REVOLUÇÃO NO MERCADO
O Uber Eats e outros aplicativos de entrega estão prejudicando os restaurantes?

Reprodução/Wharton

*Por Sob Murray

Para os consumidores, plataformas de entrega como DoorDash e Uber Eats tornaram as refeições mais fáceis do que nunca. Com apenas alguns toques no smartphone, clientes famintos podem navegar pelos cardápios, comparar opções e pedir refeições entregues diretamente em casa.

A conveniência é inegável. Mas, para os restaurantes, a história é muito mais complicada. Nos bastidores, os aplicativos de entrega de comida estão intensificando a concorrência, reduzindo as margens de lucro e forçando muitos restaurantes a fecharem as portas.

‘‘Essas plataformas não apenas conectam consumidores a restaurantes – elas alteram fundamentalmente a natureza da concorrência no mercado’’, disse Manav Raj , professor de Administração da Wharton School, escola de negócios da Universidade da Pensilvânia/EUA.

Em estudo recente, coautorado com J.P. Eggers, da NYU Stern School of Business, Raj iluminou os profundos efeitos das plataformas de entrega de comida no setor de restaurantes dos EUA de 2012 a 2018. O estudo destaca como essas ferramentas romperam os modelos tradicionais de concorrência e o que os restaurantes podem fazer para se adaptar.

Como as plataformas de entrega transformaram o setor de restaurantes

As plataformas de entrega surgiram no início dos anos 2000 com empresas como Grubhub e Seamless, que ofereciam uma maneira mais fácil de fazer pedidos online em vez de ligar diretamente para os restaurantes. Mas foi a revolução dos smartphones na década de 2010 que realmente impulsionou o setor. Aplicativos como o Uber Eats introduziram recursos como rastreamento por GPS e atualizações de entrega em tempo real.

Esses recursos não só facilitaram os pedidos, como também mudaram a forma como as pessoas pensam sobre refeições. ‘‘As plataformas quebram barreiras’’, disse Raj. ‘‘Se você quisesse comida chinesa antes, escolheria a opção mais próxima. Agora, você pode pedir de qualquer lugar da cidade e receber na sua porta. A proximidade não é mais um fator.’’

Essa facilidade de acesso ampliou as opções dos consumidores, mas também criou desafios para os restaurantes. O artigo de Raj mostra que a chegada das plataformas digitais aumenta a concorrência de duas maneiras principais.

‘‘Há uma competição horizontal – e os restaurantes, agora, precisam competir em áreas geográficas muito maiores’’, disse ele. ‘‘E há uma competição vertical, onde as plataformas impõem taxas, criando pressão sobre as margens.” Ambas as forças dificultam a sobrevivência de muitos restaurantes.

Como o DoorDash funciona para restaurantes?

Como empresas como a DoorDash trabalham para restaurantes? Plataformas de entrega cobram dos restaurantes uma série de taxas que podem aumentar rapidamente. Essas taxas incluem comissões de 15% a 30% por pedido, taxas de entrega (geralmente, de 10% a 20%, se usar os motoristas da plataforma) e taxas de processamento de pagamento. Os restaurantes também podem pagar mais por serviços de marketing, como anúncios patrocinados, para aumentar a visibilidade.

‘‘Nossa pesquisa demonstra que o surgimento dessas plataformas aumenta significativamente a probabilidade de os restaurantes fecharem as portas’’, observou Raj. O motivo? Os restaurantes enfrentam uma pressão crescente para competir em maior escala, ao mesmo tempo em que absorvem os custos impostos pelas plataformas. Para alguns, é uma batalha perdida.

Embora o mercado em geral tenha se tornado mais difícil, nem todos os restaurantes são afetados igualmente. O estudo de Raj mostrou que os restaurantes têm maior probabilidade de fechar quando as plataformas de entrega entram no mercado se forem menos eficientes na geração de receita ou se estiverem em áreas com alta concorrência.

Além disso, restaurantes independentes menores e mais jovens costumam ter mais dificuldades, disse ele. ‘‘A familiaridade desempenha um papel importante. As pessoas pedem em seus restaurantes favoritos porque confiam neles, não apenas porque são próximos. Restaurantes mais novos não têm esse nível de confiança e reconhecimento do consumidor, o que dificulta sua competição.’’

