JURISPRUDÊNCIA
Títulos do agronegócio trazem diferentes impactos sobre o processo de recuperação judicial da empresa rural

Por Beatriz Naranjo e João Eduardo Diamantino

Foto: Imprensa/Mapa

O mercado vem assistindo ao longo de 2024 ao aumento acentuado no número de recuperações judiciais (RJs) de empresas do agronegócio. De acordo com a Serasa, foram 82 pedidos no primeiro trimestre deste ano, igualando recorde estabelecido em 2023. E a preocupação dos credores cresce na mesma proporção.

No mercado financeiro, a apreensão de investidores se soma à dúvida. Isso porque há diferentes mecanismos de investimento atrelados ao setor. São conhecidos títulos como Certificado de Depósito Agropecuário (CDA), Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), Cédula de Produtor Rural (CPR), Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) ou Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA).

Pois bem. Considerando o cenário atual do agronegócio, todos se questionam sobre a inclusão (ou não) desses créditos nos planos de recuperação judicial. Afinal, nenhum investidor quer ver seu valor aportado no meio de um processo judicial tão moroso quanto ao de uma RJ, que, em último caso, pode se transformar em uma falência.

Cada um desses tipos de créditos possui seus requisitos e particularidades. Enquanto o mercado estava pujante, não havia problemas. Agora que a maré virou, começam as preocupações.

O CDA é um título que representa a posse de produtos agropecuários armazenados, permitindo sua comercialização ou uso como garantia. Já o CDCA é um título de crédito vinculado a dívidas do setor, usado pelas empresas para captar recursos com base nos créditos a receber de seus devedores. Em comum, ambos se submetem a um eventual plano de recuperação judicial.

A primeira confusão se dá entre o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA). Instituídas pela Lei 11.076/2004, os dois títulos são isentos de Imposto de Renda (IR) para pessoas físicas.

A principal diferença entre CRA e LCA é o emissor. No CRA, quem emite são as securitizadoras. Já a LCA são os bancos e instituições financeiras. Portanto, em tese, há muito mais riscos no CRA; afinal, o Banco do Brasil, principal financiador do setor, é mais sólido e seguro do que uma empresa de securitização. Outra diferença desses créditos está em seus objetivos. Enquanto o objetivo de um CRA é antecipar recebíveis vinculados a créditos do agronegócio, a LCA financia o setor agrícola por meio de empréstimos bancários.

No que diz respeito ao CRA e a LCA, estes poderão ser incluídos no plano de recuperação judicial e serão pagos ao mesmo tempo que os demais créditos incluídos no plano.

Aqui vale uma ressalva: caso o CRA e LCA tenham qualquer tipo de garantia fiduciária, eles não se submeterão ao plano de recuperação. Isso ocorre não por uma particularidade dos títulos, mas, sim, pelo disposto na Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei 11.101/2005), que, em seu artigo 49, § 3º, garante que se o credor possuir garantia fiduciária de bem móvel ou imóvel, o crédito não está sujeito a recuperação judicial.

Como crédito extraconcursal que não poderá ser incluído na RJ temos também os atos cooperativos, que nada mais são que as obrigações assumidas entre cooperativas agrícolas e seus cooperados, incluindo, por exemplo, contratos de abertura de crédito rotativo e renegociações de dívidas.

Já a CPR Física permite que o produtor rural antecipe a venda de sua produção antes mesmo da colheita. Nesta modalidade, pode ocorrer a antecipação parcial ou integral do pagamento pelo credor, ou o fornecimento de insumos para viabilizar a atividade em permuta do produto agrícola (barter).

Desde 2020, o artigo 11 da Lei 8.929/1994 passou a prever que a CPR Física não está sujeita aos efeitos da recuperação judicial, sendo, portanto, considerada como um crédito extraconcursal que não terá seu recebimento afetado. Ou seja, as obrigações assumidas pelos produtores rurais através da CPR Física possuem uma espécie de imunidade em relação ao processo de recuperação judicial.

Mas há algumas condições. Para que a CPR Física possa ser efetivamente excluída do processo de RJ, é necessário estarem presentes as seguintes condições: deve ter ocorrido a antecipação parcial ou integral do pagamento pelo credor ou o credor deve ter fornecido insumos para viabilizar a atividade em permuta do produto agrícola; o produtor rural ainda deve ter condições de produzir e entregar o produto rural, ‘‘salvo motivo de caso fortuito ou força maior que comprovadamente impeça o cumprimento parcial ou total da entrega do produto’’.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou seu entendimento (REsp 1.102.198/MT) em conformidade com o que dispõe a legislação. Ou seja, que o crédito lastreado em CPR Física não deve ser incluído em processo de RJ por possuir uma natureza extraconcursal. Da mesma forma, em decisão proferida em março deste ano, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (AI 5816996-66.2023.8.09.0019) determinou a exclusão do crédito decorrente de uma CPR Física em um caso de recuperação judicial de um produtor rural.

