RESERVA DE CAPITAL
Municípios veem miragem em decisão do STF para ampliar a arrecadação fiscal

Por Gustavo Vaz Faviero e Murilo Muniz Silva

Miragens no deserto são ilusões ópticas, causadas por fenômenos da luz, fazendo com que o viajante acredite que haja água onde só existe areia. Em certa medida, a miragem é um fenômeno real, causada por efeitos físicos, mas também é um devaneio da mente do viajante que, desesperado por água, se convence da presença de um oásis onde não há nada.

No Direito Tributário, às vezes, vemos fenômenos semelhantes. Tal qual um viajante no deserto, o fisco, sedento por arrecadação para conseguir sair do árido terreno do déficit fiscal, vê em precedentes do Supremo Tribunal Federal interpretações que não são possíveis.

Um exemplo é o peculiar entendimento de algumas prefeituras que o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) pode ser cobrado na integralização de bens imóveis ao capital social de uma pessoa jurídica, quando o seu valor de mercado for superior ao valor do capital social subscrito.

Apenas para relembrar, a integralização de capital é uma forma pela qual o sócio constitui ou amplia o patrimônio de uma empresa. Essa operação, por se tratar de uma transferência onerosa, em tese, atrairia a incidência do ITBI.

Contudo, a Constituição Federal traz uma regra de imunidade, no artigo 156, retirando da hipótese de incidência do imposto a transmissão de bens ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital.

Ocorre que, com o julgamento do RE 796.376-SC (Tema 796) pelo STF, surgiram algumas dúvidas sobre o limite dessa imunidade, em especial quando o valor do imóvel excede o valor do capital a ser integralizado.

No caso, o STF firmou a seguinte tese: ‘‘A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado’’. Ou seja, o imposto municipal incidirá sobre os imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica, na parcela relativa à constituição de reserva de capital, uma vez que é um de capital não subscrito.

Surfando na onda da decisão, prefeituras passaram a entender que, quando o valor de integralização fosse inferior ao valor venal estabelecido pelo município (ou ao valor de mercado), haveria a constituição de uma reserva de capital ‘‘implícita’’, o que autorizaria a cobrança do ITBI sobre essa diferença.

Surpreendentemente, o argumento vingou. Pelo menos no Tribunal de Justiça de São Paulo, onde a 15ª e a 18ª Câmaras de Direito Público mantiveram a interpretação dos municípios:

‘‘(…) Diferença tributável, independentemente da inserção contábil de excedente na reserva de capital, tendo em vista que a base de cálculo do ITBI se refere ao valor da transação, definida com base no Tema n. 1.113 do C. STJ – Valor da transação que, arbitrada de acordo com o art. 148 do CTN, excedeu ao valor do capital social – Excedente que não é abrangido pela imunidade tributária contida no art. 156, §2º, da Constituição (…)’’ (TJSP; Embargos de Declaração Cível 1000350-77.2023.8.26.0482; Relator (a): Tania Ahualli; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Presidente Prudente – Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 23/04/2024; Data de Registro: 23/04/2024) – Destaques nossos.

‘‘Exegese da tese fixada no Tema 796 do STF. Reserva de capital implícita. Possibilidade de tributação. Lançamento tributário. Base de cálculo do ITBI que é o valor venal do bem imóvel e que não guarda relação com seu valor originário indicado na Declaração de Imposto de Renda. Caso concreto em que há considerável discrepância entre o valor atribuído ao imóvel na operação societária e aquele apontado pela Administração Pública Municipal.” (TJSP; Apelação Cível 1000256-03.2023.8.26.0136; Relator (a): Ricardo Chimenti; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro de Cerqueira César – 2ª Vara; Data do Julgamento: 29/05/2024; Data de Registro: 29/05/2024) – Destaques nossos.

No entanto, essa interpretação não é correta por diversas razões.

Primeira, a Constituição não traz nenhuma norma limitadora da imunidade com base no valor do bem integralizado. Pelo contrário, uma interpretação sistêmica traz conclusão diversa, uma vez que o objetivo norma de imunidade é facilitar e fomentar a criação de novas empresas.

Segunda, o precedente do STF trata justamente de um caso em que o contribuinte optou por constituir uma conta explícita de reserva de capital (‘‘conta ágio’’) para não diluir a participação societária dos demais membros da empresa. Ou seja, é tudo menos uma reserva implícita.

Terceira, não há, na legislação, obrigação do sócio a integralizar bens pelo seu valor de mercado. Pelo contrário, há regra específica na legislação do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) que autoriza o sócio a escolher qual o valor utilizará no ato de integralização: se o valor contábil ou o valor de mercado.

Assim, em momento algum a legislação ou o STF permite aos municípios a cobrança de ITBI sobre a diferença entre o valor declarado pelo contribuinte e o valor avaliado pelo município.

