PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
A obrigação de proteger o meio ambiente mesmo quando o dano é incerto

Reconhecido por seu protagonismo em matéria ambiental, o Brasil regula a proteção ao meio ambiente não só na Constituição – a exemplo do artigo 225 –, mas também em leis federais, estaduais e municipais. Há, além disso, todo um sistema de normas e princípios construído em convenções internacionais às quais o país aderiu nas últimas décadas.

Um desses princípios é o da precaução, consagrado na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92), segundo o qual a falta de certeza científica absoluta não justifica deixar de tomar as providências necessárias para prevenir danos possivelmente graves e irreversíveis. Em outras palavras: ainda que o dano ambiental seja incerto, ele deve ser levado em consideração quando determinada ação puder causá-lo.

Muito além de um simples balizador de condutas, o princípio da precaução gera diversos efeitos concretos, a exemplo da inversão do ônus da prova em ações que discutem potencial dano ambiental, transferindo ao possível poluidor a obrigação de provar que sua conduta não traz riscos ao mesmo ambiente. Esse é um dos vários entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito do princípio da precaução.

Inversão do ônus da prova se aplica às ações de degradação ambiental

Foi com base no princípio da precaução que, em 2010, a Corte Especial do STJ julgou o REsp 883.656 e adotou um entendimento sobre inversão do ônus da prova que viria a servir de precedente para a edição da Súmula 618.

O colegiado assentou que, diante do dever genérico e abstrato de conservação do meio ambiente, o princípio da precaução estabelece um regime ético-jurídico no qual o exercício de atividade potencialmente poluidora – sobretudo quando perigosa – conduz à inversão das regras de gestão da licitude e causalidade da conduta, com a imposição ao empreendedor do encargo de demonstrar que sua ação é inofensiva.

O ministro Herman Benjamin, relator, destacou que, no contexto do Direito Ambiental, o princípio da precaução transforma a máxima in dubio pro reo em in dubio pro natura, trazendo consigo uma forte presunção a favor da proteção da saúde humana e do meio ambiente.

‘‘A responsabilidade de demonstrar a segurança passa para as mãos daqueles que conduzem atividades potencialmente perigosas, o que representa um novo paradigma: antes, o poluidor se beneficiava da dúvida científica; agora, a dúvida funcionará em benefício do meio ambiente’’, expressou o ministro.

‘‘A própria natureza indisponível do bem jurídico protegido (o meio ambiente), de projeção intergeracional, certamente favorece uma atuação mais incisiva e proativa do juiz, que seja para salvaguardar os interesses dos incontáveis sujeitos-ausentes, por vezes toda a humanidade e as gerações futuras. Ademais, o cunho processual do artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor liberta essa regra da vinculação exclusiva ou do confinamento à relação jurídica de consumo. Por derradeiro, a incidência do princípio da precaução, ele próprio transmissor por excelência de inversão probatória, base do princípio in dubio pro natura, induz igual resultado na dinâmica da prova’’, arrematou.

Na falta de certeza científica, prevalece a defesa do meio ambiente

Em 2012, ao discutir um caso que envolvia a queima de canaviais, a Segunda Turma do STJ reafirmou o princípio da precaução: a ausência de certezas científicas não pode ser argumento utilizado para postergar a adoção de medidas eficazes para a proteção do meio ambiente.

O colegiado deu provimento ao recurso especial interposto pelo Ministério Público (REsp 1.285.463) em processo no qual o órgão pedia a anulação de todas as autorizações para a queima de canaviais na comarca de Jaú (SP) e a proibição de que outras fossem concedidas.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) havia entendido que, como não existiam dados capazes de provar cientificamente que a fuligem da cana-de-açúcar causa câncer – como sustentavam os críticos das queimadas –, o Judiciário não poderia paralisar a atividade canavieira do Estado, a qual proporcionava pelo menos 15 milhões de empregos diretos e indiretos.

O relator do recurso especial no STJ, ministro Humberto Martins, amparado no princípio da precaução, afirmou que, ‘‘na dúvida, prevalece a defesa do meio ambiente’’. Em seu voto, ele argumentou ainda que a possibilidade legal de autorização para o uso do fogo no processo produtivo agrícola não abrange as atividades exercidas de forma empresarial, que ‘‘dispõem de condições financeiras para implantar outros métodos menos ofensivos ao meio ambiente’’.

