DIREITOS AUTORAIS
Editora que usou imagens sem autorização do fotógrafo pagará danos moral e material

Praia de Bombinhas (SC)
Foto: Divulgação Setur

A 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) ampliou a condenação de uma editora, com sede em Itajaí, que publicou duas fotos sem autorização do fotógrafo num livro turístico. Além do dano material, concedido no primeiro grau, o colegiado reconheceu o dano moral, pelo uso ilícito da obra intelectual. A decisão foi unânime.

O profissional trabalhava numa escola de mergulho e fazia fotos subaquáticas. Um dia, descobriu que duas dessas fotografias estavam publicadas em obra sobre o litoral catarinense, patrocinado pelo Governo do Estado de Santa Catarina. O título do livro: Caminhos da Cultura e Turismo – Costa Verde & Mar – Santa Catarina.

Ação indenizatória

Por sentir-se lesado, o autor ingressou com ação indenizatória contra a editora, contra o proprietário e também contra o Estado. Por seu lado, a editora alegou que tinha autorização da escola de mergulho, juntando os e-mails nos quais teria havido a negociação.  De acordo com os autos, não houve qualquer interferência do Estado na elaboração do conteúdo da obra.

Com base na Lei 9.610/98 (dos direitos autorais), a Vara da Fazenda Pública da Comarca de Itajaí proibiu a distribuição de todos os exemplares do livro, sob pena de multa diária de R$ 500. E condenou a editora e o proprietário a pagarem ao autor o preço praticado no mercado pela utilização das duas fotos, valor a ser apurado em liquidação de sentença. O magistrado entendeu que não houve contribuição do Estado para o evento danoso, tampouco se comprovou o dano moral – indeferindo o pedido neste aspecto.

Danos morais reconhecidos no segundo grau

Inconformado, o fotógrafo recorreu ao TJSC. Argumentou que a distribuição dos exemplares foi feita gratuitamente e que os réus lucraram R$ 240 mil, recebidos do Estado, para a edição, produção e distribuição dos livros. Já o ente público estadual teve retorno de forma indireta, mediante o aumento de sua arrecadação, decorrente do fomento da atividade turística na região de Bombinhas.

Por ter sido distribuição gratuita, argumentou a defesa do fotógrafo, inviável a avaliação dos danos por meio da regra do artigo 103 da lei dos direitos autorais, devendo-se, nos termos do artigo 944 do Código Civil, medir a indenização pela extensão do dano. Pleiteou, outra vez, indenização pelos danos morais.

Conforme entendimento da 5ª Câmara de Direito Público, não se mostra razoável exigir do Estado de Santa Catarina a investigação aprofundada acerca da autoria das fotografias que integravam o livro, daí a manutenção da sentença em relação à improcedência da ação em relação ao ente público.

Por outro lado, os desembargadores pontuaram que o simples fato da escola ter autorizado o uso não é prova de que a propriedade intelectual da obra lhe fora transferida. Portanto, é de presumir-se que o proprietário da obra ainda seja o autor que, neste caso, teria direito aos proveitos econômicos decorrentes do seu uso.

Por fim, o órgão julgador citou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em matéria sob relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, que trata de tema similar: ‘‘a simples circunstância das fotografias terem sido publicadas sem a indicação de autoria – como restou incontroverso nos autos – é o bastante para render ensejo à reprimenda indenizatória por danos morais.

Assim, a câmara estabeleceu que se pague R$ 2 mil ao autor pelos danos morais, alterada a sentença apenas neste ponto. Redação Painel de Riscos com informações do jornalista Ângelo Medeiros/Imprensa TJ-SC.

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 0312695-43.2015.8.24.0033 (Itajaí-SC)

DANO PRESUMIDO
TRT-MG vê jornada exaustiva de trabalho como causa crescente de dano existencial

Reprodução Ministério do Trabalho

‘‘O dano existencial passível de reparação decorre de toda lesão capaz de comprometer a liberdade de escolha do indivíduo, frustrando projetos da vida pessoal, em razão do trabalho em jornada excessiva, de tal modo que o tempo dedicado ao labor compromete todo o restante disponível para as relações familiares, convívio social, prática de esportes, estudos ou mesmo lazer.’’

