JURISPRUDÊNCIA REVISITADA
Acessibilidade, direitos da pessoa com deficiência e a responsabilidade das empresas nos julgados do STJ

A Constituição de 1988 não trouxe muitos avanços na questão da pessoa com deficiência (PcD). Segundo Heloisa Helena Barboza e Vitor de Azevedo Almeida Junior, no artigo ‘‘Reconhecimento e inclusão das pessoas com deficiência’’, os dispositivos constitucionais dedicados a esse tema são voltados à habilitação e à reabilitação da PcD para fins de sua integração à vida comunitária, com ‘‘feição assistencialista’’.

Contudo, a incorporação, com status constitucional, da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, por força do Decreto 6.949/2009, alterou o tratamento da questão no Brasil, ao colocá-la no patamar dos direitos humanos e ao adotar o modelo social de deficiência.

A partir daí, explicam os autores, passou a prevalecer o princípio da inclusão no lugar da integração. A inclusão se distingue ‘‘por chamar a sociedade à ação; isto é, por exigir que a sociedade se adapte para acolher as pessoas com deficiência’’, a fim de atender às necessidades de todos os seus membros, sem exceção’’.

Segundo o artigo, os fortes impactos da convenção de 2008 no ordenamento jurídico brasileiro só foram sentidos efetivamente após a edição da Lei 13.146/2015 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) –, que compilou direitos e deveres que antes estavam dispersos em outras leis, decretos e portarias.

Acessibilidade na pauta do Judiciário

O Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, celebrado em 21 de setembro, é um marco importante na mobilização pela inclusão social, reforçando a importância da conscientização e da luta contra o capacitismo – nome dado à discriminação e ao preconceito contra a PcD.

Tendo a acessibilidade como um objetivo estratégico e como valor institucional desde 2022, o STJ conta atualmente com dois ministros, 155 servidores, 174 profissionais terceirizados e três estagiários com deficiência. Em sua atividade judicante, ao longo do tempo, o tribunal tem tomado decisões que procuram assegurar a máxima efetividade aos direitos desse grupo social – por exemplo, determinando a realização de obras de acessibilidade ou garantindo indenização nos casos de violação de tais direitos.

Empresa foi obrigada a construir rampa de acesso e indenizar cadeirante

Em 2023, a Terceira Turma do STJ manteve decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que obrigou um estabelecimento comercial a construir rampa de acesso para pessoas com deficiência e o condenou a pagar indenização de danos morais no valor de R$ 5 mil para o autor da ação.

O recurso teve origem em ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de indenização por dano moral ajuizada por um homem com deficiência que, devido à falta de adaptações no prédio, não conseguia entrar no estabelecimento comercial em sua cadeira de rodas.

Condenada pelo juízo de primeiro grau e pelo TJRJ, a empresa recorreu ao STJ sob o fundamento de que, além de ser inaplicável o Código de Defesa do Consumidor (CDC) ao caso, ela não estaria obrigada a ter rampa de acesso em seu estabelecimento, uma vez que não fez obra ou reforma desde que a Lei 10.098/2000 entrou em vigor.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que, se a pessoa com deficiência, no exercício de suas atividades cotidianas, figura em determinado momento como consumidora, também está protegida pelas disposições do CDC.

No caso em que o comerciante deixa de cumprir com seu dever de garantir acessibilidade, esclareceu a ministra, fica configurado o fato do serviço por fortuito interno, uma vez que a pessoa com deficiência sofreu um dano extrapatrimonial por não conseguir entrar no estabelecimento; o serviço foi defeituoso por não ser executado a contento em prol do consumidor; e o prejuízo decorreu da inação do comerciante, que tem o dever de garantir a acessibilidade aos consumidores.

‘‘É dever de todos os fornecedores da cadeia de consumo zelar pela disponibilização de condições adequadas de acesso ao seu interior, a fim de permitir a participação, sem percalços, do público em geral, inclusive das pessoas com deficiência, pois é a sociedade que deve se adaptar, eliminando as barreiras físicas, de modo a permitir a integração das pessoas com deficiência ao seio comunitário’’, disse a ministra Nancy Andrighi ao julgar o REsp 2.041.463.

