PRINCÍPIO DA ESPECIFICIDADE
Sindicato ligado a trabalho ambiental não pode representar trabalhadores do saneamento básico

Arte: Site do Sima

‘‘Havendo conflito de representação entre dois sindicatos, deve prevalecer o princípio da especificidade.’’ Com base nesse entendimento, a 17ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro julgou improcedente ação civil pública (ACP) ajuizada por sindicato com atuação no meio ambiente que pretendia representar trabalhadores de uma empresa que presta serviços na área de saneamento básico. A sentença foi proferida pelo juiz do trabalho André Luiz Amorim Franco.

No caso em tela, o Sindicato dos Profissionais e Trabalhadores em Atividade do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (Sima) ajuizou ACP em face de Aegea Saneamento e Participações S/A (empresa que encampa parte do objeto da Companhia Estadual de Águas e Esgoto – Cedae, mediante concessão de serviço público). Pleiteou, de forma resumida, o efeito declaratório de sua representação sindical. Argumentou que, como detentor de estatuto que visa defender o meio ambiente, estaria apto para negociar em nome da categoria.

Amplitude do objeto social

Em contestação, a Aegea informou que existem outros sindicatos profissionais que já atuam junto a ela e inquiriu sobre a amplitude do objeto social do sindicato autor.

Na condição de terceiro interessado, o Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Saneamento Básico e Meio Ambiente do Rio de Janeiro e região (SISTSAMA RJ) suscitou sua representatividade.

André Franco ponderou que a atividade-fim da Aegea – relacionada a saneamento básico, expressamente ligado à especialização em purificação de águas e tratamentos de esgoto – seria uma espécie de microssistema dentro de um sistema maior, de defesa do meio ambiente. Assim, de acordo com o juiz, no enquadramento sindical deve prevalecer o princípio da especificidade. Para fundamentar sua decisão, mencionou um julgamento na Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho (TST) – o RO 1847-78.2012.5.15.0000.

Decisão do TST

‘‘A Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho julgou, na sessão de segunda-feira (23), conflito de representação entre dois sindicatos – um de âmbito estadual, e mais específico em relação à atividade profissional, e outro de âmbito municipal e mais abrangente quanto à atividade. A decisão foi a de que o critério da especificidade prevalece em detrimento ao da territorialidade. A jurisprudência da SDC, como observa a relatora, firmou-se no sentido de que, havendo conflito de representação entre dois sindicatos, deve prevalecer o princípio da especificidade, ainda que o sindicato principal tenha base territorial mais reduzida, sendo necessário o paralelismo entre o segmento econômico e a categoria profissional representada. As entidades sindicais que representam categorias específicas podem exercer sua representatividade atendendo com maior presteza aos interesses de seus representados. Relatora Ministra Dora Maria da Costa.’’

Além disso, o juiz observou que, em outras ocasiões, o SISTAMA RJ já negociava com a Cedae, e que as especificidades das funções realizadas pelos trabalhadores da Aegea e da Cedae enquadram-se na chamada ‘‘similitude laborativa’’. Dessa forma, o magistrado concluiu que a atividade preponderante da empresa, e suas especificidades, não se amolda ao objeto do estatuto do Sindicato requerente, julgando improcedente o pedido do Sima.

O Sima já interpôs recurso ordinário trabalhista (ROT), para tentar reformar a sentença no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1, RJ). (Com informações da Secretaria de Comunicação Social do TRT-1)

Clique aqui para ler a sentença

0100981-02.2021.5.01.0017 (Rio de Janeiro)

EXPOSIÇÃO DA INTIMIDADE
Grupo Hospitalar Conceição vai pagar dano moral por obrigar empregada a trocar de roupa em vestiário unissex

Recepção do GHC
Foto: Johan Strassburger/Site GHC

A ausência de local adequado para troca de roupa e higiene, compelindo empregados do sexo masculino e feminino a utilizarem o mesmo local sem divisórias, provoca constrangimento indevido e viola a intimidade da empregada, ensejando a reparação por dano moral.

