VÍNCULO EMPREGATÍCIO
A condenação da Uber e a nova face da subordinação no Direito do Trabalho

Por Lara Fernanda de Oliveira Prado

A recente condenação da Uber em ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) trouxe à tona questões cruciais sobre a natureza da relação de trabalho nesta era de gig economy. O cerne da controvérsia reside nos cinco elementos fático-jurídicos que definem a relação de emprego no Brasil, tendo em vista que a ausência de qualquer um desses elementos exclui a configuração do vínculo empregatício.

De acordo com a inteligência dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), uma relação de emprego existe quando são comprovadas a não eventualidade dos serviços prestados, a pessoalidade do trabalhador contratado, a onerosidade e a subordinação jurídica. Desta feita, o ponto mais importante deste debate é o preenchimento, ou não, desse último requisito na relação dos motoristas com a empresa.

Conforme estabelecido pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), para que a subordinação seja configurada, é necessária a presença de todos os componentes do poder hierárquico do empregador: os poderes diretivos, fiscalizatório, regulamentar e disciplinar. Sem a convergência concreta de todos, não há subordinação jurídica e, por conseguinte, relação de emprego. Portanto, ao analisar o caso da Uber, é preciso ponderar se os meios telemáticos utilizados são realmente capazes de controlar e dirigir a prestação de serviços.

O impasse da demanda tem início com as profundas transformações ocorridas em meio à globalização, reestruturação do sistema produtivo e revolução tecnológica, que desafiam a clareza do conceito em debate, outrora bem definido. Na época do surgimento do Direito do Trabalho (século da Revolução Industrial), a subordinação era facilmente identificável, haja vista que a supervisão direta dos trabalhadores era mais palpável. Acontece que, num mundo em constante transmutação das formas de trabalho, a objetividade na caracterização desse elemento precisa ser reavaliada.

Embora as relações de trabalho tenham evoluído e novas modalidades tenham surgido, essas não foram acompanhadas de regulamentação específica, de modo que, diante de tal lacuna, a questão em tela permanece altamente controversa e sujeita a debates acalorados.

Nesse ínterim, alguns tribunais entendem que a Uber não exerce uma subordinação plena sobre seus motoristas, enquanto outros sustentam o contrário. Porém, é necessário frisar que a competência para regulamentar a contenda é do Poder Legislativo. Aliás, o TST já se manifestou nesse sentido: ‘‘As novas formas de trabalho devem ser reguladas por lei própria e, enquanto o legislador não a edita, não pode o julgador aplicar indiscriminadamente o padrão da relação de emprego’’.

Plataforma impõe os preços

Fato é que o trabalho por meio de plataformas digitais é uma realidade singular, que mescla características tanto do trabalho autônomo quanto de uma relação, em certa medida, ‘‘subordinada’’. Uma defesa sólida para o reconhecimento de vínculo reside na imposição unilateral de preços pela plataforma, o que impacta diretamente na precificação do serviço, atribuição tradicionalmente do próprio trabalhador no trabalho autônomo.

Entretanto, outros aspectos da subordinação não se apresentam claramente definidos a ponto de configurar uma relação empregatícia, como a questão da fiscalização. Argumenta-se que o motorista que atua na plataforma possui autonomia para determinar quando estará disponível para prestar o serviço de transporte, o que leva à tese do ‘‘trabalho exercido pela plataforma tecnológica e não para ela’’.

Surge, então, duas indagações cruciais: o controle exercido pela empresa, como o rastreamento das rotas e a avaliação da prestação de serviço pelo passageiro, está direcionado primariamente à fiscalização do motorista ou à proteção do consumidor? As sanções, como a atribuição de uma baixa nota no aplicativo e, em último caso, a exclusão do motorista da plataforma, visam assegurar a qualidade do serviço ao consumidor final ou necessariamente implicam subordinação?

É que a verdadeira subordinação demanda um controle mais efetivo e restritivo por parte do empregador, algo que a Uber parece não impor. Isso porque a empresa proporciona aos motoristas uma notável liberdade e maior flexibilidade se comparada ao tradicional regime da CLT, em que o requisito é nitidamente delineado, acompanhado de uma inspeção eficaz e direta.

Estes são pontos e contrapontos que suscitam incertezas quanto à determinação da natureza da relação, e ressaltam a indispensabilidade da regulamentação para lidar com as nuances dessas novas formas de trabalho. A ausência de legislação específica torna qualquer reconhecimento de vínculo empregatício, nesses casos, passível de questionamentos quanto à sua legalidade, dada a vedação à interpretação extensiva na aplicação de sanções.

Embora a subordinação possua um conceito relativamente aberto, este não deve ser demasiadamente expandido pelo Judiciário para abranger formas de emprego não previstas anteriormente. Nesse sentido, a sentença proferida em primeira instância extrapolou os limites de um conceito sequer consolidado nos tribunais superiores e em análise na academia, de modo que uma única decisão judicial pode ter um impacto desmedido nesse cenário em evolução.

