ENQUADRAMENTO
Empresa que registrou arquiteta como desenhista é condenada a pagar piso profissional

Reprodução Site TRT-MT

Uma arquiteta, registrada pelo escritório Ilana Santiago e Silva Alves Serviços de Arquitetura e Interiores (Cuiabá) como desenhista, garantiu na Justiça do Trabalho o direito ao enquadramento correto da profissão. A decisão obriga a empresa a pagar as diferenças salariais por ter remunerado a profissional abaixo do piso da categoria.

O julgamento, ocorrido na 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (TRT-23, Mato Grosso), modifica sentença da 2ª Vara do Trabalho de Cuiabá, que, no aspecto, havia negado o pedido da trabalhadora.

A arquiteta recorreu à Justiça do Trabalho alegando que, apesar de sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) ter sido assinada como desenhista/projetista, exerceu, de fato, a função de arquiteta durante os dois anos em que trabalhou na empresa, sem receber o piso salarial da categoria.

A empresa, por sua vez, argumentou que a ex-empregada atuava como desenhista no setor de detalhamento, função que poderia ser desempenhada inclusive por estagiários ou mesmo profissionais da área de edificações e que somente a proprietária da empresa desempenhava o papel de arquiteta.

Anúncio de vaga para arquiteto

O representante da empresa afirmou, em audiência, que o anúncio da vaga foi padrão, direcionado a profissionais formados em Arquitetura para facilitar o processo seletivo, mas que na entrevista era esclarecido a esses profissionais o papel a ser desempenhado após a contratação.

Des. Aguimar Peixoto foi o relator
Foto: CCS/TRT-MT

Os desembargadores do TRT-MT concluíram, no entanto, que, além da vaga anunciada ser para profissionais da Arquitetura, a reclamante foi selecionada e contratada como arquiteta. Destacaram ainda que a empresa confessou a busca por arquitetos e que a proposta aceita vincula ambas as partes, ainda que posteriormente a profissional tenha desempenhado funções que não são exclusivas de arquitetos.

‘‘Ou seja, há confissão de que a ré prospectava profissionais arquitetos para o preenchimento de vaga de arquiteto, como expressamente se verifica no anúncio. Aceita a vaga pela autora, a proposta vincula as partes, ainda que posteriormente a empregadora destine a trabalhadora ao desempenho de funções que não sejam exclusivas de tal profissional. Tal situação, contudo, não pode pesar em desfavor da empregada, que respondeu à oferta da vaga como anunciada’’, explicou o relator do recurso ordinário, desembargador Aguimar Peixoto.

Primazia da realidade

Conforme destacou o relator, o contrato de trabalho é regido pelo princípio da realidade, onde o cotidiano prevalece sobre os elementos formais da contratação, sendo que, no caso, as provas apontam para o enquadramento da profissional como arquiteta.

Com isso, por unanimidade, os desembargadores julgaram que se aplica ao caso a Lei 5.194/66, que regulamenta as profissões de engenheiro, arquiteto e engenheiro agrônomo. A legislação estabelece que a remuneração dos arquitetos deve ser de seis salários-mínimos para uma jornada de até seis horas diárias, acrescida de 1,25 salários-mínimos por hora excedente.

Desse modo, a 2ª Turma fixou a remuneração da profissional em 8,5 salários-mínimos, tendo em vista que a jornada da trabalhadora era de oito horas.

A decisão obriga a empresa a pagar as diferenças entre a remuneração paga ao longo do contrato e o piso da categoria, além dos reflexos nas demais verbas, como 13º salário, férias e FGTS. A empresa também foi condenada ao pagamento de honorários do advogado da trabalhadora. Redação Painel de Riscos com informações de Aline Cubas, Secretaria de Comunicação Social do TRT-23.

