DIREITO AGRÁRIO
Equívoco da não indenização da posse na faixa de fronteira

Por Eduardo Diamantino

Não é uma novidade o entendimento dos Tribunais Regionais Federais sobre a não indenização de imóveis desapropriados na faixa de fronteira do Brasil, sob o argumento de que seriam bens da União e, logo, detidos de forma precária. Nessa questão, temos uma novidade e uma crueldade. A novidade é que com o julgamento do RE 1.010.919, que entendeu pela imprescritibilidade da Ação Civil Pública para discutir domínio, o raciocínio deve causar ainda mais estragos no Direito Agrário Brasileiro. A crueldade é que está se aplicando o entendimento de forma mais danosa possível ao proprietário rural.

É preciso voltar à Súmula 477, do Supremo Tribunal Federal (STF), que no final da década de 1960 determinou: ‘‘As concessões de terras devolutas situadas na faixa de fronteira, feitas pelos estados, autorizam, apenas, o uso, permanecendo o domínio com a União, ainda que se mantenha inerte ou tolerante, em relação aos possuidores’’. Tal súmula carrega um enorme casuísmo em sua elaboração, já que apenas três apelações ensejaram a sua edição. Além disso, é ultrapassado e descabido o argumento de que a proteção à faixa de fronteira é necessária à segurança nacional.

Acontece que a realidade fundiária brasileira mostra que a ocupação desse território se deu de forma distinta do determinado no mundo do Direito. A faixa de fronteira brasileira, especialmente na Região Sul do país, foi sendo ocupada por títulos de concessão estaduais ou mesmo das formas de registro anterior sem resistência alguma da União.

Dado o valor econômico das áreas, surgiram conflitos de ocupação. Em um esforço de economia do discurso, é possível dizer que existiam ao menos quatro lados nessa questão: os proprietários das terras que as tinham com registro nos cartórios de imóveis, os posseiros, os estados que haviam titulado as mesmas aos produtores e a União. Considerando que competia à União, através do Incra, tratar da política fundiária brasileira, a ele caberia regularizar a questão.

Deveria ter organizado as ações discriminatórias, conforme previsto na Lei 6.383/76, e resolvido a questão. Não foi o que ocorreu. Foi preferido o fácil caminho da desapropriação para fins de reforma agrária e estabelecida a confusão sobre a área.

Assim, nas décadas de 1970 e 1980, ocorrerem desapropriações na área, destinação das mesmas aos assentados, como se do particular fossem. Tudo isso com problemas no título de domínio. Ou seja, em um dado momento, se usava esse argumento para deixar de pagar a indenização.

A questão era tão sui generis que a jurisprudência da época, procurando dar um desfecho equitativo à questão, passou a admitir que a posse de boa-fé, provada por título registrado em cartório e exercida de forma mansa e pacífica, ensejava a indenização em 60% do valor total. Nesse sentido, no próprio TRF-4, o acórdão da Apelação 20140059934 é exatamente nesse sentido.

Não poderia fazer de forma diferente: I) os proprietários haviam adquirido as terras diretamente dos estados membros, com toda a aparência de legalidade; II) já haviam sido surpreendidos com uma súmula precoce e equivocada editada pelo Supremo Tribunal Federal; e III) haviam sido esbulhados de lá por desapropriação; logo, ao menos, receber pela posse parece ser o mais arrazoado.

Existem mais argumentos a favor dessa questão: não se tratam de  bens indispensáveis à União. Os bens da União podem ser: de uso comum, especiais e dominiciais, que são os aqui tratados. Existe uma gradação de sua importância e desafetação. Prova disso é o disposto no artigo 101 do atual Código Civil. O artigo 67, do Código Civil da época, autoriza a alienação dos referidos bens dentro de condições legais específicas. A forma de posse também conta. O próprio DL 9.760, de 1946, que trata da ocupação de bens da União, diferencia no parágrafo único do artigo 71 a posse de boa fé.