Falta de estrutura adaptada em show também gera dever de indenizar

Devido à falta de adaptação da estrutura montada para um show, a Terceira Turma manteve a condenação de uma associação a pagar R$ 10 mil pelos danos morais sofridos por um cadeirante. Ele comprou ingresso para camarote em um show realizado na cidade de Limeira (SP), mas, por falta de condições de acessibilidade, enfrentou diversos problemas de locomoção no local.

Para o colegiado, a associação, em conjunto com outras empresas que organizaram o evento, teve responsabilidade pelos danos sofridos pelo cadeirante.

Segundo o processo, o consumidor só comprou o ingresso depois de ser informado pela organizadora de que o espaço tinha estrutura adaptada para pessoas com problemas de mobilidade. Entretanto, ao chegar ao local, ele encontrou diversas barreiras físicas no camarote e não conseguiu nem mesmo utilizar o banheiro.

Em primeira instância, o juízo condenou a associação ao pagamento de danos morais de R$ 5 mil, valor elevado para R$ 10 mil pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). No recurso especial (REsp), a entidade alegou que o camarote para o qual o cadeirante comprou ingresso foi montado, explorado e administrado por outra empresa; por isso, ela não teria responsabilidade pelos transtornos vividos pelo consumidor.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, afirmou que a associação era, com outras empresas, encarregada de organizar o evento, estando dentro da mesma cadeia de fornecimento, e, por essa razão, era solidariamente responsável pelos danos.

Além disso, a relatora verificou que havia falta de acessibilidade na própria entrada do local do evento, a cargo da associação.

Obrigação de bancos fornecerem documentos em braille

Com base nos direitos à acessibilidade e à informação, tanto a Terceira quanto a Quarta Turma do STJ já condenaram instituições bancárias a confeccionarem em braille os documentos necessários para o atendimento de clientes com deficiência visual. Nos dois casos, a ação civil pública (ACP) foi proposta pela Associação Fluminense de Amparo aos Cegos.

O relator do REsp 1.315.822 na Terceira Turma foi o ministro Marco Aurélio Bellizze. Ele observou que, ainda que não houvesse, como de fato há, um sistema legal protetivo específico para as pessoas com deficiência, ‘‘a obrigatoriedade da utilização do método braille nas contratações bancárias estabelecidas com pessoas com deficiência visual encontra lastro, para além da legislação consumerista in totum aplicável à espécie, no próprio princípio da dignidade da pessoa humana’’.

O ministro determinou o pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 50 mil em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos.

No REsp 1.349.188, julgado pela Quarta Turma, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, ressaltou que a não utilização do método braille durante todo o ajuste bancário com pessoa com deficiência visual a impede de exercer, em igualdade de condições com as demais pessoas, seus direitos básicos de consumidor.

‘‘Além de intolerável discriminação e evidente violação dos deveres de informação adequada, consubstancia vulneração à dignidade humana da pessoa com deficiência’’, disse o relator.

‘‘A acessibilidade é direito fundamental e, para se ter o pleno acesso à informação, pode ser exigível uma adaptação razoável dos meios informacionais, para que se alcance a igualdade de oportunidade, sem que haja qualquer tipo de discriminação em razão da deficiência, consagrando-se o respeito à diversidade e à persecução de justiça material’’, expressou no voto, ao julgar o REsp 1.349.188.

Danos morais por falta de acessibilidade no embarque em avião

A Quarta Turma, ao julgar o REsp 1.611.915, condenou uma companhia aérea a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 15 mil a passageiro com deficiência de locomoção, por não lhe ter oferecido meio seguro, digno e independente de embarque e desembarque.

Para entrar e sair do avião, o passageiro teve de ser levado no colo de funcionários da empresa, que o carregaram pela escada, de maneira insegura e vexatória, mesmo ele tendo avisado a companhia da sua condição. O embarque e o desembarque ocorreram na pista, e não foi oferecido modo mais adequado para atender o passageiro.

Ao STJ, a companhia alegou não seria sua a responsabilidade de garantir acessibilidade, mas da Infraero, que administrava o aeroporto. Por isso, argumentou que o defeito na prestação do serviço teria ocorrido por culpa de terceiro, o que excluiria sua responsabilidade pelos danos.

