TERRITORIALIDADE
Franqueadora é condenada por autorizar instalação de duas franquias em locais muito próximos

A 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve, em parte, sentença que condenou a OdontoCompany, a maior rede de clínicas odontológicas do Brasil, a indenizar os sócios de uma franquia em Ribeirão Preto (SP) por violação de exclusividade territorial.

O acórdão determinou que a franqueadora restitua integralmente o investimento dos autores da ação indenizatória – R$ 561,6 mil –, além de indenizá-los, por danos morais, em R$ 30 mil. Em primeiro grau, também foi determinada a rescisão do contrato celebrado.

Segundo os autos do processo, as partes firmaram acordo de franquia que perdurou por cinco meses, quando a atividade se tornou inviável por conta da inauguração de outra unidade franqueada a cerca de 300 metros de distância.

A franqueadora alegou que os autores desrespeitaram os limites territoriais previamente acordados e atribuiu a eles o insucesso do negócio, mas o relator das apelações no TJSP, desembargador Maurício Pessoa, frisou que a própria empresa autorizou a locação do imóvel fora da área estabelecida.

‘‘Diante da aprovação categórica e expressa, é evidente que subsistiram à ré os deveres de garantir a proteção e a exclusividade, e de impedir a concorrência desleal com a abertura da mesma franquia nas proximidades, o que não ocorreu, a comprometer o sucesso do empreendimento.’’

O magistrado ressaltou, ainda, que a própria franqueadora assegurou que o terceiro concorrente não permaneceria no local, mas nada fez em favor dos autores da ação.

‘‘Ao contrário, os autores foram surpreendidos com um aditivo contratual que retificou o território de exclusividade e fez constar a existência da unidade do terceiro franqueado’’, registrou.

‘‘Ainda que o sistema de franquia, por si só, não garanta o sucesso financeiro, era obrigação da ré envidar esforços para propiciar êxito nas operações, por conta do dever de colaboração’’, concluiu o relator do recurso.

Completaram a turma de julgamento os desembargadores Ricardo Negrão, Grava Brazil, Natan Zelinschi de Arruda e Sérgio Shimura.

A decisão foi por maioria de votos. Redação Painel de Riscos com informações da Comunicação Social do TJSP.

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1115310-28.2023.8.26.0100 (São Paulo)

DEPENDÊNCIA ECONÔMICA
Companheira de trabalhador casado com outra mulher tem direito à indenização por morte em acidente

A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) rejeitou o recurso da Cury Construtora e Incorporadora S.A., de São Paulo (SP), contra a condenação ao pagamento de indenização à companheira de um encarregado vítima de acidente de trabalho. Embora ele fosse oficialmente casado com outra mulher, a reparação foi deferida porque a companheira dependia economicamente do trabalhador, com quem tinha três filhos.

Companheira viveu com encarregado por 15 anos

O trabalhador era empregado da GS Empreiteira de Mão de Obra S/S Ltda. e prestava serviços numa obra da Cury Construtora. O acidente ocorreu em dezembro de 2011, quando um componente de uma laje que estava sendo içada por uma grua se soltou da máquina e o atingiu.

Na ação de indenização por danos morais e materiais, a mulher alegou que foi companheira do encarregado por 15 anos, até sua morte, em 2011, e que dependia economicamente dele.

Trabalhador era casado com outra

As empresas sustentaram que, para ter algum direito, a companheira deveria primeiro propor ação na Justiça Comum para reconhecimento de união estável, mas, como o trabalhador era casado com outra pessoa, haveria impedimento legal para isso. Argumentaram, ainda, que já haviam firmado acordo em outro processo com a esposa e todos os filhos do falecido.

Dependência econômica motivou indenização

Para o juízo da 2ª Vara do Trabalho de Suzano (SP), a proteção do Estado à união estável se aplica apenas a situações legítimas, excluindo aquelas em que há impedimento de uma das partes por já ser casada com outra pessoa. Mas o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo), com base em depoimentos de testemunhas, reformou a sentença e condenou as empresas, solidariamente, a pagar indenização por dano moral de R$ 50 mil e pensão mensal vitalícia equivalente ao último salário do empregado, até a companheira atingir 75 anos.

