Por Christian Charles do Carmo de Ávila
A Medida Provisória 1.108, de 25 de março de 2022, veio para alterar o artigo 75 da CLT no que se refere à denominação/definição do que deve ser considerado teletrabalho. A partir de agora, passa a ser considerado teletrabalho toda a atividade desenvolvida predominantemente, ou não, fora do estabelecimento físico da empresa. Até então, a definição insculpida no artigo 75-B, da CLT, previa que esta modalidade seria assim considerada somente se exercida fora do estabelecimento. O novo texto assim prevê: “o comparecimento, ainda que de modo habitual, às dependências do empregador para a realização de atividades específicas, que exijam a presença do empregado no estabelecimento, não descaracteriza o regime de teletrabalho ou trabalho remoto”.
Consultora Nydia Karam/Acervo pessoal
Assim, como se percebe, a nova denominação abarcará as atividades exercidas na modalidade híbrida também. Isto se justifica pelo fato de o empregado, muitas vezes, ter de comparecer na empresa para reuniões, feedbacks, explicações, conversas de todos os tipos com colega e gestores etc. Sem esta flexibilidade, o regime de trabalho seria modificado a cada novo movimento do empregado. Ou seja, a simples mudança sazonal, transitória, pela necessidade presencial na sede do empregador, anularia todo o regime de teletrabalho.
Necessário frisar que o trabalho não se equipara à atividade de telemarketing para o fim da presente Medida Provisória, até pelo fato de os profissionais do teleatendimento possuírem carga horária definida em lei específica – jornada de seis horas diárias, levando-se em conta as pausas de 10 minutos a cada hora de labor.
A MP permitirá, inclusive, que estagiários e aprendizes realizem as sua atividades de forma remota, dentro, claro, da natureza do curso ou da função a que estiverem vinculados.
Os contratos de trabalho poderão prever atividades desenvolvidas por jornada (de seis ou oito horas), por tarefa ou produção. Aqui, cabe registrar esta importante inovação, pois os trabalhadores com contrato por produção ou por tarefa estão excluídos do controle de jornada, hipótese inexistente anteriormente no artigo 62 da CLT dentre as exceções para o registro horário. Nos contratos de produção, é possível que o empregado se organize da forma que melhor aproveitar o seu tempo para a produção a qual se destina o seu contrato, assim como os tarefeiros, que podem, em regra, programar o cumprimento de seu compromisso de acordo com um agendamento pessoal. Aliás, deve ser esta a ideia do legislador ao excluir estes profissionais do controle de jornada. Isto tudo, como dito, em regra.
Isso porque as demandas podem ser repassadas sem limite estabelecido ou acordado entre as partes. Se não há limite para a produção diária ou para o cumprimento de tarefas, poderão estes empregados serem demandados em tantas tarefas quantas puderem cumprir durante a sua jornada. Aí, acabarão por cumprir uma jornada diária de oito horas ou até superior, sem o devido registro. No mesmo sentido, poderá haver descumprimento dos intervalos para descanso e alimentação, dado o volume de produção ou tarefas. Já os trabalhadores que cumprem jornada fixa receberão as horas extras devidas de acordo com o labor extraordinário exercido efetivamente.
Há previsão, ainda, de que o uso de equipamentos eletrônicos (tecnológicos), fora do horário de trabalho, não configuraria tempo à disposição ou sobreaviso, embora tal possibilidade necessite de previsão em acordos ou convenções coletivas de trabalho. É preciso ter presente que esta previsão tangencia com a sobrejornada. Afinal, o empregado, de fato, estaria cumprindo demandas em período de descanso ou lazer.
A MP 1.108/22 ainda permite que, por meio de acordo individual, as partes possam ajustar a forma e horários para a comunicação entre empregado e empregador. Esta possibilidade deve ser bem analisada pelos empregadores, pois há o sério risco de sobrecarregar os empregados – com demandas ou com meras orientações em horários inoportunos. Tudo isso, muitas vezes, feito por meios pessoais (e-mails, telefones, redes sociais etc.).
Ainda, pacificou-se, normativamente, que o empregado ficará sujeito às convenções, acordos coletivos ou leis do local onde efetivamente presta serviço remoto, não se vinculando à base da empresa contratante. Desse modo, um trabalhador contratado no Brasil, para cumprir remotamente suas tarefas no exterior, pode exigir acerto expresso com o empregador no Contrato de Trabalho.
As previsões contidas na MP, justiça seja feita, melhoram a dinâmica das relações de trabalho, permitindo que empregadores e empregados organizem suas atividades de uma forma mais personalizada, podendo ajustar procedimentos de acordo com eventuais mudanças de situações. Por outro lado, não se pode fechar os olhos para o fato de que há excesso de permissividade no que se refere à jornada de trabalho e à disponibilidade do empregado. Isso certamente vai fragilizar a relação e abrir portas para diversos abusos, o que gerará, certamente, demandas na Justiça do Trabalho.
É preciso atentar que o descontrole no agendamento de compromissos acaba por interferir na vida privada do empregado, acarretando diminuição de tempo à disposição da família e dos amigos. Com tal sobrecarga, o trabalhador não conseguirá fruir do devido e reparador descanso. Este excessivo desgaste pode acarretar, ao longo do tempo, na perda de capacidade produtiva e em doenças relacionadas ao trabalho, como a conhecida síndrome de Burnout, por exemplo. Isso, claro, além de pedidos indenizatórios por danos existenciais, que ocorre quando o empregado é obrigado a se descolar de sua vida privada em face dos compromissos profissionais.
É sempre necessário lembrar que se trata de norma com prazo de validade; ou seja, a MP precisa ser votada no Congresso Nacional até o dia 26 de maio. O prazo será prorrogável, automaticamente, por mais 60 dias se a votação não for concluída nas duas casas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado). Se não for votada em 45 dias, entra em regime de urgência. Caso contrário, perderá a sua eficácia e deixará de surtir efeitos, assim como outras MPs publicadas durante a pandemia e que não tiveram a sua manutenção em nosso ordenamento jurídico.
Christian Charles do Carmo de Ávila é advogado especializado em Direito e Processo do Trabalho e Compliance Trabalhista