PRECEDENTE QUALIFICADO
Sentença trabalhista que homologa acordo não basta para comprovar tempo de serviço

​A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, sob a sistemática dos recursos repetitivos, que a sentença trabalhista que apenas homologa acordo entre as partes não é, por si só, suficiente para comprovar tempo de serviço em processos previdenciários. É necessário que ela seja acompanhada de documentos que comprovem o trabalho realizado durante o período que se deseja reconhecer.

A tese aprovada no julgamento do Tema 1.188 dispõe o seguinte: ‘‘A sentença trabalhista homologatória de acordo, assim como a anotação na CTPS e demais documentos dela decorrentes, somente será considerada início de prova material válida, conforme o disposto no artigo 55, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, quando houver nos autos elementos probatórios contemporâneos que comprovem os fatos alegados e sejam aptos a demonstrar o tempo de serviço no período que se pretende reconhecer na ação previdenciária, exceto na hipótese de caso fortuito ou força maior’’.

Com a fixação da tese, poderão voltar a tramitar todos os processos que estavam suspensos à espera do julgamento do repetitivo. O precedente qualificado deverá ser observado pelos tribunais de todo o país na análise de casos semelhantes.

Ministro Benedito Gonçalves foi o relator
Foto: Antonio Augusto/Secom/TST

Sentença meramente homologatória equivale à confirmação de declaração das partes

Segundo o relator do tema, ministro Benedito Gonçalves, a jurisprudência consolidada do STJ entende que a sentença trabalhista homologatória de acordo só pode ser considerada como início de prova material se estiver fundada em outros elementos que comprovem o trabalho exercido e os períodos alegados pelo trabalhador, de forma a demonstrar o tempo de serviço, conforme previsão do artigo 55, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991 e do artigo 60 do Decreto 2.172/1997 (revogado pelo Decreto 10.410/2020).

O ministro lembrou que a questão também foi recentemente reanalisada pela Primeira Seção do tribunal no julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal (Puil) 293. Nessa decisão, o colegiado fixou a tese de que a comprovação do tempo de serviço para efeitos legais exige alguma prova material produzida na época dos fatos, não se admitindo prova exclusivamente testemunhal – exceto na hipótese de caso fortuito ou força maior.

Diante desse contexto e a partir da interpretação sistemática da legislação sobre o tema, o relator chegou à conclusão de que o início da prova é aquele feito por meio de documentos contemporâneos ao período do serviço a ser contabilizado, que comprovem o exercício da atividade laboral.

De acordo com Benedito Gonçalves, o entendimento decorre do fato de que, na prática, a sentença homologatória equivale à mera declaração das partes reduzida a termo.

Desse modo, se o acordo teve apenas o objetivo de encerrar o processo trabalhista e seus termos não refletirem a veracidade dos períodos efetivamente trabalhados, a sentença não servirá como início de prova material, o que exige a apresentação de outras provas contemporâneas à prestação do serviço, conforme preconiza o disposto no artigo 55, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 1938265

REsp 2056866

DIREITO DE PASSAGEM
Metrô de São Paulo pode cobrar da TIM pelo uso dos túneis para passar cabos de telefonia

A Segunda Tuma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, autorizou a Companhia do Metropolitano de São Paulo a cobrar da operadora TIM pelo uso de áreas subterrâneas para a passagem de cabos de fibra ótica necessários à prestação dos serviços de telefonia móvel e de internet banda larga. Para o colegiado, os túneis urbanos do metrô são bens de uso especial, o que afasta a gratuidade requerida pela operadora de telefonia.

A turma negou provimento ao recurso com o qual a TIM buscava manter, sem custos, a exploração do espaço dos túneis do metrô paulistano para a instalação de infraestrutura e de redes de telecomunicações. A operadora argumentava que, conforme o artigo 12 da Lei Geral de Antenas (Lei 13.116/2015), o direito de passagem em bens públicos, como o subsolo, deveria ser isento de qualquer cobrança.