Entender de forma diferente é misturar o joio ao trigo. É isso que está ocorrendo. Aqui reside a crueldade mencionada. A novel jurisprudência vem entendendo por não indenizar de forma alguma os desapropriados de boa-fé, deixando-os à míngua de qualquer reparação pelos prejuízos sofridos.

Com a novidade tratada no início deste artigo, a AGU e o MPF terão permissão para revisitar toda a questão, provocando outro efeito nefasto: a insegurança jurídica. A decisão definitiva proferida em ação de desapropriação pode ser revisitada por meio de ação civil pública, em defesa do patrimônio público, para discutir a dominialidade do bem expropriado, mesmo expirado prazo decadencial para propositura de ação rescisória.

Por isso, essa guinada jurisprudencial há de ser revista. Feita dessa forma só atende aos cofres públicos, que estarão livres de indenizar e poderão aplicar os recursos como bem entenderem.

Eduardo Diamantino é vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABTD) e sócio do escritório Diamantino Advogados Associados

O PODER DOS RELATOS
Canal de denúncia é ferramenta que fortalece o programa de compliance trabalhista

Por Christian Charles do Carmo de Ávila

O compliance faz parte da estrutura de Governança Corporativa e tem como foco principal evitar a ocorrência de não conformidades; ou seja, impedir que leis, normas ou regras internas sejam desrespeitadas, evitando, assim, atos de corrupção em todos os níveis.

É possível, assim, afirmar que o setor responsável pelo compliance da empresa tem a função de monitorar e assegurar que todos os envolvidos estejam de acordo com as práticas de conduta da organização.

Dentre outros pilares que compõem um programa de integridade, abordaremos o pilar relativo ao canal de denúncia, que está inserido dentro de um mais abrangente, como o do monitoramento. Isso em razão de se tratar de uma ferramenta de uso contínuo que permite a verificação de não conformidades a partir de relatos internos e externos.

Rogéria Gieremek¹, uma das grandes vozes do compliance nacional, salienta que o monitoramento e os testes de controle visam a verificar, na prática, a aderência dos processos e procedimentos estabelecidos com a lei e as normas internas da empresa. Aqui, entrariam, também, as due diligences, as auditorias e as investigações, internas e externas, no trinômio detecção-tratamento-resposta a incidentes.

Um canal de denúncia pode estar localizado dentro da própria estrutura da empresa ou, externamente, através de empresa contratada para este fim. Aliás, esta última possibilidade pode ser entendida por alguns como a mais independente e profissional. Isso, certamente, traria mais segurança e estimularia os denunciantes a se utilizar desta ferramenta.

Segundo a doutrina de Melo, Silva e Souza², diversas são as contribuições dos canais de denúncia: tornar a empresa mais protegida contra os eventos de fraudes e comportamentos antiéticos; fornecer transparência aos processos de negócio e às relações entre os diversos agentes da governança; inibir desvios de conduta e melhorar o ambiente de trabalho; e suportar a atuação da auditoria interna com informações relevantes e atualizadas..

Por meio do canal de denúncia, qualquer colaborador, terceiro ou mesmo cliente, pode comunicar à empresa, por exemplo, eventos relacionados a desvio de mercadorias, uso impróprio de bens, incluindo veículos – inclusive, se determinado motorista prestar serviços para terceiros enquanto em atividade para o seu empregador. Ainda, auxilia na denúncia de abusos ocorridos nas relações de trabalho por superiores hierárquicos, podendo também, proteger a empresa de falsas acusações desta natureza, como é possível verificar no seguinte julgamento do recurso ordinário (RO) 0000639-29.2014.5.04.0733 oriundo do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, RS):

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. Hipótese em que os elementos probatórios contidos nos autos não confirmam a ocorrência dos danos morais alegados pela reclamante a ensejar o deferimento da pretensão de indenização a tal título. Recurso ordinário não provido.

