CRITÉRIO CONTÁBIL
Câmara de Direito Empresarial do TJ-SP não reconhece fundo de comércio na apuração de haveres de sócio retirante

Imprensa TJ-SP

Desembargador Eduardo Azuma Nishi foi o relator
Foto: José Luis da Conceição/OAB-SP

A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou que o fundo de comércio de uma empresa – ou seja, a combinação de ativos (tangíveis e intangíveis) e passivos gerados ou tomados no exercício da atividade – não deve ser considerado no processo de apuração de haveres de sócio retirante. Antes, o valor apurado deve ser retirado do montante total a ser pago ao autor da ação.

De acordo com os autos, não há disposição específica no contrato social da empresa em questão, que fala de ‘‘balanço patrimonial extraordinário’’. Nesse caso, afirmou o relator do recurso de apelação, desembargador Eduardo Azuma Nishi, aplica-se o artigo 606 do Código de Processo Civil (CPC-2015). O dispositivo privilegia o critério contábil pautado na valoração patrimonial, e não econômica, na apuração de haveres de sócios.

Valor contábil do patrimônio

‘‘O critério previsto no CPC, e que já era o definido no CC 2002 [Código Civil], considera a história da sociedade culminada no momento de sua dissolução, não contemplando os resultados futuros. Considera o valor contábil do patrimônio, apurado segundo princípios de contabilidade, notadamente os de conservadorismo e de escrituração pelo custo de aquisição, apurado em balanço especialmente levantado na data da dissolução, ajustado pelos valores de saída ou de realização.’’

Para o magistrado, admitir o critério de avaliação baseado no valor econômico da empresa, que é aquele utilizado para dimensionar o valor do fundo de comércio, ‘‘acabaria por reconhecer uma participação do sócio retirante, ou excluído, nos lucros futuros da sociedade, ainda que não mais participasse do risco do negócio, o que é incompatível com a lógica da atividade empresarial, em que o lucro é a contrapartida direta do risco e do capital empregado em determinado negócio, que, com a saída do sócio, não mais subsistiriam’’, fundamentou no acórdão de apelação.

Em linha com a jurisprudência superior

O relator destacou que essa é a jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema. ‘‘O entendimento mais recente da Corte Superior é no sentido de não admitir a inclusão do fundo de comércio na apuração de haveres do sócio retirante, o que representa um novo paradigma no tema da apuração dos haveres’’, escreveu.

A exclusão do fundo de comércio, no entanto, não afeta itens intangíveis que possuem valores intrínsecos e que integram o balanço patrimonial contábil da sociedade, como as marcas registradas, que devem ser levadas em consideração na apuração de haveres dos sócios.

Também participaram do julgamento os desembargadores Cesar Ciampolini, Jane Franco Martins, J. B. Franco de Godoi e Alexandre Lazzarini. A decisão foi por maioria de votos.

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1000712-41.2015.8.26.0068 (Foro de Barueri-São Paulo)

TRANSFERÊNCIA DE RISCOS
Gerente presa por manter produtos vencidos será indenizada pela rede Pão de Açúcar

Secom TST

Ministro Maurício Godinho Delgado foi o relator
Foto: Secom TST

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) rejeitou recurso da Companhia Brasileira de Distribuição (rede Pão de Açúcar) contra decisão que a condenou a indenizar uma gerente que chegou a ser presa após a fiscalização encontrar produtos vencidos no supermercado que ela coordenava, no Alto de Pinheiros, em São Paulo. Para o colegiado, a empresa não poderia transferir à empregada os riscos do empreendimento. A decisão foi unânime.

Prisão em flagrante

O episódio ocorreu em maio de 2010, quando a polícia decretou a prisão em flagrante da gerente por crime contra as relações de consumo. Ela foi liberada no mesmo dia, após pagamento de fiança pela empresa. Segundo ela, os advogados da rede a apresentaram como responsável pelo crime, por ser gerente da loja.