A decisão fundamentou-se na dependência econômica, na longa duração do relacionamento e nos filhos que nasceram dessa relação. Para o TRT, o fato de a esposa do encarregado e todos os seus filhos terem firmado acordo e recebido R$ 650 mil não exclui o direito da companheira de também ser indenizada.

Exame de provas vetado

A construtora tentou rediscutir o caso no TST, com o argumento que não compete à Justiça do Trabalho declarar a existência de união estável ou concubinato, por se tratar de matéria exclusiva de juízo cível ou de família.

A relatora do agravo, ministra Delaíde Miranda Arantes, destacou que, para se alcançar a conclusão pretendida pela empresa, seria necessário reexaminar provas, o que é vedado ao TST. O agravo foi rejeitado pelo colegiado, que também negou os embargos de declaração apresentados posteriormente.

A construtora tenta, agora, levar o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de recurso extraordinário (RE). Com informações da jornalista Lourdes Tavares, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

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ED-Ag-AIRR-1000853-38.2013.5.02.0492 

FATOR LABORAL
Posto de gasolina vai indenizar filha de frentista morto durante ação criminosa em SP

Reprodução

A 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo) condenou posto de gasolina ao pagamento de indenização por danos morais e pensão mensal à filha de frentista morto após ação criminosa. O evento ocorreu quando o infrator, após abastecer o seu caminhão, fugiu sem pagar, atropelando e matando o trabalhador.

A companhia argumentou que a vítima tem culpa exclusiva sobre os fatos, já que teria reagido com um canivete ao perceber a subtração de combustível.

Segundo a desembargadora-relatora Lycanthia Carolina Ramage, para que a alegação da empresa fosse válida, seria necessário que o infortúnio tivesse ocorrido por conduta única do trabalhador, sem qualquer ligação com fatores objetivos do risco da atividade.

No entanto, a reação não exclui o nexo de causalidade, pois não afasta a relação entre o ato criminoso no estabelecimento da empregadora e a morte do empregado. ‘‘Em outras palavras, o fator contributivo foi estritamente laboral’’, pontuou a magistrada.

A pensão mensal, equivalente a dois terços do salário do frentista, será paga até que a menina complete 25 anos. Os valores arbitrados ficarão depositados em caderneta de poupança e só serão disponibilizados após a autora atingir a maioridade, salvo autorização do juiz para aquisição de imóvel destinado à residência ou para dispêndio necessário à subsistência e educação.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) deve se pronunciar sobre eventual liberação, nos termos da Lei 6.858/80.

O processo tramita sob segredo de justiça

EFEITO TRUMP
Relatório mostra o aumento da confiança do consumidor em criptomoedas nos EUA

Reprodução Wharton

*Por Shankar Parameshwaran

Quando o professor de Marketing da Wharton School, escola de negócios da Universidade da Pensilvânia/EUA, David Reibstein, avistou recentemente um caixa eletrônico de bitcoin no Costco local, sua pesquisa ressoou. Uma presença na rede varejista de lojas de desconto, que conta com cerca de 140 milhões de membros, é um sinal claro de que as criptomoedas estão ganhando aceitação generalizada.

O recém-publicado Relatório de Confiança do Consumidor em Criptomoedas de 2024 captura essa tendência de crescente popularidade e expansão dos casos de uso, tanto offline quanto online. Reibstein foi coautor do relatório com os professores de Marketing da Wharton, Cait Lamberton e John Zhang, e Martin Paul Fritze, da Universidade Ludwig Maximilians, de Munique, Alemanha.

‘‘A confiança em criptomoedas continua a crescer’’, disse Reibstein, apontando o que considerou a principal descoberta do último relatório. ‘‘Há uma ‘invasão das criptomoedas’, com cada vez mais consumidores e varejistas migrando para elas.’’ Os pesquisadores lançaram o Índice de Confiança do Consumidor em Criptomoedas (c3i) em janeiro de 2023, que é monitorado mensalmente por meio de pesquisas com consumidores.