(…) a reclamada tinha programa de compliance no qual um funcionário poderia telefonar e comunicar situação de assédio, sendo um 0800; a depoente não telefonou para este número porque as pessoas que sabe que ligaram foram despedidas; a ligação é anônima, mas não sabe quais são os procedimentos internos de andamento da denúncia; (…)

A própria reclamante narrou que a ré tinha um programa de ‘‘compliance’’ em que poderia denunciar eventual assédio moral, restando garantido o anonimato de quem denunciasse, fato que foi corroborado pela última testemunha ouvida e indica uma postura proativa da ré para coibir o assédio moral no seu ambiente de trabalho.

Da leitura do depoimento da autora em conjunto com a documentação trazida pela reclamante, noto que a autora não passou por transtornos psiquiátricos no período do alegado programa de terceirização, tendo as manifestações da autora se iniciado quase dois anos após o término do citado programa.

Como visto, esta ferramenta alerta a empresa sobre comportamentos reprováveis de funcionários, o que auxiliará na aplicação de sanções ou até mesmo na demissão destes funcionários por justa causa em face de atos graves que venham a causar danos financeiros ou à sua imagem. Foi o que ocorreu no julgamento do RO 1001193-41.2021.5.02.0705, oriundo do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, SP), em que uma funcionária foi demitida por justa causa por desrespeitar o código de ética e o regramento interno da empresa:

‘‘Pede a autora a nulidade da justa causa aplicada, sob argumento de que fora injustamente acusada de manter relacionamentos afetivos com todos os representantes de empresas de remoção, se beneficiando de ‘mimos’, frequentando bares e restaurantes com eles. Aduz que houve denúncia ao setor de compliance e lhe foi negado acesso ao teor da denúncia e, posteriormente, fora dispensada por justa causa.

‘‘A reclamada afirma que houve denúncia, iniciando apuração dos fatos e concluindo em razão das provas colhidas que os atos da autora se enquadrou como mau procedimento, eis que revelou segredo do qual tinha conhecimento, violando código de conduta e favorecendo participante em processo licitatório em trâmite.

‘‘Dos áudios colacionados pela reclamada, extraio que a reclamante entrou em contato com o Sr. André, (…) informando acerca da denúncia e procedimento administrativo que envolvia a autora (…). Nas mensagens de whatsapp apresentadas nos (…) constato que a autora fornece informações acerca de valor de contrato com outra empresa (…).

‘‘Extraio do relatório de investigação interna, (…) que houve novas informações acerca do vazamento de informações por parte da autora. (…) Na 11ª cláusula do contrato de trabalho celebrado entre as partes, fls.224, consta expressamente o comprometimento da autora em não revelar ou divulgar a terceiros, bem como não utilizar de modo algum nenhuma informação confidencial ou não de que tenha conhecimento ou acesso em razão da profissão e atribuições desempenhadas na reclamada, sob pena de enquadramento aos termos do artigo 482 da CLT.

‘‘Às fls. 231, a reclamada apresenta termo de confidencialidade assinado pela autora, (…). Do todo analisado, entendo que a autora, efetivamente, inobservou regramento interno da reclamada e expresso no termo de confidencialidade e em cláusula do contrato de trabalho celebrado entre as partes(…).

‘‘Sendo assim, não procede o pedido de nulidade da justa causa (…)’’

Como visto, o canal de denúncia se mostra uma ferramenta versátil e imprescindível para a manutenção do programa de compliance, devendo sempre ser considerada quando da adoção de um programa de conformidade trabalhista.

Christian Charles do Carmo de Ávila é advogado especializado em Direito e Processo do Trabalho e Compliance Trabalhista

______________________________________________________________________________________________________

¹ A aplicabilidade da Lei anticorrupção brasileira às sociedades de economia mista. Revista de Direito Administrativo Contemporâneo. Vol. 22, ano 4, São Paulo: Ed. RT, Jan-fev. 2016, p. 177
² MELO, Hildegardo Pedro de Araújo; SILVA, Gilson Rodrigues da; SOUZA, Rossana Guerra de. A proteção do anonimato e a Eficácia do Compliance: Um estudo experimental sobre a influência do Canal de denúncia Anônima na Comunicação de problemas de Compliance no Brasil. São Paulo, 2016, p. 6. Disponível em: <https://congressousp.fipecafi.org/anais/artigos162016/50.pdf>. Acesso em: 10 mai. 19.