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ATOrd 0000307-78.2023.5.23.0002 (Cuiabá)

IMPORTAÇÃO DA CHINA
Documento inapto para o desembaraço não fundamenta, por si só, pena de perdimento

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A simples retificação do nome do importador na fatura comercial, a partir de documento desnecessário ao desembaraço, não pode ser caracterizada automaticamente como fraude pela autoridade alfandegária, dando ensejo à infração aduaneira de falsidade documental.

Nesse entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) manteve sentença que anulou auto de infração lavrado pela Fazenda Nacional (União) contra a Carbonsteel Comercial Importadora Ltda., sediada em São Paulo, que havia importado uma quantidade expressiva de peças de aço carbono da China. Como reflexo da decisão judicial, a empresa se livrou do perdimento da carga, pena aplicada em função de presunção de falsidade documental.

Para o relator da apelação, desembargador Rômulo Pizzolatti, se o fundamento para a aplicação da pena de perdimento sugerida no auto de infração é inservível, por si só, agiu acertadamente a juíza da 2ª Vara Federal de Joinville (SC), Geórgia Zimmermann Sperb, que decretou a nulidade do procedimento administrativo.

Nas duas instâncias da Justiça Federal da 4ª Região, ficou claro que a nova fatura apresentada – embora com nome errado do importador – não tinha potencial para provocar dano ao erário, bastando que fosse desconsiderada quando da sua apresentação.

Desembargador Rômulo Pizzolatti foi o relator
Foto: Sylvio Sirangelo/ACS/TRF-4

Uma importação e duas importadoras que são uma só

Com base nos documentos anexado à peça inicial e a partir das alegações da parte autora, o desembargador Pizzolatti já havia vislumbrado a dinâmica dos fatos e dado solução à lide ao julgar agravo de instrumento na Turma. Acompanhe a síntese do raciocínio do experiente julgador, a seguir.

Primeiro, uma pessoa física iniciou negociação de mercadoria no exterior quando integrava a empresa 1 (Carbonsteel Importação e Exportação Eireli). Assim, tendo a pessoa física encerrado sua relação com a empresa 1, constituiu uma nova empresa (empresa 2, denominada Carbonsteel Comercial Importadora Ltda.), por meio da qual seguiu com os atos de importação.

Daí, decorreu inconsistência nos documentos da operação, pois a fatura comercial foi emitida no nome da empresa 1, ao passo que a Declaração de Importação (DI) foi registrada pela empresa 2. A autoridade alfandegária identificou a inconsistência e solicitou esclarecimentos ao importador, o qual provocou o exportador a alterar a fatura comercial, para que constasse o nome da empresa 2.

Ao avaliar este novo documento – emitido pré-datado, já que mantida a data da fatura inicial, em que a empresa 2 sequer existia formalmente –, a autoridade aduaneira concluiu haver falsidade documental. Por conta disso, lavrou auto de infração para propor a pena de perdimento da mercadoria importada.

Nova fatura não era ‘‘documento necessário’’ ao desembaraço

Para Rômulo Pizzolatti, a pena de perdimento, nessas situações, é prevista para a falsidade ou adulteração de documento necessário ao seu embarque ou desembaraço, conforme o inciso VI do artigo 689 do Decreto 6.759/09, que regulamenta a administração das atividades aduaneiras e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior.

Assim, não seria adequado tomar um documento complementar – apresentado espontaneamente pelo importador em resposta a exigência em que se demandavam esclarecimentos – como documento necessário. Ainda mais que a fatura original já constava do despacho de importação.

‘‘É dizer, quando muito, poderia a autoridade aduaneira ter desconsiderado a ‘nova fatura’ pretensamente ‘retificadora’, mesmo por falsificada, mas […] não reputar este documento, grosseiramente desconexo diante da declaração de importação e flagrantemente inapto a sintetizar a operação comercial, como um ‘documento necessário ao embarque ou desembaraço’ e a partir disso promover a pena de perdimento das mercadorias. A rigor, esta ‘nova fatura’, imprestável, trata-se mesmo de um documento desnecessário ao despacho de importação’’, escreveu no acórdão.

