MELHOR INTERPRETAÇÃO
Polícia e MP não podem pedir relatórios do Coaf sem prévia autorização judicial, diz STJ

Ministro Messod Azulay Neto
Foto: Rosinei Coutinho/Ascom CJF

A polícia e o Ministério Público não podem solicitar diretamente ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) relatórios de inteligência financeira (RIFs) sem prévia autorização judicial. A decisão é da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento por maioria.

A uniformização adotada pela seção é válida até que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) se manifeste em definitivo sobre a aplicação do Tema 990 da repercussão geral e pacifique interpretações divergentes atualmente existentes em suas turmas julgadoras.

Para o ministro Messod Azulay Neto, relator de um dos processos sobre o assunto, a exigência de prévia autorização judicial para a requisição de relatórios do Coaf reflete a melhor interpretação do artigo 15 da Lei 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Capitais) – que trata do compartilhamento de dados financeiros por meio de solicitação direta pelos órgãos de persecução penal.

‘‘Por mais que seja mais adequado aguardarmos uma decisão definitiva por parte do Pleno do Supremo, não se mostra possível esperar, tanto porque não se sabe quando a solução virá, quanto porque os ministros deste tribunal são instados a julgar a matéria cotidianamente’’, destacou o ministro no julgamento do RHC 196.150.

Compartilhamento é viável se iniciativa for dos órgãos de inteligência e fiscalização

O relator explicou que o STF esclareceu alguns pontos sobre a controvérsia ao fixar o Tema 990, no qual a Suprema Corte considerou constitucional o compartilhamento de informações sigilosas, de ofício, pelos órgãos de inteligência (Coaf) e de fiscalização (Receita Federal) para fins penais, mesmo sem autorização judicial prévia. No entanto, ele alertou que ainda se discute, por exemplo, se a via contrária é possível; ou seja, se os órgãos de persecução penal poderiam solicitar os RIFs diretamente, sem o aval da Justiça.

‘‘A Constituição assegura o direito fundamental à privacidade e à proteção de dados pessoais (artigo 5º, incisos X e LXXIX), de modo que medidas que restrinjam tais direitos devem, sempre, ser analisadas de forma cuidadosa, especialmente, quando se está a tratar do tema de forma geral e abstrata, como é o caso de um tema em repercussão geral’’, refletiu o ministro.

Na avaliação de Messod Azulay Neto, a decisão do STF refere-se somente ao compartilhamento espontâneo de informações pela Receita Federal e pelo Coaf com órgãos de persecução penal. O mesmo entendimento, segundo ele, seria aplicável ao artigo 15 da Lei de Lavagem de Capitais, que trata apenas do fornecimento de dados do Coaf para autoridades competentes, e não na via oposta.

‘‘Fica claro que o Coaf não tem autoridade para realizar quebra de sigilo bancário e fiscal. Ele trabalha com a informação fornecida para produzir seus relatórios e, caso identifique irregularidades, encaminha para os órgãos competentes para a apuração’’, acrescentou.

Provas são anuladas, mas colegiado não tranca a ação penal

No caso do RHC 196.150, a autoridade policial havia solicitado, de forma direta, sem autorização judicial anterior, relatório financeiro sigiloso ao Coaf. As provas obtidas a partir do documento levaram à denúncia dos acusados por uma série de crimes, como organização criminosa, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.

A defesa dos acusados impetrou habeas corpus (HC), mas o pedido foi negado pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) sob o argumento de que o Tema 990 do STF autorizaria o compartilhamento das informações.

Com a fixação da tese, a Terceira Seção do STJ deu parcial provimento para anular o relatório e as provas derivadas, mas manteve a tramitação da ação penal. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

RHC 196150

DESVIO DE FINALIDADE
STF suspende julgamento sobre validade da Cide tecno​logia

Foto: Antônio Augusto/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o julgamento de recurso que discute a validade e a ampliação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) às remessas financeiras ao exterior a título de remuneração de contratos que envolvam o uso ou a transferência de tecnologia estrangeira.

A matéria é tratada no Recurso Extraordinário (RE) 928943, com repercussão geral (Tema 914).

Recurso extraordinário

A Cide foi instituída pela Lei 10.168/2000 com o objetivo de estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica. No caso concreto, a Scania Latin America contesta decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) que validou a cobrança sobre o compartilhamento de custos (cost sharing) referentes à pesquisa e ao desenvolvimento assinado com a matriz, na Suécia.

A empresa argumenta, entre outros pontos, que, embora a lei estabeleça que 100% da contribuição deve ser aplicada em fundos para o desenvolvimento tecnológico, na prática, o produto da arrecadação tem sido desviado para outros setores.

Destinação

Em seu voto, o relator do recurso, ministro Luiz Fux, reconheceu a validade da Cide como instrumento de estímulo à inovação e ao desenvolvimento tecnológico brasileiro. A contribuição, a seu ver, está intrinsecamente ligada aos princípios da ordem econômica e ao papel do estado como agente incentivador dessa atividade econômica.