A disputa judicial teve início após o fim do contrato de concessão que, por 20 anos, regulou o uso dos túneis do metrô para a passagem da rede de fibra ótica da TIM. Fracassadas as tentativas de renovação do contrato, a questão foi levada ao Judiciário.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu que os túneis do metrô são bens de uso especial, uma vez que não são utilizados de forma geral e indistinta pela coletividade, e a circulação livre de pessoas não é permitida nesses locais.

Ao STJ, a operadora alegou que o pagamento de tarifa pelos usuários dos trens não retira dos túneis a característica de bens de uso comum. Para a TIM, a cobrança pretendida oneraria os serviços de telecomunicações e, em última instância, prejudicaria os interesses da população como um todo.

Túneis não têm característica essencial dos bens de uso comum

O relator na Segunda Turma, ministro Afrânio Vilela, destacou que a gratuidade prevista no artigo 12 da Lei 13.116/2015 é uma exceção à política estabelecida pelo artigo 11 da Lei 8.987/1995 (Lei de Concessões), que permite a obtenção de receitas adicionais por meio de fontes complementares, visando à modicidade tarifária.

Segundo o ministro, essa exceção não se aplica ao direito de passagem que a TIM pretende exercer nos túneis do metrô, pois tais túneis não se enquadram nas situações previstas na Lei Geral das Antenas, como vias públicas, faixas de domínio ou outros bens públicos de uso comum.

O magistrado esclareceu que os túneis do metrô carecem de uma característica essencial para serem classificados como bens de uso comum: estarem sujeitos aos princípios da isonomia e da generalidade e à ausência de restrições.

Subsolos do metrô estão afetados ao serviço de transporte metroviário

Afrânio Vilela apontou que, na realidade, os túneis devem ser tratados como bens de uso especial, conforme o artigo 99, inciso II, do Código Civil, que define os bens públicos com base em sua destinação, incluindo no rol dos bens de uso especial os edifícios ou terrenos destinados a serviços ou estabelecimentos da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive autarquias.

‘‘A partir da norma civil, os bens de uso especial destinam-se à execução dos serviços públicos e, por isso mesmo, são considerados instrumentos desses serviços, e têm uma finalidade pública permanente’’, escreveu no voto.

‘‘Os subsolos do metrô não são destinados ao uso genérico, isonômico e para fins diversos de interesse privado ou público, mas estão afetados ao serviço público de transporte metroviário de passageiros, amoldando-se mais adequadamente à definição de bem de uso especial de uso administrativo externo, porquanto o seu uso é restrito aos usuários do serviço de transporte subterrâneo’’, explicou o relator.

O ministro afirmou, ainda, que a aplicação do Decreto 10.480/2020 deve se manter afastada, já que há excesso regulatório nesse decreto, especialmente no artigo 9º, que de forma inadequada proíbe a cobrança de contraprestação pelo direito de passagem para a instalação de infraestrutura de telecomunicações em bens públicos de uso comum. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 1990245

OMISSÃO NA PREVENÇÃO
TJSP mantém multa ambiental por desídia após incêndio atingir área de preservação permanente

A 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve auto de infração ambiental no valor de R$ 14 mil imposto pelo Estado de São Paulo à Bracell SP Celulose, multada após incêndio de origem desconhecida em plantação de cana-de-açúcar atingir área de preservação permanente (APP).

Para o relator do recurso, desembargador Roberto Maia, a responsabilização da empresa – que buscava anulação da multa na Vara Única de Getulina (SP) – não vem da conduta de atear o fogo em si, mas de outras que contribuíram para o resultado, como como falta de manutenção dos aceiros (faixa de terreno sem vegetação que serve como barreira para impedir a propagação de incêndios).