Com este fundamento, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) manteve sentença que, no aspecto, condenou o Hospital Nossa Senhora da Conceição (Grupo Hospitalar Conceição – GHC), em Porto Alegre, a indenizar em danos morais uma técnica de higienização que era obrigado a trocar de uniforme num vestiário unissex.

O colegiado manteve o valor da indenização em R$ 5 mil, decidido no primeiro grau pela juíza Gabriela Lenz de Lacerda, titular da 4ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Tentando reformar o acórdão, o GHC interpôs recurso de revista (RR) para o Tribunal Superior do Trabalho (TST). O recurso, no entanto, foi inadmitido.

Vestiário sem separação

De acordo com a prova testemunhal produzida no processo, não havia separação entre os vestiários masculino e feminino durante o período em que a trabalhadora prestou serviços para o hospital. A juíza Gabriela Lenz de Lacerda observou que isso provocava  situações vexatórias, degradantes e constrangedoras à empregada,‘‘haja vista a possibilidade de expor suas intimidades, trocando de roupas diante dos colegas de trabalho e até mesmo diante do sexo oposto’’.

Em sede de recurso, já no âmbito do TRT-RS, o empregador argumentou que a ex-empregada não experimentou nenhum dano com a situação posta nos autos, já que a área destinava-se à guarda de  pertences e não à troca de roupa.

A trabalhadora, por sua vez, recorreu para pedir o aumento do valor da indenização. Sustentou que o valor estabelecido no primeiro grau não considera a capacidade econômica do ofensor, o grau de culpa e o caráter punitivo-pedagógico.

Direitos de personalidade feridos

A relatora do caso na 6ª Turma, desembargadora Beatriz Renck, considerou que foi demonstrado o uso de vestiário tanto por homens quanto por mulheres, e que no local não havia qualquer tipo de divisória, conforme as fotografias trazidas ao processo.

Desembargadora Beatriz Renck
Foto: Secom TRT-4

‘‘As condições do local, portanto, eram inadequadas, ferindo a dignidade e os direitos de personalidade da autora, notadamente a inviolabilidade da honra, imagem, vida privada e intimidade’’, sustentou a magistrada. Assim, foi negado o provimento ao recurso da empregadora.

A desembargadora ponderou que o valor arbitrado deve levar em conta a extensão do dano e as condições econômicas do agressor, de modo a reparar o dano sofrido, ainda que parcialmente, sem causar enriquecimento injustificado.Também afirmou que a indenização deve ter um caráter pedagógico, com o intuito de evitar que situações dessa natureza se repitam. Nessa linha, a Turma entendeu que o valor fixado na origem está adequado aos fins citados, além de estar em consonância com os precedentes do órgão julgador para casos similares. (Redação Painel com informações de Bárbara Frank, da Secom TRT-4).

Clique aqui para ler a decisão que inadmitiu o RR

Clique aqui para ler o acórdão

Clique aqui para ler a sentença

ATOrd 0020031-95.2020.5.04.0004 (Porto Alegre)

AGIOTAGEM
TJ-SP reconhece a usucapião de imóvel vendido como forma de garantia de empréstimo

A 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reconheceu a usucapião de imóvel de casal que havia transferido a propriedade como garantia de empréstimo com juros acima das taxas permitidas. A decisão que acolheu a apelação do casal, reformando a sentença de improcedência, se deu por unanimidade de votos.

Consta do processo que os autores celebraram, em 1996, escritura de venda e compra em favor de credor, que exigiu esse tipo de ata como garantia de um empréstimo. Após permanecer no local por mais de 20 anos, o casal ajuizou ação de usucapião, que foi julgada improcedente no primeiro grau da justiça.

Contrato é nulo e caracteriza agiotagem

Desembargador Enio Zuliani foi o relator
Foto: Klaus Silva/Imprensa TJ-SP

Ao julgar a apelação, o relator, desembargador Enio Santarelli Zuliani, avaliou que o contrato firmado entre as partes é nulo e determinou sua desconstituição. O entendimento é que a operação se deu como forma de garantia de um empréstimo, considerado como prática de agiotagem.