Na análise de medidas urgentes, periculum in mora favorece o meio ambiente

No julgamento do AgInt na TP 2.476, a Primeira Turma entendeu que, no exame de medidas de urgência em matéria ambiental, à luz dos princípios da precaução e da prevenção, o periculum in mora milita em favor da proteção do meio ambiente, não sendo possível a adoção de outra solução senão o imediato resguardo da pessoa humana e do meio ambiente, principalmente em situações críticas.

O Ministério Público ajuizou ação civil pública contra uma empresa que estaria causando danos ambientais ao utilizar um imóvel como depósito de resíduos siderúrgicos da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). O MP alegou que as montanhas de lixo estariam contaminando a água no subsolo e causando poluição atmosférica pela dispersão de partículas com o vento.

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) manteve a decisão de primeiro grau que limitou a quantidade e a altura das pilhas de escória recebidas mensalmente no depósito, por entender que ficou comprovado que esse material colocava em risco as populações vizinhas, o lençol freático da região e o rio Paraíba do Sul. Contra essa decisão, a empresa interpôs recurso especial com pedido de efeito suspensivo, o qual foi concedido pela vice-presidência do TRF-2. No entanto, após solicitação de tutela provisória pelo MP, o STJ revogou o efeito suspensivo – decisão da qual a empresa recorreu.

A ministra Regina Helena Costa, relatora do recurso, ponderou que o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, presente no caput do artigo 225 da Constituição Federal, é interesse difuso, de titularidade transindividual. E os princípios da precaução e da prevenção impõem a priorização de medidas que previnam danos à vulnerável biota planetária, bem como a garantia contra perigos latentes, ainda não identificados pela ciência.

‘‘Não se pode adotar outra solução, senão o imediato resguardo da pessoa humana e do meio ambiente, principalmente em quadros fáticos críticos como o presente, no qual, segundo apontou o tribunal de origem, já há constatação de prejuízos à saúde e à segurança da população’’, expressou no voto.

A magistrada ressaltou que, em conformidade com o princípio da precaução, é necessária a inversão do ônus da prova em ações civis ambientais, atribuindo ao empreendedor a responsabilidade de provar que o meio ambiente permanece intacto mesmo com o desenvolvimento de suas atividades.

‘‘Não se extrai dos autos nenhuma comprovação, pelo agravante, de que sua atividade não causaria a degradação apontada na ação civil pública, constatando-se, na verdade, a iminente ameaça de severos danos ambientais, bem como à saúde pública de um sem-número de pessoas, mormente pelo risco concreto de contaminação do rio Paraíba do Sul’’, concluiu a ministra ao negar provimento ao recurso.

Pode haver indenização por dano ambiental mesmo sem prova do prejuízo

Sob a relatoria do ministro Franscisco Falcão, analisando um caso de despejo irregular de esgoto, a Segunda Turma do STJ concluiu que a ausência de prova técnica para a comprovação do efetivo dano ambiental não inviabiliza o reconhecimento do dever de reparação ambiental.

A posição do colegiado se deu no julgamento do REsp 2.065.347, em que o Ministério Público pedia a condenação de um clube e uma pessoa física por lançamento irregular de esgoto no estuário do rio Capibaribe, em Recife. Após o juízo de primeiro grau condenar os réus ao pagamento de indenização por danos ambientais e danos morais coletivos, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) reformou a sentença, por entender que não havia prova técnica dos danos.

O relator no STJ destacou que, diante de dano ambiental notório, é desnecessária, como regra, a realização de perícia, pois seria diligência inútil e meramente protelatória (artigo 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil). Nesses casos, segundo o ministro, basta a prova da conduta imputada ao agente.

Falcão também apontou que a responsabilidade civil por danos ambientais, na situação dos autos, fundamentava-se na teoria do risco administrativo e decorria do princípio do poluidor-pagador, que imputa ao poluidor – aquele que internaliza os lucros – a responsabilização pelo impacto causado no meio ambiente.