O relatório mais recente baseia-se no relatório do ano passado e identifica fortes correlações de longo prazo entre o c3i e os preços das criptomoedas, especialmente bitcoin e ethereum.

Aceitação em lojas físicas e online

O relatório de 2024 mostrou que a confiança em criptomoedas cresceu perceptivelmente desde 2023, como evidenciado por maiores taxas de propriedade e expansão dos casos de uso. Na última contagem, um terço de todos os participantes da pesquisa possuíam criptomoedas, e os proprietários predominantes eram homens e consumidores com idade entre 25 e 44 anos.

De acordo com a pesquisa, um número crescente de consumidores acredita que criptomoedas são aceitas tanto em lojas online quanto físicas. Por exemplo, entre janeiro de 2023 e dezembro de 2024, o número de participantes que presumiram que lojas online aceitam criptomoedas aumentou de 16% para 25%. Os autores do relatório preveem um aumento contínuo na confiança nas principais aplicações de criptomoedas.

Quase metade dos entrevistados percebeu as criptomoedas como um investimento de longo prazo, apesar das preocupações de que sejam moedas alternativas, sem apoio governamental.

Alimentando o otimismo

Os investimentos pessoais do presidente Donald Trump em criptomoedas também alimentam o otimismo em relação à crescente confiança no mercado. Sua família possui uma grande participação na World Liberty Financial, uma corretora de criptomoedas que arrecadou mais de US$ 550 milhões e lançou uma moeda digital chamada stablecoin, conforme noticiado pelo New York Times. Outra reportagem estimou que seus investimentos em criptomoedas representam quase 40% de seu patrimônio líquido, ou aproximadamente US$ 2,9 bilhões.

‘‘Trump saltou para onde seus seguidores já estavam’’, disse Reibstein. Com seus investimentos, ele tornou as criptomoedas ‘‘talvez atraentes para um público mais amplo’’, acrescentou. O relatório da c3i mostrou que mais republicanos do que democratas possuem criptomoedas. ‘‘Os republicanos, em comparação com os democratas, percebem a eleição de Trump como tendo um impacto mais positivo nos preços das criptomoedas’’, observou o relatório.

Com o tempo, Reibstein esperava que a atração pelas criptomoedas se espalhasse por todo o espectro político. ‘‘Enquanto os liberais ficam sentados, dizendo: ‘isso não é consistente com nossas crenças subjacentes’, seguir o dinheiro é. E, à medida que os preços das criptomoedas sobem, você verá cada vez mais pessoas aderindo a elas.’’

Sinais regulatórios

Reibstein ficou surpreso com a pesquisa, que constatou que os conservadores estavam muito mais inclinados a investir em criptomoedas do que os democratas. ‘‘Eles não queriam o controle centralizado que vemos nos bancos e no governo’’, disse ele. De fato, os republicanos, entre os entrevistados, expressaram ‘‘menores níveis de confiança em instituições centrais como a Comissão de Valores Mobiliários ou o Federal Reserve’’, observou o relatório.

‘‘Embora as criptomoedas sejam fundamentalmente construídas com base em princípios descentralizados, nossas descobertas iniciais sobre a interseção entre criptomoedas e política sugerem que a confiança do consumidor pode ser cada vez mais moldada por intervenções de atores centralizados’’, escreveram os autores no relatório. Um exemplo disso é a forte alta do preço do bitcoin após a eleição do republicano, ultrapassando US$ 100.000 em dezembro de 2024, após notícias de uma ‘‘abordagem regulatória mais branda’’ no governo Trump.

‘‘Tais desenvolvimentos podem, ao longo do tempo, desafiar a confiança fundamental nas criptomoedas como um sistema alternativo de troca e armazenamento de valor’’, apontou o relatório. Reibstein viu um sinal de alerta nisso. ‘‘Existe o risco de que as salvaguardas instaladas contra criptomoedas sejam menos prováveis ​​de ocorrer’’, disse ele.

