RISCO À VIDA
Locatária de chácara que soltou fogos de artifício na virada do ano vai indenizar criador pela morte de cavalos

Reprodução Youtube

É público e notório que os animais são sensíveis a fogos de artifício. Não por outro motivo, chegou-se à conclusão de que a proibição de tal atividade é a mais adequada à proteção da fauna. Nesse sentido, os que promovem a queima de fogos em área com animais assumem a ré o risco dessa conduta e devem ser responsabilizados civilmente.

Sob o pilar desse fundamento, a 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve íntegra a sentença proferida pela 2ª Vara de Itápolis que condenou a locatária de uma chácara a indenizar o dono de uma propriedade vizinha pela morte de dois cavalos, vítimas de acidentes causados pelos disparos de fogos de artifício.

Ao negar a apelação da ré, o colegiado manteve o valor das indenizações arbitradas na origem pelo juiz Bertholdo Hettwer Lawall: R$ 8 mil pelos danos morais infligidos ao criador e R$ 40 mil de danos materiais pela perda dos dois cavalos.

Segundo os autos, a apelante alugou a chácara e utilizou os artefatos na virada do ano. Em razão do barulho excessivo, os cavalos do autor da ação se agitaram e um deles foi encontrado morto no pasto, com graves ferimentos no crânio e na cervical. Posteriormente, outro animal teve que ser sacrificado em razão de ferimentos.

O relator do recurso de apelação, desembargador Mário Daccache, ratificou o entendimento de que, ainda que a queima de fogos não fosse ilícita à época dos fatos, sempre foi público e notório os riscos dos disparos à saúde e ao bem-estar dos animais.

Em reforço à fundamentação da sentença, o relator anotou que, nos termos do artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb), criada pelo Decreto-Lei 4.657/42, os costumes também são fontes de direito.

‘‘Assim, sendo amplamente divulgado, na mídia, a alta sensibilidade dos animais em relação a fogos de artifício, e o consenso coletivo de que, em áreas rurais, não são disparados esses tipos de artefato (como narrado pelas testemunhas, de que tal prática, naquela vizinhança, que tem presença de várias chácaras e várias criações de animais, não é realizada), isso é, sem dúvida, fonte de obrigação, e a corré não pode fugir desta’’, arrematou no acórdão.

Também participaram do julgamento os desembargadores Neto Barbosa Ferreira e Silvia Rocha.

A decisão foi por unanimidade de votos. Redação Painel de Riscos com informações da Comunicação Social do TJSP.

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1001780-77.2021.8.26.0274 (Itápolis-SP)

AMBIENTE HOSTIL
Cozinheira discriminada sexualmente pelos colegas será indenizada em R$ 20 mil pelos danos morais

Reprodução TRT-23

O artigo 932, inciso III, do Código Civil, diz que o empregador é responsável por atos praticados pelos seus empregados, serviçais e prepostos no exercício do trabalho que lhe competir ou em razão dele.

Assim, convencida de que uma cozinheira foi alvo continuado de ofensas e de condutas discriminatórias no trabalho, a 1ª Vara do Trabalho de Tangará da Serra (MT) condenou a Marfrig Global Foods e a P. G. R. São Paulo Refeições – que fornece refeições aos empregados do frigorífico – ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil.

O juiz do trabalho Mauro Vaz Curvo também fixou uma indenização adicional de R$ 8 mil em razão das condições degradantes de trabalho da cozinheira, vítima de discriminação pela sua orientação sexual.

Comentários ofensivos e preconceituosos

Segundo a sentença, ficou comprovado que a cozinheira era alvo frequente de comentários ofensivos e preconceituosos por parte de colegas. Entre as frases dirigidas a ela estavam: ‘‘você gosta de mulher porque nunca teve um homem de verdade’’ e ‘‘se apertar bem, dá para um macho’’. As chacotas incluíam também críticas ao seu peso e a outras características físicas.

Mesmo após pedir o fim das brincadeiras, os episódios continuaram, o que deixava a trabalhadora triste e abatida. Testemunhas confirmaram o ambiente hostil e a prática reiterada de discriminação.