Liberdade de locomoção

Na ação, ela informou que, em decorrência da ação penal, sofreu cerceio à liberdade de locomoção. Em 2016, o processo foi suspenso por dois anos, desde que ela aceitasse algumas condições, como a proibição de frequentar alguns lugares e de se ausentar da comarca onde reside por mais de oito dias sem autorização judicial, além da obrigação de comparecer trimestralmente a juízo, para informar e justificar suas atividades.

Manutenção do contrato

O pedido de indenização foi deferido pelo juízo de primeiro grau, no valor de R$ 50 mil. Ao confirmar a sentença, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo) observou que, apesar de ter atribuído a responsabilidade pelo crime à gerente, o contrato de trabalho foi mantido por mais de cinco anos, o que anula o argumento da culpa pela presença de produtos vencidos.

O TRT-SP destacou, também, a possibilidade de falha humana na conferência dos cerca de 2.500 produtos da loja. O controle da data de validade era apenas visual, e não informatizado. A aquisição de programa informatizado para essa finalidade não estaria inserido nos poderes de gestão da gerente.

Negligência

O relator do recurso do Pão de Açúcar, ministro Maurício Godinho Delgado, assinalou a conduta negligente da empresa, de grande porte no setor de hipermercados. ‘‘Ao deixar de adotar medidas eficazes de verificação da validade dos produtos, a rede transferiu para a trabalhadora a obrigação que não estava exclusivamente na sua esfera pessoal de controle, causando-lhe inegável sofrimento’’, afirmou.

Na avaliação do relator, os fatos transcritos pelo acórdão do TRT-SP não demonstram a negligência direta da gerente na verificação da validade dos produtos, pois a vistoria dependeria de um sistema mais complexo de monitoramento e não poderia ser feita de modo individual e pessoal.

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AIRR-1000602-37.2017.5.02.0053-SP

COMPLEXO DE SAÚDE
Sem reconhecimento de grupo econômico, sócios de clínica não arcarão com dívida trabalhista de hospital

Secom TRT-4

A Seção Especializada em Execução (SEEx) do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) não reconheceu a formação de grupo econômico entre o Hospital Petrópolis e uma clínica médica que ocupava as instalações do Medicentro, anexa à instituição.

Com a decisão do colegiado, os dois sócios da clínica foram excluídos da ação em que uma auxiliar de enfermagem cobrava dívida trabalhista do hospital, que tem sede no bairro do mesmo nome, em Porto Alegre. Os desembargadores determinaram a devolução de valores bloqueados nas contas bancárias e a retirada de restrição sobre veículos dos empresários.

Alegação de sucessão empresarial

Desembargador Janney Camargo Bina foi o relator
Foto: Secom TRT-4

Após ordem judicial em razão de crimes cometidos pelos administradores, o Hospital Petrópolis encerrou as atividades em 2013. A empregada alegou que a clínica médica foi sucessora do hospital. A tese não foi comprovada. Não havia prestação de serviços idênticos ou utilização da mesma mão de obra. A própria empregada afirmou nunca ter trabalhado para a clínica.

Do exposto na petição inicial pela autora, foi confirmado, apenas, que clínicas oftalmológicas, radiológicas e de outras especialidades médicas ocupavam as instalações dentro do mesmo prédio, conhecido como Medicentro. Além disso, a clínica dos réus existia antes do encerramento das atividades do hospital e não comprou o imóvel após o seu fechamento.

Sem prova de ‘‘comunhão de interesses’’

‘‘Não há qualquer prova da comunhão de interesses com vista a um mesmo objetivo ou ainda efetiva atuação conjunta entre as empresas, mas mero exercício da atividade empresarial em um mesmo complexo de saúde’’, afirmou o relator do agravo de petição, desembargador Janney Camargo Bina.

