REVOLUÇÃO JURÍDICA
O sucesso da extrajudicialização dos inventários, partilhas e divórcios: as recentes alterações na Resolução 35/2007 do CNJ

Por Guilherme da Rocha Zambrano

Foto: Dicom/TJRS

A extrajudicialização dos procedimentos de inventário, partilha, divórcio e separação consensuais é uma história de sucesso. A Lei n.º 11.441/2007 e a Resolução n.º 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foram o primeiro passo de um processo normativo que parece constante e irrefreável e que já revolucionou o sistema jurídico brasileiro, com notáveis economias de tempo e de recursos públicos e privados.

Esse sucesso tem sido tão grande que o exemplo vem sendo expandido para outros temas, como a autorização de viagem de crianças e adolescentes, e não é difícil antever a desjudicialização de todos os procedimentos de jurisdição voluntária.Aliás, essa ‘‘onda’’ já permite até mesmo a usucapião e a adjudicação compulsória extrajudiciais quando não houver ‘‘lide’’, que seriam consideradas contradições em termos até há pouco tempo. A mais recente evolução é a Resolução n.º 571/2024 do CNJ, complementada por uma Resolução já aprovada pelo Conselho Superior do Ministério Público, que ainda não foi publicada, tampouco numerada.

Nessas alterações recentes, a escritura pública de declaração da separação de fato e de extinção da união estável substituem, como subespécies, a ‘‘separação consensual’’. Fica permitida a emissão de certidão da escritura por quesitos, específica sobre alguns bens, para manter alguma privacidade sobre a titularidade de outros bens cuja propriedade não depende de registro público, desde que assim requerido pelas partes.

Essa possibilidade permite o registro da transmissão patrimonial no registro de imóveis ou em instituições financeiras sem que o valor total do ‘‘monte mor’’ ou dos quinhões de cada herdeiro seja amplamente publicizado, por exemplo. Mas a publicidade da escritura pública não fica prejudicada e ainda é possível a consulta pela CENSEC e a obtenção de certidão de inteiro teor por terceiros, diretamente no tabelionato.

Foram ampliados os poderes do inventariante, que pode buscar as informações bancárias e fiscais necessárias, levantar valores, concluir negócios e pagar despesas. Os herdeiros podem autorizar por escritura pública a alienação de bens do espólio pelo inventariante, de comum acordo e sem autorização judicial, com a cautela necessária para que não seja prejudicado o pagamento das dívidas e despesas do espólio e nem prejudicados os direitos de eventuais credores do espólio ou dos herdeiros ou do(a) meeiro(a).

O inventariante deve prestar caução real ou fidejussória de que o produto da venda será destinado ao pagamento das dívidas e despesas do inventário, no prazo máximo de um ano. Uma vez pagas as dívidas, a garantia prestada pelo inventariante fica extinta.

O bem alienado deve ser relacionado no acervo hereditário, para cálculo dos tributos e quinhões, mas não é objeto de partilha (pois somente o produto da venda que não tenha sido consumido por dívidas ou despesas será partilhado).

Estão autorizados os inventários e partilhas extrajudiciais mesmo que haja interesses patrimoniais de incapazes, desde que exista aprovação do Ministério Público. Mas essa autorização ainda não é plena. Os atos de disposição são proibidos, pois é necessário que o incapaz receba a fração ideal de seu quinhão hereditário ou a meação correspondente a cada um dos bens inventariados.

Se houver um potencial herdeiro nascituro, é preciso esperar o registro de nascimento, com indicação da parentalidade ou de nascimento sem vida. Além disso, existe um aparente conflito entre a redação do caput e do § 3º do art. 12-A, pois, num primeiro momento, a aprovação do Ministério Público é um requisito (‘‘desde que’’, ‘‘haja’’) para a possibilidade de celebrar a escritura, enquanto mais adiante é mera condição de eficácia da escritura pública.