ARRENDAMENTO RURAL
A invalidade da notificação de retomada do imóvel feita pelo arrendador através do WhatsApp

Por Henrique Rodrigues Medeiros e Albenir Querubini

Em recente decisão proferida no Agravo de Instrumento nº 5525593-04.2021.8.09.0105, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás¹ confirmou liminar concedida em primeiro grau para determinar a prorrogação de contrato de arrendamento rural, em caso no qual o arrendador realizou notificação premonitória através de mensagem pelo aplicativo WhatsApp.

Inicialmente, vale recordar que os contratos agrários versam sobre a cessão do uso ou da posse temporária de um imóvel rural para fins de exploração da atividade agrária. Por consequência, da própria definição constante no caput do art. 92 do Estatuto da Terra, extrai-se que é da ratio dos contratos agrários a sua temporariedade.

Por uma questão que leva em conta diversos fatores, incluindo a própria Política Agrícola, é sabido que muitas das normas de Direito Agrário são protetivas em favor dos arrendatários e parceiros-outorgados, cuja lógica está em proteger a continuidade da produção (ou seja, da exploração da atividade agrária), quando cumprida a função social da propriedade durante a relação contratual agrária. No caso dos contratos agrários, a lei agrária brasileira trouxe um conjunto de disposições protetivas de caráter de ordem pública, inclusive prevendo direitos e garantias irrenunciáveis em favor dos arrendatários e parceiros-outorgados, a exemplo a necessidade de os proprietários observarem as notificações premonitórias de exercício de retomada, prazos mínimos legais, direito de preferência para renovação diante da oferta de terceiro, direito de preferência para aquisição do imóvel objeto do contrato quando posto a venda, direito de indenização de benfeitorias úteis e necessárias, dentre outras disposições.

No julgado analisado, discutia-se a notificação prévia para retomada do imóvel arrendado, que é pressuposto essencial para extinção do contrato agrário pelo proprietário, para fins de exploração de uso próprio ou para uso de descendente do proprietário, conforme disposição constante do art. 95, incs. IV e V, do Estatuto da Terra (com redação dada pela Lei nº 11.443/2007)² c/c art. 22, §§ 2º a 4º, do Decreto nº 59.566/1966 (Regulamento dos Contratos Agrários)³.

Importante mencionar que a lei agrária prevê uma solenidade a ser seguida pelo proprietário que deseja exercer o direito de retomada: realizar notificação extrajudicial, via Registro de Títulos e Documentos competente, em até 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato ou de sua renovação4, na qual o proprietário deve declarar sua intenção de retomar o imóvel para explorá-lo diretamente ou por intermédio de descendente seu (“denúncia cheia”, sob pena de insinceridade do pedido). Caso o proprietário/arrendador não promova a notificação do arrendatário observando o prazo e a forma legal, consoante dispõem o Estatuto da Terra, o contrato considerar-se-á automaticamente renovado pelas mesmas condições e termos do contrato original5.

Também deve ser recordado que, segundo o art. 104 Código Civil, a validade do negócio jurídico requer (a) agente capaz; (b) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e, (c) forma prescrita ou não defesa em lei. Por sua vez, o art. 107 do Código Civil diz que “a validade de declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei exigir” (grifou-se).

Na hipótese do exercício de direito de retomada, há, justamente, para a validade da declaração da vontade do arrendador (“capaz de extinguir a relação contratual agrária”), a exigência legal de que seja realizada a notificação premonitória, realizada observando a solenidade cartorária, o prazo de 6 (seis) meses e a motivação do ato, conforme previsto no art. 95, incs. IV e V, do Estatuto da Terra (com redação dada pela Lei nº 11.443/2007).