‘‘No presente caso, somando-se ao descuido dos aceiros, extraem do Boletim de Ocorrência outras relevantes falhas que denotam omissão deliberada da recorrida [Bracell,] assumindo o risco do resultado, quais sejam, inexistência de ponto de observação, o descuido com o trato da plantação e principalmente a ausência de combate ao incêndio pela apelada’’, escreveu o magistrado no acórdão.

Completaram o julgamento os desembargadores Paulo Ayrosa e Paulo Alcides.

A votação foi unânime. Redação Painel de Riscos com informações da Comunicação Social do TJSP.

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1000938-42.2023.8.26.0205 (Getulina-SP)

MAIS ARRECADAÇÃO
Nova lei amplia poder estatal para receber créditos públicos

Por Luiz Eduardo Schemy

Reprodução Conteúdos Bloxs

Com o objetivo de aprimorar a eficiência na recuperação de créditos públicos, a Lei Complementar 208/2024 (LC 208/2024) trouxe relevantes alterações na securitização da dívida ativa e na interrupção do prazo prescricional para a cobrança dos créditos tributários. A falta de regulamentação, entretanto, deixa o contribuinte em alerta sobre a efetividade da lei, que não pode se tornar um instrumento de arrecadação a qualquer custo.

Com a nova lei, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios podem ceder, de forma onerosa, direitos creditórios decorrentes de créditos tributários e não tributários em favor de pessoas jurídicas de direito privado e fundos de investimento regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A cessão dos créditos públicos poderá ocorrer por meio da venda direta pelo ente da federação, mediante processo licitatório, ou por intermédio de sociedade de propósito específico (SPE), instituída para essa finalidade. Importante destacar que apenas os créditos já constituídos e reconhecidos pelo devedor ou contribuinte (parcelamento, por exemplo) poderão ser objeto da securitização.

Multiplicidade de credores e previsão legal

Um ponto que merece a atenção dos contribuintes e devedores é o fato da multiplicidade de credores, que certamente não medirão esforços para a cobrança e recebimento dos créditos públicos adquiridos, podendo incorrer em abusos aos direitos dos contribuintes.

Nos termos da LC 208/2024, a cessão será definitiva e preservará a natureza do crédito, mantendo as suas garantias e privilégios, bem como assegurando que a cobrança do crédito continue sendo prerrogativa da Fazenda Pública.

Para coibir o uso político dos recursos recebidos, essas operações devem ser autorizadas por lei específica de cada ente federativo, e efetivadas em até 90 dias antes da data de encerramento do mandato do chefe do Poder Executivo.

Protesto extrajudicial e interrupção da prescrição

Outra novidade trazida pela LC 208/2024 foi a inclusão do protesto extrajudicial como causa de interrupção da prescrição para a cobrança do crédito tributário, alongando o prazo que o Fisco possui para cobrar as dívidas fiscais. Essa medida fortalece as ações administrativas e os mecanismos de cobrança, proporcionando mais tempo e eficácia na recuperação de créditos tributários.

Isso porque, na prática, o protesto extrajudicial causa bastante incômodo ao devedor, que passa a sofrer uma série de restrições financeiras, tais como dificuldades na movimentação de conta corrente, aquisição de crediário, empréstimos ou financiamentos.

Requisição de informações

Por fim, a partir da publicação da LC 208/2024, a administração tributária tem a prerrogativa de requisitar informações cadastrais e patrimoniais de contribuintes a órgãos públicos e privados, aumentando a eficiência na recuperação de créditos.

Tal medida não significa a mera colaboração no compartilhamento de informações, mas a obrigatoriedade, inclusive das entidades privadas, do fornecimento de dados fiscais tidos como sigilosos.

Essa questão merece uma cuidadosa regulamentação, estabelecendo limites claros e mecanismos de controle para evitar abusos e garantir a proteção dos direitos dos contribuintes, de maneira que as informações sejam utilizadas adequadamente e nos estritos termos da lei.