Se o Ministério Público ou terceiro interessado fizer(em) impugnação, o procedimento deve ser encaminhado ao juízo competente – mais uma vez, parece que a aprovação é requisito para a celebração da escritura (caso contrário, deveria ser encaminhada a escritura e não o ‘‘procedimento’’). Além disso, essa impugnação ainda não parece ser a ‘‘via ordinária’’, pois, no § 2º do artigo seguinte, quando há referência ao ‘‘juízo competente’’, fica claro que se trata do ‘‘juízo competente em matéria de registros públicos’’ para a solução de ‘‘dúvidas’’.

Os expedientes das escrituras públicas com interesses de incapazes devem ser remetidos na íntegra para análise e manifestação do Ministério Público. Tanto a remessa quanto a manifestação devem ser feitas por meio eletrônico interoperável e preferencialmente por meio da plataforma E-notariado.

O membro do Ministério Público tem prazo de 15 dias para aprovação do ato, para sua impugnação ou para requisição de documentos complementares. A fluência desse prazo sem manifestação do Ministério Público, entretanto, não implica anuência, pois é exigida a aprovação do Ministério Público. Portanto, trata-se de prazo impróprio e não preclusivo que, quando muito, poderia gerar alguma consequência disciplinar, pelo descumprimento do prazo.

Também estão autorizados inventários e partilhas extrajudiciais mesmo que o autor da herança tenha deixado testamento, mas todos os interessados devem estar representados por advogado. Como foi revogada a regra que permitia expressamente um advogado comum para as partes do divórcio (art. 47), pode haver insegurança quanto a essa possibilidade. Entretanto, se não houver conflito de interesses entre as partes parece possível a representação por apenas um advogado.

O inventário e a partilha extrajudiciais precisam ser autorizados na ação de abertura e cumprimento do testamento, com trânsito em julgado. Se houver menores ou incapazes, também é necessária a aprovação do Ministério Público, nos mesmos moldes.

Nos casos de ineficácia ou nulidade do testamento, deve haver reconhecimento judicial transitado em julgado, na ação de abertura e de cumprimento do testamento. Se no testamento for reconhecido filho ou houver outra declaração irrevogável, fica inviabilizado o inventário e partilha extrajudicial. As dúvidas do tabelião devem ser suscitadas ao juízo competente em matéria de registros públicos.

Está permitida a eficácia da união estável incontroversa entre os interessados ou já comprovada em ação judicial, escritura pública ou termo declaratório registrados no Registro Civil, caso em que ficam garantidas a meação e a condição de herdeiro do convivente.

A aprovação da escritura pública pelo Ministério Público é necessária sempre que houver menor ou incapaz.

É do inventariante a responsabilidade pela correta estimativa do valor dos bens do espólio e permitida a cobrança de emolumentos adicionais, se a Fazenda Pública discordar da avaliação.

Foram reorganizadas e atualizadas as regras sobre divórcio consensual, separação de fato (que pode ser unilateral) e extinção da união estável, também atualizadas pela possibilidade de partilha com filhos menores ou incapazes, desde que haja prévia resolução judicial de todas as questões referentes à guarda, visitação e alimentos, caso em que as eventuais dúvidas devem ser submetidas ao juízo prolator da decisão (diferentemente das anteriores).

Finalmente, perdeu sentido a regra sobre a alteração unilateral do nome de casamento, que já pode ser feita diretamente no Registro Civil.

Como visto, o processo de extrajudicialização continua avançando firme e forte, pois os seus resultados superam quaisquer expectativas. A sociedade civil já se acostumou às economias de tempo de recursos públicos e privados proporcionados pela extrajudicialização e não foram sentidos quaisquer efeitos prejudiciais nesse processo, pois todas as cautelas necessárias para a preservação da segurança jurídica dos envolvidos, a prevenção de fraudes e o correto recolhimento de tributos vêm sendo adotadas.