O fundamento está estampado na ementa de dois acórdãos importantes selecionados pela Assessoria de Imprensa do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais), sinalizando que as jornadas intensivas, no caso do setor de transportes, podem favorecer também a ocorrência de acidentes de trabalho – pela exaustão –, com reflexos para terceiros.

Nos casos selecionados, a Justiça do Trabalho mineira condenou duas empresas, uma do ramo de transporte de passageiros e outra do transporte de cargas, ao pagamento de indenização por dano existencial, depois de comprovado que vinham submetendo os empregados a jornadas de trabalho muito acima do limite legal, consideradas extenuantes.

Auxiliar de viagens não tinha folgas

No primeiro caso, a empresa de transporte de passageiros Saritur acabou condenada pelo TRT-3 a pagar indenização de R$ 5 mil a um ex-empregado submetido à jornada extenuante. Ficou provado que, no exercício das funções de auxiliar de viagens e bilheteiro, era comum que ele trabalhasse por 24 dias corridos ou mais, em sistema que não lhe permitia planejar a vida pessoal, com prejuízo ao direito ao descanso e lazer, assim como à convivência familiar e social.

Sentença oriunda da 2ª Vara do Trabalho de Barbacena já havia reconhecido a existência de jornada extenuante e do dano existencial, condenando a empresa a pagar ao trabalhador indenização no valor de R$ 2 mil. Ao julgar os recursos de ambas as partes, os julgadores da 11ª Turma do TRT não só mantiveram a configuração do dano existencial, como elevaram o valor da indenização para R$ 5 mil. Foi acolhido, por maioria de votos, o entendimento da relatora, desembargadora Juliana Vignoli Cordeiro.

Reprodução TST/GettyImages

Testemunhas afirmaram que a jornada exigida pela empresa impedia o empregado de organizar sua vida pessoal, em prejuízo do convívio familiar e social, bem como do direito ao lazer. Segundo os relatos, as escalas eram informadas ao empregado apenas no dia anterior ao trabalho, o que também impedia ou prejudicava o planejamento de compromissos pessoais.  Além disso, a prova documental evidenciou a não concessão de folgas semanais ao profissional em longos períodos, por cerca de 24 dias corridos ou mais.

Conforme ressaltado no acórdão, cabe ao empregador indenizar o dano existencial decorrente de conduta ilícita por ele praticada, como no caso. Dessa forma, a conduta antijurídica do empregador não consiste apenas no descumprimento da norma legal, sendo grave a ponto de ensejar a reparação pretendida.

O processo foi remetido ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) para exame do recurso de revista (RR), interposto de pelo empregador.

Motorista submetido a jornadas exaustivas e degradantes

No segundo caso, o trabalhador atuava como motorista carreteiro para a Trans-M, de transporte de cargas, onde era submetido a jornadas exaustivas e degradantes. No segundo grau, a empresa acabou condenada a indenizar o ex-empregado também em R$ 5 mil. A decisão foi dos julgadores da Sétima Turma do TRT mineiro, que reconheceram o dano existencial.

O caso foi julgado em grau de recurso após o juízo da 2ª Vara do Trabalho de Pedro Leopoldo rejeitar o pedido do trabalhador. No recurso, o reclamante reiterou que a concessão de folgas ocorria somente após quatro meses de trabalho e que cumpria jornada excessiva, sem intervalo.

Ao examinar as provas do processo, o desembargador Vicente de Paula Maciel Júnior constatou, por meio de relatórios de rastreamento, que a transportadora realmente exigia jornada exaustiva. Como exemplos, apontou registros de dias em que o empregado trabalhou das 8h10min às 23h22min; das 5h52min às 22h9min; e das 5h53min às 21h49min.