‘‘A continuidade das ofensas, mesmo após os pedidos da trabalhadora para que cessassem, demonstra o descaso dos ofensores e reforça o caráter discriminatório das condutas relatadas’’, destacou o magistrado.

Juiz Mauro Curvo, da 1ª VT de Tangará da Serra
Foto: Divulgação/CUFA MT

Empregador tem de zelar por ambiente sadio

O juiz ressaltou que cabe ao empregador zelar pela integridade física e psicológica dos trabalhadores, cabendo a ele tomar todas as medidas que estão ao seu alcance para preservar a higidez do meio ambiente de trabalho, conforme previsto na Constituição Federal e na Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil.

Ele também mencionou ainda a Convenção 190 da OIT, que entrou em vigor no âmbito internacional em 2021, como o primeiro tratado internacional voltado à prevenção da violência e assédio no trabalho.

Embora ainda não tenha sido ratificada pelo Brasil, a convenção é citada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no ‘‘Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero’’, que reconhece o direito de todas as pessoas a um ambiente laboral livre de violência e assédio. O juiz concluiu, no entanto, que as empresas não tomaram medidas preventivas ou punitivas para coibir a discriminação

Alimentos em más condições

Além da discriminação, a cozinheira também enfrentava condições inadequadas de trabalho. Responsável por preparar refeições para cerca de 800 pessoas diariamente, ela lidava com alimentos em más condições, conforme confirmado por testemunhas. Os alimentos frequentemente apresentavam mau cheiro e coloração anormal, sendo descritos como ‘‘impróprios para consumo’’.

Os comentários depreciativos sobre a comida oferecida aos empregados eram quase diários, causando constrangimento à trabalhadora. Ela lamentava a situação e ressaltava que apenas seguia ordens da empresa.

‘‘Essa situação gerava constrangimento, pois a trabalhadora, apesar de seguir as determinações impostas pela empresa, enfrentava diretamente o descontentamento e as reclamações, sentindo-se desvalorizada e humilhada’’, frisou o juiz.

De acordo com o magistrado, a exposição constante a críticas ofensivas e a ausência de condições dignas de trabalho feriram a dignidade da cozinheira. Por esse motivo, foi determinada uma indenização adicional de R$ 8 mil pelas condições degradantes a que a trabalhadora tinha que se sujeitar.

Rescisão indireta

A sentença também declarou nulo o pedido de demissão feito pela trabalhadora, convertendo-o em rescisão indireta do contrato de trabalho, prevista no artigo 483 da CLT. A rescisão indireta ocorre quando o empregador comete falta grave que inviabiliza a continuidade do vínculo empregatício.

No entendimento do juiz, o assédio moral e a discriminação por orientação sexual configuraram grave descumprimento das obrigações do empregador, violando direitos fundamentais da empregada, como o respeito à dignidade e a garantia de um ambiente de trabalho saudável e livre de discriminação.

‘‘Diante da gravidade dos fatos relacionados à discriminação por orientação sexual, torna-se inviável exigir que a reclamante permanecesse no emprego como condição para pleitear em juízo a rescisão indireta. Tal exigência configuraria a continuidade da exposição a um ambiente de trabalho hostil, comprometendo sua dignidade e intensificando os prejuízos já sofridos’’, destacou o magistrado.

Como consequência, as empresas terão de pagar as verbas rescisórias, incluindo aviso prévio, 13º salário, férias e FGTS com multa de 40%. A trabalhadora também terá direito a receber as guias para saque do FGTS e para a habilitação no seguro-desemprego.

Por fim, o juiz determinou o envio de ofícios ao Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Estadual (MPMT) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) após constatar irregularidades trabalhistas e suspeita de crime de homofobia contra a trabalhadora.

Da sentença, cabe recurso ordinário ao Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (TRT-23, Mato Grosso).  Redação Painel de Riscos com informações de Aline Cubas, da Secretaria de Comunicação Social do TRT-23. 

ATOrd 0000574-63.2024.5.23.0051 (Tangará da Serra-MT)