Por tais motivos, a notificação efetivada através do aplicativo de “WhatsApp” não atende a previsão normativa da legislação agrária, conforme bem observado pelo Tribunal de Justiça de Goiás.

Por fim, cabe comentar que seria interessante pensar em uma futura atualização da legislação dos contratos agrários para o fim de permitir a possibilidade de flexibilização dos atos de comunicação entre os contratantes quando for possível a utilização de ferramentas tecnológicas ou meios que garantam ciência inequívoca da manifestação da vontade durante a realização dos atos jurídico-contratuais.

Com efeito, a decisão do Tribunal de Justiça de Goiás reafirma a necessidade de obediência às normas de ordem pública que disciplinam os direitos e garantias irrenunciáveis na relação jurídica contratual de natureza agrária, a fim de se garantir segurança jurídica aos contratantes.

Leia aqui o acórdão do TJ-GO

Henrique Rodrigues Medeiros é vice-presidente da Comissão de Direito do Agronegócio da OAB Rio Verde-GO, especialista em Direito do Agronegócio pela Universidade de Rio Verde e em Tributação no Agronegócio pelo IBET

Albenir Querubini é professor de Direito Agrário, advogado especializado em agronegócio, mestre em Direito pela UFRGS, presidente da União Brasileira de Agraristas, coordenador do Portal DireitoAgrário.com (www.direitoagrario.com). E-mail: albenir@gmail.com; Instagram: @albenirquerubini

____________________________________________________________________________________________________

¹Dados do julgado: Agravo de Instrumento nº 5525593-04.2021.8.09.0105, 3ª Turma Julgadora da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Relatora Desembargadora Maria das Graças Carneiro Requi, julgado em 22 de março de 2022, por unanimidade de votos conheceu do agravo, negando-lhe provimento no mérito.
²Dispõe o Estatuto da Terra:
“Art. 95. Quanto ao arrendamento rural, observar-se-ão os seguintes princípios:
(…)
IV – em igualdade de condições com estranhos, o arrendatário terá preferência à renovação do arrendamento, devendo o proprietário, até 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, fazer-lhe a competente notificação extrajudicial das propostas existentes. Não se verificando a notificação extrajudicial, o contrato considera-se automaticamente renovado, desde que o arrendador, nos 30 (trinta) dias seguintes, não manifeste sua desistência ou formule nova proposta, tudo mediante simples registro de suas declarações no competente Registro de Títulos e Documentos; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007)
V – os direitos assegurados no inciso IV do caput deste artigo não prevalecerão se, no prazo de 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, o proprietário, por via de notificação extrajudicial, declarar sua intenção de retomar o imóvel para explorá-lo diretamente ou por intermédio de descendente seu;  (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).”
³Conforme consta no Regulamento:
“Art 22. Em igualdade de condições com terceiros, o arrendatário terá preferência à renovação do arrendamento, devendo o arrendador até 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, notificá-lo das propostas recebidas, instruindo a respectiva notificação com cópia autêntica das mesmas (art. 95, IV do Estatuto da Terra).
§1º Na ausência de notificação, o contrato considera-se automaticamente renovado, salvo se o arrendatário, nos 30 (trinta) dias seguintes ao do término do prazo para a notificação manifestar sua desistência ou formular nova proposta (art. 95, IV, do Estatuto da Terra).
§2º Os direitos assegurados neste artigo, não prevalecerão se, até o prazo 6 (seis meses antes do vencimento do contrato, o arrendador por via de notificação, declarar sua intenção de retomar o imóvel para explorá-lo diretamente, ou para cultivo direto e pessoal, na forma dos artigos 7º e 8º deste Regulamento, ou através de descendente seu (art. 95, V, do Estatuto da Terra).
§3º As notificações, desistência ou proposta, deverão ser feitas por carta através do Cartório de Registro de Títulos e documentos da comarca da situação do imóvel, ou por requerimento judicial
§4º A insinceridade do arrendador poderá ser provada por qualquer meio em direito permitido, importará na obrigação de responder pelas perdas e danos causados ao arrendatário.”
4O prazo mínimo de 6 (seis meses) tem dupla finalidade: (a) do ponto de vista do arrendatário, é tempo hábil para preparar a saída do imóvel arrendado, buscar novo imóvel para arrendar, fazer a mudança dos maquinários e animais, individualização e avaliação de benfeitorias pendentes de indenização etc; e (b) do ponto de vista do proprietário, é tempo hábil para preparar o ingresso e a exploração da atividade agrária, mediante retirada de crédito rural ou financiamento privado, aquisição de maquinários e insumos, contratação de novos empregados rurais, compra de animais etc.
5Por exemplo, se um arrendamento agrícola para fins de produção de soja tinha prazo de 10 anos, renova-se por mais 10 anos, salvo se o arrendatário por vontade própria aceitar entregar voluntariamente o imóvel, celebrar aditivo ou, até mesmo, vir a celebrar distrato. Caso contrário, a exceção da ocorrência das demais hipóteses de extinção dos contratos agrários previstas no art. 26 do Decreto nº 59.566/1966, o arrendador terá de observar o prazo da renovação para realizar no futuro novo exercício de direito de retomada.