O relator do recurso, ministro Marco Buzzi, afirmou que o Brasil, ao aderir à Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, teve a preocupação de afastar o tratamento discriminatório de tais pessoas, assegurando a acessibilidade para permitir sua independência ao executar tarefas do cotidiano. ‘‘A acessibilidade é princípio fundamental desse compromisso multilateral, de dimensão concretizadora da dignidade humana’’, destacou.

De acordo com o ministro, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), na Resolução 9/2007, que estava em vigor na época dos fatos, ‘‘atribuiu compulsoriamente às concessionárias de transporte aéreo a obrigação de promover o embarque do indivíduo possuidor de dificuldade de locomoção, de forma segura, com o emprego de elevadores ou outros dispositivos apropriados’’.

Segundo Buzzi, ficou configurado no caso o defeito na prestação do serviço, em razão da ausência dos meios necessários para o adequado acesso do cadeirante ao interior da aeronave com segurança e dignidade.

Universidade deve fazer obras para garantir acessibilidade em suas instalações

Em 2016, a Segunda Turma manteve decisão judicial que determinou a realização de obras em todos os prédios da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), para torná-los acessíveis às pessoas com deficiência ou com dificuldades de locomoção.

Na origem do caso, foi ajuizada ação civil pública pelo Ministério Público Federal (MPF), após mais de uma década de solicitações à reitoria da universidade para que adaptasse os edifícios da instituição de ensino. No entendimento do relator do recurso no STJ, ministro Herman Benjamin, a sentença que fixou prazos para o início e a conclusão das obras – e que foi mantida em segunda instância – não era abusiva.

‘‘Não se mostra abusiva nem ilegal a fixação de prazo para o início e o fim das obras de acessibilidade nos prédios da UFPE’’, declarou o ministro em seu voto, acrescentando que a recalcitrância da universidade em cumprir a determinação do Ministério Público impunha que se fixasse um período razoável para a finalização do empreendimento.

Benjamin afirmou que a teoria da reserva do possível não se aplicava ao caso, ao contrário do que sustentava a universidade, pois desde o ano 2000 ela contava com dotação orçamentária específica para a adaptação de edifícios.

‘‘Se um direito é qualificado pelo legislador como absoluta prioridade, deixa de integrar o universo de incidência da reserva do possível, já que a sua possibilidade é, preambular e obrigatoriamente, fixada pela Constituição ou pela lei’’, afirmou. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1912548

REsp 1315822

REsp 1349188

REsp 1611915

REsp 1607472

BRASIL EM CHAMAS
Fogo no campo revela novo desafio para cumprimento de contratos

João Eduardo Diamantino

O cenário de incêndios devastadores, que destruíram lavouras, florestas e rebanhos, traz uma nova controvérsia para a qual a legislação e o Judiciário ainda não têm respostas prontas.

O Brasil foi tomado recentemente por uma espessa nuvem de fuligem que cobriu o céu de diversas regiões. Incêndios devastadores avançaram sem controle, destruindo lavouras, florestas, rebanhos e até mesmo imóveis residenciais. Em um cenário de múltiplos prejuízos, a pergunta que se impõe é: quem pagará a conta?

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o número de focos de incêndios é o maior desde 2010, superando a marca de 100 mil casos, que atingiram mais da metade dos estados. Para piorar, a situação deve persistir, segundo a meteorologia, e as cenas de destruição e pânico causados pelo fogo devem se repetir. Após a tragédia do Rio Grande do Sul alagado, agora é a hora de combater o fogo.

Seja por ingenuidade ou preferência política, acusadores mais apressados apontaram o dedo para o agronegócio, que estaria usando o fogo para o manejo de lavouras. A estrela do PIB brasileiro mais uma vez paga, injustamente, o preço do sucesso.

Desde 1998, as queimadas são um crime ambiental previsto na Lei 9.605. E para ficar num só exemplo, a colheita da cana-de-açúcar é majoritariamente mecanizada e dispensa o uso do fogo há pelo menos 20 anos.

Na verdade, a grande maioria das propriedades afetadas pelos incêndios das últimas semanas são do agronegócio, e os produtores trabalham com a previsão da safra futura.