É importante observar que as decisões se deram em grau de recurso. Ou seja, o crédito da CPR Física havia sido incluído no processo de recuperação pelos juízos de primeiro grau, em desacordo com o que dispõe a legislação.

Se até mesmo o Judiciário se confunde, é razoável supor que os investidores e os produtores rurais também o façam. Em meio ao aumento das recuperações judiciais, torna-se essencial uma análise do tipo de crédito que se toma – ou do título que se adquire. Afinal, se os credores perderem a confiança na principal fonte de investimento rural do país, o agronegócio poderá enfrentar uma crise ainda mais grave.

Beatriz Palhas Naranjo e João Eduardo Diamantino são sócios do escritório Diamantino Advogados Associados

VÍCIO DE CONSENTIMENTO
Justiça do Trabalho de Goiás anula pedido de demissão de venezuelano com deficiência auditiva 

A Justiça do Trabalho não pode considerar legal o pedido de demissão de um estrangeiro analfabeto, surdo-mudo, que não foi informado sobre os seus direitos trabalhistas pelo empregador. Assim, se o ato demissional se dá sem o exercício da vontade livre do trabalhador é nulo, por vício de consentimento.

Com este entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-18, Goiás) manteve sentença que converteu o pedido de demissão de um trabalhador venezuelano com deficiência auditiva em dispensa sem justa causa e ainda determinou o pagamento de danos morais, a ser pago pelo Atacadão Costa, de Goiânia.

O colegiado, à unanimidade, entendeu que houve vício de consentimento; ou seja, por ser estrangeiro e ter dificuldades de compreensão da Língua Portuguesa, o trabalhador foi induzido a copiar uma carta de demissão sem compreender plenamente o teor do documento.

Expectativa de promoção salarial

O trabalhador, que era repositor no supermercado, relatou no processo que acreditava estar assinando um documento sobre uma promoção salarial, e não sobre sua demissão. Ele afirmou que não recebeu explicações claras sobre os efeitos jurídicos do documento assinado e que também não teve acesso a um tradutor de Libras, mesmo tendo solicitado.

O empregado também explicou que a comunicação com seus superiores era feita principalmente por um aplicativo de mensagens, que não realizava leitura de documentos, o que o levava a confiar completamente nas orientações do supervisor, assinando qualquer papel sem plena compreensão.

A decisão original foi da 1ª Vara do Trabalho de Goiânia, que julgou procedente o pedido do trabalhador e fixou a data da publicação da sentença como data da rescisão sem justa causa.

Inconformada, a rede de supermercados de Goiânia recorreu ao Tribunal, alegando que o empregado tinha pleno entendimento da carta de demissão e que ele já havia manifestado o desejo de retornar à Venezuela. A empresa também requereu a exclusão ou redução do valor da indenização por danos morais arbitrada na primeira instância, no valor de R$ 20 mil.

Demissão não foi voluntária

O relator que analisou o caso, desembargador Daniel Viana Júnior, concluiu que a demissão não foi voluntária e a empresa falhou em garantir que o trabalhador compreendesse as consequências do ato, pois era incontestável sua dificuldade com a língua portuguesa. O magistrado destacou que, por ser analfabeto, o empregado deveria ter seus atos confirmados por testemunhas, nos termos do artigo 595 do Código Civil.

O desembargador seguiu os fundamentos da decisão do primeiro grau, no sentido de que, embora o trabalhador tivesse manifestado a intenção de voltar à Venezuela, ele não formalizou o pedido de demissão espontaneamente, nem teve o apoio de um tradutor de Libras ou presença de testemunhas.

Em relação à data de demissão, os desembargadores acolheram a divergência apresentada pelo desembargador Paulo Pimenta, no sentido de que a dispensa sem justa causa deveria ser contada a partir do momento em que ficou claro para o empregado que o contrato havia sido rescindido, mesmo sem entender a modalidade. Com isso, foi considerada a data do Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho (TRTC) e não a data da sentença.

A empresa foi condenada a pagar ao trabalhador as verbas rescisórias devidas na dispensa sem justa causa, como aviso prévio indenizado, férias proporcionais e 13º salário, além do recolhimento do FGTS e a indenização de 40% sobre o saldo do Fundo.

Além disso, o colegiado também manteve a indenização por danos morais, mas reduziu o valor de R$ 20 mil para R$ 5 mil, considerando a ofensa de natureza média e os termos do art. 223-G da CLT.

‘‘É notável que os fatos narrados certamente configuram dano moral à personalidade do autor, o qual deve ser reparado com a indenização pertinente. A reclamada, extrapolando seus poderes e valendo-se das limitações do reclamante, simulou um pedido de demissão, circunstância que certamente fere a dignidade’’, concluiu o relator. Redação Painel de Riscos com informações da Coordenadoria de Comunicação Social do TRT-18.

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ATOrd 0010815-27.2023.5.18.0001 (Goiânia)