‘‘Os recorridos, proprietários assim definidos pelo registro (art. 1227 do CC), não contestaram ou impugnaram a afirmação de que a escritura foi outorgada para garantia de um empréstimo que desrespeitaria os dizeres do Decreto-Lei 22.626/1933 (usura). Além de cobrar taxas exorbitantes (superiores aos 2% por mês que se permite), o agiota exige e obtém garantias absurdas que, por si só, desfalcam o patrimônio do devedor diante de verdadeiro apossamento (subtração) de bens que poderiam ser excutidos [bens do devedor executados na justiça] em processo judicial ostensivo’’, escreveu o desembargador no voto.

Imóvel retorna aos donos via usucapião

‘‘Declarar a usucapião é, em termos formais (escriturais), fazer retornar a propriedade aos legítimos donos, como que operando uma nulidade inversa ou oblíqua que se justifica por uma razão simples: a posse idônea dos autores durante mais de vinte anos, sem oposição alguma’’, ressaltou o relator.

Também participaram do julgamento os desembargadores Fábio Quadros e Alcides Leopoldo. (Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SP)

Clique aqui para ler o acórdão

Clique aqui para ler a sentença

1053029-41.2020.8.26.0100 (Foro Central Cível de São Paulo)

LABOR ININTERRUPTO
Caminhoneiro que trabalhava em jornadas excessivas será indenizado por dano existencial

Imagem: DepositPhotos/TRT-4

Um motorista de caminhão submetido a jornadas que podiam chegar a 18 horas por dia e a períodos de trabalho ininterruptos superiores a 10 dias deve receber R$ 10 mil a título de dano existencial. Esse tipo de dano ocorre quando o trabalho prejudica o convívio familiar e social e impede a concretização de outros projetos de vida do trabalhador.

A decisão é da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul), ao reformar, neste aspecto, sentença da 20ª Vara do Trabalho de Porto Alegre.

Na ação reclamatória, também foram discutidas questões como horas extras, intervalos e descansos. As partes ainda podem recorrer do acórdão ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) por meio de recurso de revista (RR).

Jornadas extenuantes e sem repouso

O trabalhador foi admitido pela transportadora em setembro de 2013 para atuar como motorista de carreta, sendo despedido em junho de 2018. Ao ajuizar o processo, ele alegou que trabalhava em jornadas excessivas e em longos períodos sem dias de repouso.

No entanto, ao julgar o caso em primeira instância, o juízo da 20ª Vara do Trabalho de Porto Alegre indeferiu o pagamento da indenização, ao considerar que o caminhoneiro não comprovou os prejuízos experimentados em função das longas jornadas. Descontente com o teor da sentença, o empregado apresentou recurso ordinário trabalhista (ROT) ao TRT-4.

Projeto de vida afetado

Desembargador Alexandre Corrêa da Cruz
Foto: Secom TRT-4

Na análise do caso diante da 2ª Turma, o relator do processo, desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, destacou, inicialmente, o que prevê a Tese Jurídica Prevalecente nª 2 do TRT-4, segundo a qual a submissão a jornadas excessivas não caracteriza dano existencial indenizável por si só.

No caso específico, entretanto, segundo o magistrado, ficou comprovado o cumprimento de jornadas que extrapolaram ‘‘muito’’ a previsão legal da CLT, que permite o trabalho de até duas horas extras diárias, mediante acordo individual ou norma coletiva. Como exemplo, o desembargador citou uma ocorrência em que o caminhoneiro trabalhou por 20 dias corridos.

Prejuízo à saúde física e mental

‘‘A prática implementada pela empresa ré afetou diretamente os projetos de vida do autor, pois havia exigência de labor ininterrupto por até 20 dias, restringindo o convívio familiar e social’’, ressaltou o relator.

