ERRO LEGISLATIVO
STF começa a discutir inclusão de cooperativas médicas no regime de recuperação judicial

Banco de Imagens /STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, na quarta-feira (21/8), uma ação contra parte da Lei de Falências (Lei 11.101/2005) que inclui cooperativas médicas e operadoras de planos de saúde no regime de recuperação judicial.

Na sessão de quinta-feira (22/8), o ministro Alexandre de Moraes, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7442, leu o relatório, que apresenta um resumo do que está em discussão. Também foi ouvido o representante da Unimed, interessado na ação. O julgamento prosseguirá em data ainda a ser definida.

O artigo 6º da lei afasta a aplicação dos efeitos da recuperação judicial às cooperativas, excluindo as da área médica. Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), autora da ação, houve irregularidades na tramitação do processo legislativo que deu origem à lei.

Segundo a PGR, a exceção aplicada às cooperativas médicas não estava no projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado. Por conter assunto diverso do texto votado pelos deputados, a alteração deveria ter tramitado como emenda aditiva, para, se aprovada pelo Senado, retornar à Câmara.

O então procurador-geral da República, Augusto Aras, sustenta, que isso não ocorreu, e, embora o trecho tenha sido vetado pelo presidente da República, o veto foi derrubado pelo Congresso Nacional.

Na petição inicial, procurador-geral afirma que essa circunstância viola o princípio constitucional do bicameralismo, segundo o qual toda emenda ao projeto aprovado por uma das Casas terá, obrigatoriamente, de retornar à outra, para que se pronuncie somente sobre esse ponto, de forma definitiva.

No mesmo sentido, o representante da Unimed argumentou que a inclusão criou outra disposição, não se tratando de mera correção de redação do projeto de lei. Com informações de Suélen Pires, da Assessoria de Imprensa do STF.

ADI 7442

INDUÇÃO A ERRO
Por risco de confusão e associação indevida, STJ anula registro de marca de móveis

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou, por unanimidade, a nulidade do registro e a proibição do uso de marca cujo nome é semelhante ao já adotado por outra empresa do ramo moveleiro. De acordo com o colegiado, a grande semelhança gráfica e fonética entre os nomes poderia induzir os consumidores a erro ou a associação indevida das marcas.

Na origem, a empresa gaúcha do ramo moveleiro denominada D’Linea entrou com ação de nulidade de registro de marca e de abstenção de uso contra outra empresa, Groupe Adeo, que comercializa na rede Leroy Merlin móveis da ‘‘marca exclusiva Delinea’’.

Acionado judicialmente, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) manifestou-se pela nulidade, porque a semelhança entre os nomes poderia confundir consumidores e levá-los a erro ou a associação indevida entre as marcas de móveis.

O juízo de primeiro grau entendeu haver risco de confusão e de associação indevida e declarou a nulidade do registro da marca Delinea, determinando que a empresa deixasse de usá-la sob pena de pagamento de multa diária de R$ 1 mil.

Em segunda instância, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) reformou a sentença sob o fundamento de que os nomes das marcas teriam ‘‘íntima relação com produtos do ramo moveleiro’’ e possuiriam caráter genérico, enquadrando-se na situação descrita no artigo 124, inciso VI, da Lei de Propriedade Industrial, sendo vedado o seu registro.

O acórdão do TRF-2 também levou em conta a Teoria da Distância, segundo a qual em um mesmo segmento mercadológico, uma nova marca não precisa ser mais diferente do que as marcas já existentes são entre si.

Ministra Nancy Andrighi foi a relatora
Foto: Imprensa/STJ

Simples possibilidade de confusão justifica a tutela da marca

A relatora do caso no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que a Lei de Propriedade Industrial contém previsão específica que impede o registro de marca quando houver ‘‘reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia’’.

Para a ministra, a principal finalidade da proteção marcária é distinguir determinado produto ou serviço de outro idêntico. No caso, as duas marcas (D’Linea e Delinia) possuem alto grau de semelhança gráfica e fonética e, considerando que atuam no mesmo ramo de atividades, a coexistência de ambas pode gerar potencial confusão no público consumidor.

Nesse sentido, a relatora relembrou precedente da Terceira Turma (REsp 954.272), ao defender que a simples possibilidade de confusão basta para que uma marca seja tutelada.

