FÓRUM ERRADO
Invasões de terra pelo MST, a velha novidade

Por Eduardo Diamantino

Reprodução Brasil de Fato
Foto: João Zinclair

Nos últimos dias retornou à página de Política dos jornais a questão das invasões de propriedades rurais, capitaneadas pelo MST. A sensação inicial é que isso é coisa do passado; mas, como já ensinou Ivan Lessa, ‘‘a cada 15 anos o Brasil se esquece do que aconteceu nos últimos 15 anos’’ – e o assunto volta a ser atual.

A primeira anomalia a se registrar é que o assunto está na página de Política ao invés de estar na página Judicial. Algo estranho. O exercício da propriedade é matéria de Direito Civil há mais de 100 anos entre nós. Constava da redação originária do Código Civil de 1916. Logo, havendo esbulho, ou na iminência de ser esbulhado, o proprietário toma as medidas junto ao Poder Judiciário, que determina a desocupação ou impede a sua ocupação. Tudo isso através da polícia. É o Estado exercendo o seu jus puniendi e mantendo as relações sociais em harmonia. Em maior ou menor quantidade isso existe há anos e não é um tema inovador no Direito brasileiro.

Como a notícia está na seção errada, também errado estão os protagonistas e as soluções imaginadas para o caso. Nasce a segunda anomalia. Na última das invasões, acompanhei declarações do representante do MST explicando o que era função social da propriedade através de uma ótica enviesada e um tanto particular. Vi também o ministro da Reforma Agrária convocando reuniões e encontros para a não invasão dos imóveis. Proprietários rurais alarmados por redes falaciosas de WhatsApp temem a perda de suas propriedades. Ao largo de todo esse espetáculo, o juiz Renan Souza Moreira, da Vara de Mucuri (BA), determinou a desocupação dos imóveis, nos moldes da boa e velha lei.

Esse processo de discutir o problema no fórum errado é algo que tem se agravado em nosso País. Essa transmutação dos poderes é algo perigoso e que, se não for freado, terá consequências graves. Ativismo judicial, edição de decretos pelo Executivo e aplicação de verbas pelo Legislativo são exemplos dessa perigosa aventura de quebras de regras estruturais em nosso País. Judiciário deveria julgar, Legislativo legislar e Executivo, aplicar a lei. Levar as questões de uma forma distinta da prevista no ordenamento é um caminho certo para o arbítrio.

O Direito de Propriedade em nosso País tem garantia constitucional. Está insculpido no artigo quinto em seu inciso XXIII, no 184 e no 186 da Lei Maior. Está regulamentado de forma clara e segura no Estatuto da Terra. Parece-me claro que é um direito firme desde que respeitada a função social – também explicada em inúmeros artigos de lei. Logo, pode-se dizer que qualquer propriedade rural que está cumprindo sua função social não será expropriada e não poderá ser invadida. Nessa linha, vale registrar que a Lei n° 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, estabelece em seu Art. 2° (…) § 6º, que o imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações (incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001). Ou seja, ao ocupar as áreas, impede-se que elas sejam objeto de reforma agrária. Agora, se a invasão vier a acontecer, o Judiciário aplicará as normas postas. Essas decisões eram proferidas tempos atrás e voltarão a ser. Essa questão é do Poder Judiciário.

Obviamente, podem colaborar com o tema o Legislativo e o Executivo. Há tempos, a questão fundiária brasileira reclama uma reorganização legal e a implantação de políticas que deem ao produtor rural estabilidade. A última tentativa nesse sentido, feita através da Medida Provisória 910/19, restou esquecida e abandonada no Congresso. Por que não retomar os trabalhos? Nessa linha, nomear o presidente do Incra e suas diretorias é algo mais produtivo do que marcar reunião com movimentos ideológicos.

Pela parte dos produtores rurais, vale conferir se seus imóveis atendem a função social. Se forem produtivos, ambientalmente regularizados e estiverem perfeitamente aderentes às normas, podem dormir tranquilos. Caso contrário, é hora de se mexer. A letargia do governo anterior para essas questões terminou.

Eduardo Diamantino é sócio do escritório Diamantino Advogados Associados (SP e MG)

PODER DE POLÍCIA
Fabricante de conservas alimentícias não se submete ao Conselho Regional de Administração, diz TRF-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Divulgação Hoenck

As empresas que não exercem atividade básica típica de administração, nos termos do artigo 2º da Lei 4.769/65, não estão obrigadas a se registrar nem a se submeter à fiscalização do Conselho Regional de Administração (CRA).