JULGAMENTOS DO CARF
Justiça deve confirmar tese a contribuinte em despesas da atividade rural

Por Eduardo Diamantino e João Eduardo Zica Diamantino

A 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, do Conselho Administrativo dos Recursos Fiscais (Carf), autorizou, recentemente, as agroindústrias a tomar, integralmente, no ano de sua ocorrência, as despesas com a depreciação dos bens do ativo permanente imobilizados, adquiridos por pessoa jurídica que explore atividade rural, com exceção da terra nua. O caso foi julgado no processo nº 10680.726808/2012-12.

A base legal foi o artigo 314 do Decreto Lei nº 3.000, antigo Regulamento do Imposto de Renda (RIR), e o Pronunciamento Técnico nº 29 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC).

O julgado demorou, e a legislação mudou. O RIR foi atualizado em 2018 e hoje é regulado pelo Decreto Lei nº 9.580. Na mesma linha, o Pronunciamento Técnico nº 29 do CPC também sofreu alterações.

Será que a lógica do acórdão ainda pode ser aplicada? A questão abrange qual a forma eleita pelo legislador para tratar o conceito de depreciação e exaustão. O conceito está na Lei das S/A, no parágrafo segundo do artigo 183, e sua tríplice divisão: a) depreciação é a perda do valor de bens físicos sujeitos a desgaste por ação da natureza ou perda do valor; b) amortização, quando se relaciona a perda do valor do capital; e c) exaustão, a perda do valor cuja exploração se relacione a bens minerais ou florestais.

Como sabemos, a depreciação é a perda do valor pelo uso (custo indireto), e a exaustão é a perda do valor por exploração (custo direto). O fenômeno, por um ângulo jurídico, é extremamente semelhante. Entretanto, os prazos são distintos: o de depreciação acelerada seria no mesmo exercício e o de exaustão seria superior ao esgotamento ou indeterminado, quando exploração.

Assim, em uma leitura apressada, poderíamos concluir que devemos seguir a exaustão, no caso o artigo 337 do RIR. Acontece que esse entendimento colide com o artigo 325 do RIR que, repetindo o artigo 314 do RIR anterior, permite que se tome a despesa integralmente no ano de sua realização. Diz o referido dispositivo: ‘‘Artigo 325. Os bens do ativo não circulante imobilizado, exceto a terra nua, adquiridos por pessoa jurídica que explore a atividade rural, de que trata o artigo 51 para uso nessa atividade, poderão ser depreciados integralmente no próprio ano de aquisição (Medida Provisória nº 2.159-70, de 2001, artigo 6º)’’.