Curiosamente, alguns tipos de estabelecimentos de hospitalidade estão prosperando neste novo ambiente. ‘‘Bares e casas noturnas parecem se beneficiar das plataformas de entrega’’, disse Raj. ‘‘O serviço deles frequentemente complementa a entrega. Por exemplo, as pessoas podem pedir comida para viagem antes de sair para uma noite. Eles não enfrentam a mesma concorrência direta.’’

O estudo também revelou que indicadores tradicionais de sucesso, como a localização, estão se tornando menos importantes para os restaurantes. ‘‘A localização é menos valiosa em um mundo onde a entrega é fundamental’’, observou Raj.

Os restaurantes podem se adaptar a aplicativos como DoorDash e Uber Eats?

O estudo também destacou a importância da adaptação dos restaurantes à economia ‘‘sob demanda’’. ‘‘Invista menos em localizações privilegiadas e concentre-se mais na eficiência’’, aconselhou Raj. ‘‘Se você está competindo no segmento de delivery, pense em como oferecer a melhor experiência com o menor custo. E, acima de tudo, posicione-se de forma a agregar valor além do que a plataforma oferece.’’

Os próprios aplicativos de entrega também enfrentam escolhas estratégicas, disse ele. Embora seu modelo de negócios prospere com uma ampla variedade de restaurantes, o sistema atual incentiva a consolidação, o que pode limitar a diversidade a longo prazo. ‘‘É do interesse das plataformas promover uma gama diversificada de opções’’, sugeriu Raj. ‘‘Uma maneira de fazer isso pode ser direcionar o tráfego para restaurantes independentes mais jovens para ajudá-los a competir.’’

No geral, as plataformas de entrega fizeram mais do que facilitar o pedido de comida: elas remodelaram a forma como os restaurantes competem, operam e, em última análise, sobrevivem. ‘‘Essas plataformas oferecem aos consumidores conveniência e opções incríveis, mas as desvantagens para os restaurantes são significativas’’, disse Raj.

Para os restaurantes, o desafio é claro: adaptar-se ao mercado impulsionado pelas plataformas ou correr o risco de ficar para trás. E, para as plataformas, a oportunidade está em fomentar um ecossistema competitivo que equilibre a conveniência para os consumidores com a sustentabilidade do setor.

Como disse Raj: ‘‘Os aplicativos de entrega de comida vieram para ficar. A questão agora é como restaurantes e plataformas podem trabalhar juntos.’’

A Wharton School é a primeira escola de negócios universitária do mundo, fundada em 1881, na Universidade da Pensilvânia. É uma instituição de referência global em Administração, conhecida por seus programas de graduação e pós-graduação, como o MBA, e por sua forte ligação com a comunidade empresarial.

Quem é Manav Raj

Manav Raj é professor assistente de administração na Wharton School. Seus estudos de pesquisa abordam: a) como as empresas respondem à inovação e à mudança tecnológica, com foco em plataformas e tecnologias digitais; e b) como características institucionais e forças não relacionadas ao mercado afetam a inovação e o empreendedorismo.

Manav se formou no Dartmouth College em 2015, com especialização em Economia e especialização em Políticas Públicas. Antes de ingressar no programa de doutorado da NYU, trabalhou como consultor na Cornerstone Research em Boston.

*Sob Murray é articulista da Knowledge at Wharton, o jornal de negócios da Wharton School

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‘‘CARINHO’’ TÓXICO
Cozinheira será indenizada por sofrer humilhações e contato físico sem consentimento em SC

Reprodução: Secom TRT-SC/FreePik

Na Semana de Combate ao Assédio, uma decisão da Justiça do Trabalho de Santa Catarina reforça a importância de se falar repetidamente sobre o assunto. Uma cozinheira que recebia contato físico supostamente ‘‘carinhoso’’ do superior hierárquico, sem o consentimento dela, além de ser ofendida e cobrada de forma constrangedora, será indenizada em R$ 15 mil.

A decisão, publicada na última terça-feira (6/5), é da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12, Santa Catarina).

O caso ocorreu em Florianópolis, envolvendo uma empresa do ramo de eventos. No processo, a trabalhadora afirmou ter sido contratada como cozinheira e mantido vínculo de apenas três meses, período em que relatou ter sido submetida a diversos episódios de assédio por parte dos superiores hierárquicos.