‘‘Diante dos princípios da precaução e da prevenção, e dado o alto grau de risco que a atividade de despejo de dejetos, por meio do lançamento irregular de esgoto – sem qualquer tratamento e em área próxima à localização de arrecifes –, representa para o meio ambiente, a ausência de prova técnica pela parte autora não inviabiliza o reconhecimento do dever de reparação ambiental’’, concluiu o ministro ao restabelecer a sentença.

Juiz deve inverter ônus da prova se ficar evidenciada presunção do dano

Sob relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a Terceira Turma definiu, no AREsp 1.311.669, que, quando ficar evidenciada a presunção do dano, o magistrado deve inverter o ônus da prova e determinar que a parte ré demonstre a não existência ou a irrelevância dos prejuízos alegados na ação, bastando aos autores, por sua vez, provar a potencialidade lesiva da atividade.

Na origem do caso, dois pescadores ajuizaram ação de indenização contra a concessionária responsável pela construção de uma hidrelétrica, sustentando que a obra causou a diminuição da quantidade de peixes na região e prejudicou a atividade pesqueira. Por entender que o nexo causal e os prejuízos não foram demonstrados, as instâncias ordinárias afastaram o dever de indenizar.

No STJ, o ministro Cueva observou que a construção da hidrelétrica e a redução da quantidade de peixes são fatos incontestáveis, devendo a questão ser dirimida, portanto, pela interpretação das leis aplicáveis e à luz dos princípios norteadores do Direito Ambiental.

Segundo o ministro, a Lei 6.938/1981 adotou a sistemática da responsabilidade objetiva, que foi integralmente recepcionada pela ordem jurídica atual, tornando-se irrelevante a discussão da conduta do agente (culpa ou dolo) para atribuição do dever de reparação do dano. Além disso, segundo o magistrado, o artigo 4º, inciso VII, da mesma lei, prevê expressamente o dever de recuperar ou indenizar os danos causados, independentemente da existência de culpa.

‘‘Basta que haja um nexo de causalidade provável entre a atividade exercida e a degradação, devendo ser transferido para a concessionária todo o encargo de provar que sua conduta não ensejou riscos para o meio ambiente, bem como a responsabilidade de indenizar os danos causados’’, apontou no voto.

‘‘Não obstante a responsabilidade ser objetiva, o dano ser evidente e a necessidade de comprovação do nexo de causalidade ser a regra, não se pode deixar de ter em conta os princípios que regem o Direito Ambiental (precaução, prevenção e reparação)’’, afirmou o relator. Ele acrescentou que, na falta de provas cientificamente relevantes sobre o nexo causal entre certa atividade e o dano ao meio ambiente, este deve ter o benefício da dúvida.

Seguindo o voto do ministro, o colegiado determinou o retorno dos autos à origem para que houvesse novo julgamento, após a inversão do ônus da prova.

Atuação do administrador deve ser regida, cada vez mais, pela precaução

Ao negar provimento ao AgInt no AREsp 2.067.641, a Segunda Turma, com base no princípio da precaução, manteve a decisão que havia determinado a uma empresa ferroviária, após vários acidentes, a adoção do regime de ‘‘duplacondução’’ nos trens que transportassem cargas perigosas.

No caso, a empresa interpôs recurso especial, argumentando que, ao exigir a implementação da ‘‘duplacondução’’ nos trens, em vez da ‘‘monocondução’’, a administração pública teria alterado unilateralmente o contrato administrativo durante sua vigência, causando a quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato e vionlado a segurança dos negócios jurídicos.

Em seu voto, o ministro Herman Benjamin, relator, observou que, no sistema jurídico brasileiro, a administração pública é titular de ampla atribuição cautelar, incumbindo aos seus agentes o dever de adotar, em relação a pessoas físicas ou jurídicas, medidas concretas que impeçam ou reduzam acidentes e outros eventos danosos à integridade físico-psíquica e a bens materiais e imateriais de terceiros, assim como ao meio ambiente e ao patrimônio público em geral.

Nesse sentido, o relator ponderou que a atuação do administrador contemporâneo se rege pelo princípio da prevenção e, cada vez mais, pelo princípio da precaução, até porque seria um absurdo defender que o estado ‘‘corra atrás do prejuízo’’, sobretudo se confrontado com ameaça ou ofensa de efeitos coletivos, algo que descaracterizaria a missão estatal e as expectativas sociais às quais deve estrita obediência.