Na avaliação do relator, eventuais desvios de finalidade dos recursos da Contribuição a partir da vinculação a finalidades diversas das especificadas na lei podem acarretar a responsabilização de gestores públicos, mas não invalida a norma.

Incidência

A respeito do campo de incidência, para Fux, a Cide recai apenas sobre negócios que envolvem importação de tecnologia, sem abranger remessas de valores a títulos diversos, como as correspondentes à remuneração de direitos autorais (inclusive a exploração de software sem transferência de tecnologia).

Nesse ponto, o ministro Flávio Dino divergiu. Para ele, o artigo 149 da Constituição possibilita a ampliação de incidência aos contratos que não tratem de transferência de ciência e tecnologia. Com informações de Suélen Pires, da Assessoria de Imprensa do STF.

RE 928943

SYLABBUS
TST decide que trabalho de professora em plataforma digital deve ser pago como hora extra

A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) acolheu recurso de uma professora do Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus (IASCJ), de Bauru (SP), e reconheceu o seu direito a horas extras realizadas em plataforma digital de ensino à distância.

Para o colegiado, a mudança aumentou as atribuições e a carga horária da professora.

Docente atendia alunos até em fins de semana

A professora dava aulas para os cursos de Fisioterapia e Enfermagem do IASCJ desde 1996. Em 2008, foi implantado um novo modelo pedagógico, informatizado, baseado num banco de dados alimentado pelos professores. O nome da plataforma digital: Syllabus.

Na ação reclamatória, ela disse que suas atividades, a partir de então, consistiam em preparar o material, atender aos requisitos técnicos da plataforma para inserção de aulas, frequência e material de ensino, como provas e exercícios – tudo fora do horário de aula. Também, de acordo com a docente, havia interação com alunos, com atendimento de dúvidas, inclusive nos fins de semana.

Em contestação, o empregador sustentou que houve apenas alteração das ferramentas utilizadas pelos docentes, em razão dos avanços tecnológicos.

Horas extras foram deferidas e retiradas

A 4ª Vara do Trabalho de Bauru (SP) rejeitou o pedido de horas extras da professora, mas a sentença foi reformada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15, Campinas). Segundo o TRT, a atuação dos professores na plataforma ocorria fora do horário da aula, e essas atividades não se enquadram na definição de atividade extraclasse previstas nas normas coletivas vigentes na época.

O Instituto levou o caso ao TST e obteve, na Quinta Turma, decisão favorável. Diante disso, a professora recorreu à SDI-1.

Mudança de ferramentas aumentou atribuições e carga horária

O ministro Hugo Scheuermann, relator dos embargos da trabalhadora, citou diversos trechos da decisão do TRT para concluir que a nova metodologia de ensino não resultou apenas na transposição didática para o ambiente virtual das atividades docentes, mas acarretou acréscimo de atribuições e de carga horária.

Scheuermann destacou que a professora passou a ser responsável por inserir o material didático na plataforma digital, de acordo com determinados requisitos técnicos, e isso não se confunde com a preparação do conteúdo a ser ministrado. Além disso, a interação com os alunos no ambiente virtual para resolução de dúvidas se dava fora do horário das aulas.

Para o relator, as tarefas não se confundem com as atividades extraclasse incluídas no valor da hora-aula, conforme o artigo 320 da CLT, nem com a hora-atividade prevista em norma coletiva.

Ficaram vencidos os ministros Breno Medeiros, Alexandre Ramos e Aloysio Corrêa da Veiga e a ministra Dora Maria da Costa. Com informações de Ricardo Reis, coordenador de Editoria e Imprensa da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

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E-RR-10866-19.2018.5.15.0091

VERBAS TRABALHISTAS
Advogado que reteve indenização de cliente terá de devolver os valores e indenizá-lo em danos morais

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

‘‘Caracteriza dano moral a indevida apropriação pelo advogado de valores pertencentes ao mandante’’, define, ipsis litteris, a Súmula 174 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).

Em face da jurisprudência, a Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) prestigiou sentença que condenou um advogado da Capital a pagar R$ 10 mil, a título de reparação moral, a um de seus clientes. O advogado também terá de devolver R$ 53,5 mil, valores retidos indevidamente por mais de um ano após o recebimento da indenização trabalhista na sua conta.

Para o juízo da 46ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro, o réu tinha a obrigação de comprovar que repassou a quantia devida ao autor, em razão da indenização trabalhista a este devida, ou que ao menos tentou fazê-lo. No entanto, não apresentou recibo de pagamento em sua defesa, nem notificação ao autor, deixando de cumprir com o ônus que lhe cabia, nos termos do artigo 373, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC).

‘‘Impende mencionar a gravidade da conduta do réu, que, além de constituir ilícito civil, configura também infração penal e administrativa, o que é absolutamente incompatível com a dignidade da advocacia’’, lembrou na sentença a juíza Ana Paula Pontes Cardoso.

Para a juíza sentenciante, o dano moral restou configurado, ‘‘sendo evidente o abalo, a quebra da confiança, o aborrecimento que transborda aqueles do dia a dia, com a indevida retenção de valores pelo advogado do autor, devendo ser fixado à luz da razoabilidade, evitando-se o enriquecimento sem causa, servindo como desestímulo à prática de ilícitos, como pena de ordem privada’’.

