‘‘CHUPA FOLHA’’
Repórter não deve indenizar jornal por alegada ofensa publicada em obituário

A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) negou seguimento ao recurso de revista (RR) da Folha da Manhã S.A. (jornal Folha de S. Paulo). O jornal buscava obter, de um repórter, pagamento de indenização por dano moral em razão de alegada ofensa contra a empresa, publicada em um obituário de 2015. A decisão foi por maioria, vencido o ministro Breno Medeiros.

O relator foi o ministro Douglas Alencar
Foto: Secom/TST

Mensagem oculta

Na reclamatória trabalhista, a empresa relatou que o repórter, contratado em maio de 2013, havia pedido demissão em 10 de julho de 2015. Alguns dias depois, tomou conhecimento, por meio de outros veículos de imprensa, que o último texto redigido por ele, publicado em 13 de julho de 2015, na seção de obituários, trazia uma mensagem ofensiva à ex-empregadora.

A expressão pejorativa não estava explícita. No texto, o empregado fizera com que as primeiras letras de cada parágrafo formassem o acróstico ‘‘Chupa Folha’’. Acróstico é uma composição textual formada a partir de letras isoladas que, se lidas em outras direções ou sentidos, formam palavras ou frases.

Dano moral e retratação

Alegando ofensa à sua imagem e à sua honra, a Folha da Manhã reivindicou pagamento de indenização por dano moral, uma retratação por escrito e um pedido de desculpas à família da falecida homenageada no obituário.

O jornalista não negou a autoria do obituário nem a intenção de formar o acróstico. Porém, afirmou que não havia contribuído para a divulgação do fato, já que não revelara a nenhum meio de comunicação a mensagem oculta no texto.

Liberdade de expressão

Ao julgar o caso, a Vara do Trabalho negou os pedidos, por entender que não ficou comprovada lesão à imagem, ao bom nome e à boa fama da empresa. Segundo a sentença, a repercussão do fato se limitara a blogs e sites de pequeno alcance. Quanto à retratação, o juízo considerou que a empresa não havia especificado os termos do texto e esperava condicionar a publicação à sua aprovação prévia. Por fim, a sentença apontou que o pedido de desculpas já havia sido feito pelo jornal.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo) manteve a decisão, ao concluir que não foi demonstrada ofensa à imagem da pessoa jurídica. Além disso, a decisão considerou que o jornalista ‘‘usou seu direito de se expressar livremente’’ e ‘‘tornou público o seu pensamento/sentimento com relação à empresa’’.

Recurso ao TST

Para o relator do agravo pelo qual a Folha pretendia trazer a discussão ao TST, ministro Douglas Alencar Rodrigues, não há como enquadrar os fatos delineados pelo TRT como ofensivos à imagem e à boa fama da empresa, pois não havia nem mesmo provas de que o jornalista teria divulgado o acróstico. Para acolher a tese da empresa, seria necessário reexame de fatos e provas, vedado pela Súmula 126 do TST. (Com informações de Natália Pianegonda, da Secretaria de Comunicação Social-Secom do TST)

Ag-AIRR-1576-14.2015.5.02.0069

CANDIDATA A EMPREGO
Empresa de Florianópolis é condenada após negar uso de nome social a mulher transgênero

O juízo da 3ª Vara do Trabalho de Florianópolis condenou a Administradora de Cartão de Todos Florianópolis Ltda a pagar indenização de R$ 10 mil por danos morais após ter se negado a contratar uma mulher transgênero candidata a vaga de emprego. A ré alegou que a recusa estaria relacionada a uma suposta impossibilidade técnica de registro do nome social nos sistemas corporativos. A sentença é do juiz Alessandro da Silva.

Após passar pelas três fases do processo seletivo, a mulher foi selecionada. O impasse aconteceu na etapa seguinte: quando recebeu os documentos da candidata, nos quais consta ser transgênero, a empresa desistiu de contratá-la.

De acordo com a reclamante, ainda em processo de alteração das documentações, a recusa teria sido justificada pela impossibilidade de registrar no sistema corporativo o seu nome social. Ela também foi informada de que internamente até poderia ser chamada como preferisse, mas no sistema da empresa deveria constar o nome registrado nos documentos vinculados ao Cadastro de Pessoa Física (CPF).

Na ação trabalhista, a reclamante alegou que a conduta da ré teria caracterizado discriminação e crime de transfobia, equiparado ao racismo. Por tal razão, requereu o pagamento de indenização por danos morais.

Dignidade humana

O juiz Alessandro da Silva julgou procedente a reclamatória trabalhista. Ele afirmou que o direito ao uso do nome social por pessoas com identidade de gênero diversa do gênero constante no registro civil está ‘‘intrinsecamente relacionado com a observância do princípio da dignidade humana, um dos fundamentos que regem a República Federativa do Brasil, previsto no artigo 1º, III, da Constituição Federal’’.

Juiz Alessandro da Silva
Foto: Secom TRT-SC

O magistrado acrescentou que, além do amparo constitucional, o uso do nome social também é fundamentado em outros dispositivos, como os que fazem parte do Direito Internacional dos Direitos Humanos e normas infraconstitucionais.

