PEJOTIZAÇÃO
Pediatra contratada como CLT e PJ ao mesmo tempo consegue integrar notas fiscais ao salário

A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou examinar recurso de uma empresa de saúde de Curitiba contra decisão que julgou inválido o contrato de prestação de serviços como pessoa jurídica (PJ) firmado com uma médica pediatra que também era empregada do estabelecimento. Com isso, os valores pagos por meio de notas fiscais (NFs) serão integrados ao salário. Segundo o colegiado, ficou evidente a atuação da empregadora para fraudar a legislação trabalhista.

Plantões eram pagos à pessoa jurídica

A médica contou que foi admitida em 2003 com registro na carteira de trabalho, mas apenas uma parte do salário foi anotado, e mensalmente recebia um valor fixo por fora. A partir de 2013, os plantões passaram a ser pagos por nota fiscal emitida por sua pessoa jurídica (PJ). Ao ser dispensada, em 2019, ela prestava serviços como celetista e pessoa jurídica ao mesmo tempo.

Em sua defesa, o hospital alegou que a prestação de serviços por PJ não se confunde com o contrato de trabalho celetista. Segundo seu argumento, a pediatra tinha autonomia em relação aos plantões, mas não no contrato de emprego, de 20 horas semanais.

Pediatra não tinha autonomia nos plantões

O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-9, Paraná) manteve a sentença que determinou a integração dos valores das notas fiscais ao salário da pediatra, por entender que havia subordinação e pessoalidade mesmo na ‘‘pejotização’’.

Segundo uma testemunha, diretora do hospital na época, os plantonistas não definiam os horários: havia uma escala pré-definida, e a pediatra tinha dias fixos de trabalho. Ela também confirmou que sempre houve o pagamento de parte do salário ‘‘por fora’’ e, num determinado momento, a empresa determinou que fossem constituídas pessoas jurídicas para que esse valor fosse pago por nota fiscal.

Situação é diferente dos casos em que STF validou pejotização

A empregadora buscou, então, reverter a decisão no TST. O relator do agravo, ministro Sérgio Pinto Martins, assinalou que o Supremo Tribunal Federal (STJ) decidiu que a pejotização, por si só, não implica fraude à legislação trabalhista, deixando assim margem para a análise caso a caso.

Diante dos fatos registrados pelo Tribunal Regional, o ministro ressaltou que a situação é diferente dos casos de pejotização analisados pelo Supremo. A seu ver, na prestação de serviços, tanto a relação regida pela CLT quanto a da pessoa jurídica, havia pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação jurídica – ou seja, as duas eram, na prática, regidas pelo modelo da CLT. Ficou evidente, assim, a intenção de fraude à legislação trabalhista, visando mascarar o pagamento extrafolha e, com isso, evitar a integração da verba ao salário.

A decisão foi unânime. Com informações da jornalista Lourdes Tavares, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

O processo tramita em segredo de justiça.

JURISPRUDÊNCIA
Títulos do agronegócio trazem diferentes impactos sobre o processo de recuperação judicial da empresa rural

Por Beatriz Naranjo e João Eduardo Diamantino

Foto: Imprensa/Mapa

O mercado vem assistindo ao longo de 2024 ao aumento acentuado no número de recuperações judiciais (RJs) de empresas do agronegócio. De acordo com a Serasa, foram 82 pedidos no primeiro trimestre deste ano, igualando recorde estabelecido em 2023. E a preocupação dos credores cresce na mesma proporção.

No mercado financeiro, a apreensão de investidores se soma à dúvida. Isso porque há diferentes mecanismos de investimento atrelados ao setor. São conhecidos títulos como Certificado de Depósito Agropecuário (CDA), Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), Cédula de Produtor Rural (CPR), Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) ou Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA).

Pois bem. Considerando o cenário atual do agronegócio, todos se questionam sobre a inclusão (ou não) desses créditos nos planos de recuperação judicial. Afinal, nenhum investidor quer ver seu valor aportado no meio de um processo judicial tão moroso quanto ao de uma RJ, que, em último caso, pode se transformar em uma falência.