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5022227-06.2022.4.04.7201 (Joinville-SC) 

 

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ABALO MORAL
Telefônica de Belo Horizonte vai indenizar ex-empregado alvo de memes no trabalho

Reprodução Pinterest

Tolerar brincadeiras que magoam colega no ambiente de trabalho é atitude antijurídica e ilícita passível de indenização por dano moral, principalmente se retrata a sua aparência de forma jocosa. Trata-se de conduta patronal que viola direitos de personalidade assegurados no inciso X do artigo 5º da Constituição – privacidade, intimidade, honra e imagem.

Nesse norte, a Décima Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais) manteve, no aspecto, sentença que condenou a Telefônica Brasil S.A. a pagar R$ 2 mil a um ex-funcionário alvo de memes por parte de colegas. Por meio de fotomontagens, eles satirizavam a aparência dele, tratando-o pelos apelidos de ‘‘colombiano’’ ou ‘‘peruano’’.

Meme é uma mensagem quase sempre de tom jocoso ou irônico que pode ou não ser acompanhada por uma imagem ou vídeo e que é intensamente compartilhada por usuários nas mídias sociais.

Apelidos desagradáveis

O trabalhador, que exercia a função de atendente de telemarketing, alegou que faz jus ao recebimento de reparação por dano moral em razão de diversas situações de assédio que viveu. Uma delas se refere aos apelidos, que não eram do seu agrado.

Testemunha confirmou a versão do trabalhador. Contou que, vez ou outra, aparecia um meme com a foto do trabalhador escrito colombiano, ou com uma montagem dele com uma flauta. Afirmou que o reclamante era chamado pelo apelido na frente de todos, inclusive dos clientes.

A empresa reclamada argumentou que o autor da ação reclamatória não tinha sentimento negativo em relação aos apelidos colocados pelos colegas. Sustentou, ainda, que a prova oral demonstrou que o trabalhador tinha bom relacionamento com a gerência.

Chacotas atingem a honra do trabalhador

Para o relator do recurso ordinário, desembargador Antônio Gomes de Vasconcelos, é incontroverso que o autor foi alvo de apelidos, chacota e piadas, envolvendo a aparência dele. ‘‘Isso atingiu a honra, abalando-o moralmente’’, ponderou.

Segundo o julgador, o dano moral nesse caso é presumível. ‘‘Sobretudo considerando que a empregadora não tomou nenhuma providência para coibir o comportamento impertinente dos empregados ofensores’’, ressaltou.

No entendimento do desembargador, o fato de possuir bom relacionamento com os gerentes não afasta a obrigação da empresa de garantir um ambiente de trabalho saudável aos empregados e, particularmente, ao ofendido, como retratado nos autos.

Ele concluiu que a sentença da 41ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte não comporta modificação, negando provimento ao recurso da empresa nesse aspecto. A decisão foi acompanhada pelos demais julgadores do colegiado de segundo grau.

Atualmente, o processo aguarda decisão de admissibilidade do recurso de revista, para possível reapreciação no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

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ATOrd 0010973-84.2022.5.03.0179 (Belo Horizonte)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Auditores fiscais do trabalho têm competência para interditar empresas e embargar obras

A ministra Maria Helena Mallmann, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), homologou uma manifestação em que a União reconhece a competência dos auditores fiscais do trabalho para interditar estabelecimentos e embargar obras que violam normas de saúde e segurança do trabalho, sem necessidade de autorização do superintendente regional do trabalho. A homologação tem abrangência nacional e resultou de uma ação civil pública do Ministério Público do Trabalho (MPT).