Com a consolidação dessas evoluções, é provável que em breve até mesmo a autorização judicial para a alienação de bens de menores ou de incapazes venha a seguir esse modelo de escritura pública previamente aprovada pelo Ministério Público.

Guilherme da Rocha Zambrano acumula experiência profissional de 22 anos como juiz do Trabalho, professor, advogado e analista judiciário, aguardando a delegação de uma serventia Notarial e/ou Registral no Rio Grande do Sul. Site: https://zambrano.pro.br/

AÇÃO REGRESSIVA
Repetitivo discute sub-rogação da seguradora nas prerrogativas processuais do consumidor

​A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou os Recursos Especiais 2.092.308, 2.092.310 e 2.092.311, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, para julgamento pelo rito dos recursos repetitivos.

A controvérsia, cadastrada na base de dados do STJ como Tema 1.282, é ‘‘definir se a seguradora sub-roga-se nas prerrogativas processuais inerentes aos consumidores, em especial na regra de competência prevista no artigo 101, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), em razão do pagamento de indenização ao segurado em virtude do sinistro’’.

Um dos recursos selecionados como repetitivo decorre de ação regressiva de ressarcimento de danos materiais ajuizada por uma seguradora depois de pagar indenização a um segurado que teve equipamentos danificados por descarga elétrica. O litígio envolve a RGE Sul Distribuidora de Energia S. A. e a Sompo Seguro S. A.

Condenada em segunda instância, a empresa distribuidora de energia recorreu ao STJ, alegando que a seguradora não poderia se beneficiar de direitos que o CDC assegura ao consumidor, como a inversão do ônus da prova e o ajuizamento da ação no foro de seu próprio domicílio.

Precedentes negam sub-rogação em direitos processuais

Em seu voto pela afetação, Nancy Andrighi ressaltou que o tema tem grande relevância para a atividade jurisdicional das turmas de direito público e de direito privado do STJ. Ela indicou uma série de acórdãos e de decisões monocráticas que não admitiram a sub-rogação da seguradora em prerrogativas de natureza processual que são previstas para o consumidor em razão de sua vulnerabilidade.

A ministra também apontou a existência de potencial multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, destacando que o enfrentamento da matéria no rito dos repetitivos uniformiza a interpretação da legislação e evita decisões divergentes nos tribunais de segundo grau.

A Corte Especial determinou a suspensão do processamento de todos os recursos especiais e agravos em recurso especial, em trâmite nos tribunais de segundo grau ou no STJ, que versem sobre idêntica questão, até o julgamento do tema. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 2092308

REsp 2092310

REsp 2092311

FRAUDE À EXECUÇÃO
TRT-RS mantém penhora sobre helicóptero vendido por R$ 58 mil e revendido por R$ 4 milhões

O inciso IV do artigo 792 do Código de Processo Civil (CPC) diz que a alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência.

Nesse quadro, a Seção Especializada em Execução (SEEx), do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul), determinou a manutenção da penhora sobre um helicóptero vendido pela PMR Táxi Aéreo e Manutenção Aeronáutica S. A., uma das empresas devedoras na ação trabalhista.

Por unanimidade de votos, os desembargadores confirmaram a sentença da juíza Bárbara Fagundes, da 9ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, ao julgar improcedentes os embargos de terceiro opostos pela segunda empresa que comprou a aeronave, a Helisul Táxi Aéreo Ltda.

A compradora embargante alegou boa-fé no negócio realizado com o primeiro comprador em 24 de outubro de 2019 e requereu o levantamento da penhora gravada sobre o helicóptero. O valor da aquisição superou R$ 4,1 milhões.

A Helisul Táxi Aéreo Ltda. disse que consultou as certidões relativas ao bem e que não tinha conhecimento de qualquer averbação no registro aeronáutico brasileiro que pudesse impedir a concretização da compra. Afirmou que só soube da restrição quando foi notificada judicialmente.