Isso porque, além da inviolabilidade da intimidade, da vida privada e do sigilo de dados, devem ser respeitadas as diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), de observância obrigatória pelos entes de direito público e privado.

Conclusão

Neste cenário, não há dúvidas de que as alterações introduzidas pela lei complementar objetivam o incremento de receitas dos entes federativos. No entanto, é imprescindível a regulamentação das questões que ainda deixam dúvidas quanto ao formato e alcance de suas aplicações, a fim de evitar o abuso por parte dos entes federados, diante das relações estabelecidas com os particulares.

O cuidado na regulamentação das questões relativas à cessão de crédito, ao compartilhamento de informações ou à cobrança das dívidas públicas deve ser capaz de evitar novos litígios no futuro.

Luiz Eduardo Schemy é coordenador da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados

JURISPRUDÊNCIA REVISITADA
Acessibilidade, direitos da pessoa com deficiência e a responsabilidade das empresas nos julgados do STJ

A Constituição de 1988 não trouxe muitos avanços na questão da pessoa com deficiência (PcD). Segundo Heloisa Helena Barboza e Vitor de Azevedo Almeida Junior, no artigo ‘‘Reconhecimento e inclusão das pessoas com deficiência’’, os dispositivos constitucionais dedicados a esse tema são voltados à habilitação e à reabilitação da PcD para fins de sua integração à vida comunitária, com ‘‘feição assistencialista’’.

Contudo, a incorporação, com status constitucional, da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, por força do Decreto 6.949/2009, alterou o tratamento da questão no Brasil, ao colocá-la no patamar dos direitos humanos e ao adotar o modelo social de deficiência.

A partir daí, explicam os autores, passou a prevalecer o princípio da inclusão no lugar da integração. A inclusão se distingue ‘‘por chamar a sociedade à ação; isto é, por exigir que a sociedade se adapte para acolher as pessoas com deficiência’’, a fim de atender às necessidades de todos os seus membros, sem exceção’’.

Segundo o artigo, os fortes impactos da convenção de 2008 no ordenamento jurídico brasileiro só foram sentidos efetivamente após a edição da Lei 13.146/2015 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) –, que compilou direitos e deveres que antes estavam dispersos em outras leis, decretos e portarias.

Acessibilidade na pauta do Judiciário

O Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, celebrado em 21 de setembro, é um marco importante na mobilização pela inclusão social, reforçando a importância da conscientização e da luta contra o capacitismo – nome dado à discriminação e ao preconceito contra a PcD.

Tendo a acessibilidade como um objetivo estratégico e como valor institucional desde 2022, o STJ conta atualmente com dois ministros, 155 servidores, 174 profissionais terceirizados e três estagiários com deficiência. Em sua atividade judicante, ao longo do tempo, o tribunal tem tomado decisões que procuram assegurar a máxima efetividade aos direitos desse grupo social – por exemplo, determinando a realização de obras de acessibilidade ou garantindo indenização nos casos de violação de tais direitos.

Empresa foi obrigada a construir rampa de acesso e indenizar cadeirante

Em 2023, a Terceira Turma do STJ manteve decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que obrigou um estabelecimento comercial a construir rampa de acesso para pessoas com deficiência e o condenou a pagar indenização de danos morais no valor de R$ 5 mil para o autor da ação.

O recurso teve origem em ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de indenização por dano moral ajuizada por um homem com deficiência que, devido à falta de adaptações no prédio, não conseguia entrar no estabelecimento comercial em sua cadeira de rodas.

Condenada pelo juízo de primeiro grau e pelo TJRJ, a empresa recorreu ao STJ sob o fundamento de que, além de ser inaplicável o Código de Defesa do Consumidor (CDC) ao caso, ela não estaria obrigada a ter rampa de acesso em seu estabelecimento, uma vez que não fez obra ou reforma desde que a Lei 10.098/2000 entrou em vigor.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que, se a pessoa com deficiência, no exercício de suas atividades cotidianas, figura em determinado momento como consumidora, também está protegida pelas disposições do CDC.