Desvirtuamento de competência

Na ação, o MPT sustentava que havia incerteza jurídica sobre o tema, em razão da incompatibilidade entre o artigo 161 da CLT – que atribui essa competência aos superintendentes regionais do trabalho – e a Convenção 81 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Constituição Federal e os princípios que regem o Direito do Trabalho. Diante dessa incerteza, alguns superintendentes regionais estariam centralizando a competência, impedindo os auditores fiscais de interditar máquinas e embargar obras quando constatassem situação de grave risco para a saúde ou a segurança do trabalhador.

Para o MPT, o superintendente não seria a pessoa mais indicada para essa competência, ‘‘até por não dispor de conhecimento técnico especializado sobre algumas matérias e por não ser pessoa concursada nos quadros da administração’’.

O pedido foi julgado procedente pelo Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, que entendeu que, segundo a Convenção 81 da OIT, ratificada pelo Brasil, os agentes responsáveis pela fiscalização, em campo, das condições do meio ambiente de trabalho (no caso, os auditores fiscais) têm competência para eliminar as inseguranças que constatarem. O TRT também determinou que a União adaptasse, em seis meses, as normas que disciplinam a inspeção do trabalho, de modo a dar eficácia à sua decisão, e a se abster de praticar atos de ingerência, por meio dos superintendentes regionais ou outros cargos de chefia, nos atos administrativos de interdição e embargos realizados por auditores fiscais do trabalho.

Acordo

O recurso foi incluído na pauta de julgamento da Segunda Turma do TST de 13/3/2024. Um dia antes da sessão, porém, a União apresentou uma petição em que reconhecia a competência dos auditores fiscais do trabalho e pedia a extinção do processo.

Em 2023, a União e o MPT firmaram um acordo (Acordo de Cooperação Técnica 1/2023) essencial para esse resultado. O reconhecimento dos pedidos do MPT pela União resultou em uma homologação judicial que permite aos auditores fiscais do trabalho agir autonomamente para proteger a segurança e a saúde dos trabalhadores. Com isso, fica proibida a interferência dos superintendentes regionais do trabalho ou de outros cargos de chefia no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) nessas decisões, garantindo, na prática, maior autonomia aos auditores fiscais e mais agilidade nas suas ações.

Ao examinar o pedido, a ministra Maria Helena Mallmann concluiu que a submissão da União ao pedido do MPT privilegia o interesse público e, portanto, é viável sua homologação. Com informações do técnico judiciário Bruno Vilar, compiladas pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

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RR-10450-12.2013.5.14.0008

PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
A obrigação de proteger o meio ambiente mesmo quando o dano é incerto

Reconhecido por seu protagonismo em matéria ambiental, o Brasil regula a proteção ao meio ambiente não só na Constituição – a exemplo do artigo 225 –, mas também em leis federais, estaduais e municipais. Há, além disso, todo um sistema de normas e princípios construído em convenções internacionais às quais o país aderiu nas últimas décadas.

Um desses princípios é o da precaução, consagrado na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92), segundo o qual a falta de certeza científica absoluta não justifica deixar de tomar as providências necessárias para prevenir danos possivelmente graves e irreversíveis. Em outras palavras: ainda que o dano ambiental seja incerto, ele deve ser levado em consideração quando determinada ação puder causá-lo.

Muito além de um simples balizador de condutas, o princípio da precaução gera diversos efeitos concretos, a exemplo da inversão do ônus da prova em ações que discutem potencial dano ambiental, transferindo ao possível poluidor a obrigação de provar que sua conduta não traz riscos ao mesmo ambiente. Esse é um dos vários entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito do princípio da precaução.

Inversão do ônus da prova se aplica às ações de degradação ambiental

Foi com base no princípio da precaução que, em 2010, a Corte Especial do STJ julgou o REsp 883.656 e adotou um entendimento sobre inversão do ônus da prova que viria a servir de precedente para a edição da Súmula 618.