Meses antes, o bem havia sido supostamente vendido pelo sócio de uma das empresas devedoras na ação trabalhista por um valor 71 vezes menor: R$ 58 mil.  O ‘‘adquirente’’ seria o proprietário de uma microempresa de transportes terrestres, com capital social de apenas R$ 3 mil.

Foi comprovado que comprador não possuía condições financeiras, tampouco técnicas, para adquirir a aeronave. Ele mora em um bairro humilde em Viamão (RS) e não tem movimentação bancária compatível com a aquisição. Por dois anos, não declarou imposto de renda. O suposto pagamento sequer foi anotado no documento único de transferência (DUT) do helicóptero.

A trabalhadora requereu a penhora da aeronave para garantir parte do seu crédito em um processo que outro trabalhador moveu contra as mesmas devedoras, declaradas solidárias em ambas as ações por pertencerem ao mesmo grupo econômico.

A ação trabalhista foi ajuizada em 2016, e a sentença publicada em 3 de outubro de 2019.  Em dezembro daquele ano, não havia mais a possibilidade de recursos. O helicóptero foi ‘‘vendido’’ ao primeiro comprador em junho de 2019.

A juíza Bárbara salientou o teor do artigo 792, inciso IV, do CPC. Assim, consideradas as provas e as datas de ajuizamento da ação e das vendas fraudulentas, a magistrada manteve a penhora sobre o helicóptero.

‘‘A compradora (empresa de táxi aéreo) teve plena ciência de que a venda anterior tinha sido pactuada no valor de R$ 58 mil, o que não pode ser considerada uma venda regular, pois o valor é absurdamente distante do valor do bem’’, concluiu.

A compradora recorreu ao Tribunal por meio de agravo de petição (AP). A Seção Especializada em Execução (SEEx) manteve a sentença. No entendimento do juiz convocado Marcelo Papaléo de Souza, ficou configurada a fraude à execução, uma vez que a alienação ocorreu quando já pendente ação capaz de reduzir o vendedor à insolvência.

‘‘Não foi demonstrado que o adquirente diligenciou para se resguardar de eventuais vícios existentes no negócio entabulado, o que impede a atribuição da qualificadora de terceiro adquirente de boa-fé’’, destacou o relator.

A Helisul Táxi Aéreo Ltda. recorreu da decisão do colegiado. Redação Painel de Riscos com informações de Sâmia de Christo Garcia/Secom/TRT-4.

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ETCiv 0020571-26.2023.5.04.0009 (Porto Alegre)

SANHA ARRECADATÓRIA
Fisco atropela jurisprudência para tributar adicional de ICMS

Por Vitor Fantaguci Benvenuti

Em 2017, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o ICMS não deve ser incluído na base de cálculo do PIS e da Cofins (RE 574.706), pois o imposto estadual é um ônus fiscal que apenas transita no patrimônio do contribuinte, não uma receita ou faturamento da empresa. Juridicamente correta, a decisão representou uma perda financeira aos cofres da União, que passou a buscar novos meios de aumentar a arrecadação.

Recentemente, porém, a Receita Federal promoveu uma nova investida arrecadatória. Com a Solução de Consulta Cosit 61/2024, o Fisco autorizou a cobrança de PIS e Cofins, desta vez sobre o adicional de ICMS destinado ao financiamento de Fundos Estaduais de Combate à Pobreza (FECP). Este adicional nada mais é que uma cobrança acessória ao ICMS, com natureza jurídica semelhante à do imposto estadual, que inclusive se sujeita às mesmas regras constitucionais (artigo 82, § 1º, do ADCT).

Para justificar essa nova cobrança, a Receita argumenta que a natureza jurídica do adicional é diferente do ICMS propriamente dito e, por isso, a decisão do STF no RE 574.706 não se aplicaria a ele. Contudo, ao analisarmos os motivos elencados pelo Fisco, fica claro que tudo não se passa de uma estratégia para atender à incansável sanha arrecadatória do Governo Federal.