Houve quebra de safra, perda de animais, queimada de florestas. E seguros contra incêndio não são uma realidade, já que os valores das apólices com esta cobertura não são viáveis financeiramente para a grande maioria dos produtores.

Os prejuízos são de dois tipos: ambientais e cíveis. Os ambientais, podem ser exemplificados com a perda das reservas legais, a ausência de chuvas e a piora na qualidade do solo. Já os prejuízos cíveis estão ligados ao descumprimento de contratos, aumento das cotações e escassez de alimentos.

Quando a entrega da safra não é cumprida, essa situação atípica pode justificar uma revisão contratual? A resposta é: depende.

Para elucidar a questão é necessário recorrer à ‘‘teoria da imprevisão’’, prevista nos artigos 478 a 480 do Código Civil.

A premissa é de readequação do equilíbrio entre as partes e prevê a resolução contratual quando ‘‘a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis’’. Contudo, a grande questão agora é que, nesse caso, não há vantagem para nenhuma das partes.

Em 2012, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o REsp 945.166, decidiu que pragas, secas e variações de preço não justificam a resolução de contratos agrícolas. A decisão é embasada na necessidade de cláusula específica que permita ajustar os termos do acordo em razão de eventos extraordinários ou imprevisíveis que alteram radicalmente as bases do contrato.

No entanto, o país em chamas é um cenário que não estava previsto. Diante disso, é necessário analisar as múltiplas situações envolvidas.

Em um contrato de parceria rural de plantio de cana-de-açúcar, por exemplo, cujo prejuízo estimado pelo setor supera os R$ 800 milhões apenas no estado de São Paulo, tanto o parceiro-proprietário quanto o parceiro-produtor devem dividir os riscos – e as duas partes têm alguma perda. Afinal, a capacidade mútua de assumir riscos é fundamental para a viabilidade desse tipo de contrato.

Já no arrendamento para plantação de soja, a situação é diferente. O arrendatário deve pagar um valor de sacas por hectare conforme acordado, mas a entrega não será possível porque o plantio foi consumido pelo fogo. Nesse caso, o produtor poderá invocar a ‘‘teoria da imprevisão’’, considerando um incêndio de proporções jamais vistas?

A situação revela uma nova controvérsia para a qual a legislação o e o Judiciário ainda não têm respostas prontas. A partir de agora, processos judiciais e as negociações contratuais devem ser capazes de reconhecer a gravidade das circunstâncias em busca de soluções, caso a caso.

João Eduardo Diamantino é sócio da área tributária no Diamantino Advogados Associados

OMISSÃO DO EMPREGADOR
Professor recebe bilhetes homofóbicos, e escola é condenada a pagar danos morais no valor de R$ 40 mil

A ausência de discriminação na contratação de professores homossexuais não isenta a escola da responsabilidade em reprimir posturas e atitudes homofóbicas de alunos e pais, pois são condutas antijurídicas que maculam o meio ambiente laboral.

Nesse passo, a 7ª Vara do Trabalho de Florianópolis condenou o Colégio Catarinense (Associação Antônio Vieira – ASAV) a pagar dano moral no valor de R$ 40 mil a um professor de arte vítima de tratamento discriminatório em razão de sua orientação sexual.

Segundo a juíza do trabalho Danielle Bertachini, a escola particular de não agiu adequadamente diante das ofensas homofóbicas – por meio de bilhetes – sofridas pelo reclamante em sala de aula, configurando dano moral. Ou seja, a conduta omissiva da escola violou direitos de personalidade assegurados no inciso X do artigo 5º da Constituição – privacidade, intimidade, honra e imagem –, ensejando o dever de indenizar.

‘‘Tratou-se, pois, de conduta ilícita cometida no ambiente escolar, ainda que de forma omissiva e culposa pela reclamada [escola], a qual merece ser reprimida porquanto tratou-se de ato discriminatório nos termos do art. 3º, IV, da Constituição Federal, o que fere o princípio da igualdade previsto no art. 5º também da Carta Maior’’, disparou na sentença a julgadora.

Pedidos de amizade no Instagram

O caso teve início em 2023, quando, em determinada manhã, o professor estava ministrando aulas para turmas do ensino médio e começou a receber solicitações de amizade no Instagram. Ao perceber que os pedidos vinham de alunos da escola – e considerando que seu perfil na rede social era pessoal –, ele optou por recusá-los.