Para os magistrados integrantes da Seção Especializada em Execução do TRT-4, o grupo pode ser constituído de forma hierarquizada, quando uma empresa individual ou coletiva controla as demais; ou pode ser formado por coordenação, quando há unidade de objetivo empresarial.

Os desembargadores entenderam, de forma unânime, que nenhuma das hipóteses foi configurada no caso dos autos.  Não houve recursos contra a decisão. (Redação Painel com Sâmia Garcia/Secom TRT-4)

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0000581-53.2013.5.04.0024 (Porto Alegre)

LOCALIZAÇÃO POR GPS
Barco flagrado em local proibido não pode ser autuado por pesca ilegal, confirma a 1ª Turma do TRF-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não pode lavrar auto-de-infração se baseando exclusivamente em informações coletadas de sistemas de sensoriamento remoto. Afinal, pela leitura do artigo 35 do Decreto 6.514/2008, a infração administrativa só se configura com o ato concreto de ‘‘pescar peixes’’ em período ou local proibido.

Com este entendimento, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) confirmou os exatos termos da sentença que anulou dois autos-de-infração – e as respectivas execuções fiscais – lavradas contra a empresa Pescar Captura e Comércio de Peixes Ltda, localizada em Porto Belo (SC). As multas aplicadas chegaram à casa dos R$ 120 mil.

Ação anulatória

Na ação anulatória ajuizada na 5ª Vara Federal de Blumenau (SC), a empresa negou que tenha havido pesca com rede de cerco em local proibido, mas ‘‘eventual trânsito da embarcação’’ na área, registrado por meio do Programa de Rastreamento de Embarcações Pesqueiras por Satélite (PREPS). Tal ocorreu – explicou – porque, nas capturas de tainha, as embarcações tentam ‘‘perseguir’’ os cardumes. Quando estes saem da área proibida, faz-se a pesca, o que justifica a navegação naquela zona, visto que não existe qualquer vedação legal nessa prática.

Assim, segundo a empresa pesqueira, o Ibama não poderia ter lavrado um auto-de-infração apenas porque a sua embarcação apresentou ‘‘comportamento de procura por cardumes’’. Isso porque o relatório da fiscalização, que teria atestado a pesca, tem como prova de ilegalidade somente os registros de localização via satélite.

Auto-de-infração sem materialidade

Ao citar o artigo 35 do Decreto 6.514/2008, o juiz federal Leoberto Simão Schmitt Junior disse que, para a caracterização da infração, é preciso que seja demonstrada efetivamente a prática da conduta ilícita. Ou seja, no caso a de ‘‘pescar’’, ou então alguma das condutas previstas no parágrafo único. E o ato efetivo de ‘‘pesca’’, deduziu, não foi demonstrado.

Para o julgador, o Ibama deveria ter instruído o relatório de fiscalização com fotografias, mostrando as redes da embarcação jogadas no local proibido, ou a apreensão de pescado em porto ou pier, aliada aos registros do PREPS. Isso tudo com declaração do agente fiscal que tenha presenciado alguma das condutas previstas artigo 35 do referido Decreto.

Itinerário não é prova

Desembargador Leandro Paulsen foi o relator
Foto: Sylvio Sirangelo

‘‘Este juízo não está afirmando que a atividade da autora [empresa de pesca], nos dois pontos identificados pela fiscalização, não enseje graves suspeitas de que houve pesca ilegal. Todavia, desde as fundadas suspeitas até a imposição de cerca de cento e vinte mil reais em multas administrativas há um caminho (elementos de prova) que o Estado, por meio do Ibama, não logrou percorrer’’, justificou na sentença.

Em agregação aos fundamentos da sentença, o relator que negou a apelação do Ibama no TRF-4 seguiu na mesma linha. ‘‘Ocorre que a embarcação não foi abordada, não havendo mais informações acerca da alegada prática de atos tendentes à pesca, como apreensão de pescados ou de apetrechos para pesca, além da análise dos dados do PREPS e dos mapas de bordo, que apenas revelam qual o itinerário realizado no mar. Não foram produzidas provas orais ou periciais, revelando-se insuficiente a prova da materialidade’’, concluiu no acórdão o desembargador Leandro Paulsen.