O processo

O trabalhador ajuizou ação de cobrança cumulada com indenização por danos morais, alegando que contratou o advogado em 2010 para propor ação trabalhista (ATOrd 0000423.70.2010.501.0061) junto à 61ª Vara do Trabalho do Município do Rio de Janeiro.

Na petição inicial, disse que descobriu, em janeiro de 2023, que o réu recebeu em sua conta corrente o valor de R$ 76, 5 mil em 31 de janeiro de 2022, e não lhe repassou o valor, conforme alvará emitido pela 61ª VT.

Afirmou que o valor foi transferido para a conta corrente do réu que atuava como seu advogado, e que por diversas vezes tentou contato sem qualquer solução.

Destacou que, em virtude das execuções sofridas, o réu tem juntado substabelecimento em seus processos trabalhistas, a fim de fornecer os dados bancários do sobrinho, que também é advogado, pois suas contas de pessoa física e jurídica encontram-se com bloqueios judiciais de penhora.

Em fecho, sustentou que o réu possui histórico de receber e não repassar valores aos clientes, além de responder a vários processos disciplinares na OAB e a processos judiciais de cobrança e de execução – se escondendo para não ser citado e não pagar o que deve.

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0804130-59.2023.8.19.0205 (Rio de Janeiro)

 

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DECISÃO ANULADA
TRT-SC acolhe reclamação de empregador por descumprimento de tese jurídica

Desembargador Roberto Guglielmetto foi o relator
Foto: Nathaly Bittencourt/Secom TRT-SC

O Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12, Santa Catarina) deu ganho de causa a uma empresa fabricante de embalagens contra decisão da 1ª Vara do Trabalho de Brusque que contrariou a tese jurídica firmada no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 0000385-55.2021.5.12.0000 – ‘‘O ajuizamento do procedimento de Produção Antecipada da Prova, nos termos dos arts. 381 e 382 do CPC, não interrompe a prescrição trabalhista’’. O IRDR culminou na aprovação da Tese Jurídica nº 10.

A decisão foi tomada na sessão judiciária realizada na última segunda-feira (26/05), ao julgar recurso chamado de reclamação.

As teses jurídicas são firmadas pelo Tribunal Pleno, órgão máximo que reúne os 18 desembargadores da corte. As IRDRs buscam uniformizar o entendimento sobre um tema do qual divergem e que se repete nos julgamentos.

Fixada uma tese, ela deve ser seguida por todos os demais órgãos julgadores de um tribunal em processos semelhantes, incluindo as varas do trabalho, a fim de garantir segurança jurídica às decisões da corte, independentemente do posicionamento pessoal do magistrado. Quando isso não acontece, a parte que se sentir prejudicada pode propor uma Reclamação ao Pleno, para que faça valer a tese jurídica.

A controvérsia, no caso, girou em torno do reconhecimento da interrupção do prazo prescricional – que, na Justiça do Trabalho, estabelece um limite de dois anos após o fim do contrato para o ajuizamento da ação. O debate era se esse prazo poderia ser interrompido com o ajuizamento de uma Produção Antecipada de Provas (PAP). No entanto, a Tese Jurídica nº 10, firmada pelo TRT-SC em 2022, é clara ao afirmar que esse tipo de procedimento não interrompe o prazo de prescrição.

Caso

A empresa apresentou a reclamação ao TRT-SC após decisão da 1ª Vara do Trabalho de Brusque ter rejeitado a prescrição bienal. A sentença de origem entendeu que o pedido de ‘‘suspensão’’ feito pelo trabalhador naquela ação preparatória, a PAP, aliado ao fato de que a empresa sabia que receberia um processo, justificaria a paralisação da contagem do prazo. O juízo também entendeu que caberia identificar na natureza das provas se a PAP interromperia ou não o prazo prescricional.

Reclamação procedente

O relator da reclamação no segundo grau, desembargador Roberto Luiz Guglielmetto, observou que, ainda que existam decisões anteriores com entendimentos divergentes, a tese firmada pelo Pleno deve ser observada em sua integralidade, sem flexibilizações baseadas nas especificidades de cada PAP.

Guglielmetto ainda complementou que, de acordo com entendimento do Regional na tese jurídica número 10, ‘‘a PAP se limita à entrega de documentos’’, e por isso não configura uma cobrança judicial nem impõe à parte contrária o dever de se defender.

Divergência

Houve voto divergente do desembargador Helio Bastida Lopes, que entendeu que a tese não deveria ser aplicada retroativamente, pois a PAP foi ajuizada quase dois anos antes.

No entanto, o voto do relator foi acompanhado pela maioria do colegiado. A decisão resultou na cassação da sentença original, com devolução dos autos para nova apreciação do pedido de prescrição à luz da Tese nº 10. Redação Painel de Riscos com informações de Carlos Nogueira, da Secretaria de Comunicação Social (Secom)/TRT-12.

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ATOrd 0000302-16.2022.5.12.0061 (Brusque-SC)