‘‘É um direito das pessoas transgênero e deve ser respeitado por todos, nos ambientes públicos e privados, em atenção às categorias jurídicas da identidade de gênero e dos direitos fundamentais à liberdade de expressão e dignidade da pessoa humana, amplamente albergados por nosso ordenamento jurídico’’, sentenciou, acrescentando ainda que o referido direito ‘‘não está condicionado à alteração do registro civil’’.

O juiz Alessandro encerrou concluindo que, ao decidir não contratar a candidata justamente por supostas impossibilidades técnicas de utilização do nome social, a reclamada causou-lhe dano moral e praticou ato ilícito.

A empresa ainda pode recorrer da sentença ao TRT-12 por meio de recurso ordinário trabalhista (ROT). (Com informações de Carlos Nogueira, da Secretaria de Comunicação Social/TRT-12)

*Por envolver a intimidade da autora, o número do processo não foi divulgado

PRINCÍPIO DA ESPECIFICIDADE
Sindicato ligado a trabalho ambiental não pode representar trabalhadores do saneamento básico

Arte: Site do Sima

‘‘Havendo conflito de representação entre dois sindicatos, deve prevalecer o princípio da especificidade.’’ Com base nesse entendimento, a 17ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro julgou improcedente ação civil pública (ACP) ajuizada por sindicato com atuação no meio ambiente que pretendia representar trabalhadores de uma empresa que presta serviços na área de saneamento básico. A sentença foi proferida pelo juiz do trabalho André Luiz Amorim Franco.

No caso em tela, o Sindicato dos Profissionais e Trabalhadores em Atividade do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (Sima) ajuizou ACP em face de Aegea Saneamento e Participações S/A (empresa que encampa parte do objeto da Companhia Estadual de Águas e Esgoto – Cedae, mediante concessão de serviço público). Pleiteou, de forma resumida, o efeito declaratório de sua representação sindical. Argumentou que, como detentor de estatuto que visa defender o meio ambiente, estaria apto para negociar em nome da categoria.

Amplitude do objeto social

Em contestação, a Aegea informou que existem outros sindicatos profissionais que já atuam junto a ela e inquiriu sobre a amplitude do objeto social do sindicato autor.

Na condição de terceiro interessado, o Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Saneamento Básico e Meio Ambiente do Rio de Janeiro e região (SISTSAMA RJ) suscitou sua representatividade.

André Franco ponderou que a atividade-fim da Aegea – relacionada a saneamento básico, expressamente ligado à especialização em purificação de águas e tratamentos de esgoto – seria uma espécie de microssistema dentro de um sistema maior, de defesa do meio ambiente. Assim, de acordo com o juiz, no enquadramento sindical deve prevalecer o princípio da especificidade. Para fundamentar sua decisão, mencionou um julgamento na Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho (TST) – o RO 1847-78.2012.5.15.0000.

Decisão do TST

‘‘A Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho julgou, na sessão de segunda-feira (23), conflito de representação entre dois sindicatos – um de âmbito estadual, e mais específico em relação à atividade profissional, e outro de âmbito municipal e mais abrangente quanto à atividade. A decisão foi a de que o critério da especificidade prevalece em detrimento ao da territorialidade. A jurisprudência da SDC, como observa a relatora, firmou-se no sentido de que, havendo conflito de representação entre dois sindicatos, deve prevalecer o princípio da especificidade, ainda que o sindicato principal tenha base territorial mais reduzida, sendo necessário o paralelismo entre o segmento econômico e a categoria profissional representada. As entidades sindicais que representam categorias específicas podem exercer sua representatividade atendendo com maior presteza aos interesses de seus representados. Relatora Ministra Dora Maria da Costa.’’

Além disso, o juiz observou que, em outras ocasiões, o SISTAMA RJ já negociava com a Cedae, e que as especificidades das funções realizadas pelos trabalhadores da Aegea e da Cedae enquadram-se na chamada ‘‘similitude laborativa’’. Dessa forma, o magistrado concluiu que a atividade preponderante da empresa, e suas especificidades, não se amolda ao objeto do estatuto do Sindicato requerente, julgando improcedente o pedido do Sima.

O Sima já interpôs recurso ordinário trabalhista (ROT), para tentar reformar a sentença no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1, RJ). (Com informações da Secretaria de Comunicação Social do TRT-1)

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0100981-02.2021.5.01.0017 (Rio de Janeiro)

EXPOSIÇÃO DA INTIMIDADE
Grupo Hospitalar Conceição vai pagar dano moral por obrigar empregada a trocar de roupa em vestiário unissex

Recepção do GHC
Foto: Johan Strassburger/Site GHC

A ausência de local adequado para troca de roupa e higiene, compelindo empregados do sexo masculino e feminino a utilizarem o mesmo local sem divisórias, provoca constrangimento indevido e viola a intimidade da empregada, ensejando a reparação por dano moral.