O dia de trabalho seguiu. Entretanto, ao longo de uma das aulas, o docente percebeu que a turma estava silenciosa, algo pouco comum. Foi quando, ao se aproximar de sua mesa, encontrou diversos bilhetes contendo termos de cunho homofóbico, com tipo de papel e escrita que remetiam a bilhetes utilizados em uma performance artística publicada por ele no YouTube.

No vídeo, o autor elenca em pequenos papéis os insultos comumente dirigidos a pessoas da comunidade LGBTQIA+. Ao final, bate os papéis com água em um liquidificador e bebe o produto, encenando uma crítica à homofobia presente na sociedade.

Dispensa sem explicações

Apesar do abalo emocional, o professor continuou a aula. Seu intuito, conforme relatado no processo, era recolher os bilhetes e, posteriormente, mostrá-los à coordenação da escola, aproveitando o momento para despertar nos alunos o debate acerca da importância do respeito e combate a atitudes discriminatórias.

Entretanto, no mesmo dia, além de perceber ‘‘olhares de deboche nos corredores’’, o professor foi chamado por uma funcionária ao Setor de Recursos Humanos (RH). Lá, recebeu a notícia de que seu contrato de experiência não seria renovado.

Mesmo após questionar o motivo da dispensa, o professor não obteve explicações claras. O fato lhe chamou a atenção, pois dias antes havia recebido elogios da coordenadora da escola por meio de mensagem.

Ação reclamatória

Passado o episódio, o profissional ingressou com uma ação reclamatória na Justiça do Trabalho, solicitando indenização por danos morais, alegando que o colégio não tomou medidas adequadas diante das ofensas homofóbicas. Também argumentou que a decisão de não renovar seu contrato ocorreu em razão da repercussão, especialmente entre pais e alunos, do trabalho artístico publicado no YouTube.

Já a instituição mantida pelos padres jesuítas, em sua defesa, argumentou que a dispensa do professor ocorreu no exercício do ‘‘direito potestativo’’ do empregador de não renovar o contrato de experiência.

Alegou, ainda, que a decisão foi baseada em relatos sobre a ‘‘inabilidade do docente’’ para lidar com conflitos com os alunos do ensino médio – que, em tese, seriam ‘‘mais questionadores’’ –, e não por qualquer motivo discriminatório.

A ré também argumentou que possui outros professores homossexuais no quadro de docentes, o que seria incompatível com a postura da qual estava sendo acusada.

Juíza Danielle Bertachini
Captura Instagram

Tratamento discriminatório

Ao analisar o caso na 7ª Vara do Trabalho de Florianópolis, a juíza Danielle Bertachini acolheu o pedido do autor para indenização por danos morais, arbitrando a reparação em R$ 40 mil.

Na sentença, a magistrada observou que a escola não apresentou justificativas plausíveis para não renovar o contrato do docente, especialmente por não ter oferecido feedbacks ou chances de melhoria quanto à suposta ‘‘inabilidade’’ com os alunos.

A escola já recorreu da condenação ao Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12, Santa Catarina) por meio de recurso ordinário, ainda pendente de julgamento.

Protocolos para julgamento sem discriminação 

Em agosto deste ano, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) lançaram os protocolos para julgamentos sem discriminação, documentos que orientam a magistratura sobre como considerar diversidade, inclusão e trabalho escravo e infantil em suas decisões.

As orientações propõem um olhar sem vieses ou preconceitos e com observação aos processos históricos e culturais de desigualdade. Além disso, há diretrizes para servidores e servidoras e recomendações para advogados e advogadas.

Foram lançados três protocolos: Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva da Infância e da Adolescência; Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva de Enfrentamento do Trabalho Escravo Contemporâneo; e Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva, que aborda as questões de gênero e sexualidade, raça e etnia e pessoa com deficiência e idosa. Redação Painel de Riscos com informações de Carlos Nogueira, da Secretaria de Comunicação Social (Secom)/TRT-12.

Clique aqui para ler a sentença

Clique aqui para assistir à performance no Youtube

ATOrd 0000601-31.2023.5.12.0037 (Florianópolis)