“Entre a segurança jurídica dos contratos e a segurança das pessoas e do meio ambiente, só daria preferência àquela em prejuízo desta um legislador (ou juiz) insensível ao princípio da supremacia do interesse público, alienado da centralidade da comunidade da vida como valor de regência primordial no consenso normativo das sociedades democráticas do mundo todo”, declarou. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 883656

REsp 1285463

TP 2476

REsp 2065347

AREsp 1311669

AREsp 2067641

REFORMA TRIBUTÁRIA
Split payment e o fim do eterno Sísifo fiscal

Por Rodolfo Takahashi

O sistema tributário brasileiro, conhecido por sua complexidade, está prestes a passar por uma mudança significativa com a introdução do mecanismo de split payment (pagamento dividido), previsto no Projeto de Lei Complementar 68/2024, que regulamenta a Reforma Tributária.

Esse novo sistema, que direciona automaticamente parte dos tributos para os cofres públicos no momento do pagamento de serviços ou mercadorias, promete trazer tanto benefícios quanto desafios para contribuintes e governo.

Assim como o castigo infligido a Sísifo, as empresas empurram a pesada pedra da burocracia fiscal morro acima para vê-la rolar de volta ao final de cada período de apuração, reiniciando o árduo e infindável processo das obrigações tributárias.

O split payment surge como uma promessa de libertação desse ciclo. Mas será que ele traz consigo a redenção ou apenas mais um elo na corrente da complexidade?

A automatização dos recolhimentos, embora pareça atraente na superfície, pode esconder armadilhas. Afinal, a simplificação sempre vem com um preço. Quem vai arcar com os custos de adaptação dos sistemas tecnológicos para a adoção do novo sistema? E o que acontece com as empresas menores, que podem não ter os recursos para fazer essas mudanças?

A experiência da Polônia, que adotou o mecanismo em 2018, tem mostrado eficácia na redução da fraude fiscal e na simplificação dos recolhimentos e talvez possa servir como um exemplo a ser considerado.

Mas nem tudo foi êxito. Em estudo publicado em 2017, a Comissão Europeia destacou que, apesar de sua eficácia em reduzir certos tipos de fraude, os benefícios do mecanismo eram superados pelos seus custos e pelo aumento da complexidade do sistema, além dos elevados encargos administrativos e do impacto significativo no fluxo de caixa das empresas.

Todos esses meandros, no entanto, parecem ter sido desconsiderados na proposta inicial do split payment de que trata o PLC 68/2024 e podem levar a uma pressão financeira significativa tanto para as empresas como para o próprio governo.

Inicialmente sentido pelas empresas polonesas ao adotarem o mecanismo, o governo local conseguiu ajustar o sistema para equilibrar os benefícios de controle fiscal com as necessidades operacionais dos contribuintes.

Na Polônia, nas operações parceladas, cada prestação é tratada separadamente, e o IVA é transferido em cada uma delas, assegurando conformidade contínua com o mecanismo do split payment.

Além disso, a legislação polonesa determina que os bancos que não cumprirem os regulamentos relativos ao mecanismo poderão enfrentar penalidades por não gerir corretamente as contas de IVA ou processar pagamentos de forma imprecisa.

No Brasil, o sistema proposto da forma como está ainda deixa várias dúvidas. Como serão tratadas as possíveis imprecisões na identificação dos débitos? Como serão os recolhimentos em operações parceladas? E o que acontece se as instituições de pagamento não retiverem o IBS/CBS corretamente?

Essas lacunas ainda existentes na legislação brasileira deixam as empresas navegando em águas desconhecidas, o que aumenta a insegurança jurídica e pode desaguar em novos conflitos entre os contribuintes e o Fisco.

A recente experiência polonesa destaca a importância de um planejamento cuidadoso e de fornecer orientações detalhadas para garantir uma transição suave.

Assim como propõe Michael Sandel em Justiça: O Que é Fazer a Coisa Certa, o mecanismo sugerido deve (ou deveria) ser cuidadosamente avaliado sob o prisma da eficiência, liberdade e justiça, buscando um equilíbrio entre os diferentes valores em jogo.