Para o relator, a situação autoriza o reconhecimento do dano existencial. “O trabalho em regime de sobrejornada habitual, excepcionalmente extenuante, inviabilizava a fruição de descanso, lazer e convívio social, de forma a ensejar dano moral/existencial, ofensa, no caso concreto, caracterizada in re ipsa”, registrou no voto. Isso significa que o dano foi presumido diante do contexto apuradoO processo está em fase de execução. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

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LEI 3.820/60
Presença de farmacêutico no ato de fiscalização afasta multa do conselho profissional, decide TRF-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Reprodução Site CRFRS.Org

É nula a aplicação de multa pelo Conselho Regional de Farmácia (CRF), com base no parágrafo único do artigo 24, da Lei 3.820/60, se no momento da fiscalização havia a presença de um farmacêutico profissional no estabelecimento autuado.

Com a prevalência deste entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), por maioria, anulou multa aplicada pelo Conselho Regional de Farmácia do Estado do Rio Grande do Sul (CRF-RS) contra a Dimed S/A Distribuidora de Medicamentos.

O juiz federal convocado Roberto Fernandes Júnior, voto vencedor neste julgamento, observou que o único fundamental legal a lastrear a execução é o descumprimento do parágrafo único do artigo 24 da Lei 3.820/60. O dispositivo, em síntese, diz que as farmácias devem provar aos conselhos federal e regional que as atividades são exercidas por profissional registrado e habilitado, fixando multa aos infratores.

Juiz Roberto Fernandes Jr. foi o voto vencedor
Foto: Esmafesc

Para o magistrado, não havia obrigatoriedade da própria farmácia registrar-se no conselho ou promover a anotação dos profissionais legalmente habilitados, mas de comprovar que o profissional contratado era um farmacêutico stricto sensu (ou seja, habilitado em curso superior de Farmácia e inscrito no CRF), já que tal lei proibia-a de admitir pessoa sem habilitação formal (prático de Farmácia) ou sem formação superior (técnico em Farmácia).

‘‘Trata-se, pois, de dispositivo legal dirigido aos estabelecimentos de farmácia para inibir o exercício ilegal da profissão de farmacêutico, em reforço ao artigo 47 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688, de 1941), dado que este último tem como sujeito ativo apenas a pessoa que exerce ilegalmente uma profissão’’, complementou no voto.

‘‘No caso, a executada [Dimed S/A] comprovou que o profissional que contratou e que respondia pelo estabelecimento autuado, no momento da visita da fiscalização […], era um farmacêutico stricto sensu;  ou seja, pessoa formada em curso superior de Farmácia e inscrita no quadro de farmacêuticos do Conselho Regional de Farmácia, não ocorrendo, desse modo,  a prática do exercício ilegal da profissão de farmacêutico – alvo exclusivo do artigo 24 da Lei nº 3.820, de 1960’’, fulminou, reformando a sentença para acolher os embargos à execução.

Embargos à execução

Em janeiro de 2018, o CRF-RS lavrou auto de infração, com as respectivas multas, em face da Dimed S/A Distribuidora de Medicamentos, por ausência de profissional registrado no momento da inspeção fiscalizatória numa de suas farmácias, localizada no Centro Histórico de Porto Alegre. Ou seja, autuou a empresa por não ter assistente-técnico nem diretor-técnico cadastrado junto ao CRF-RS há mais de 30 dias, já que a diretora-técnica havia se desligado em junho de 2017.

Descontente com a autuação, a Dimed S/A opôs embargos à execução, objetivando a declaração de nulidade do auto de infração. Alegou, em síntese, que no momento da fiscalização se encontrava em situação regular, já que contava com a presença de  profissional farmacêutica – casualmente, a ex-diretora técnica que, inclusive, assinou o auto de infração.

Notificado pela 23ª Vara Federal de Porto Alegre, o CRF-RS apresentou contestação. De relevante, apontou a ausência de diretor ou assistente-técnico cadastrado na ocasião. Destacou que não basta a simples presença de profissional farmacêutico no estabelecimento. Antes, é necessário profissional cadastrado, na qualidade de responsável-técnico ou assistente-técnico junto ao CRF-RS, pois tal responsabilidade é mais ampla do que aquela atribuída a outros farmacêuticos eventualmente trabalhando no mesmo estabelecimento.

Sentença de improcedência

A juíza federal substituta Marila da Costa Perez acatou a argumentação do Conselho, julgando improcedentes os embargos à execução. A seu ver, a autuação não se deu pela ausência de profissional farmacêutico no momento da fiscalização ou durante o expediente de atendimento, mas por simples falta de indicação de funcionário na posição de responsável-técnico perante o conselho de classe por mais de 30 dias.

