindo à crise causada pela pandemia de Covid-19, que paralisou as atividades empresariais, potencializada pela demora do retorno às aulas e, ainda, por uma intervenção via decreto municipal. O pedido de autofalência foi acolhido pelo juízo em outubro de 2023.

‘‘Procedeu-se, dessarte, conforme o artigo 114-A da LRF e não houve manifestação de quem quer que seja. Não há indício de fraude ou da prática de crimes falimentares, tendo inclusive o Ministério Público se manifestado pelo encerramento da falência. Isso posto, declaro encerrada a falência de Mobicard Gestão de Créditos Inteligentes Ltda., CNPJ nº 30.382.970/0001-60. Declaro extintas todas as obrigações da falida, ex vi no artigo 158, VI, da LRF’’, resumiu, na sucinta sentença, o juiz Alexandre Moreno Lahude.

Advogado Thiago Diamante
Reprodução X

As razões da celeridade processual

O desfecho jurídico favorável e a rapidez do processo impressionaram o advogado e professor de falência e recuperação judicial Thiago Diamante, responsável pela elaboração do pedido de autofalência da Mobi.

‘‘O processo, que normalmente poderia levar anos para ser finalizado, foi encerrado em apenas oito meses. Se descontar o período de suspensão de prazos das férias forenses e da suspensão de todos os prazos em razão da recente enchente no Rio Grande do Sul, foi encerrado em menos de seis meses’’, exultou o advogado, cuja banca está sediada em Porto Alegre.

O advogado destacou que a celeridade processual se deve à conjugação de três fatores: ‘‘A tramitação em um juízo empresarial especializado, inaugurado em setembro de 2023 sob a condução do magistrado Alexandre Moreno Lahude, proporcionou um ambiente jurídico com conhecimento aprofundado das complexidades de processos de falência, permitindo decisões mais rápidas e precisas.’’

Outro fator decisivo foi a qualidade técnica do administrador judicial. ‘‘A empresa Estevez Guarda Administração Judicial desempenhou um papel crucial na gestão eficiente do processo, coordenando as partes envolvidas e assegurando o cumprimento dos prazos.’’

Por fim, Diamante citou a aplicação do artigo 114-A, introduzido pela Lei 14.112/2020, que trata da possibilidade de encerramento da falência ante inexistência de bens na massa falida, o que permitiu uma tramitação ainda mais célere.

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5033228-47.2023.8.21.0022 (Pelotas-RS)

 

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DANO MORAL
Empregada orientada a prender cabelos black power, para não “assustar os clientes”, será indenizada

O gerente da farmácia pede à empregada que prenda os cabelos de estilo black power numa redinha, ‘‘para não assustar os clientes’’. O fato ocorreu na região de Divinópolis (MG), numa loja pertencente à rede Raia Drogasil, na qual a empregada exercia a função de atendente.

Para os juízes da Quinta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais), a trabalhadora foi vítima de conduta agressiva e discriminatória, de cunho racista, que ofendeu direitos de personalidade, causando danos morais.

A desembargadora-relatora Jaqueline Monteiro de Lima, que negou provimento ao recurso ordinário da empresa, manteve a sentença proferida pela 1ª Vara do Trabalho de Divinópolis, que condenou a drogaria a pagar à ex-empregada indenização de R$ 5 mil, pelos danos morais sofridos. Por unanimidade, os juízes acompanharam o entendimento da relatora.

Segundo os autos, as palavras utilizadas pelo gerente repercutiram no ambiente de trabalho. Na palavra da testemunha, o setor de recursos humanos teve ciência do ocorrido, após comunicação feita pelos farmacêuticos no canal da empresa denominada Conversa Ética, mas o gerente não se retratou.

De acordo com a relatora, ficou suficientemente comprovado o comentário ofensivo feito pelo gerente à empregada, impondo-se o dever da empresa de arcar com os acessórios devidos em razão dos danos morais gerados à trabalhadora.

Conforme a desembargadora, não houve configuração de assédio moral, porque não se provou perseguição à atendente ou mesmo atos discriminatórios repetidos em relação a ela no ambiente de trabalho. Entretanto, a julgadora ressaltou que um único ato é passível de causar repercussões na esfera íntima, na honra e dignidade do trabalhador. E foi exatamente isso o que aconteceu no caso.

Comentário de cunho racista

‘‘Pouco importa, aqui, que o uso de cabelos presos fosse uma regra na empresa, uma vez que não foi esse o motivo apresentado à autora, mas a degradante alegação de que ela iria ‘assustar’ os clientes, caso permanecesse com os cabelos soltos no estilo black power. Tal alegação, além de ofensiva e discriminatória, tem cunho nitidamente racista, não podendo, de forma alguma, ser respaldada por esta Justiça do Trabalho’’, destacou a relatora no voto.

Segundo o pontuado na decisão, nos termos da Constituição da República de 1988, são valores supremos do Estado Democrático de Direito do Brasil a criação de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. Além disso, o artigo 3º da Constituição estabelece como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, ‘‘sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’’.

Conforme pontuou a julgadora, é presumível o sofrimento causado à trabalhadora, principalmente considerando que o comentário foi feito na frente de outros empregados, colegas de trabalho.

A trabalhadora recebeu os devidos valores, e o juiz de primeiro grau declarou extinta a execução. O processo já foi arquivado definitivamente. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

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ATOrd 0012932-68.2022.5.03.0057 (Divinópolis-MG)