Fato é que, em vez de oferecer um final diferente para o ciclo sisífico, o split payment pode estar na realidade substituindo uma pedra por outra.

A cautela recomenda senso crítico para separar a natural euforia que acompanha as boas intenções dispostas a simplificar o sistema tributário brasileiro.

De todo modo, é crucial que o governo forneça orientações mais detalhadas e seguras sobre essas questões antes de implementar essa significativa reforma tributária. Caso contrário, as empresas novamente podem ficar presas em um novo ciclo de esforço constante pela implementação apressada de um sistema malcompreendido.

Rodolfo Takahashi é advogado tributarista da equipe de Diamantino Advogados Associados

PASSIVO BILIONÁRIO
Justiça homologa plano de recuperação extrajudicial do Grupo Casas Bahia

A 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo homologou o plano de recuperação extrajudicial (PRE) requerido pelo Grupo Casas Bahia.

Segundo os autos, o refinanciamento integra um plano de transformação da empresa, iniciado em 2023, e tem como meta a readequação e alongamento do passivo financeiro quirografário de R$ 4,07 bilhões. O PRE teve como signatários dois bancos credores, titulares de 54,53% da dívida.

De acordo com o juiz responsável pelo julgamento do processo, Jomar Juarez Amorim, o plano de recuperação preenche os requisitos previstos na Lei 11.101/05, afastando irregularidades suscitadas por dois credores (Pentágono e Opea) no que diz respeito, entre outras alegações, ao quórum, à natureza dos créditos e a um suposto favorecimento.

O magistrado salientou que a referida lei ‘‘autoriza a previsão de tratamento diferenciado ao credor sujeito que proveja bens e serviços, desde que necessários à manutenção das atividades do devedor e que o tratamento diferenciado seja adequado e razoável no que concerne à relação comercial futura’’.

O magistrado ressaltou, ainda, que embora a credora impugnante tenha razão sobre a inexatidão do crédito devido, “a impugnação de crédito não é admissível senão na medida em que seu acolhimento possa derrubar o quórum de aprovação, mas a atualização do valor não surte esse efeito”.

Da decisão, cabe recurso de apelação ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Com informações da Comunicação Social do TJSP.

1065066-61.2024.8.26.0100 (São Paulo)

DIREITOS PATRIMONIAIS
MPT não pode pedir anulação de acordo que envolva interesses privados, decide TST

O Ministério Público do Trabalho (MPT) não tem legitimidade para propor a anulação de acordo extrajudicial que trate de direitos patrimoniais passíveis de negociação, decidiu a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Para o colegiado, não cabe ao MPT atuar como defensor de interesses puramente privados, ainda que eventualmente possa haver alguma espécie de fraude no acordo.

Demissão coletiva na pandemia

O caso julgado diz respeito a um acordo por meio do qual um funileiro da Viação Motta Ltda., de Campo Grande (MS), havia aderido a uma demissão coletiva em razão da pandemia da covid-19, em maio de 2020. Após a homologação da transação pelo juízo da 2ª Vara do Trabalho local, o MPT apresentou uma ação rescisória para anulá-lo. O argumento era o de que a advogada que havia representado o empregado e dado quitação geral das verbas rescisórias fora contratada pela própria empresa.

Acordo unilateral

O Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (TRT-24) julgou procedente a ação rescisória, por entender que o acordo fora formulado unilateralmente pela empresa, sem que o empregado fosse representado por um advogado que defendesse seus interesses. A empresa, então, recorreu ao TST.

Ministro Douglas Alencar foi o relator
Foto: Felipe Sampaio/TST

Sem base para contestar

O ministro Douglas Alencar Rodrigues, relator do recurso no TST, observou que, mesmo que haja possíveis problemas, isso não deve prevalecer sobre o interesse dos envolvidos no acordo de rescisão durante a pandemia. Na sua avaliação, se o próprio funileiro concordou com os termos acertados sem objeções, o MPT não tem base para contestar a sua homologação.