Ao mencionar os  espelhos de ponto anexados ao processo, o magistrado destacou, além dos períodos ininterruptos de trabalho, as jornadas diárias excessivas. ‘‘Acrescento, em decorrência do cumprimento da jornada excessiva, o autor, de regra, não fruía integralmente da pausa de 11 horas entre duas jornadas, em prejuízo direto para sua saúde física e mental’’, frisou o julgador. Ele se referiu, ainda, a julgamentos anteriores de diversas turmas do TRT-4 – todos com decisão no mesmo sentido.

O entendimento foi seguido por unanimidade pelos demais integrantes da turma julgadora. Também participaram da sessão de julgamento os desembargadores Carlos Alberto May e Marçal Henri dos Santos Figueiredo. (Com informações de Juliano Machado, da Secom/TRT-RS)

Clique aqui para ler o acórdão

Clique aqui para ler a sentença

0020971-46.2019.5.04.0020 (Porto Alegre)

AUTONOMIA DA VONTADE
Se herdeiros são capazes e concordes, existência de testamento não impede inventário extrajudicial

Ilustração: Site Arpen Ceará

Mesmo havendo testamento, é admissível a realização de inventário e partilha por escritura pública, na hipótese em que todos os herdeiros são capazes e concordes. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O colegiado destacou que a legislação contemporânea tem reservado a via judicial apenas para hipóteses em que há litígio entre os herdeiros ou algum deles é incapaz.

No caso dos autos, foi requerida a homologação judicial de uma partilha realizada extrajudicialmente, com a concordância de todas as herdeiras. Nessa oportunidade, foi informado que o testamento havia sido registrado judicialmente.

Instâncias ordinárias aplicaram a literalidade do dispositivo

O juízo de primeira instância negou o pedido de homologação sob o argumento de que, havendo testamento, deve ser feito o inventário judicial, conforme previsto expressamente no artigo 610, caput, do Código de Processo Civil (CPC), não podendo ser substituído pela simples homologação de partilha extrajudicial. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS).

No recurso especial (REsp) dirigido ao STJ, sustentou-se que as herdeiras são capazes e concordes. Por isso, o inventário e a partilha poderiam ser feitos por escritura pública, nos moldes do artigo 610, parágrafo 1º, do CPC. Também foi assinalado que existem precedentes do próprio STJ e de outros tribunais que autorizam o inventário extrajudicial.

Interpretação moderna visa à desjudicialização

A relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou em sua decisão que o caso exige uma interpretação teleológica e sistemática dos dispositivos legais, para se chegar a uma solução mais adequada. Assim, mencionou precedente da Quarta Turma que autorizou a realização de inventário extrajudicial em situação semelhante (REsp 1.808.767).

Ministra Nancy Andrighi foi a relatora
Foto: Imprensa TSE

Segundo a ministra-relatora, a exposição de motivos do projeto de lei que criou a possibilidade de inventários extrajudiciais no Brasil revela que o legislador teve a preocupação de impedir a sua prática quando houvesse testamento em razão da potencial existência de conflitos.

No entanto, para a relatora, ‘‘a exposição de motivos reforça a tese de que haverá a necessidade de inventário judicial sempre que houver testamento, salvo quando os herdeiros sejam capazes e concordes, justamente porque a capacidade para transigir e a inexistência de conflito entre os herdeiros derruem inteiramente as razões expostas pelo legislador’’.

A ministra observou que a tendência contemporânea da legislação é estimular a autonomia da vontade, a desjudicialização dos conflitos e a adoção de métodos adequados de resolução das controvérsias, ficando reservada a via judicial apenas para os casos de conflito entre os herdeiros. Ela destacou os artigos 2.015 e 2.016 do Código Civil (CC) como exemplos dessa tendência.

‘‘Sendo os herdeiros capazes e concordes, não há óbice ao inventário extrajudicial, ainda que haja testamento’’, concluiu Nancy Andrighi. (Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ)

Leia o acórdão no REsp 1.951.456-RS