No caso em que o comerciante deixa de cumprir com seu dever de garantir acessibilidade, esclareceu a ministra, fica configurado o fato do serviço por fortuito interno, uma vez que a pessoa com deficiência sofreu um dano extrapatrimonial por não conseguir entrar no estabelecimento; o serviço foi defeituoso por não ser executado a contento em prol do consumidor; e o prejuízo decorreu da inação do comerciante, que tem o dever de garantir a acessibilidade aos consumidores.

‘‘É dever de todos os fornecedores da cadeia de consumo zelar pela disponibilização de condições adequadas de acesso ao seu interior, a fim de permitir a participação, sem percalços, do público em geral, inclusive das pessoas com deficiência, pois é a sociedade que deve se adaptar, eliminando as barreiras físicas, de modo a permitir a integração das pessoas com deficiência ao seio comunitário’’, disse a ministra Nancy Andrighi ao julgar o REsp 2.041.463.

Falta de estrutura adaptada em show também gera dever de indenizar

Devido à falta de adaptação da estrutura montada para um show, a Terceira Turma manteve a condenação de uma associação a pagar R$ 10 mil pelos danos morais sofridos por um cadeirante. Ele comprou ingresso para camarote em um show realizado na cidade de Limeira (SP), mas, por falta de condições de acessibilidade, enfrentou diversos problemas de locomoção no local.

Para o colegiado, a associação, em conjunto com outras empresas que organizaram o evento, teve responsabilidade pelos danos sofridos pelo cadeirante.

Segundo o processo, o consumidor só comprou o ingresso depois de ser informado pela organizadora de que o espaço tinha estrutura adaptada para pessoas com problemas de mobilidade. Entretanto, ao chegar ao local, ele encontrou diversas barreiras físicas no camarote e não conseguiu nem mesmo utilizar o banheiro.

Em primeira instância, o juízo condenou a associação ao pagamento de danos morais de R$ 5 mil, valor elevado para R$ 10 mil pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). No recurso especial (REsp), a entidade alegou que o camarote para o qual o cadeirante comprou ingresso foi montado, explorado e administrado por outra empresa; por isso, ela não teria responsabilidade pelos transtornos vividos pelo consumidor.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, afirmou que a associação era, com outras empresas, encarregada de organizar o evento, estando dentro da mesma cadeia de fornecimento, e, por essa razão, era solidariamente responsável pelos danos.

Além disso, a relatora verificou que havia falta de acessibilidade na própria entrada do local do evento, a cargo da associação.

Obrigação de bancos fornecerem documentos em braille

Com base nos direitos à acessibilidade e à informação, tanto a Terceira quanto a Quarta Turma do STJ já condenaram instituições bancárias a confeccionarem em braille os documentos necessários para o atendimento de clientes com deficiência visual. Nos dois casos, a ação civil pública (ACP) foi proposta pela Associação Fluminense de Amparo aos Cegos.

O relator do REsp 1.315.822 na Terceira Turma foi o ministro Marco Aurélio Bellizze. Ele observou que, ainda que não houvesse, como de fato há, um sistema legal protetivo específico para as pessoas com deficiência, ‘‘a obrigatoriedade da utilização do método braille nas contratações bancárias estabelecidas com pessoas com deficiência visual encontra lastro, para além da legislação consumerista in totum aplicável à espécie, no próprio princípio da dignidade da pessoa humana’’.

O ministro determinou o pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 50 mil em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos.

No REsp 1.349.188, julgado pela Quarta Turma, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, ressaltou que a não utilização do método braille durante todo o ajuste bancário com pessoa com deficiência visual a impede de exercer, em igualdade de condições com as demais pessoas, seus direitos básicos de consumidor.