‘‘Assim, ainda que a profissional Cínta Janine Kiekow estivesse presente e assinado o auto de infração, em 08/01/2018, isso não comprova a regularidade desde o seu desligamento como diretora-técnica em 27/06/2017, justamente pela ausência de registro com este fim’’, escreveu na sentença.

Para a juíza, a presença do responsável técnico registrado e habilitado, durante todo o horário de funcionamento da farmácia ou drogaria, é obrigatória. Assim, o CRF detém o poder-dever de fiscalizar o cumprimento da exigência legal, não subsistindo qualquer ilegalidade nos atos de fiscalização nem de aplicação da multa.

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RELAÇÃO ABUSIVA
Juíza condena casal a pagar R$ 800 mil à doméstica mantida em trabalho escravo por 30 anos

Reprodução Site do TRT-2

A 30ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou casal que manteve, por mais de 30 anos, uma trabalhadora doméstica em condição análoga à escravidão. O casal terá de pagar um total de R$ 800 mil em salários atrasados, verbas a que a vítima tem direito pelo período que prestou serviços à família sem receber nenhum vencimento, verbas rescisórias, além de indenização por dano moral individual e coletivo.

A sentença foi proferida pela juíza do trabalho Maria Fernanda Zipinotti Duarte. Cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo).

Muito trabalho, nenhum salário

Segundo depoimento da vítima, ela foi procurada no abrigo em que morava para trabalhar como empregada doméstica na residência do casal e para cuidar do filho pequeno em troca de um salário mínimo por mês. Mas nunca chegou a receber pagamento pelo trabalho, nem usufruiu de férias ou períodos de descanso. Entre suas obrigações, estavam limpar a casa e servir as refeições para toda a família dentro de uma jornada que se iniciava às 6h e terminava além das 23h.

A ação civil pública (ACP) foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), com base em denúncia feita pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas-Mooca) após pedido de ajuda feito pela idosa a outra entidade assistencial da Prefeitura de São Paulo. Uma primeira tentativa de receber auxílio ocorreu em 2014 na mesma instituição.

Na ocasião, houve uma conversa com os patrões, sendo acordado que eles registrariam o vínculo de emprego da vítima e pagariam os créditos trabalhistas devidos – o que nunca foi cumprido.

‘‘Ambiente familiar acolhedor’’

O casal se defendeu no processo, alegando que mantém laços familiares com a mulher, lhe proporcionando ambiente familiar e acolhedor por anos. Sustentou que a vítima tinha total liberdade de ir e vir, mas que, por opção própria, saía pouco de casa. Disse que retiraram a doméstica de situação de rua, resgatando-lhe a dignidade e garantindo-lhe afeto. E negou o trabalho em condição análoga à escravidão, considerando a ação judicial ‘‘um exagero’’. Além disso, a doméstica tinha precisava: casa, comida, roupas, calçados e dinheiro para cigarros e biscoitos.

‘‘O labor em condição análoga à escravidão assume uma de suas faces mais cruéis quando se trata de trabalho doméstico. Por óbvio, a trabalhadora desprovida de salário por mais de 30 anos não possui plena liberdade de ir e vir. Não possui condições de romper a relação abusiva de exploração de seu trabalho, pois desprovida de condições mínimas de subsistência longe da residência dos empregadores, sem meios para determinar os rumos de sua própria vida’’, ressaltou a magistrada.

Na sentença, a juíza reconheceu o vínculo de emprego entre a idosa e o casal de janeiro de 1989 a julho de 2022 na função de empregada doméstica, com salário mensal de R$ 1.284 (salário mínimo à época da rescisão). E determinou que os réus registrem a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) da empregada, independentemente do trânsito em julgado da decisão, sob pena de multa diária de R$ 50 mil reversível à idosa. Com informações da Secretaria de Comunicação (Secom) do TRT-2.