Primeiro, diz-se que o ICMS é um imposto não cumulativo – isto é, cada operação gera créditos do imposto a serem compensados nas operações subsequentes, evitando-se a tributação ‘‘em cascata’’. Já o adicional de ICMS seria cumulativo.

No entanto, a cumulatividade não é critério relevante para a classificação de tributos, e o próprio ICMS pode adotar feição cumulativa em certas situações.

Restrições à não cumulatividade do ICMS

Um exemplo são as reiteradas restrições à não cumulatividade do ICMS quanto aos bens adquiridos para uso e consumo. Embora o direito a crédito nessas hipóteses seja uma decorrência do princípio da não cumulatividade, a legislação infraconstitucional promoveu sucessivas alterações no artigo 33 da LC 87/1996, inviabilizando por completo o exercício desse direito.

A redação atual do dispositivo autoriza a tomada de crédito sobre bens para uso e consumo somente em 2033, quando, a princípio, não mais existirá o ICMS devido à reforma tributária. Apesar disso, a medida foi considerada constitucional pelo STF no julgamento do RE 601.967.

O segundo argumento da Receita é que o adicional ao FECP não se sujeita à repartição de receitas do artigo 158, IV, da Constituição, que destina 25% do ICMS aos municípios.

Porém, a repartição de receitas de tributos com outros entes da federação também não é um critério diferenciador de espécies tributárias, mas apenas uma questão relevante ao direito financeiro, já que envolve momento posterior à relação jurídico-tributária entre contribuinte e ente tributante.

Por fim, o Fisco afirma que os valores arrecadados com o adicional de ICMS têm destinação específica (financiamento dos Fundos de Combate à Pobreza), e isso lhe retiraria a natureza jurídica de imposto.

ICMS não é receita ou faturamento

A rigor, a ausência de destinação legal do produto da arrecadação realmente é um traço caracterizador dos impostos, mas o próprio texto constitucional admite exceções, como é o caso da vinculação da receita de impostos a ações de saúde, educação e atividades da administração tributária (artigo 167, inciso IV).

A destinação do adicional de ICMS aos Fundos de Combate à Pobreza é apenas outra exceção à regra da não vinculação da receita de impostos.

Como se não bastasse, a Receita Federal não enfrenta um ponto crucial: se o adicional não tem a mesma natureza do ICMS, o que ele é? Não é taxa, contribuição de melhoria ou empréstimo compulsório. A única opção seria classificá-lo como ‘‘contribuição’’, mas isso seria inconstitucional, pois os Estados só podem instituir contribuições para regimes próprios de previdência, enquanto a criação de novos tributos é competência residual da União (artigo 154, CF).

Seja como for, o adicional de ICMS não é receita ou faturamento do contribuinte e, assim, não pode integrar a base de cálculo do PIS e da Cofins. Tal entendimento vem sendo acolhido pela jurisprudência em recentes decisões.

Cita-se, por exemplo, a sentença proferida no Processo 6005420-78.2024.4.06.3801, em trâmite na 3ª Vara Federal de Juiz de Fora (MG), registrando que o adicional FECP desfruta de natureza semelhante ao ICMS, de sorte que a empresa apenas o arrecada e repassa ao Estado, sem incrementar seu faturamento próprio.

No mesmo sentido, o juiz da 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro afirmou em sentença que o adicional de ICMS destinado ao FECP não refletiria a riqueza obtida com a realização da operação, pois constituiria ônus do contribuinte e não faturamento (Processo 5033811-51.2024.4.02.5101).

Por sua vez, o juiz da 1ª Vara Federal de Macaé (RJ) observou que os adicionais de ICMS possuem ‘‘a mesma natureza dos impostos’’ e o constituinte em nenhum momento pretendeu criar nova figura tributária, que, ao final, seria de duvidosa constitucionalidade, tendo em vista a limitada capacidade de estados e municípios criarem novas contribuições (Processo 5002648-08.2024.4.02.5116).