De acordo com o relato, a mulher era chamada de ‘‘lerda’’ e ‘‘fraca’’ por sua supervisora e por dois chefes de cozinha, que também cobravam metas de forma excessiva e constrangedora, expondo-a na frente de colegas.

Ela relatou também ter sofrido assédio sexual por parte de um dos chefes de cozinha, que fazia ‘‘comentários de cunho sexual’’ e tocava em seu corpo sem sua permissão. Segundo a trabalhadora, as condutas a deixavam constrangida, humilhada e com impacto significativo em seu estado emocional.

Protocolo de gênero

No primeiro grau, as alegações de assédio foram acolhidas. A juíza responsável pelo caso na 4ª Vara do Trabalho de Florianópolis, Hérika Machado da Silveira Tealdi, considerou que as condutas narradas pela autora comprometeram o ambiente de trabalho saudável e violaram princípios constitucionais e normas internacionais sobre proteção à dignidade da pessoa humana no emprego.

A juíza também utilizou como fundamento para a decisão o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, previsto nas Resoluções 254/22 e 492/23 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A diretriz orienta os magistrados a levarem em conta as desigualdades históricas entre homens e mulheres ao julgar casos que envolvam violência ou discriminação no trabalho.

Com base nesse entendimento, a magistrada afirmou ter dado ‘‘especial valoração ao relato da vítima em relação à alegação de que ela foi assediada sexualmente’’.

A juíza fixou as indenizações em R$ 5 mil por assédio moral e R$ 10 mil por assédio sexual. Como a parte ré não compareceu à audiência nem apresentou defesa, o processo seguiu à revelia; ou seja, sem contraditório por parte da empresa.

A reclamante recorreu ao segundo grau com pedido de aumento das indenizações. No entanto, o relator do caso na 4ª Turma, desembargador Nivaldo Stankiewicz, avaliou que os valores definidos na sentença já atendiam aos parâmetros legais e decidiu mantê-los.

A decisão, unânime entre os integrantes do colegiado, ainda está em prazo de recurso.

É ou não é assédio? Magistrados do TRT-SC esclarecem

Como parte das ações de sensibilização da 3ª Semana de Combate ao Assédio do TRT-SC, a Comissão de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio e à Discriminação produziu dois vídeos com o objetivo de esclarecer dúvidas comuns sobre assédio no ambiente de trabalho.

No primeiro deles, que pode ser acessado abaixo, a desembargadora Teresa Cotosky e o juiz Armando Zilli, presidentes das Comissões no segundo e primeiro graus, respectivamente, trazem informações relevantes sobre o tema. Eles explicam, por exemplo, o que é e o que não pode ser considerado assédio, a diferença entre assédio moral e sexual e apresentam os caminhos para denúncia. Com informações de Carlos Nogueira e Luana Cadorin, da Secretaria de Comunicação Social (Secom)/TRT-12.

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*O número do processo foi omitido para preservar a intimidade da trabalhadora

CADEIA DE CONSUMO
Corretora e empresa de pagamentos não respondem por atraso na entrega de imóvel

Reprodução Blog.leiloesjudiciais.com.br

​A corretora responsável pela intermediação da venda e a empresa de pagamentos que processou a respectiva transação financeira não podem ser responsabilizadas por eventual atraso na entrega do imóvel. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em votação unânime.

Segundo o colegiado, essas empresas não integram a cadeia de consumo em relação à obrigação de entrega do bem, motivo pelo qual não respondem pelos danos decorrentes do descumprimento contratual.

Um casal ajuizou ação contra a incorporadora, a corretora e a empresa responsável pelo processamento do pagamento, com o objetivo de rescindir o contrato de compra e venda de um imóvel. O pedido se baseava no fato de que, três meses antes de vencer o prazo previsto para a entrega, as obras ainda estavam em estágio inicial, evidenciando que o cronograma contratual não seria cumprido.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) condenou solidariamente as três rés a restituir os valores já pagos, incluindo parcelas do imóvel, taxa de personalização e comissão de corretagem. O TJSP entendeu que todas integravam a cadeia de consumo, o que justificaria a responsabilização conjunta.