O colegiado assentou que, diante do dever genérico e abstrato de conservação do meio ambiente, o princípio da precaução estabelece um regime ético-jurídico no qual o exercício de atividade potencialmente poluidora – sobretudo quando perigosa – conduz à inversão das regras de gestão da licitude e causalidade da conduta, com a imposição ao empreendedor do encargo de demonstrar que sua ação é inofensiva.

O ministro Herman Benjamin, relator, destacou que, no contexto do Direito Ambiental, o princípio da precaução transforma a máxima in dubio pro reo em in dubio pro natura, trazendo consigo uma forte presunção a favor da proteção da saúde humana e do meio ambiente.

‘‘A responsabilidade de demonstrar a segurança passa para as mãos daqueles que conduzem atividades potencialmente perigosas, o que representa um novo paradigma: antes, o poluidor se beneficiava da dúvida científica; agora, a dúvida funcionará em benefício do meio ambiente’’, expressou o ministro.

‘‘A própria natureza indisponível do bem jurídico protegido (o meio ambiente), de projeção intergeracional, certamente favorece uma atuação mais incisiva e proativa do juiz, que seja para salvaguardar os interesses dos incontáveis sujeitos-ausentes, por vezes toda a humanidade e as gerações futuras. Ademais, o cunho processual do artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor liberta essa regra da vinculação exclusiva ou do confinamento à relação jurídica de consumo. Por derradeiro, a incidência do princípio da precaução, ele próprio transmissor por excelência de inversão probatória, base do princípio in dubio pro natura, induz igual resultado na dinâmica da prova’’, arrematou.

Na falta de certeza científica, prevalece a defesa do meio ambiente

Em 2012, ao discutir um caso que envolvia a queima de canaviais, a Segunda Turma do STJ reafirmou o princípio da precaução: a ausência de certezas científicas não pode ser argumento utilizado para postergar a adoção de medidas eficazes para a proteção do meio ambiente.

O colegiado deu provimento ao recurso especial interposto pelo Ministério Público (REsp 1.285.463) em processo no qual o órgão pedia a anulação de todas as autorizações para a queima de canaviais na comarca de Jaú (SP) e a proibição de que outras fossem concedidas.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) havia entendido que, como não existiam dados capazes de provar cientificamente que a fuligem da cana-de-açúcar causa câncer – como sustentavam os críticos das queimadas –, o Judiciário não poderia paralisar a atividade canavieira do Estado, a qual proporcionava pelo menos 15 milhões de empregos diretos e indiretos.

O relator do recurso especial no STJ, ministro Humberto Martins, amparado no princípio da precaução, afirmou que, ‘‘na dúvida, prevalece a defesa do meio ambiente’’. Em seu voto, ele argumentou ainda que a possibilidade legal de autorização para o uso do fogo no processo produtivo agrícola não abrange as atividades exercidas de forma empresarial, que ‘‘dispõem de condições financeiras para implantar outros métodos menos ofensivos ao meio ambiente’’.

Na análise de medidas urgentes, periculum in mora favorece o meio ambiente

No julgamento do AgInt na TP 2.476, a Primeira Turma entendeu que, no exame de medidas de urgência em matéria ambiental, à luz dos princípios da precaução e da prevenção, o periculum in mora milita em favor da proteção do meio ambiente, não sendo possível a adoção de outra solução senão o imediato resguardo da pessoa humana e do meio ambiente, principalmente em situações críticas.

O Ministério Público ajuizou ação civil pública contra uma empresa que estaria causando danos ambientais ao utilizar um imóvel como depósito de resíduos siderúrgicos da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). O MP alegou que as montanhas de lixo estariam contaminando a água no subsolo e causando poluição atmosférica pela dispersão de partículas com o vento.

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) manteve a decisão de primeiro grau que limitou a quantidade e a altura das pilhas de escória recebidas mensalmente no depósito, por entender que ficou comprovado que esse material colocava em risco as populações vizinhas, o lençol freático da região e o rio Paraíba do Sul. Contra essa decisão, a empresa interpôs recurso especial com pedido de efeito suspensivo, o qual foi concedido pela vice-presidência do TRF-2. No entanto, após solicitação de tutela provisória pelo MP, o STJ revogou o efeito suspensivo – decisão da qual a empresa recorreu.