‘‘Acho que é isso que aqueles que investem em criptomoedas querem – menos regulamentação. Isso adiciona algum risco à medida que continua a crescer.’’ A volatilidade dos preços tem sido outro grande fator de risco com as criptomoedas, mas ‘‘isso diminuiu’’ nos últimos tempos, observou ele.

Não é o investimento mais seguro

Uma questão persistente para Reibstein é se a população em geral percebe as criptomoedas como uma moeda ou como um investimento. ‘‘A trajetória futura dos mercados de criptomoedas pode ir além do debate tradicional sobre se esses ativos podem funcionar como dinheiro’’, afirma o relatório. ‘‘Em vez disso, pode depender cada vez mais da crença do consumidor na capacidade das criptomoedas de sustentar um sistema descentralizado e seguro para armazenamento e circulação de ativos.’’

‘‘Em grande parte, é uma espécie de aposta, um investimento’’, observou Reibstein. Por exemplo, investidores de valor como Warren Buffett têm se mostrado cautelosos em investir em criptomoedas , embora ele tenha uma pequena participação em uma empresa brasileira com uma plataforma de criptomoedas.

‘‘Investidores muito cautelosos seguem o exemplo de Warren Buffett’’, continuou Reibstein. ‘‘Se você quiser investir em algo realmente seguro, não invista em criptomoedas, porque elas ainda estão em estágio embrionário. Elas ainda têm mais volatilidade do que o euro ou o dólar.’’

Dito isso, a popularidade das criptomoedas ignorou seus opositores. ‘‘Houve alguns escândalos com criptomoedas, mas eles não desaceleraram o crescimento [de sua popularidade]’’, destacou Reibstein. ‘‘Apesar desses escândalos, a criptomoeda continua sua tendência ascendente tanto em volume quanto em preços e penetração entre investidores e comerciantes. [Olhando para o futuro], a penetração talvez seja a métrica mais importante que devemos observar.’’ Mas sempre haverá uma parcela da população que jamais aceitará criptomoedas, observou Reibstein. ‘‘Meus pais jamais investirão em criptomoedas.’’

Wharton School é a primeira escola de negócios universitária do mundo, fundada em 1881, na Universidade da Pensilvânia. É uma instituição de referência global em Administração, conhecida por seus programas de graduação e pós-graduação, como o MBA, e por sua forte ligação com a comunidade empresarial.

Shankar Parameshwaran é editor na Knowledge at Wharton, o jornal de negócios da Wharton School

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JURISPRUDÊNCIA EM REVISTA
O poluidor indireto e a extensão da responsabilização ambiental, na visão do STJ

Reprodução Portal CNM

​A responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente normalmente está associada àqueles que realizam alguma ação direta contra a natureza – como o indivíduo que ateia fogo na floresta, joga lixo nos rios ou constrói em áreas de proteção permanente (APPs).

No entanto, o sistema jurídico brasileiro – reconhecido internacionalmente por sua avançada legislação ambiental – traz uma abordagem mais profunda sobre o tema, ampliando as hipóteses de responsabilização para incluir também aqueles que, mesmo que indiretamente, contribuem para a degradação do ecossistema.

É nesse contexto que surge o conceito de poluidor indireto, que pode ser definido como quem, sem participar diretamente do ato de dano, de alguma forma favorece ou facilita a ocorrência do prejuízo ao meio ambiente. Assim, a responsabilidade ambiental no Brasil é mais extensa e preventiva, buscando proteger nossos bens naturais de forma efetiva e consciente.

Essa definição do poluidor indireto está prevista em dispositivos legais como o artigo 3º, inciso IV, da Lei 6.938/1981, segundo o qual pode ser considerado poluidor qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, responsável, direta ou indiretamente, por atividades que causam degradação ambiental.