A decisão é da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), ao manter sentença que transformou em pó uma multa – lastreada em auto de infração – emitida pelo CRA-RS contra a Hoenck Indústria de Alimentos S/A. A empresa, localizada em Morro Redondo (RS), se dedica à fabricação de conservas de frutas.

Informações sonegadas

À 2ª Vara Federal de Pelotas (RS), o CRA-RS alegou que a intimação administrativa e o auto de infração provam a intenção da empresa em obstruir o processo fiscalizatório. É que ambos não pretendiam compelir a empresa ao registro no Conselho, mas as pessoas físicas que exercem cargos privativos de administração dentro do organograma empresarial. Ou seja, a empresa agiu para sonegar as informações solicitadas.

O juiz federal Cristiano Bauer Sica Diniz discordou do Conselho. Disse que a autora da ação tem como objeto social a fabricação de conservas de frutas e o comércio atacadista de frutas, verduras, raízes, tubérculos, hortaliças e legumes frescos. Assim, não está obrigada a fornecer as informações solicitadas pelo CRA-RS.

Atividade básica

Desa. Vivian Caminha foi a relatora
Foto: Imprensa TRF-4

O acórdão que negou a apelação do Conselho deixou claro que o critério para a exigência de inscrição no órgão de classe é a atividade básica desenvolvida pela empresa, segundo a orientação prevista no artigo 1º da Lei nº 6.839/80 – que trata do registro de empresas nas entidades fiscalizadoras do exercício de profissões.

Para a desembargadora-relatora Vivian Caminha, o poder de polícia da Administração Pública encontra limitações no princípio da legalidade. Desta maneira, o ente público [o Conselho], a pretexto de exercê-lo, não pode exigir do administrado [no caso, a empresa multada] a prática ou abstenção de atos sem expressa autorização em lei.

‘‘A função primordial do Conselho é fiscalizar o exercício profissional do Administrador, nos termos em que definido pela Lei nº. 4.769, de 09/09/1965, regulamentada pelo Decreto nº. 61.934, de 22/12/1967. Não estando dentre as atividades principais da autora o exercício profissional do Administrador, não está sujeita à fiscalização, tampouco fornecer ao Conselho profissional relatórios com informações a respeito de profissionais a seu serviço’’, definiu a relatora no acórdão.

Clique aqui para ler o acórdão

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REPERCUSSÃO GERAL
STF define tese sobre contribuição incidente em receita de empregador rural pessoa jurídica

Na sessão de quarta-feira (15/3), por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu tese relativa à contribuição devida à seguridade social incidente sobre a receita bruta do empregador rural pessoa jurídica, resultante da comercialização da sua produção. A decisão afeta o trâmite de 644 processos que estão suspensos.

Prevista no artigo 25, incisos I e II, da Lei 8.870/1994, essa contribuição foi declarada constitucional por decisão majoritária da Corte no julgamento, em dezembro de 2022, do Recurso Extraordinário (RE) 700922 (Tema 651 da repercussão geral).

Prevalência do voto divergente

Naquela sessão de julgamento, prevaleceu o voto divergente do ministro Alexandre de Moraes, que considerou constitucional a cobrança da contribuição.

Segundo o ministro, a jurisprudência consolidada da corte é no sentido de que o faturamento, para efeitos fiscais, sempre foi considerado a receita proveniente das vendas de mercadorias e serviços.

‘‘A norma impugnada não instituiu nova modalidade de contribuição, uma vez que a base de cálculo da contribuição lá prevista – contribuição devida à seguridade social pelo empregador, pessoa jurídica, que se dedique à produção rural – é a receita bruta decorrente de sua comercialização, o equivale ao conceito de faturamento’’, complementou o ministro no voto vencedor.

A tese aprovada pelo Plenário do STF

1) É inconstitucional a contribuição à seguridade social a cargo do empregador rural pessoa jurídica incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção, prevista no artigo 25, incisos I e II, da Lei 8.870/1994, na redação anterior à Emenda Constitucional 20/1998.

2) É constitucional a contribuição à seguridade social a cargo do empregador rural pessoa jurídica incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção, prevista no artigo 25, incisos I e II, da Lei 8.870/1994, na redação dada pela Lei 10.256/2001.

3) É constitucional a contribuição social destinada ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) de que trata o artigo 25, parágrafo 1º, da Lei 8.870/1994, inclusive na redação conferida pela Lei 10.256/2001. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Leia aqui o voto do ministro Alexandre de Moraes

RE 700922

LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO
Técnico de enfermagem proibido de sair de hospital no intervalo será indenizado no RJ

Reprodução Facebook

Um técnico de enfermagem da Pronil Casa de Saúde e Pronto Socorro Infantil Ltda., de Nilópolis (RJ), deverá receber indenização porque era impedido de deixar o hospital no intervalo para descanso e alimentação.