A ministra Regina Helena Costa, relatora do recurso, ponderou que o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, presente no caput do artigo 225 da Constituição Federal, é interesse difuso, de titularidade transindividual. E os princípios da precaução e da prevenção impõem a priorização de medidas que previnam danos à vulnerável biota planetária, bem como a garantia contra perigos latentes, ainda não identificados pela ciência.

‘‘Não se pode adotar outra solução, senão o imediato resguardo da pessoa humana e do meio ambiente, principalmente em quadros fáticos críticos como o presente, no qual, segundo apontou o tribunal de origem, já há constatação de prejuízos à saúde e à segurança da população’’, expressou no voto.

A magistrada ressaltou que, em conformidade com o princípio da precaução, é necessária a inversão do ônus da prova em ações civis ambientais, atribuindo ao empreendedor a responsabilidade de provar que o meio ambiente permanece intacto mesmo com o desenvolvimento de suas atividades.

‘‘Não se extrai dos autos nenhuma comprovação, pelo agravante, de que sua atividade não causaria a degradação apontada na ação civil pública, constatando-se, na verdade, a iminente ameaça de severos danos ambientais, bem como à saúde pública de um sem-número de pessoas, mormente pelo risco concreto de contaminação do rio Paraíba do Sul’’, concluiu a ministra ao negar provimento ao recurso.

Pode haver indenização por dano ambiental mesmo sem prova do prejuízo

Sob a relatoria do ministro Franscisco Falcão, analisando um caso de despejo irregular de esgoto, a Segunda Turma do STJ concluiu que a ausência de prova técnica para a comprovação do efetivo dano ambiental não inviabiliza o reconhecimento do dever de reparação ambiental.

A posição do colegiado se deu no julgamento do REsp 2.065.347, em que o Ministério Público pedia a condenação de um clube e uma pessoa física por lançamento irregular de esgoto no estuário do rio Capibaribe, em Recife. Após o juízo de primeiro grau condenar os réus ao pagamento de indenização por danos ambientais e danos morais coletivos, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) reformou a sentença, por entender que não havia prova técnica dos danos.

O relator no STJ destacou que, diante de dano ambiental notório, é desnecessária, como regra, a realização de perícia, pois seria diligência inútil e meramente protelatória (artigo 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil). Nesses casos, segundo o ministro, basta a prova da conduta imputada ao agente.

Falcão também apontou que a responsabilidade civil por danos ambientais, na situação dos autos, fundamentava-se na teoria do risco administrativo e decorria do princípio do poluidor-pagador, que imputa ao poluidor – aquele que internaliza os lucros – a responsabilização pelo impacto causado no meio ambiente.

‘‘Diante dos princípios da precaução e da prevenção, e dado o alto grau de risco que a atividade de despejo de dejetos, por meio do lançamento irregular de esgoto – sem qualquer tratamento e em área próxima à localização de arrecifes –, representa para o meio ambiente, a ausência de prova técnica pela parte autora não inviabiliza o reconhecimento do dever de reparação ambiental’’, concluiu o ministro ao restabelecer a sentença.

Juiz deve inverter ônus da prova se ficar evidenciada presunção do dano

Sob relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a Terceira Turma definiu, no AREsp 1.311.669, que, quando ficar evidenciada a presunção do dano, o magistrado deve inverter o ônus da prova e determinar que a parte ré demonstre a não existência ou a irrelevância dos prejuízos alegados na ação, bastando aos autores, por sua vez, provar a potencialidade lesiva da atividade.