A corretora e a empresa de pagamentos recorreram ao STJ, alegando ilegitimidade passiva e ausência de responsabilidade, já que, segundo sustentaram, não houve falha na prestação de seus respectivos serviços.

Responsabilização exige a existência de nexo causal entre conduta e dano

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso no STJ, destacou que, embora os artigos 7º, parágrafo único, e 25 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevejam a responsabilidade solidária entre os integrantes da cadeia de fornecimento, essa responsabilização exige a existência de nexo causal entre a conduta do fornecedor e o dano sofrido pelo consumidor.

Segundo a ministra, embora o regime de responsabilidade consumerista abarque toda a cadeia de consumo, essa responsabilidade somente se configura quando há vínculo lógico de causa e efeito entre o prejuízo e a atuação do fornecedor no mercado.

‘‘Ou seja, se o suposto fornecedor não pertencer à cadeia de fornecimento, não há como responsabilizá-lo. E, para ser considerado integrante da cadeia de consumo, deve guardar relação com o serviço prestado: é preciso que tenha contribuído com produtos ou serviços para o fornecimento do serviço final.’’

No caso da corretora, a ministra observou que sua atuação se limita à intermediação entre comprador e vendedor, sem qualquer participação na execução das obras ou na incorporação do empreendimento. Com base no artigo 725 do Código Civil (CC), ela explicou que a corretagem se caracteriza pelo êxito na aproximação das partes, sendo devida a remuneração mesmo que o negócio não se concretize por arrependimento.

Assim, a relatora apontou que a responsabilidade da corretora está restrita ao serviço de corretagem, especialmente no que diz respeito à prestação de informações adequadas sobre o negócio.

Quanto às chamadas ‘‘pagadorias’’, as empresas especializadas na gestão financeira de contratos, Nancy Andrighi afirmou que elas funcionam como intermediárias entre consumidores e fornecedores, sendo frequentemente contratadas por corretoras para organizar o repasse de valores como comissões, taxas e encargos aos corretores e à própria imobiliária. Entre suas funções, estão a emissão de boletos e o gerenciamento das quantias recebidas.

‘‘Da mesma forma que as corretoras, como as pagadorias não integram a cadeia de fornecimento de incorporação imobiliária, sua responsabilidade não se estende a eventuais inadimplementos do contrato de compra e venda de imóvel’’, concluiu a ministra ao dar provimento ao recurso. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 2155898

FALHA DE SERVIÇO
Instagram pagará dano moral por derrubar perfil de vendedora de semijoias sem explicar os motivos

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

As redes sociais têm o dever de justificar os motivos de bloqueio/exclusão de usuários de sua plataforma, para não incorrerem em abuso de direito. Caso contrário, terão de arcar com indenizações por danos morais por falha de serviço, pela presunção de violação de direitos de personalidade expressos no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição.

Foi o que ocorreu com o Instagram, condenado pela Justiça Comum de São Paulo a pagar R$ 10 mil, a título de danos morais, por excluir, sem qualquer notificação prévia, o perfil de uma usuária que se dedica ao comércio online de souvenirs, semijoias e artesanato. A rede social, que pertence à Meta (Facebook), também foi obrigada a restabelecer o perfil da usuária, que tinha quase 10 mil seguidores à época do ajuizamento da ação indenizatória.

A empresa sustentou pela ausência de conduta ilícita ou abusiva, dado que a usuária violou ‘‘frontalmente’’ os termos de uso de serviço do Instagram, especificamente por ferir direitos de propriedade intelectual da empresa de joias Richemont/Van Cleaf – ou seja, contrafação de marca comercial. Assim, agiu nos exatos limites do exercício regular de direito, nos moldes do inciso I do artigo 188 do Código Civil (CC).

No primeiro grau, o juiz Leonardo Prazeres da Silva, da 22ª Vara Cível do da Comarca de São Paulo, entendeu que o bloqueio do perfil se mostrava injustificado, calcado apenas em alegações genéricas da rede social, sem a apresentação de indícios concretos de irregularidades.

‘‘Outrossim, resta evidenciada a falha das ferramentas da requerida [Instagram], eis que não foi capaz de permitir ao autor reaver o acesso ao seu perfil na referida rede social. Nessa esteira, de rigor o acolhimento do pleito do autor ao restabelecimento de acesso ao seu perfil de modo a permitir a regular utilização de sua conta da rede social’’, escreveu na sentença.