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MELHOR COMPOSIÇÃO
STJ mantém redução de aluguel para espaço de coworking afetado pela pandemia

Imprensa STJ

Com base nos princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão judicial que, em razão da pandemia da Covid-19, reduziu em 50% o valor do contrato de locação de um espaço utilizado para coworking – ambiente de trabalho coletivo e colaborativo voltado para profissionais autônomos e pequenas empresas.

A redução foi estabelecida pelo prazo de três meses. Após esse período, a locatária poderá buscar uma nova readequação do valor contratual, caso seja de seu interesse.

Para a Quarta Turma, embora a pandemia tenha trazido efeitos negativos para ambas as partes da relação de locação não residencial, o caso dos autos revela um desequilíbrio econômico-financeiro exagerado contra a locatária, o que justifica a redução temporária do aluguel.

De acordo com a locatária, após as medidas de restrição de circulação de pessoas adotadas pelo governo do Distrito Federal para controle da pandemia, o atendimento no espaço foi drasticamente reduzido, pois deixou de ser utilizado pelas empresas. Apesar da situação de crise sanitária e dos prejuízos financeiros enfrentados pela empresa de coworking, que teve diminuição de mais de 27% em sua receita, a locadora manteve o valor integral do aluguel.

Em primeiro grau, o juiz confirmou a antecipação de tutela e condenou a locadora a reduzir o aluguel em 50%, por três meses, com previsão de reavaliação no fim do período. A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJ-DFT), segundo o qual a redução resguardaria os interesses de ambas as partes, preservando a empresa e mantendo o contrato de aluguel.

Fato imprevisível e extraordinário pode autorizar revisão contratual

Ministro Luís Felipe Salomão
Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE

Por meio de recurso especial (REsp), a locadora alegou que os ônus decorrentes da impossibilidade do pagamento dos aluguéis não poderiam ser transferidos a ela, pois esta seria a sua única fonte de renda.

O relator, ministro Luis Felipe Salomão, comentou que, no ordenamento jurídico brasileiro, a regra é a liberdade de contratar, e a exceção é a intervenção judicial para a revisão do pacto, especialmente após as alterações introduzidas pela Lei 13.874/2019.

Entre essas hipóteses excepcionais, explicou, está a ocorrência de fato superveniente – imprevisível e extraordinário – capaz de alterar, de forma significativa, o equilíbrio econômico e financeiro do acordo, trazendo situação de onerosidade excessiva para uma das partes e de vantagem extrema para a outra, nos termos do artigo 478 do Código Civil.

Embora reconheça que a Covid-19 tem sido vista por parte da doutrina como causa para a configuração do fato imprevisível e extraordinário, Salomão lembrou que o STJ, no REsp 1.998.206, entendeu que a revisão dos contratos em razão da pandemia não é automática, havendo a necessidade de se considerar a natureza do ajuste e a conduta das partes.

Locatária comprovou perda de receita e dificuldades para pagamento do aluguel

O ministro destacou que, nos espaços de coworking, há o compartilhamento do mesmo ambiente por diferentes profissionais, razão pela qual a atividade foi diretamente afetada pelas medidas restritivas impostas na pandemia.

Segundo ele, a empresa administradora do espaço coletivo comprovou adequadamente a queda de receita decorrente dessas limitações e, apesar disso, continuou obrigada a arcar com o valor integral da locação, quando as circunstâncias existentes à época do contrato foram drasticamente alteradas.

‘‘A fixação de um período determinado para que as partes possam se adequar às condições (adversas) que lhes foram impostas constitui medida salutar, capaz de promover a melhor composição para cada caso, especialmente quando a manutenção do contrato é viável, como no caso dos autos’’, concluiu o relator.

REsp 1984277-DF