Em conclusão, o caso Uber ilustra a necessidade premente de regulamentação para abordar as complexidades das relações de trabalho na era dos aplicativos. Enquanto a subordinação permanece uma questão em aberto, a resposta adequada não é a imposição de vínculos empregatícios através de decisões judiciais, mas sim a formulação de leis específicas que abordem essa nova realidade laboral de forma justa e equitativa. É hora de o Poder Legislativo assumir a responsabilidade e fornecer orientações claras.

Lara Fernanda de Oliveira Prado é sócia da área cível e trabalhista no escritório Diamantino Advogados Associados.

SETE ANOS
Paciente ganha dano moral por demora excessiva no tratamento dentário

A demora excessiva no tratamento dentário, além de ser falha de serviço à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC), atenta contra os direitos de personalidade elencados no inciso X do artigo 5º da Constituição – privacidade, intimidade, honra e imagem – e enseja o pagamento de danos morais.

Por isso, a 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal (TJDFT) manteve sentença que condenou a Lotus Tratamentos Odontológicos Ltda ao pagamento de indenização a uma consumidora por demora excessiva em tratamento odontológico. A decisão fixou a quantia de R$ 4 mil, bem como determinou a rescisão contratual dos serviços. A decisão foi unânime.

A autora conta que, em 30 de janeiro de 2017, celebrou contrato com a ré para realização de tratamento ortodôntico, pelo valor de R$ 100. Relata que a empresa executou o serviço de modo divergente do combinado, uma vez que a previsão era que o tratamento fosse finalizado em seis meses e já dura mais de seis anos. Declara ainda que, ao tentar rescindir o contrato, foi informada que a decisão implicaria pagamento de multa.

Na defesa, a ré sustenta que sempre teve muita clareza na prestação dos serviços e que houve faltas, remarcações e quebras de peças, que contribuíram para o atraso do tratamento dentário. Declara que não existe prova concreta de que houve dano moral à autora e que a situação consiste em ‘‘mero dissabor’’.

Na decisão, a Turma menciona a demora para a conclusão do tratamento dentário e considera que o prazo de quase sete anos de espera ‘‘foge à normalidade’’. Ressalta que a demora frustra as expectativas da consumidora, o que evidencia falha na prestação dos serviços.

Assim, “[…] sem dúvida, os atributos da personalidade da autora foram maculados, como ressaltado na sentença, em especial sua integridade psíquica e sua dignidade”, concluiu o acórdão. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJDFT.

Clique aqui para ler o acórdão

0703288-19.2023.8.07.0007 (Brasília)

DIREITO DE OPOSIÇÃO
Contribuição assistencial para todos: avanço ou retrocesso?

Por Daniela Minervina Silva da Paz

Reprodução Sinfae

Recentemente, o Brasil se viu envolto em intensos debates sobre as contribuições assistenciais, um tema amplamente discutido após uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 11 de setembro de 2023, no âmbito do Tema 935 da Repercussão Geral, abrindo espaço para reflexões sobre avanços e retrocessos no cenário sindical do país.

Nessa decisão, o STF deliberou pela constitucionalidade da cobrança de contribuições assistenciais de trabalhadores, independentemente de estarem filiados a sindicatos, desde que seja assegurado o direito de oposição. O objetivo dessa contribuição é custear as despesas dos sindicatos com a negociação coletiva, incluindo assembleias e greves.

A fundamentação para tal decisão reside no entendimento de que os benefícios provenientes de acordos e convenções coletivas devem beneficiar todos os trabalhadores, independentemente de sua filiação, em virtude da ampla representatividade dos sindicatos, um direito garantido no artigo 8º da Constituição Federal.

No entanto, essa determinação do STF vem gerando debates acalorados e repercussões significativas no financiamento das instituições sindicais. Isso porque, anteriormente, a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) considerou inconstitucional a chamada ‘‘contribuição sindical obrigatória’’, reduzindo substancialmente o financiamento dos sindicatos. Já a recente decisão do STF, alinhada aos argumentos apresentados pelos ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, reconhece a constitucionalidade da cobrança de contribuições assistenciais por meio de acordos ou convenções coletivas para todos os trabalhadores.

Isso levanta preocupações legítimas sobre a liberdade individual dos trabalhadores. Ao invés de garantir a escolha pessoal de se associar ou não a um sindicato, essa decisão impõe uma obrigação financeira a todos, independentemente de seu consentimento, embora tenha como salvaguarda o ‘‘direito de oposição’’. Vale destacar que a contribuição sindical obrigatória, antes da Reforma Trabalhista, representava uma fonte significativa de financiamento para os sindicatos, com o Ministério da Economia relatando arrecadações de cerca de R$ 3,5 bilhões em 2016. Após a eliminação dessa obrigatoriedade, houve uma queda substancial nesse valor, com relatos de declínios de até 90% nas receitas sindicais.