Como se isso não bastasse, ao ter essa conduta, os municípios submetem os contribuintes a uma escolha: (i) caso a transferência não seja feita pelo valor de mercado, a operação não estará acolhida pela imunidade do ITBI; (ii) caso a integralização seja feita pelo valor de mercado, a operação estará albergada pela imunidade, mas a conferência de bens pode ser sujeita ao IRPF.

A única certeza que podemos extrair de tudo isso é que o fisco municipal vê no precedente do STF uma miragem para saciar a sua sede por arrecadação. Novamente, o Judiciário terá que analisar o tema.

Gustavo Vaz Faviero é coordenador da área tributária, e Murilo Muniz Silva é sócio da área societária no escritório Diamantino Advogados Associados

CONDUTA ATÍPICA
Falso testemunho não é crime se teor do depoimento não afeta a sorte do processo

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Foto: Reprodução TRT-2

O crime de falso testemunho, tipificado no artigo 342 do Código Penal (CP), só se consuma quando as declarações do depoente são relevantes para a elucidação do processo e com potencial para lesar o bem jurídico tutelado – a administração da justiça.

Na prevalência deste entendimento, a 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), por maioria, manteve sentença da 1ª Vara Federal de Itajaí (SC) que absolveu duas pessoas denunciadas por prestar falso testemunho num processo trabalhista.

Os réus foram absolvidos pelos fundamentos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal (CPP) – falta de provas para amparar a condenação. Noutras palavras, não foram encontradas nas declarações evidências claras de ‘‘potencialidades lesivas’’ capazes de alterar o destino do processo trabalhista, já que o litígio – direito ou não à adicional de insalubridade – foi solucionado com laudo técnico.

Juiz federal Marcelo Adriano Micheloti
Foto: Reprodução Youtube

Imprescindibilidade da prova técnica

No primeiro grau da Justiça Federal catarinense, o juiz Marcelo Adriano Micheloti observou que a história ‘‘rocambolesca’’ dos réus era tão inverossímil que o juiz trabalhista expediu ofício à Polícia Federal (PF), para ‘‘as providências que entender pertinentes’’ no caso.

‘‘Ainda que, como antes dito, seja prescindível a efetiva modificação do resultado da lide em razão das afirmações falsas, a própria rápida percepção do juízo trabalhista a respeito da falsidade não deixa de representar um primeiro elemento a lançar dúvidas sobre a potencialidade lesiva das declarações prestadas pelos réus’’, escreveu na sentença absolutória.

Em arremate, Micheloti ressaltou – citando a jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12, Santa Catarina) – que a prova pericial é imprescindível para aferição da existência de insalubridade laboral. Ou seja, o laudo pericial é a prova técnica por excelência para resolver o litígio.

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5001584-40.2021.4.04.7208 (Itajaí-SC)

 

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HORAS EXTRAS
Mineradora não pode afastar controle de jornada apenas para empregados com nível superior

Divulgação Semadesc/MS

A norma coletiva que exclui o controle de jornada de trabalho para empregados com nível superior completo é inválida, porque ofende o princípio da isonomia e dificulta o pagamento de horas extras.

A decisão é da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ao rejeitar o recurso da Mineração Corumbaense Reunida S.A. contra a condenação ao pagamento de horas extras a um geólogo.

Geólogo pediu horas extras 

Contratado em setembro de 2012 e dispensado em 2016, o geólogo disse que sempre trabalhou além da jornada prevista em lei e nunca recebeu o adicional de 25% sobre as horas de trabalho acima de seis horas por dia. Na ação, ele pediu o pagamento de 45 minutos de hora extra por dia.

Para mineradora, ponto era desnecessário

Em defesa, a Corumbaense sustentou que o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) firmado com o sindicato dos empregados excluiu a necessidade do controle de ponto para os cargos de nível superior.

Disse também que o empregado havia sido orientado sobre a duração do trabalho e da proibição de extrapolar os limites previstos na lei. Afirmou ainda que, caso precisasse estender a jornada, ele poderia compensar depois.

O juízo da Vara de Trabalho de Corumbá e o Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (TRT-24, Mato Grosso do Sul) julgaram procedente a ação do empregado. Para o TRT, a empresa somente estaria dispensada de efetuar o registro da jornada se o cargo fosse de confiança.

Falta de controle impede verificação de horas extras

No exame do recurso de revista (RR) da mineradora, o relator, desembargador convocado José Pedro Camargo, também concluiu pelo direito às horas extras para o geólogo.

Ele destacou que a norma coletiva não pode suplantar preceitos básicos e ignorar o direito fundamental trabalhista de limitação e controle da jornada de trabalho. Ainda segundo Camargo, a distinção no controle de jornada ofende o princípio da isonomia e fragiliza o pagamento de horas extras.

A decisão foi unânime. Com informações de Ricardo Reis, coordenador de Editoria e Imprensa da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

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RR-24545-27.2017.5.24.0041