‘‘Além de intolerável discriminação e evidente violação dos deveres de informação adequada, consubstancia vulneração à dignidade humana da pessoa com deficiência’’, disse o relator.

‘‘A acessibilidade é direito fundamental e, para se ter o pleno acesso à informação, pode ser exigível uma adaptação razoável dos meios informacionais, para que se alcance a igualdade de oportunidade, sem que haja qualquer tipo de discriminação em razão da deficiência, consagrando-se o respeito à diversidade e à persecução de justiça material’’, expressou no voto, ao julgar o REsp 1.349.188.

Danos morais por falta de acessibilidade no embarque em avião

A Quarta Turma, ao julgar o REsp 1.611.915, condenou uma companhia aérea a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 15 mil a passageiro com deficiência de locomoção, por não lhe ter oferecido meio seguro, digno e independente de embarque e desembarque.

Para entrar e sair do avião, o passageiro teve de ser levado no colo de funcionários da empresa, que o carregaram pela escada, de maneira insegura e vexatória, mesmo ele tendo avisado a companhia da sua condição. O embarque e o desembarque ocorreram na pista, e não foi oferecido modo mais adequado para atender o passageiro.

Ao STJ, a companhia alegou não seria sua a responsabilidade de garantir acessibilidade, mas da Infraero, que administrava o aeroporto. Por isso, argumentou que o defeito na prestação do serviço teria ocorrido por culpa de terceiro, o que excluiria sua responsabilidade pelos danos.

O relator do recurso, ministro Marco Buzzi, afirmou que o Brasil, ao aderir à Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, teve a preocupação de afastar o tratamento discriminatório de tais pessoas, assegurando a acessibilidade para permitir sua independência ao executar tarefas do cotidiano. ‘‘A acessibilidade é princípio fundamental desse compromisso multilateral, de dimensão concretizadora da dignidade humana’’, destacou.

De acordo com o ministro, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), na Resolução 9/2007, que estava em vigor na época dos fatos, ‘‘atribuiu compulsoriamente às concessionárias de transporte aéreo a obrigação de promover o embarque do indivíduo possuidor de dificuldade de locomoção, de forma segura, com o emprego de elevadores ou outros dispositivos apropriados’’.

Segundo Buzzi, ficou configurado no caso o defeito na prestação do serviço, em razão da ausência dos meios necessários para o adequado acesso do cadeirante ao interior da aeronave com segurança e dignidade.

Universidade deve fazer obras para garantir acessibilidade em suas instalações

Em 2016, a Segunda Turma manteve decisão judicial que determinou a realização de obras em todos os prédios da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), para torná-los acessíveis às pessoas com deficiência ou com dificuldades de locomoção.

Na origem do caso, foi ajuizada ação civil pública pelo Ministério Público Federal (MPF), após mais de uma década de solicitações à reitoria da universidade para que adaptasse os edifícios da instituição de ensino. No entendimento do relator do recurso no STJ, ministro Herman Benjamin, a sentença que fixou prazos para o início e a conclusão das obras – e que foi mantida em segunda instância – não era abusiva.

‘‘Não se mostra abusiva nem ilegal a fixação de prazo para o início e o fim das obras de acessibilidade nos prédios da UFPE’’, declarou o ministro em seu voto, acrescentando que a recalcitrância da universidade em cumprir a determinação do Ministério Público impunha que se fixasse um período razoável para a finalização do empreendimento.

Benjamin afirmou que a teoria da reserva do possível não se aplicava ao caso, ao contrário do que sustentava a universidade, pois desde o ano 2000 ela contava com dotação orçamentária específica para a adaptação de edifícios.

‘‘Se um direito é qualificado pelo legislador como absoluta prioridade, deixa de integrar o universo de incidência da reserva do possível, já que a sua possibilidade é, preambular e obrigatoriamente, fixada pela Constituição ou pela lei’’, afirmou. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1912548

REsp 1315822

REsp 1349188

REsp 1611915

REsp 1607472