Com a proximidade do Dia Mundial do Meio Ambiente – data celebrada em 5 de junho –, a reflexão sobre a responsabilidade do poluidor indireto e a importância de outras ações de preservação do planeta se tornam ainda mais necessárias.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o tema vem sendo abordado em sua jurisprudência em decisões que reforçam, entre outros aspectos, a responsabilidade do poder público, especialmente em casos de omissão na fiscalização ambiental.

Responsabilização por omissão na preservação do meio ambiente

Um bom exemplo é o posicionamento adotado pela Segunda Turma, em abril de 2021, no AREsp 1.678.232. O colegiado manteve a condenação do Município e do Estado de São Paulo, além de outros réus, em uma ação civil pública (ACP) que apurava a responsabilidade sobre invasões e loteamentos clandestinos em áreas de risco e áreas públicas.

No entendimento da turma, o ente federado tem o dever de fiscalizar e preservar o meio ambiente e combater a poluição – conforme previsto no artigo 23, inciso VI, da Constituição Federal e no artigo 3º da Lei 6.938/1981 –, podendo sua omissão ser interpretada como causa indireta do dano, o que propicia sua responsabilidade objetiva.

O relator do processo, ministro Herman Benjamin, mencionou que o caso em análise também exige a interpretação conjunta dos artigos 13 da Lei 6.766/1979 e 225 da Constituição Federal, dos quais, para ele, é possível retirar a obrigação ‘‘de o Estado interferir, repressiva ou preventivamente, quando o loteamento for edificado em áreas tidas como de interesse especial, tais como as de proteção aos mananciais’’.

Ente público responde de forma objetiva e solidária, mas execução é subsidiária

No mesmo ano, o STJ aprovou a Súmula 652, a qual estabeleceu que a responsabilidade civil da Administração Pública por danos ao meio ambiente, decorrente de sua omissão no dever de fiscalização, é de caráter solidário, mas de execução subsidiária.

O entendimento, entretanto, já vinha sendo aplicado reiteradamente em julgados do tribunal, como no caso do REsp 1.376.199, também de relatoria do ministro Herman Benjamin, na Segunda Turma.

De acordo com o colegiado, a responsabilidade ambiental do ente público que se omite do dever-poder de controle e fiscalização é objetiva, solidária e ilimitada, mas a sua execução é de natureza subsidiária. Dessa forma, o ente só pode ser chamado quando o degradador original, direto ou material (devedor principal), não quitar a dívida, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade de cumprimento da prestação imposta pela Justiça, assegurado, sempre, o direito de regresso.

‘‘Apesar de se ter por certo a inexequibilidade de vigilância ubíqua, é mister responsabilizar, em certas situações, o Estado por omissão, de forma objetiva e solidária, mas com execução subsidiária (impedimento à sua convocação per saltum), notadamente quando não exercida, a tempo, a prerrogativa de demolição administrativa ou de outros atos típicos da autoexecutoriedade ínsita ao poder de polícia’’, afirmou o ministro Herman Benjamin.

O caso analisado teve como origem uma ACP na qual o Ministério Público buscava responsabilizar o Estado de São Paulo e uma imobiliária pela construção indevida de um imóvel em área de manancial, na faixa non aedificandi – isto é, onde geralmente não é possível construir por questões de segurança. Ao julgar recurso especial, a Segunda Turma condenou solidariamente a Fazenda Pública estadual e a empresa. A execução contra o Estado, contudo, foi subsidiária.

Solidariedade é a regra na responsabilidade civil por dano ambiental

Esse tipo de responsabilização atribuída aos entes públicos pela jurisprudência do STJ não se confunde, contudo, com outras situações de responsabilidade solidária entre os poluidores.

Essa diferenciação ficou clara no julgamento do REsp 1.631.143, no qual proprietários rurais de área próxima a um igarapé alegaram que um grupo de frigoríficos foi responsável pela degradação ambiental do local em razão do despejo inadequado de resíduos.

Ao STJ, uma das empresas do grupo alegou que os ribeirinhos, como particulares, não poderiam ser autores da ação de reparação por danos materiais, por suposta violação da Lei 7.347/1985. O frigorífico também declarou que a responsabilidade solidária das empresas não poderia ser presumida, sendo necessário a individualização das condutas.