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ACPCiv 1000904-62.2022.5.02.0030 (São Paulo)

 

COMENTÁRIO RACISTA
TRT-MG mantém justa causa de técnica de enfermagem que comparou recém-nascido a ‘‘macaquinho’’

Os julgadores da Nona Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais), por unanimidade, mantiveram a dispensa por justa causa de técnica de enfermagem que tratou com rispidez paciente que havia dado à luz filhos gêmeos e ainda fez comentário ofensivo em relação a um dos bebês, de cunho racista, comparando-o a um ‘‘macaquinho’’. Nesse contexto, foi dado provimento ao recurso da Fundação de Assistência Integral à Saúde/Hospital Sofia Feldman (FAIS/HSF) para modificar sentença oriunda do juízo da 38ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, que havia anulado a justa causa.

De acordo com o desembargador André Schmidt de Brito, que atuou como relator e cujo voto foi acolhido pelos julgadores, o comportamento da técnica de enfermagem denota a ausência de postura profissional condizente com o cargo ocupado e respalda a dispensa por justa causa fundada na alínea ‘‘j’’ do artigo 482 da CLT.

‘‘A meu ver, a conduta da obreira é grave o suficiente para respaldar a justa causa, não se cogitando, no caso, de necessidade de gradação de pena, eis que a quebra de fidúcia restou evidente pelo descumprimento da mais elementar obrigação da trabalhadora, que tem, como função primordial, o cuidado humano’’, destacou o relator na decisão.

O julgador ainda verificou ter sido atendido o princípio da imediatidade, considerando que a denúncia da paciente foi levada à ouvidoria no dia seguinte ao ocorrido e, quatro dias depois, após a apuração dos fatos, a técnica de enfermagem foi dispensada por justa causa.

Diante da manutenção da justa causa, foram consideradas indevidas as verbas decorrentes da rescisão imotivada, com a exclusão da condenação imposta na sentença. A instituição de saúde foi absolvida de pagar à profissional o aviso-prévio indenizado, férias mais 1/3; 13º salário, multa de 40% sobre o FGTS e multa do artigo 477 da CLT.

Entenda o caso

Segundo afirmou testemunha indicada pela empregadora, a técnica de enfermagem estava trabalhando em plantão noturno quando se aproximou da paciente, que havia dado à luz filhos gêmeos e um dos bebês estava internado na UTI. A profissional fez o seguinte comentário: ‘‘nossa, seu menino parece um macaquinho’’. Ainda de acordo com a empregadora, todos no setor, inclusive os demais pacientes, ficaram desconcertados com a fala da profissional, afirmando que a mãe ficou extremamente constrangida, sem conseguir esboçar reação no momento da agressão.

A empregadora alegou que, após o ocorrido, o clima no setor ficou bastante comprometido, uma vez que a mãe das crianças e os demais pacientes ficaram indignados e questionaram o que iria ser feito diante da conduta absurda da técnica de enfermagem. Sustentou a empregadora que, após o episódio, a ex-empregada passou a tratar a paciente de forma bastante ríspida, o que agravou o estado emocional dela, que teve crise de choro dentro da unidade em que estava internada.

Conduta profissional inadequada

Desembargador André Schmidt foi o relator
Foto: Leo Andrade/Imprensa TRT-3

 

Na avaliação do relator, a prova oral produzida no processo provou a conduta inadequada da profissional, de forma a inviabilizar a fidúcia necessária à continuação do vínculo de emprego e autorizar dispensa por justa causa. Concluiu-se que, dessa forma, a empregadora se desvencilhou do ônus da prova, nos termos do artigo 818, inciso II, da CLT, comprovando a prática de ato de improbidade cometido pela trabalhadora, na forma do artigo 482, ‘‘j’’, da CLT, suficiente para a ruptura contratual.

Os fatos narrados foram, em parte, admitidos pela própria profissional. Em depoimento, ela confessou ter se referido ao filho da paciente como ‘‘macaquinho’’. Contudo, contextualizou a expressão na seguinte frase: ‘‘o seu filho/bebê é cabeludinho, igual à minha filha, que parecia um macaquinho’’. Segundo afirmou a trabalhadora, ao iniciar o plantão, a mãe já estava chorosa e agitada, porque queria um acompanhante, o que não era permitido pela maternidade.