Quanto à exceção enunciada pela Teoria da Distância, a ministra afastou sua incidência à hipótese, já que ‘‘o grau de semelhança entre as marcas é muito maior do que aquele que se percebe na comparação entre estas e as indicadas no acórdão impugnado’’, como as marcas Mobilinea, Lineart, Arclinea e Prima Linea.

De acordo com a relatora, o dispositivo alegado pelo acórdão do TRF-2 para reformar a sentença não se aplica à situação, uma vez que o elemento central do nome das marcas não constituiu termo designativo para móveis ou acessórios domésticos. A relatora ressaltou que a preexistência de marcas deve ser considerada na apreciação de concessão ou declaração de nulidade de registro.

‘‘O uso da marca Delinia implica violação dos direitos da recorrente, a configurar hipótese de confusão, sobretudo porque presentes elementos […] que permitem inferir que o consumidor pode acreditar que os produtos designados pela marca do recorrido sejam fabricados pela sociedade empresária adversa (D’Linea)’’, concluiu Nancy Andrighi, ao dar provimento ao recurso especial (REsp). Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 2120527

ACORDOS COLETIVOS
Decisão do TST sobre horas extras em atividades insalubres é paradigmática

Por Lara Fernanda de Oliveira Prado 

Foto: Reprodução/JContábil/FreePik

São incontáveis as vozes que criticam a chamada cultura paternalista da Justiça do Trabalho e a sua proteção exagerada ao trabalhador. É importante reconhecer, entretanto, que muito dessa avaliação se dissipou com o advento da reforma trabalhista, que prestigiou a prevalência do negociado sobre o legislado.

Apesar da mudança promovida na legislação, a transformação segue passos mais lentos na prática. Um exemplo recorrente de controvérsia entre tribunais envolve a validade dos acordos coletivos em atividades insalubres. A origem está no artigo 60 da CLT, que estabelece a necessidade de licença prévia das autoridades competentes em higiene e segurança do trabalho para validar a prestação de horas extras em atividades insalubres.

Justamente por isso é digno de registro um julgamento recente (AIRR-1000844-38.2022.5.02.0241) do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em que a corte validou um acordo coletivo que estabelecia regime de compensação em atividades insalubres, mesmo sem autorização de órgão competente. Apesar de as instâncias inferiores terem condenado a empresa, o TST manteve a eficácia do acordo e a absolveu dos pedidos relacionados.

Desde a entrada em vigor da reforma trabalhista, o tema é alvo de divergências jurisprudenciais. É que o artigo 611-A, inciso XIII, da CLT, permite a prorrogação de jornada em ambientes insalubres sem licença prévia das autoridades competentes, quando acordados em negociação coletiva, enquanto o artigo 611-B, inciso XVII, veda acordo que suprima normas de saúde, higiene e segurança do trabalho.

Com isso, alguns juízes entendem que a autorização do artigo 611-A prevalece sobre a lei, permitindo a negociação da regra do artigo 60, enquanto outros consideram a sua aplicação inconstitucional por violar normas de segurança do trabalho e ser diametralmente oposta ao 611-B, inciso XVII.

Historicamente, a constatação da insalubridade em processos judiciais resultava na invalidação dos acordos coletivos de compensação de jornada, obrigando o pagamento de horas extras. Por outro lado, a tendência de mudança desse posicionamento cresce progressivamente, especialmente em decorrência do Tema 1.046 do STF.

Direitos não sujeitos à negociação coletiva

No caso concreto, o juiz fundamentou sua decisão no Tema vinculante 1.046 do STF, destacando que, ao não exigir, na tese, a especificação das vantagens compensatórias e adjetivar de “absolutamente” indisponíveis os direitos que não estão sujeitos à negociação coletiva, o Supremo Tribunal Federal sacramentou a teoria do conglobamento e a ampla autonomia negocial coletiva na esfera laboral.

Vale ressaltar que a teoria do conglobamento é aquela que permite que um acordo coletivo seja avaliado em seu conjunto, considerando todas as suas cláusulas e benefícios, ao invés de examinar cada cláusula individualmente, o que valoriza a singularidade e as necessidade de cada caso.

A questão ainda não está pacificada, mas os julgamentos favoráveis aos empregadores são crescentes, e o entendimento pode passar a ser vinculante por meio de provocação da SDI (seções especializadas em dissídios individuais). A conclusão representa mais um passo para a mudança de cultura do tribunal ao reafirmar a prevalência do negociado sobre o legislado, em consonância com a modernização das relações trabalhistas.