Interesses privados

Outro aspecto considerado pelo relator é que o acordo envolve direitos patrimoniais que podem ser objeto de negociação. A eventual comprovação de que a advogada, combinada com a empresa, tivesse enganado o empregado teria efeitos cíveis, mas não legitimaria a atuação do MPT, ‘‘que não pode atuar como defensor de interesses puramente privados, ligados a direitos patrimoniais disponíveis’’.

Além disso, Douglas Alencar destacou a possibilidade de um resultado menos favorável ao trabalhador caso o acordo fosse anulado e a questão fosse submetida a julgamento.

Ficaram vencidos a desembargadora convocada Margareth Rodrigues Costa e o ministro Lelio Bentes Corrêa. Com informações do técnico judiciário Bruno Vilar, compiladas pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

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ROT-24302-07.2020.5.24.0000

RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Prova de regularidade fiscal continua dispensada nos casos anteriores à Lei 14.112/20

Arte: Dunamis Gestão e Contabilidade

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso da Fazenda Nacional contra decisão do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) que, confirmando a sentença de primeiro grau, dispensou a apresentação de certidões de regularidade fiscal para a homologação de um plano de recuperação judicial, bem como para a renovação de incentivos fiscais.

De acordo com o colegiado, a partir da vigência da Lei 14.112/2020, tornou-se necessário apresentar as certidões de regularidade fiscal como requisito para a homologação do plano de recuperação judicial, nos termos dos artigos 57 da Lei 11.101/2005 e 191-A do Código Tributário Nacional (CTN). No entanto, para os processos anteriores – como o caso em julgamento –, as certidões continuam sendo dispensáveis.

Um grupo empresarial teve seu pedido de recuperação deferido pelo juízo de primeiro grau, sendo dispensado da apresentação de certidões de regularidade fiscal para a homologação do plano. A Fazenda Nacional contestou a dispensa, mas o TJPE entendeu que a apresentação das certidões não era um requisito indispensável para a concessão da recuperação.

Em recurso especial (REsp) aviado no STJ, a Fazenda Nacional alegou que a homologação do plano de recuperação não poderia prescindir da apresentação das certidões de regularidade fiscal por parte da empresa recuperanda.

Ministro Antonio Carlos Ferreira foi o relator
Foto: Imprensa/STJ

Inovações trazidas pela Lei 14.112/2020 mudaram entendimento sobre a matéria

O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do recurso, comentou que, até a edição da Lei 14.112/2020, exigir prova de quitação de todo o passivo tributário para o acesso ao procedimento recuperacional tornaria absolutamente inócuo o instituto legal, pois as dívidas fiscais atingem normalmente valores altos, cujo pagamento costuma ser impossível para as empresas em situação de crise econômico-financeira.

Contudo, segundo o magistrado, a Lei 14.112/2020 trouxe diversas medidas para facilitar a reorganização da empresa recuperanda no tocante aos débitos tributários – entre elas, o parcelamento por dez anos.

O ministro apontou que, se a decisão que determinar a comprovação da regularidade fiscal não for atendida, a solução compatível com a disciplina legal em vigor atualmente não é a convolação da recuperação em falência. Em vez disso, deve-se suspender o processo, com a consequente descontinuidade dos efeitos favoráveis à empresa, como a suspensão das execuções contra ela.

Em processos anteriores à Lei 14.112/2020, aplica-se a jurisprudência antiga

Porém, disse o relator, nos processos anteriores à vigência da Lei 14.112/2020, deve ser aplicado o entendimento jurisprudencial da época, que não admitia a exigência de comprovação da regularidade fiscal. É o que decorre do princípio tempus regit actum (artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, e artigo 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

Antonio Carlos Ferreira lembrou que o artigo 52, inciso II, da Lei 11.101/2005, em sua redação original, estabelecia que o juiz, ao deferir o processamento da recuperação, deveria determinar a dispensa da apresentação de certidões negativas para que a empresa pudesse exercer suas atividades, ‘‘exceto para contratação com o poder público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios’’.

Segundo o ministro, naquele contexto legislativo, a jurisprudência do STJ se orientou no sentido de ‘‘mitigar o rigor da restrição imposta pela norma, dispensando, inclusive, a apresentação de certidões para a contratação com o poder público ou para o recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, a fim de possibilitar a preservação da unidade econômica’’. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 1955325