A falta de regulamentação clara sobre como exercer esse direito de oposição pode criar um ambiente propício para abusos e controvérsias, como no caso de trabalhadores que não desejam pagar, mas enfrentam obstáculos burocráticos, taxas para exercer a oposição ou prazos rigorosos. Uma sugestão relevante seria modernizar o processo de oposição, permitindo o exercício desse direito por meios eletrônicos.

Num mundo cada vez mais digital, seria sensato permitir que os trabalhadores exerçam seu direito de oposição por meio eletrônico, como por e-mail. Isso eliminaria a necessidade de deslocamento físico até o sindicato para apresentar uma carta de oposição, tornando o processo mais acessível e eficaz.

Este é um dilema que transcende o aspecto legal e alcança questões de princípio: até que ponto o Estado e os sindicatos podem impor obrigações financeiras aos trabalhadores numa sociedade que valoriza a liberdade de escolha?

As discussões sobre as contribuições assistenciais e a ponte que liga a liberdade individual e a sustentabilidade sindical estão apenas no começo e poderão render muitos conflitos. O tema aqui abordado constitui o marco de um capítulo que vai moldar profundamente as relações no cenário sindical do país nos próximos anos.

Daniele Minervina Silva da Paz é sócia da área trabalhista no escritório Diamantino Advogados Associados (DAA)

INTUITO DE LUCRO
Imóveis destinados à atividade econômica em aeroporto devem pagar IPTU

Ministro Luís Roberto Barroso foi o relator
Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os imóveis do aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN), cedidos a particulares para a exploração de atividade econômica, não estão sujeitos à imunidade tributária recíproca relativa ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

A decisão foi tomada no julgamento de recurso na Reclamação (RCL) 60726, em sessão virtual realizada em 29 de setembro.

Em agosto deste ano, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, havia acolhido pedido do município para cassar decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) que concedera à Inframerica, concessionária do aeroporto, a imunidade tributária recíproca, que impede entes federativos de cobrarem tributos uns dos outros.

Contra essa decisão individual, a empresa interpôs agravo regimental, alegando que todas as atividades desempenhadas nos imóveis aeroportuários correspondem a serviços de competência da União.

Finalidade lucrativa

No voto, o ministro Barroso considerou que o recurso da concessionária deve ser parcialmente acolhido. Em seu entendimento, as circunstâncias do caso não permitem o reconhecimento da imunidade em relação a todo o complexo aeroportuário. Isso porque, embora existam atividades obrigatórias vinculadas ao serviço público de infraestrutura aeroportuária, também há atividades acessórias com finalidade lucrativa, realizadas por empresas privadas.

Precedentes

Barroso destacou que, nos julgamentos dos Recursos Extraordinários (REs) 594015 e 601720 (Temas 385 e 437 da repercussão geral), o STF fixou entendimento no sentido da incidência de IPTU em relação a imóveis públicos cedidos ou arrendados a particulares para exploração de atividade econômica com intuito de lucro.

Portanto, segundo o relator, a decisão do TJRN não aplicou esses precedentes ao afastar a incidência do IPTU em toda a área do complexo aeroportuário. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

RCL 60726

PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
STF mantém incidência de ISS sobre agências franqueadas dos Correios

O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou constitucional a incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre o contrato de franquia postal. A decisão foi tomada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4784.

Na ação, a Associação Nacional das Franquias Postais do Brasil (Anafpost) argumentava que a previsão contida na lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003 seria inconstitucional por ter determinado a incidência do ISS sobre uma atividade auxiliar, a de franquia postal, que não se equipara à prestação de serviços.

Serviços

Prevaleceu no julgamento o entendimento do ministro Luís Roberto Barroso (relator) de que o contrato de franquia não abrange apenas a cessão do uso de marca, mas também obrigações a serem prestadas por ambas as partes, configurando assim uma prestação de serviço passível de incidência do imposto municipal.

Especificamente quanto à franquia postal, o ministro destacou que a Lei 11.668/2008 obriga ao franqueado prestar contas à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e permite que esta fiscalize o franqueado.

Por outro lado, Barroso rejeitou o pedido em relação aos itens da lista que dizem respeito à incidência de ISS sobre os serviços de coleta, remessa ou entrega de correspondências, por entender que o conflito se dá na esfera infraconstitucional.

Acompanharam essa corrente a ministra Cármen Lúcia e os ministros Dias Toffoli, André Mendonça, Edson Fachin, Luiz Fux, Nunes Marques e Cristiano Zanin.

Divergência

Os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes e a ministra Rosa Weber (aposentada) divergiram no segundo ponto, por admitirem a incidência do ISS sobre os serviços de coleta, remessa ou entrega de correspondências, documentos, objetos, bens ou valores que não sejam considerados serviços postais.

A ação foi julgada na sessão virtual encerrada em 11 de setembro. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

ADI 4784