A separação entre os direitos que podem ser flexibilizados e aqueles que não estão sujeitos a qualquer negociação ficou clara na CLT com a inserção dos artigos 611-A e 611-B. O objetivo disso foi trazer maior clareza e segurança jurídica, ao permitir expressamente que acordos coletivos possam prevalecer sobre a lei em determinadas condições, ainda que favoráveis ao empregador. Não se trata, em absoluto, de abolir direitos, mas de adaptar a legislação às realidades específicas das partes.

Cabe às empresas investirem nas negociações coletivas, usufruindo da autonomia que a reforma trabalhista proporcionou. À Justiça do Trabalho, a tarefa é continuar essa transformação de modo a possibilitar um ambiente de trabalho equilibrado e seguro, protegendo os interesses de empregadores e empregados sem posicioná-los como polos opostos.

Lara Fernanda de Oliveira Prado é sócia da área cível e trabalhista no Diamantino Advogados Associados

CONDUTAS IMPRÓPRIAS
TRT-15 transforma pedido de demissão em rescisão indireta de trabalhadora assediada

Reprodução TRT-15

O assédio sexual sofrido por uma trabalhadora configura falta grave do empregador que enseja a nulidade do pedido de demissão, que se transforma, automaticamente, em rescisão indireta, com fulcro no artigo 483, alíneas ‘‘a’’ e ‘‘b’’, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Nesse entendimento, a 11ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15, Campinas/SP) julgou procedente o recurso de uma operadora de telemarketing que insistiu na alteração do seu pedido de demissão para rescisão indireta.

Diferentemente do juízo de primeiro grau, o colegiado reconheceu, por unanimidade, que as práticas reiteradas de assédio sexual, por parte do superior hierárquico, foram a causa da decisão da trabalhadora de pedir o fim de seu contrato com a empregadora, a empresa Chain Serviços e Contact Center S. A.

Além de determinar a alteração, para constar ‘‘dispensa imotivada’’, o acórdão também condenou a empresa a pagar as verbas rescisórias devidas.

Assédio sexual por intimidação

Ao apreciar o recurso ordinário da reclamante, o órgão colegiado entendeu que o conjunto probatório era suficiente para configurar assédio sexual por intimidação, praticado pelo superior hierárquico da trabalhadora. As práticas envolviam piadas desrespeitosas, contatos físicos não consentidos, comentários impróprios e comportamentos que criavam um ambiente hostil e constrangedor para a vítima.

Segundo a trabalhadora, o seu superior ‘‘pegava em seus cabelos, passava a mão em seus braços, soltava algumas piadas sugestionando uma saída, tendo chegado a perguntar por que não estava usando sutiã em determinado dia, se estava grávida, se estava namorando uma colega (…)’’.

Todas essas ocorrências, segundo os autos do processo, foram relatadas numa reclamação no site da empresa, via celular, mas a empresa nada fez. Simplesmente, se omitiu.

Comportamentos desrespeitosos e impróprios

Conforme ressalta o acórdão, em casos dessa natureza, em que o comportamento ilícito costuma ser dissimulado, a produção de provas é mais difícil, motivo pelo qual não cabe exigir que a assediada forneça provas contundentes, bastando a verossimilhança da alegação, a qual pode ser amparada por relatos de testemunhas.

A única testemunha ouvida, indicada pela reclamante, confirmou ter presenciado ‘‘a prática de comportamentos desrespeitosos e impróprios por parte do superior hierárquico direcionados à reclamante’’. Afirmou também tê-lo visto tratar a autora de forma ‘‘grosseira, rude e sarcástica’’.

Diante das provas produzidas, os julgadores concluíram que o comportamento do empregador configura falta grave e justifica a anulação do pedido de demissão e sua reversão em rescisão indireta.

De relatoria do desembargador João Batista Martins César, a decisão foi pautada no Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, cuja observância se tornou obrigatória a partir da Resolução 492/2023 do CNJ. O protocolo visa colaborar com a implementação das Políticas Nacionais estabelecidas pelas Resoluções CNJ 254/2020 e 255/2020, relativas ao enfrentamento à violência contra as mulheres e ao incentivo à participação feminina no Judiciário. Redação Painel de Riscos com informações da Comunicação Social do TRT-15.

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ATSum 0010182-37.2023.5.15.0021 (Jundiaí-SP)

GRUPO TRAPÉZIO
Ex-administradores têm legitimidade para intervir na falência de bancos

Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil

Os ex-administradores e os ex-controladores de instituições financeiras têm legitimidade para intervir no processo de falência instaurado a pedido do liquidante, mediante autorização do Banco Central (BC). A decisão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em votação unânime.