Cada um desses tipos de créditos possui seus requisitos e particularidades. Enquanto o mercado estava pujante, não havia problemas. Agora que a maré virou, começam as preocupações.

O CDA é um título que representa a posse de produtos agropecuários armazenados, permitindo sua comercialização ou uso como garantia. Já o CDCA é um título de crédito vinculado a dívidas do setor, usado pelas empresas para captar recursos com base nos créditos a receber de seus devedores. Em comum, ambos se submetem a um eventual plano de recuperação judicial.

A primeira confusão se dá entre o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA). Instituídas pela Lei 11.076/2004, os dois títulos são isentos de Imposto de Renda (IR) para pessoas físicas.

A principal diferença entre CRA e LCA é o emissor. No CRA, quem emite são as securitizadoras. Já a LCA são os bancos e instituições financeiras. Portanto, em tese, há muito mais riscos no CRA; afinal, o Banco do Brasil, principal financiador do setor, é mais sólido e seguro do que uma empresa de securitização. Outra diferença desses créditos está em seus objetivos. Enquanto o objetivo de um CRA é antecipar recebíveis vinculados a créditos do agronegócio, a LCA financia o setor agrícola por meio de empréstimos bancários.

No que diz respeito ao CRA e a LCA, estes poderão ser incluídos no plano de recuperação judicial e serão pagos ao mesmo tempo que os demais créditos incluídos no plano.

Aqui vale uma ressalva: caso o CRA e LCA tenham qualquer tipo de garantia fiduciária, eles não se submeterão ao plano de recuperação. Isso ocorre não por uma particularidade dos títulos, mas, sim, pelo disposto na Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei 11.101/2005), que, em seu artigo 49, § 3º, garante que se o credor possuir garantia fiduciária de bem móvel ou imóvel, o crédito não está sujeito a recuperação judicial.

Como crédito extraconcursal que não poderá ser incluído na RJ temos também os atos cooperativos, que nada mais são que as obrigações assumidas entre cooperativas agrícolas e seus cooperados, incluindo, por exemplo, contratos de abertura de crédito rotativo e renegociações de dívidas.

Já a CPR Física permite que o produtor rural antecipe a venda de sua produção antes mesmo da colheita. Nesta modalidade, pode ocorrer a antecipação parcial ou integral do pagamento pelo credor, ou o fornecimento de insumos para viabilizar a atividade em permuta do produto agrícola (barter).

Desde 2020, o artigo 11 da Lei 8.929/1994 passou a prever que a CPR Física não está sujeita aos efeitos da recuperação judicial, sendo, portanto, considerada como um crédito extraconcursal que não terá seu recebimento afetado. Ou seja, as obrigações assumidas pelos produtores rurais através da CPR Física possuem uma espécie de imunidade em relação ao processo de recuperação judicial.

Mas há algumas condições. Para que a CPR Física possa ser efetivamente excluída do processo de RJ, é necessário estarem presentes as seguintes condições: deve ter ocorrido a antecipação parcial ou integral do pagamento pelo credor ou o credor deve ter fornecido insumos para viabilizar a atividade em permuta do produto agrícola; o produtor rural ainda deve ter condições de produzir e entregar o produto rural, ‘‘salvo motivo de caso fortuito ou força maior que comprovadamente impeça o cumprimento parcial ou total da entrega do produto’’.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou seu entendimento (REsp 1.102.198/MT) em conformidade com o que dispõe a legislação. Ou seja, que o crédito lastreado em CPR Física não deve ser incluído em processo de RJ por possuir uma natureza extraconcursal. Da mesma forma, em decisão proferida em março deste ano, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (AI 5816996-66.2023.8.09.0019) determinou a exclusão do crédito decorrente de uma CPR Física em um caso de recuperação judicial de um produtor rural.