O panorama que se apresenta para o contribuinte é o seguinte: acato o artigo que trata da exaustão ou tomo a despesa imediatamente no ano de sua ocorrência? Afinal, do ponto de vista jurídico, são figuras semelhantes. Existe uma diferença de prazos. Quanto mais cedo abatida a despesa, melhor.

Devemos lembrar que a tributação do agro tem peculiaridades. Se pudéssemos compará-la à tributação da pessoa física na atividade rural, teríamos permissão para aproveitar integralmente da despesa no ano de seu exercício. Ou seja, na atividade rural, a lógica é se apropriar integralmente da despesa no mesmo exercício em que foi gerada.

Do ponto de vista da jurisprudência, o panorama é bom. Por diversas vezes, os tribunais superiores têm entendido que a interpretação jurídica se sobrepõe às demais ciências correlatas. Explicando melhor: para fins de julgamento, deve prevalecer a lei, no caso o RIR, em detrimento dos CPCs. Nesse sentido, vale a análise do Recurso Extraordinário nº 606.107 e do Recurso Especial nº 1.517.492, onde fica claro que o conceito jurídico de receita não se confunde com o conceito contábil.

Assim, é possível concluir que está correto aplicar a depreciação integral dos custos no ano de sua ocorrência, não sendo necessário aguardar o prazo da exaustão. A Receita Federal pode não concordar, mas, ao que tudo indica, os Tribunais confirmarão o entendimento a favor do contribuinte.

Eduardo Diamantino é vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário e sócio da Diamantino Advogados Associados

João Eduardo Zica Diamantino é estagiário na Diamantino Advogados Associados

TRABALHISTA
As novas regras para o trabalho remoto

Por Christian Charles do Carmo de Ávila

A Medida Provisória 1.108, de 25 de março de 2022, veio para alterar o artigo 75 da CLT no que se refere à denominação/definição do que deve ser considerado teletrabalho. A partir de agora, passa a ser considerado teletrabalho toda a atividade desenvolvida predominantemente, ou não, fora do estabelecimento físico da empresa. Até então, a definição insculpida no artigo 75-B, da CLT, previa que esta modalidade seria assim considerada somente se exercida fora do estabelecimento. O novo texto assim prevê: “o comparecimento, ainda que de modo habitual, às dependências do empregador para a realização de atividades específicas, que exijam a presença do empregado no estabelecimento, não descaracteriza o regime de teletrabalho ou trabalho remoto”.

Consultora Nydia Karam/Acervo pessoal

Assim, como se percebe, a nova denominação abarcará as atividades exercidas na modalidade híbrida também. Isto se justifica pelo fato de o empregado, muitas vezes, ter de comparecer na empresa para reuniões, feedbacks, explicações, conversas de todos os tipos com colega e gestores etc. Sem esta flexibilidade, o regime de trabalho seria modificado a cada novo movimento do empregado. Ou seja, a simples mudança sazonal, transitória, pela necessidade presencial na sede do empregador, anularia todo o regime de teletrabalho.

Necessário frisar que o trabalho não se equipara à atividade de telemarketing para o fim da presente Medida Provisória, até pelo fato de os profissionais do teleatendimento possuírem carga horária definida em lei específica – jornada de seis horas diárias, levando-se em conta as pausas de 10 minutos a cada hora de labor.

A MP permitirá, inclusive, que estagiários e aprendizes realizem as sua atividades de forma remota, dentro, claro, da natureza do curso ou da função a que estiverem vinculados.

Os contratos de trabalho poderão prever atividades desenvolvidas por jornada (de seis ou oito horas), por tarefa ou produção. Aqui, cabe registrar esta importante inovação, pois os trabalhadores com contrato por produção ou por tarefa estão excluídos do controle de jornada, hipótese inexistente anteriormente no artigo 62 da CLT dentre as exceções para o registro horário. Nos contratos de produção, é possível que o empregado se organize da forma que melhor aproveitar o seu tempo para a produção a qual se destina o seu contrato, assim como os tarefeiros, que podem, em regra, programar o cumprimento de seu compromisso de acordo com um agendamento pessoal. Aliás, deve ser esta a ideia do legislador ao excluir estes profissionais do controle de jornada. Isto tudo, como dito, em regra.