Ao constatar que seria inviável manter as atividades do grupo Trapézio S. A. (holding de bancos), o BC autorizou o liquidante a requerer a falência das suas instituições financeiras, nos termos do artigo 21, alínea ‘‘b’’, da Lei 6.024/1976. Em primeiro grau, o processo foi extinto devido à falta de autorização da assembleia geral, prevista no artigo 122, inciso IX, da Lei 6.404/1976.

Os ex-acionistas e ex-administradores do grupo econômico, na qualidade de terceiros interessados, recorreram ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) contra a extinção do processo. A corte local, porém, não conheceu da apelação, pois considerou não ter sido demonstrado prejuízo da sentença para os interesses dos recorrentes, os quais foram mantidos no processo na condição de assistentes das instituições financeiras, não se configurando a sua legitimação recursal extraordinária.

Em recurso especial (REsp) interposto no STJ, os ex-controladores e os ex-administradores sustentaram que o seu interesse jurídico decorre da decretação da quebra, revelando-se a sua legitimidade para recorrer na qualidade de terceiros interessados.

Ministro Antonio Carlos Ferreira foi o relator
Foto: Imprensa/STJ

Dispositivos legais em referência permitem fiscalizar a administração da falência

O relator do recurso, ministro Antonio Carlos Ferreira, considerou contraditória a conclusão do TJMG ao permitir a permanência dos ex-controladores e ex-administradores na ação, na qualidade de assistentes, mas não reconhecer sua legitimidade para interpor recurso como terceiros interessados.

Para o ministro, ao admitir a existência de interesse jurídico capaz de justificar a intervenção de terceiros pela via da assistência em qualquer fase do processo judicial, o TJMG não pode negá-la em relação aos mesmos intervenientes na fase recursal, ao argumento de que não teria sido demonstrado o interesse jurídico.

O ministro observou que, segundo o artigo 103 da Lei 11.101/2005, com a declaração da falência, o falido perde o direito de administrar ou dispor de seus bens (função que é transferida para o administrador judicial ou para o liquidante), mas isso não significa que ele perca a capacidade processual, tanto que o parágrafo 1º do dispositivo lhe assegura a possibilidade de fiscalizar a administração da falência, adotar providências para a conservação de seus direitos e intervir nos processos que envolvam a massa falida, ‘‘requerendo o que for de direito e interpondo os recursos cabíveis’’.

Falência envolve uma série de interesses relacionados à empresa

Antonio Carlos Ferreira também enfatizou que a falência é um procedimento que envolve uma série de interesses relacionados à empresa, incluindo o interesse público na proteção do crédito e na estabilização do mercado, em contraste com os interesses da própria empresa falida, que muitas vezes entram em conflito com o processo de liquidação.

O magistrado apontou que, não à toa, a doutrina caracteriza a falência como um processo estrutural complexo, envolvendo uma variedade de interesses e setores, que requerem uma abordagem decisória especial para atender às necessidades dos diferentes atores e perfis envolvidos.

‘‘Nesse contexto, é imperioso reconhecer a legitimidade aos sócios e, sobretudo, aos administradores, para acompanhar o procedimento e conduzir seus interesses para que sejam sopesados na arena decisional’’, declarou o relator.

Não é necessária autorização prévia da assembleia para o pedido de autofalência

Por fim, o ministro explicou que, no caso de falência resultante de procedimento de liquidação extrajudicial anterior, não é necessário obter autorização prévia da assembleia geral, conforme estipulado pelo artigo 122, inciso IX, da Lei 6.404/1976.

‘‘A Lei 6.024/1976 – que disciplina os regimes de recuperação e resolução das instituições financeiras – é norma especial em relação à Lei 11.101/2005 – que prevê procedimentos recuperatório e liquidatório da generalidade das sociedades empresárias e dos empresários. Pelo mesmo motivo – existência de disciplina específica no que toca à desnecessidade de deliberação assemblear –, o artigo 122, inciso IX, da Lei 6.404/1976, não tem aqui aplicação. Note-se que o artigo 2º, inciso I, da Lei 11.101/2005, exclui expressamente sua aplicação às instituições financeiras, prevendo, somente, sua aplicação subsidiária, nos termos do artigo 197 do mesmo diploma legal’’, concluiu ao dar parcial provimento ao recurso. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 1852165