A profissional reconheceu que a paciente se encontrava em uma situação delicada, tendo em vista que havia dado à luz gêmeos e que os dois bebês estavam internados na UTI pediátrica. Disse que essa situação deixou a mãe apreensiva e vulnerável, o que a levou a uma reação exagerada e desproporcional em relação ao ocorrido. Contou que foi chamada pela direção da maternidade três dias após o ocorrido, quando foi questionada sobre a utilização da palavra ‘‘macaco’’. Acrescentou que confirmou o fato, contudo, com a explicação de que a declaração não teve cunho discriminatório ou ofensivo.

Tratamento ríspido

Para o relator, as declarações da própria profissional não deixaram dúvida sobre a existência do comentário com a utilização de expressão pejorativa. Com relação à forma como a mãe dos gêmeos foi tratada pela técnica, a própria paciente, ouvida como testemunha da empregadora, disse que foi atendida pela ex-empregada após o nascimento de seus filhos, e que, em uma determinada noite, foi tratada de forma ríspida e inadequada, não tendo recebido qualquer auxílio por parte da técnica de enfermagem, embora ela estivesse responsável pelos dois bebês, que, segundo alegou, choravam muito.

A paciente confirmou que a profissional lhe disse que um dos bebês parecia um ‘‘macaquinho’’, de tão ‘‘cabeludinho’’, afirmando que o fato a fez chorar e a deixou muito chateada. Disse que, após o ocorrido, fez uma reclamação junto à ouvidoria da maternidade.

Testemunha apresentada pela instituição de saúde, que ocupava o cargo de enfermeira e assumiu o plantão após o término da jornada da técnica de enfermagem, relatou que foi comunicada por outra enfermeira, pela secretária e pela paciente sobre os fatos ocorridos. Contou que a paciente lhe disse que não havia sido bem tratada pela técnica de enfermagem, que se mostrou indisponível para ajudar com os bebês e que comparou um deles a um ‘‘macaquinho’’. Declarou que levou o fato ao conhecimento da coordenadoria e que a mãe estava muito chorosa e abalada emocionalmente. Afirmou que a paciente do leito ao lado também lhe relatou os mesmos fatos informados pela mãe.

Para o desembargador-relator, ‘‘a situação da puérpera é ainda mais delicada quando o bebê a que deu a luz demanda, por alguma razão, internação em UTI pediátrica, o que deixa a mãe, já fragilizada pelo estado puerperal, ainda mais apreensiva’’.

Falta de acolhimento

Na avaliação do desembargador, a conduta profissional esperada da técnica de enfermagem era de acolhimento e cuidado com a mãe e com os filhos recém-nascidos, sobretudo porque esta não contava com qualquer outra ajuda, em razão de regras internas da própria maternidade, sendo as técnicas e enfermeiras as únicas pessoas com quem poderia contar.

‘‘O infeliz comentário da técnica de enfermagem em relação a um dos bebês, ainda que sem intenção pejorativa ou racista, sem dúvida, é ofensivo, sobretudo sem qualquer contextualização no momento em que realizado e, ainda, desprovido de um necessário e esperado pedido de desculpas posterior’’, registrou o relator.

De acordo com o relator, as explicações da ex-empregada não afastam a gravidade do ocorrido, mesmo porque, tratando-se de profissional experiente e que lidava, diuturnamente, com mães em situação de vulnerabilidade, deveria ter ciência de que determinados comentários não são adequados e devem ser evitados, sobretudo se passíveis de interpretações ambíguas.

Além disso, na visão do relator, acolhida pelos demais julgadores, a profissional não procedeu de forma adequada no decorrer do plantão, tendo tratado a paciente com rispidez e deixado de lhe oferecer o necessário auxílio com os bebês recém-nascidos, situação que foi considerada ainda mais grave por ter ocorrido no período noturno, quando a mãe já estava cansada dos cuidados destinados aos filhos ao longo de todo o dia.

A técnica de enfermagem ainda tentou levar ao caso ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), mas o recurso de revista (RR) foi inadmitido pelo TRT-MG. Assim, o processo foi arquivado definitivamente. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

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0010025-71.2022.5.03.0138 (Belo Horizonte)