É importante observar que as decisões se deram em grau de recurso. Ou seja, o crédito da CPR Física havia sido incluído no processo de recuperação pelos juízos de primeiro grau, em desacordo com o que dispõe a legislação.

Se até mesmo o Judiciário se confunde, é razoável supor que os investidores e os produtores rurais também o façam. Em meio ao aumento das recuperações judiciais, torna-se essencial uma análise do tipo de crédito que se toma – ou do título que se adquire. Afinal, se os credores perderem a confiança na principal fonte de investimento rural do país, o agronegócio poderá enfrentar uma crise ainda mais grave.

Beatriz Palhas Naranjo e João Eduardo Diamantino são sócios do escritório Diamantino Advogados Associados

VÍCIO DE CONSENTIMENTO
Justiça do Trabalho de Goiás anula pedido de demissão de venezuelano com deficiência auditiva 

A Justiça do Trabalho não pode considerar legal o pedido de demissão de um estrangeiro analfabeto, surdo-mudo, que não foi informado sobre os seus direitos trabalhistas pelo empregador. Assim, se o ato demissional se dá sem o exercício da vontade livre do trabalhador é nulo, por vício de consentimento.

Com este entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-18, Goiás) manteve sentença que converteu o pedido de demissão de um trabalhador venezuelano com deficiência auditiva em dispensa sem justa causa e ainda determinou o pagamento de danos morais, a ser pago pelo Atacadão Costa, de Goiânia.

O colegiado, à unanimidade, entendeu que houve vício de consentimento; ou seja, por ser estrangeiro e ter dificuldades de compreensão da Língua Portuguesa, o trabalhador foi induzido a copiar uma carta de demissão sem compreender plenamente o teor do documento.

Expectativa de promoção salarial

O trabalhador, que era repositor no supermercado, relatou no processo que acreditava estar assinando um documento sobre uma promoção salarial, e não sobre sua demissão. Ele afirmou que não recebeu explicações claras sobre os efeitos jurídicos do documento assinado e que também não teve acesso a um tradutor de Libras, mesmo tendo solicitado.

O empregado também explicou que a comunicação com seus superiores era feita principalmente por um aplicativo de mensagens, que não realizava leitura de documentos, o que o levava a confiar completamente nas orientações do supervisor, assinando qualquer papel sem plena compreensão.

A decisão original foi da 1ª Vara do Trabalho de Goiânia, que julgou procedente o pedido do trabalhador e fixou a data da publicação da sentença como data da rescisão sem justa causa.

Inconformada, a rede de supermercados de Goiânia recorreu ao Tribunal, alegando que o empregado tinha pleno entendimento da carta de demissão e que ele já havia manifestado o desejo de retornar à Venezuela. A empresa também requereu a exclusão ou redução do valor da indenização por danos morais arbitrada na primeira instância, no valor de R$ 20 mil.

Demissão não foi voluntária

O relator que analisou o caso, desembargador Daniel Viana Júnior, concluiu que a demissão não foi voluntária e a empresa falhou em garantir que o trabalhador compreendesse as consequências do ato, pois era incontestável sua dificuldade com a língua portuguesa. O magistrado destacou que, por ser analfabeto, o empregado deveria ter seus atos confirmados por testemunhas, nos termos do artigo 595 do Código Civil.

O desembargador seguiu os fundamentos da decisão do primeiro grau, no sentido de que, embora o trabalhador tivesse manifestado a intenção de voltar à Venezuela, ele não formalizou o pedido de demissão espontaneamente, nem teve o apoio de um tradutor de Libras ou presença de testemunhas.

Em relação à data de demissão, os desembargadores acolheram a divergência apresentada pelo desembargador Paulo Pimenta, no sentido de que a dispensa sem justa causa deveria ser contada a partir do momento em que ficou claro para o empregado que o contrato havia sido rescindido, mesmo sem entender a modalidade. Com isso, foi considerada a data do Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho (TRTC) e não a data da sentença.