Embora a cooperação tributária tenha sido recentemente elevada ao status de princípio constitucional (artigo 145, § 3º), já está claro que embates entre Fisco e contribuinte não se tornarão menos frequentes até que o Governo Federal abandone a busca pelo aumento de arrecadação a qualquer custo. Enquanto não houver mudança de postura, o único caminho disponível para os contribuintes é o Judiciário.

Vitor Fantaguci Benvenuti é advogado da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados

CRIMES FINANCEIROS
STJ afasta excesso acusatório que impedia eventual proposição de ANPP a ex-diretor do Banco Máxima

​‘‘O réu se defende dos fatos, e não da capitulação jurídica, a qual pode ser corrigida por ocasião da prolação da sentença, nos termos do artigo 383 do Código de Processo Penal (CPP). Nada obstante, quando eventual excesso acusatório for empecilho a benefícios processuais, imperativo que a adequação típica seja antecipada.’’

Com esse entendimento, seguindo o voto do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu parcial provimento ao recurso em habeas corpus de um ex-diretor jurídico do Banco Máxima (antigo nome do Banco Master), acusado de crimes contra o sistema financeiro nacional.

O colegiado reconheceu excesso acusatório na denúncia e decidiu, por maioria, limitar a ação penal ao crime de gestão fraudulenta de instituição financeira.

Vários gestores do banco foram denunciados por supostos crimes cometidos entre 2014 e 2016. Além da imputação de gestão fraudulenta, o Ministério Público Federal (MPF) acusou o ex-diretor jurídico de inserir informações falsas em documentos contábeis apresentados ao Banco Central e de manter em erro a administração pública quanto à situação financeira da instituição. Esses crimes estão previstos nos artigos 4º, 6º e 10 da Lei 7.492/1986.

Recebida a denúncia pela 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, a defesa do ex-diretor entrou com habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), pleiteando o trancamento da ação, alegando que a denúncia seria inepta, sem justa causa e com excesso de acusação. Após o pedido ser negado em segunda instância, a defesa recorreu ao STJ.

Adequação típica deve ser antecipada para evitar prejuízos ao réu

Após examinar os fatos relatados na denúncia, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca observou que a fraude que teria configurado o crime do artigo 4º da Lei 7.492/1986 ‘‘é a prática dos tipos penais descritos nos artigos 6º e 10 do mesmo diploma legal’’.

Segundo o magistrado, apenas com o exame mais aprofundado das provas será possível apurar se as condutas dos artigos 6º e 10 da Lei tipificam o crime de gestão fraudulenta, ficando absorvidas por este – ou se, não tipificando o crime do artigo 4º, configuram tipos autônomos subsidiários.

Ocorre que, como apontado pelo ministro, as penas mínimas dos crimes imputados ao ex-diretor, somadas, totalizam seis anos, o que torna inviável a eventual proposição do acordo de não persecução penal (ANPP), previsto no artigo 28-A do CPP – razão pela qual é necessário antecipar a adequação típica, como admitido pela jurisprudência do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Reynaldo Soares da Fonseca considerou que não seria possível trancar a ação penal com relação ao crime de gestão fraudulenta, pois é imprescindível levar adiante a instrução do processo para averiguar o que realmente aconteceu.

‘‘Diante da impossibilidade de se punir o recorrente, simultaneamente, pelos crimes-meios e pelo crime-fim, deve prevalecer neste momento processual apenas a imputação pelo crime do artigo 4º da Lei 7.492/1986, ressalvando-se a possibilidade de punição pelos crimes dos artigos 6º e 10 da mencionada lei, apenas em caso de não comprovação da gestão fraudulenta, procedendo-se à emendatio libelli’’, arrematou. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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RHC 188922