Na origem do caso, dois pescadores ajuizaram ação de indenização contra a concessionária responsável pela construção de uma hidrelétrica, sustentando que a obra causou a diminuição da quantidade de peixes na região e prejudicou a atividade pesqueira. Por entender que o nexo causal e os prejuízos não foram demonstrados, as instâncias ordinárias afastaram o dever de indenizar.

No STJ, o ministro Cueva observou que a construção da hidrelétrica e a redução da quantidade de peixes são fatos incontestáveis, devendo a questão ser dirimida, portanto, pela interpretação das leis aplicáveis e à luz dos princípios norteadores do Direito Ambiental.

Segundo o ministro, a Lei 6.938/1981 adotou a sistemática da responsabilidade objetiva, que foi integralmente recepcionada pela ordem jurídica atual, tornando-se irrelevante a discussão da conduta do agente (culpa ou dolo) para atribuição do dever de reparação do dano. Além disso, segundo o magistrado, o artigo 4º, inciso VII, da mesma lei, prevê expressamente o dever de recuperar ou indenizar os danos causados, independentemente da existência de culpa.

‘‘Basta que haja um nexo de causalidade provável entre a atividade exercida e a degradação, devendo ser transferido para a concessionária todo o encargo de provar que sua conduta não ensejou riscos para o meio ambiente, bem como a responsabilidade de indenizar os danos causados’’, apontou no voto.

‘‘Não obstante a responsabilidade ser objetiva, o dano ser evidente e a necessidade de comprovação do nexo de causalidade ser a regra, não se pode deixar de ter em conta os princípios que regem o Direito Ambiental (precaução, prevenção e reparação)’’, afirmou o relator. Ele acrescentou que, na falta de provas cientificamente relevantes sobre o nexo causal entre certa atividade e o dano ao meio ambiente, este deve ter o benefício da dúvida.

Seguindo o voto do ministro, o colegiado determinou o retorno dos autos à origem para que houvesse novo julgamento, após a inversão do ônus da prova.

Atuação do administrador deve ser regida, cada vez mais, pela precaução

Ao negar provimento ao AgInt no AREsp 2.067.641, a Segunda Turma, com base no princípio da precaução, manteve a decisão que havia determinado a uma empresa ferroviária, após vários acidentes, a adoção do regime de ‘‘duplacondução’’ nos trens que transportassem cargas perigosas.

No caso, a empresa interpôs recurso especial, argumentando que, ao exigir a implementação da ‘‘duplacondução’’ nos trens, em vez da ‘‘monocondução’’, a administração pública teria alterado unilateralmente o contrato administrativo durante sua vigência, causando a quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato e vionlado a segurança dos negócios jurídicos.

Em seu voto, o ministro Herman Benjamin, relator, observou que, no sistema jurídico brasileiro, a administração pública é titular de ampla atribuição cautelar, incumbindo aos seus agentes o dever de adotar, em relação a pessoas físicas ou jurídicas, medidas concretas que impeçam ou reduzam acidentes e outros eventos danosos à integridade físico-psíquica e a bens materiais e imateriais de terceiros, assim como ao meio ambiente e ao patrimônio público em geral.

Nesse sentido, o relator ponderou que a atuação do administrador contemporâneo se rege pelo princípio da prevenção e, cada vez mais, pelo princípio da precaução, até porque seria um absurdo defender que o estado ‘‘corra atrás do prejuízo’’, sobretudo se confrontado com ameaça ou ofensa de efeitos coletivos, algo que descaracterizaria a missão estatal e as expectativas sociais às quais deve estrita obediência.

“Entre a segurança jurídica dos contratos e a segurança das pessoas e do meio ambiente, só daria preferência àquela em prejuízo desta um legislador (ou juiz) insensível ao princípio da supremacia do interesse público, alienado da centralidade da comunidade da vida como valor de regência primordial no consenso normativo das sociedades democráticas do mundo todo”, declarou. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 883656

REsp 1285463

TP 2476

REsp 2065347

AREsp 1311669

AREsp 2067641