O ministro João Otávio de Noronha, relator do caso na Quarta Turma, comentou que os autores do processo não buscaram a reparação ambiental de forma específica, mas o ressarcimento dos prejuízos pessoais que sofreram em virtude das atividades poluentes, não havendo invasão da atuação dos legitimados para propor ACP.

‘‘Na responsabilidade civil por dano ambiental, há solidariedade entre os poluidores. Tal decorre da Lei 6.938/1981, cujo artigo 14, parágrafo 1º, dispõe sobre o dever de indenizar ou reparar danos independentemente de culpa, sendo o poluidor – pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado – responsável, direta ou indiretamente, pela atividade causadora da degradação ambiental’’, afirmou o ministro João Otávio Noronha ao julgar o REsp 1.631.143.

Conforme destacou o relator, os danos ambientais têm efeitos diretos – afetando, nesse caso, o meio ambiente saudável, bem jurídico autônomo e unitário – e indiretos – ou seja, os prejuízos que atingem bens jurídicos particulares, os quais são prejudicados por ricochete.

Poluidor indireto e ressignificação do conceito de nexo causal

O conceito de poluidor indireto foi aplicado pela Segunda Turma em maio de 2022, ao analisar possível omissão do Município de Joinville (SC) em relação a uma obra de desvio do curso de um rio que não recebeu licenciamento ambiental e não teve fiscalização adequada, o que teria facilitado a ocorrência de danos ambientais (AREsp 1.945.714).

No caso, a discussão avançou nas instâncias ordinárias a partir da tese de que a omissão fiscalizatória não teria sido claramente demonstrada. No entanto, o ministro Og Fernandes, relator, explicou que as causas de Direito Ambiental exigem a ressignificação de alguns conceitos tradicionais do Direito, como o nexo causal.

‘‘Ele deve estar presente, indubitavelmente, mas quando há diversos poluidores/transgressores das normas, e não se pode precisar com o grau de certeza ortodoxo a contribuição de cada um deles para a degradação constatada, qualquer ato comissivo ou omissivo que seja relevante para a existência do dano (o que inclui sua não reparação) enseja a responsabilização do agente’’, disse o ministro.

Para o relator, o processo trouxe inúmeras condutas omissivas imputadas ao Município – como deixar de prevenir o dano com o licenciamento ambiental às obras públicas, não fiscalizar as obras executadas por particulares e não agir para recuperar os danos já verificados.

Dessa forma, prosseguiu o ministro, o nexo causal a ser investigado no processo ‘‘não é entre a conduta administrativa e os danos, mas entre a conduta administrativa e tais obrigações, sendo irrelevante que terceiros tenham também contribuído para os resultados prejudiciais ao meio ambiente’’.

Comprador de área degradada também responde pelo dano ambiental

Em outubro do ano seguinte, o STJ fixou um de seus entendimentos mais relevantes em direito ambiental ao julgar o Tema 1.204 dos recursos repetitivos. A Primeira Seção definiu que as obrigações ambientais têm natureza propter rem, de modo que elas podem ser exigidas do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores ou de ambos, ‘‘ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente’’.

De acordo com a relatora, ministra Assusete Magalhães (aposentada), esse entendimento já estava consolidado na Súmula 623, que se baseou na jurisprudência do STJ, segundo a qual a obrigação de reparação dos danos ambientais está atrelada ao próprio bem degradado, uma vez que a Lei 8.171/1991 se aplica a todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os responsáveis por desmatamentos anteriores.

A ministra esclareceu que o atual proprietário que permanece inerte diante da degradação ambiental, mesmo que ela seja preexistente, também comete ato ilícito. As APPs e as de reserva legal (RL) – continuou – são ‘‘imposições genéricas, decorrentes diretamente da lei’’, além de representarem ‘‘pressupostos intrínsecos ou limites internos do direito de propriedade e posse’’.