Com este fundamento, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) manteve sentença que, no aspecto, condenou o Hospital Nossa Senhora da Conceição (Grupo Hospitalar Conceição – GHC), em Porto Alegre, a indenizar em danos morais uma técnica de higienização que era obrigado a trocar de uniforme num vestiário unissex.

O colegiado manteve o valor da indenização em R$ 5 mil, decidido no primeiro grau pela juíza Gabriela Lenz de Lacerda, titular da 4ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Tentando reformar o acórdão, o GHC interpôs recurso de revista (RR) para o Tribunal Superior do Trabalho (TST). O recurso, no entanto, foi inadmitido.

Vestiário sem separação

De acordo com a prova testemunhal produzida no processo, não havia separação entre os vestiários masculino e feminino durante o período em que a trabalhadora prestou serviços para o hospital. A juíza Gabriela Lenz de Lacerda observou que isso provocava  situações vexatórias, degradantes e constrangedoras à empregada,‘‘haja vista a possibilidade de expor suas intimidades, trocando de roupas diante dos colegas de trabalho e até mesmo diante do sexo oposto’’.

Em sede de recurso, já no âmbito do TRT-RS, o empregador argumentou que a ex-empregada não experimentou nenhum dano com a situação posta nos autos, já que a área destinava-se à guarda de  pertences e não à troca de roupa.

A trabalhadora, por sua vez, recorreu para pedir o aumento do valor da indenização. Sustentou que o valor estabelecido no primeiro grau não considera a capacidade econômica do ofensor, o grau de culpa e o caráter punitivo-pedagógico.

Direitos de personalidade feridos

A relatora do caso na 6ª Turma, desembargadora Beatriz Renck, considerou que foi demonstrado o uso de vestiário tanto por homens quanto por mulheres, e que no local não havia qualquer tipo de divisória, conforme as fotografias trazidas ao processo.

Desembargadora Beatriz Renck
Foto: Secom TRT-4

‘‘As condições do local, portanto, eram inadequadas, ferindo a dignidade e os direitos de personalidade da autora, notadamente a inviolabilidade da honra, imagem, vida privada e intimidade’’, sustentou a magistrada. Assim, foi negado o provimento ao recurso da empregadora.

A desembargadora ponderou que o valor arbitrado deve levar em conta a extensão do dano e as condições econômicas do agressor, de modo a reparar o dano sofrido, ainda que parcialmente, sem causar enriquecimento injustificado.Também afirmou que a indenização deve ter um caráter pedagógico, com o intuito de evitar que situações dessa natureza se repitam. Nessa linha, a Turma entendeu que o valor fixado na origem está adequado aos fins citados, além de estar em consonância com os precedentes do órgão julgador para casos similares. (Redação Painel com informações de Bárbara Frank, da Secom TRT-4).

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ATOrd 0020031-95.2020.5.04.0004 (Porto Alegre)

AGIOTAGEM
TJ-SP reconhece a usucapião de imóvel vendido como forma de garantia de empréstimo

A 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reconheceu a usucapião de imóvel de casal que havia transferido a propriedade como garantia de empréstimo com juros acima das taxas permitidas. A decisão que acolheu a apelação do casal, reformando a sentença de improcedência, se deu por unanimidade de votos.

Consta do processo que os autores celebraram, em 1996, escritura de venda e compra em favor de credor, que exigiu esse tipo de ata como garantia de um empréstimo. Após permanecer no local por mais de 20 anos, o casal ajuizou ação de usucapião, que foi julgada improcedente no primeiro grau da justiça.

Contrato é nulo e caracteriza agiotagem

Desembargador Enio Zuliani foi o relator
Foto: Klaus Silva/Imprensa TJ-SP

Ao julgar a apelação, o relator, desembargador Enio Santarelli Zuliani, avaliou que o contrato firmado entre as partes é nulo e determinou sua desconstituição. O entendimento é que a operação se deu como forma de garantia de um empréstimo, considerado como prática de agiotagem.

‘‘Os recorridos, proprietários assim definidos pelo registro (art. 1227 do CC), não contestaram ou impugnaram a afirmação de que a escritura foi outorgada para garantia de um empréstimo que desrespeitaria os dizeres do Decreto-Lei 22.626/1933 (usura). Além de cobrar taxas exorbitantes (superiores aos 2% por mês que se permite), o agiota exige e obtém garantias absurdas que, por si só, desfalcam o patrimônio do devedor diante de verdadeiro apossamento (subtração) de bens que poderiam ser excutidos [bens do devedor executados na justiça] em processo judicial ostensivo’’, escreveu o desembargador no voto.

Imóvel retorna aos donos via usucapião

‘‘Declarar a usucapião é, em termos formais (escriturais), fazer retornar a propriedade aos legítimos donos, como que operando uma nulidade inversa ou oblíqua que se justifica por uma razão simples: a posse idônea dos autores durante mais de vinte anos, sem oposição alguma’’, ressaltou o relator.

Também participaram do julgamento os desembargadores Fábio Quadros e Alcides Leopoldo. (Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SP)

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1053029-41.2020.8.26.0100 (Foro Central Cível de São Paulo)