Bloqueio impediu a continuidade do negócio

O relator das apelações na 15ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), desembargador Edison Vicentini Barroso, disse que a rede social não trouxe aos autos o teor da denúncia, a documentação colacionada pelo denunciante nem os procedimentos internos de verificação da ‘‘suposta contrafação’’. E a isso estava obrigada a parte ré, como prevê o artigo 373, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC) – ou seja, provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor da ação indenizatória.

O relator reconheceu que o caso é de falha de serviço, conforme sinaliza o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), já que a usuária ficou impossibilitada de utilizar um importante meio de comunicação para potencializar os seus negócios e obter renda.

‘‘Noutras palavras, a indisponibilidade da conta/perfil, decerto, trouxe constrangimento à autora, além de dano in re ipsa à imagem construída, notadamente perante seus mais de 9.300 seguidores registrados, impossibilitando a continuidade da mais diversa sorte de contatos, visualizações e angariamento de novos clientes e seguidores, tudo, a resultar mesmo na afetação de sua reputação e honra objetiva’’, definiu no acórdão.

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1149144-22.2023.8.26.0100 (São Paulo)

 

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PEDIDO DO CESSIONÁRIO
Administradora de consórcio não é obrigada a registrar cessão de crédito de cota cancelada

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a administradora de consórcio não é obrigada a efetuar o registro, em seus assentamentos, a pedido do cessionário, da cessão de direitos creditórios inerentes a uma cota de consórcio cancelada.

Segundo o processo, uma empresa adquiriu, por meio de instrumento particular, os direitos de crédito relativos a uma cota de consórcio cancelada. Na sequência, ajuizou ação contra a Sicoob Administradora de Consórcios Ltda., para que esta fosse obrigada a anotar, em seu sistema, que ela – a empresa adquirente – havia se tornado cessionária do crédito. Consequentemente, a administradora deveria se abster de pagar o crédito cedido ao consorciado cedente, ‘‘sob pena de ter que pagar de novo’’.

O juízo de primeiro grau negou os pedidos, por entender que a cessão de cota de consórcio deve observar o disposto no artigo 13 da Lei 11.795/2008. Contudo, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença e condenou a administradora a anotar em seu sistema a cessão realizada.

No recurso ao STJ, a Sicoob sustentou que, para haver uma transferência de cotas, a sua anuência prévia seria indispensável, mas essa regra não foi observada no caso.

Regulamento do consórcio tem regra para transferência

Segundo o relator do recurso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a jurisprudência do STJ entende que a eficácia de uma cessão de crédito está condicionada apenas à notificação do devedor, como disposto no artigo 290 do Código Civil (CC).

Apesar disso, o ministro ressaltou que não se pode desconsiderar o artigo 286 do mesmo Código, que dispõe que o credor pode ceder o seu crédito, desde que isso não contrarie a convenção firmada com o devedor.

O relator observou, no entanto, que esse não seria o aspecto mais importante para a solução da controvérsia, tendo em vista que, na demanda, não foram questionadas propriamente a validade e a eficácia da cessão de crédito, mas apenas o dever de anotação e registro do negócio jurídico celebrado pelo consorciado com um terceiro, e a pedido deste, nos assentamentos cadastrais da administradora de consórcio.

Não há lei que obrigue o registro

Villas Bôas Cueva destacou que ‘‘não há, nem na Lei 11.795/2008 nem nas normas editadas pelo órgão regulador e fiscalizador (Resolução BCB 285/2023), nenhuma disposição obrigando a administradora de consórcio a efetuar o registro da cessão de direitos creditórios, a pedido do cessionário, com o qual aquela não mantém nenhum vínculo obrigacional’’.

Ele enfatizou que, mesmo sendo válida a cessão de crédito – questão que não estava em julgamento –, não se poderia criar a obrigatoriedade de anotação e registro do negócio jurídico, como pretendido pela autora da ação.

‘‘Deve o cessionário assumir os riscos de sua atividade, não podendo impor à administradora de consórcios obrigações que ela só tem para com o próprio consorciado’’, concluiu o relator. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 2183131