Ainda sobre o caráter propter rem das obrigações ambientais, Assusete Magalhães citou precedente do ministro Herman Benjamin, no REsp 948.921, que reforçou a noção de que aquele que adquire o imóvel o recebe não apenas com os atributos positivos e as benfeitorias, mas também com os ônus ambientais que incidem sobre a propriedade.

‘‘Quem se beneficia da degradação ambiental alheia, a agrava ou lhe dá continuidade não é menos degradador. Por isso, o legislador se encarrega de responsabilizar o novo proprietário pela cura do malfeito do seu antecessor’’, manifestou se o ministro Herman Benjamin ao julgar o REsp 948.921.

Engenheiro agrônomo tem controle funcional da conduta ilícita poluente

Ao analisar o RHC 118.591, em fevereiro de 2020, a Quinta Turma estabeleceu que o engenheiro agrônomo, mesmo não sendo o autor dos atos materiais de poluição, pode ser responsabilizado por atividade causadora de danos ao meio ambiente.

De acordo com a denúncia oferecida pelo Ministério Público do Paraná (MPPR), o profissional teria prescrito agrotóxicos para uma propriedade agrícola sem o adequado acompanhamento quanto à real necessidade do uso desses produtos, descumprindo exigências legais. Ao STJ, a defesa alegou que ele apenas prescreveu os agrotóxicos, sem qualquer participação na aplicação dos produtos, razão pela qual não poderia constar no polo passivo de ação penal.

O ministro Ribeiro Dantas, relator do caso, apontou que o engenheiro, ao prescrever o receituário agrônomo, ‘‘tinha o controle funcional da conduta ilícita poluente (teoria do domínio do fato) e, assim, apesar de não ter sido o autor material do ato de poluição, pode ser apontado como o responsável pela atividade causadora da degradação ambiental’’.

Além de citar o conceito de poluidor indireto descrito na Lei 6.938/1991, o relator usou como base de seu voto o artigo 2º da Resolução 344, do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia e o artigo 14 da Lei 7.802/1989 – posteriormente revogada pela Lei 14.785/2023 (Nova Lei dos Agrotóxicos), que atualizou as disposições sobre o tema.

‘‘O engenheiro agrônomo, dotado da expertise da atividade agrícola e possuidor da confiança do agricultor, ao prescrever receituário agronômico em desacordo com as normais legais do uso de agrotóxico, possui controle funcional da conduta ilícita poluente (teoria do domínio do fato). Assim, mesmo não sendo o autor dos atos materiais de poluição, é, sem dúvida, responsável e, por isso, imputável, pela atividade causadora de danos ao meio ambiente’’, disse o ministro Ribeiro Dantas no RHC 118.591

Poluidor indireto foi tema de enunciados de jornada jurídica

O poluidor indireto foi discutido recentemente nos enunciados aprovados na I Jornada Jurídica de Prevenção e Gerenciamento de Crises Ambientais, realizada em novembro de 2024, no Conselho da Justiça Federal (CJF), em Brasília. Os enunciados servem de referência para estratégias de prevenção aos conflitos decorrentes de crises climáticas e para a adoção de compliance ambiental pelos entes públicos ou privados para restauração de danos.

Um dos enunciados aprovados fixou que ‘‘o poluidor indireto responde de forma solidária pela reparação e pela restauração do dano ambiental cumulativamente’’.

Em outro enunciado, foi definido que ‘‘o conceito de ‘empreendedor’ da Lei 12.334/2010 (artigo 2º, IV) deve ser interpretado à luz do conceito amplo de poluidor, contemplando tanto o poluidor direto quanto o poluidor indireto, tal como estabelecido pela legislação ambiental (artigo 3º, inciso IV, da Lei 6.938/1981) e alcançando, a depender do caso concreto, os agentes (públicos e privados, pessoas físicas e jurídicas) identificados na cadeia causal multifatorial (fática e normativa) da atividade poluidora’’. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

AREsp 1678232

REsp 1376199

REsp 1631143

AREsp 1945714

REsp 1962089

REsp 948921

RHC 118591