A empresa foi condenada a pagar ao trabalhador as verbas rescisórias devidas na dispensa sem justa causa, como aviso prévio indenizado, férias proporcionais e 13º salário, além do recolhimento do FGTS e a indenização de 40% sobre o saldo do Fundo.

Além disso, o colegiado também manteve a indenização por danos morais, mas reduziu o valor de R$ 20 mil para R$ 5 mil, considerando a ofensa de natureza média e os termos do art. 223-G da CLT.

‘‘É notável que os fatos narrados certamente configuram dano moral à personalidade do autor, o qual deve ser reparado com a indenização pertinente. A reclamada, extrapolando seus poderes e valendo-se das limitações do reclamante, simulou um pedido de demissão, circunstância que certamente fere a dignidade’’, concluiu o relator. Redação Painel de Riscos com informações da Coordenadoria de Comunicação Social do TRT-18.

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ATOrd 0010815-27.2023.5.18.0001 (Goiânia)

 

NATUREZA DISTINTA
FGTS não pode ser penhorado para pagamento de honorários advocatícios

Reprodução STJ

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) não pode ser bloqueado para o pagamento de créditos relacionados a honorários advocatícios, sejam contratuais ou sucumbenciais, em razão da impenhorabilidade absoluta estabelecida pelo artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei 8.036/1990.

No entendimento do colegiado, os honorários advocatícios, embora reconhecidos como créditos de natureza alimentar, não têm o mesmo grau de urgência e essencialidade que os créditos alimentícios tradicionais, o que justifica o tratamento diferenciado.

O caso teve origem em cumprimento de sentença requerido por uma advogada que cobrava de ex-cliente o pagamento de cerca de R$ 50 mil, referente a honorários contratuais. Após o pedido de desbloqueio integral dos valores penhorados para pagamento da dívida, o juízo de primeiro grau limitou a constrição a 30% dos vencimentos do executado e determinou o bloqueio de eventual saldo disponível em conta do FGTS, até o limite do débito.

A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que endossou a validade das medidas com base na natureza alimentar dos honorários advocatícios.

No recurso ao STJ, o executado pediu que fosse reconhecida a impenhorabilidade dos salários e da conta de FGTS. Em relação ao Fundo, alegou, entre outros pontos, que a Lei 8.036/1990 reconhece a sua impenhorabilidade absoluta.

Penhora do FGTS é admitida para garantir subsistência do alimentando

O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do recurso especial (REsp), explicou que a jurisprudência da corte estabelece uma distinção entre prestações alimentares e verbas de natureza alimentar. Segundo o magistrado, isso ocorre para que o ordenamento jurídico possa adotar uma ordem de relevância de cada bem, com as prestações alimentícias ocupando o topo dessa escala.

O entendimento consolidado, prosseguiu, é de que o FGTS pode ser alvo de restrição em situações que envolvam a própria subsistência do alimentando, nas quais prevalecem o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e o direito à vida.

Desse modo, de acordo com o ministro, a penhora do FGTS é permitida para garantir o pagamento de prestações alimentícias, mas essa mesma medida não pode ser aplicada em relação à dívida de honorários advocatícios, que são considerados créditos de natureza alimentar.

Penhora para pagamento de honorários desvirtua função do FGTS

Antonio Carlos Ferreira lembrou que o FGTS foi criado com a finalidade de proteger o trabalhador em situações de vulnerabilidade, oferecendo segurança financeira em momentos críticos como o desemprego involuntário, a aposentadoria e a ocorrência de doenças graves.

Dessa forma, o relator apontou que permitir a penhora do FGTS para o pagamento de dívida de honorários advocatícios comprometeria a função protetiva desse Fundo. ‘‘Penhorá-lo desvirtuaria seu propósito original, colocando o trabalhador em risco de desamparo financeiro em eventual circunstância de vulnerabilidade social’’, refletiu.