Ao rejeitar o exame do recurso de revista (RR) da empresa, a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) concluiu que a conduta fere o direito à liberdade de locomoção e extrapola o poder diretivo da empregadora. A decisão foi unânime.

Descanso no chão

O técnico trabalhava das 19h às 7h, em jornadas de 12h x 36h. Na reclamatória trabalhista, ele disse que o hospital não oferecia local adequado para os empregados dormirem nem os autorizava a deixar o local de trabalho nos intervalos, que duravam uma hora. Eles tinham de descansar no almoxarifado sobre papelões colocados diretamente no chão.

Por sua vez, o hospital alegou que não tinha a obrigação de fornecer ambiente para os funcionários dormirem, negando que eles fossem impedidos de deixar o local de trabalho.

Com base em depoimento de testemunha, o juízo da 1ª Vara do Trabalho de Nilópolis considerou comprovado que a coordenadora proibia o pessoal de enfermagem de sair do local nos intervalos, conduta que ofende o direito à livre locomoção e viola a dignidade do trabalhador.

Ante tal constatação, o juízo trabalhista condenou o hospital ao pagamento de R$ 4 mil a título de indenização por danos morais. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1,Rio de Janeiro).

Questão de segurança

Ao TST, a Pronil insistiu que não havia impedimento à saída dos empregados, mas apenas uma orientação nesse sentido, por questão de segurança, já que a região em que o hospital está localizado é área de risco – ‘‘uma localidade altamente perigosa e tomada pela criminalidade’’.

Poder diretivo extrapolado

Para o relator do agravo pelo qual a Pronil pretendia rediscutir o caso, ministro José Roberto Pimenta, a conduta de proibir os empregados de sair do local de trabalho durante o intervalo intrajornada ‘‘indubitavelmente fere seu direito à liberdade de locomoção’’, além de extrapolar seu poder diretivo. Com informações de Natália Pianegonda, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

 Clique aqui para ler o acórdão

 AIRR-101786-94.2017.5.01.0501

FINANCIAMENTO DE MICROS
Custos da comissão de garantia podem ser repassados ao tomador do empréstimo

Nos contratos de financiamento em que a garantia é complementada pelo Fundo de Garantia de Operações (FGO), os custos da Comissão de Concessão de Garantia (CCG) podem ser repassados ao contratante, desde que isso esteja expresso no contrato. Foi o que decidiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Na origem, uma microempresa de Maringá (PR) opôs embargos à execução de título extrajudicial fundado em Cédula de Crédito Bancário, promovida pela Caixa Econômica Federal (CEF). O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) considerou nula a cláusula contratual que atribuía ao mutuário a obrigação de pagar a CCG.

No recurso especial (REsp) dirigido ao STJ, a instituição financeira sustentou que, por expressa disposição legal, a CCG pode ser cobrada do tomador do empréstimo.

Fundo garantidor é vantajoso para as partes

Ministro Villas Boas Cuêva
Foto: Imprensa STJ

O relator do REsp na Terceira Turma, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, lembrou que o FGO foi criado como um facilitador, para que micro, pequenas e médias empresas tenham acesso ao crédito bancário, mesmo sem possuir garantias para tanto. Conforme explicou, a Lei 12.087/2009 possibilita que as garantias exigidas pelos bancos nas operações de financiamento sejam complementadas pelo FGO.

‘‘Trata-se de mecanismo que traz vantagens tanto para as instituições financeiras, com a mitigação dos riscos de crédito e a possibilidade de expansão de suas carteiras, quanto para as micro, pequenas e médias empresas, que passam a deter maior facilidade de acesso ao crédito, com encargos financeiros reduzidos’’, completou.

O ministro ressaltou que, conforme o artigo 9º, parágrafo 10, do mesmo dispositivo, a referida garantia não implica isenção dos devedores de suas obrigações financeiras. Segundo destacou, à medida em que o banco for recuperando o empréstimo, devolverá o valor ao fundo.

Repasse deve estar expresso no contrato

Cueva acrescentou que, entre as principais características desses fundos, está a possibilidade de receberem comissão para remunerar o risco assumido, podendo seu custo ser repassado ao tomador de crédito, conforme artigo 9º, parágrafos 2º e 3º, da Lei 12.087/2009.

No caso em julgamento, o ministro apontou que o repasse da comissão ao tomador do crédito consta expressamente nos contratos assinados entre as partes.

O relator também destacou que o FGO foi criado visando à complementação de garantias nas linhas de crédito de capital de giro e investimento, operações em que o tomador do empréstimo não é o destinatário final do serviço – o que afasta, em regra, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 1.848.714-PR