Isso porque as demandas podem ser repassadas sem limite estabelecido ou acordado entre as partes. Se não há limite para a produção diária ou para o cumprimento de tarefas, poderão estes empregados serem demandados em tantas tarefas quantas puderem cumprir durante a sua jornada. Aí, acabarão por cumprir uma jornada diária de oito horas ou até superior, sem o devido registro. No mesmo sentido, poderá haver descumprimento dos intervalos para descanso e alimentação, dado o volume de produção ou tarefas. Já os trabalhadores que cumprem jornada fixa receberão as horas extras devidas de acordo com o labor extraordinário exercido efetivamente.

Há previsão, ainda, de que o uso de equipamentos eletrônicos (tecnológicos), fora do horário de trabalho, não configuraria tempo à disposição ou sobreaviso, embora tal possibilidade necessite de previsão em acordos ou convenções coletivas de trabalho. É preciso ter presente que esta previsão tangencia com a sobrejornada. Afinal, o empregado, de fato, estaria cumprindo demandas em período de descanso ou lazer.

A MP 1.108/22 ainda permite que, por meio de acordo individual, as partes possam ajustar a forma e horários para a comunicação entre empregado e empregador. Esta possibilidade deve ser bem analisada pelos empregadores, pois há o sério risco de sobrecarregar os empregados – com demandas ou com meras orientações em horários inoportunos. Tudo isso, muitas vezes, feito por meios pessoais (e-mails, telefones, redes sociais etc.).

Ainda, pacificou-se, normativamente, que o empregado ficará sujeito às convenções, acordos coletivos ou leis do local onde efetivamente presta serviço remoto, não se vinculando à base da empresa contratante. Desse modo, um trabalhador contratado no Brasil, para cumprir remotamente suas tarefas no exterior, pode exigir acerto expresso com o empregador no Contrato de Trabalho.

As previsões contidas na MP, justiça seja feita, melhoram a dinâmica das relações de trabalho, permitindo que empregadores e empregados organizem suas atividades de uma forma mais personalizada, podendo ajustar procedimentos de acordo com eventuais mudanças de situações. Por outro lado, não se pode fechar os olhos para o fato de que há excesso de permissividade no que se refere à jornada de trabalho e à disponibilidade do empregado. Isso certamente vai fragilizar a relação e abrir portas para diversos abusos, o que gerará, certamente, demandas na Justiça do Trabalho.

É preciso atentar que o descontrole no agendamento de compromissos acaba por interferir na vida privada do empregado, acarretando diminuição de tempo à disposição da família e dos amigos. Com tal sobrecarga, o trabalhador não conseguirá fruir do devido e reparador descanso. Este excessivo desgaste pode acarretar, ao longo do tempo, na perda de capacidade produtiva e em doenças relacionadas ao trabalho, como a conhecida síndrome de Burnout, por exemplo. Isso, claro, além de pedidos indenizatórios por danos existenciais, que ocorre quando o empregado é obrigado a se descolar de sua vida privada em face dos compromissos profissionais.

É sempre necessário lembrar que se trata de norma com prazo de validade; ou seja, a MP precisa ser votada no Congresso Nacional até o dia 26 de maio. O prazo será prorrogável, automaticamente, por mais 60 dias se a votação não for concluída nas duas casas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado). Se não for votada em 45 dias, entra em regime de urgência. Caso contrário, perderá a sua eficácia e deixará de surtir efeitos, assim como outras MPs publicadas durante a pandemia e que não tiveram a sua manutenção em nosso ordenamento jurídico.

Christian Charles do Carmo de Ávila é advogado especializado em Direito e Processo do Trabalho e Compliance Trabalhista