‘‘Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para afastar o bloqueio do saldo da conta de FGTS do executado e ordenar o retorno dos autos ao tribunal de origem, a fim de que avalie se, após a penhora de 30% dos vencimentos líquidos, o valor restante é suficiente para garantir uma subsistência digna para o devedor e sua família’’, concluiu o ministro. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 1913811

ESTIGMATIZAÇÃO DO AGRO
Terras de autores de incêndios criminosos devem ser confiscadas? NÃO

Por Eduardo Diamantino e João Eduardo Diamantino

Na ausência de uma proposta realmente eficaz para combater as queimadas que assolam o país, o Governo Federal apelou ao populismo: confiscar as terras dos autores dos incêndios. A ideia foi lançada pela ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima). Embora não tenha dado detalhes, ela afirmou que o objetivo é adotar com os incêndios o mesmo paradigma das terras onde há plantações de drogas ou trabalho escravo.

Nessas duas únicas hipóteses, a Constituição prevê, em seu artigo 243, a expropriação da área, sem qualquer indenização pelo Estado, em favor de programas de reforma agrária ou de moradia popular. Ou seja, a medida atinge as terras que abrigam tais crimes e, de forma conexa, a punição tem como alvo quem deles se beneficiou.

A proposição, portanto, mal disfarça uma estigmatização dos agricultores, principais vítimas dos incêndios. Afinal, se a penalidade é a eliminação do direito à propriedade, significa que apenas o proprietário da terra pode ser o destinatário dessa sanção. Enquadrar o incêndio no mesmo paradigma é pressupor, de maneira absurda, que o dono da terra é o autor da ação que destruiu sua lavoura, rebanho e maquinário.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu ainda péssima contribuição ao dizer que ‘‘cheira oportunismo também de alguns setores tentando criar confusão neste país’’’. Quais setores são esses? A gravidade do problema não comporta insinuações ou teorias conspiratórias.

No mundo real, os produtores rurais contam os prejuízos causados pelo fogo e lutam com seus próprios recursos para combater os incêndios. De todos os presos suspeitos de causarem as queimadas, não consta que nenhum deles seja proprietário de terras.

Acrescentar uma terceira hipótese para a expropriação implica mexer no texto constitucional por meio de uma PEC (proposta de emenda à Constituição). Trata-se de uma tramitação lenta e complexa, que depende da aprovação de três quintos dos parlamentares do Congresso Nacional e vai na contramão da urgência que o problema atual demanda.

Caso queira evitar o desgaste político, restaria ao Governo Federal uma alternativa igualmente disparatada: aplicar, por analogia, a sanção do artigo 243 às queimadas. Um atalho que violaria o texto constitucional para equiparar, de forma demagógica, as queimadas ao trabalho escravo e ao tráfico de drogas.

A ofensa à lógica aumenta a confusão. O nexo entre crime e sua responsabilização está claro no texto constitucional. No caso da ideia ora em debate, não. De quais terras fala a ministra Marina Silva senão daquelas que padecem sob o fogo? E se, como tem sido observado, o autor da queimada não tem qualquer propriedade? Se incêndio já é crime, não basta aplicar o Código Penal? A falta de respostas revela o excesso de preconceito.

É importante lembrar que o uso controlado do fogo é permitido pela legislação em práticas agrícolas. Lançada com jeito de ameaça, a proposta causa espanto justamente por tratar os proprietários rurais como primeiros suspeitos. A se manter esse ânimo, ninguém se surpreenderia com fiscalizações abusivas e um incêndio perfeitamente legal ser classificado como criminoso.

Apelando mais uma vez à realidade, os incêndios podem ter origem em causas naturais ou na ação de criminosos que, vale lembrar, não têm qualquer compromisso com a produtividade do campo. Até aqui, o governo demonstrou não estar preparado para enfrentar o problema. Faria melhor abster-se de fomentar animosidades com quem produz e focar sua energia em propostas viáveis de prevenção e contingência.

Eduardo Diamantino e João Eduardo Diamantino são sócios do escritório Diamantino Advogados Associados