LESÃO PÓS-CONTRATUAL
Justiça do Trabalho deve julgar ação indenizatória se homicídio de ex-empregado ocorreu dentro da empresa

Vista aérea do prédio do TST
Foto: Secom/TST

A Justiça do Trabalho tem competência para julgar uma ação de indenização por danos morais em razão do homicídio de um ex-empregado ocorrido três meses após o seu desligamento dentro das instalações de uma madeireira em Campina Grande do Sul (PR).

A conclusão é da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2), do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ao considerar que o episódio – motivado por conhecida rixa entre colegas – teve origem durante a relação de emprego, sem que a empresa tivesse tomado medidas para evitar a situação.

Estrangulamento

O autor do homicídio e a vítima haviam sido colegas de trabalho na Bublitz, Bublitz & Cia Ltda. O crime ocorreu durante um jantar no alojamento, em que os dois discutiram, e a vítima teria sido alvo de uma marmita arremessada contra ele. De acordo com testemunha, na mesma noite, o colega teria ameaçado a vítima com uma faca, enquanto este estava visivelmente embriagado.

Segundo relatos, ele teria sido levado para uma cama do alojamento e, na manhã do dia seguinte, foi encontrado morto, vítima de enforcamento. A suspeita é que o colega teria se aproveitado dessa situação de vulnerabilidade para asfixiá-lo até a morte.

Ação rescisória

A empresa foi condenada a pagar R$ 50 mil de indenização para cada uma das duas filhas do ex-funcionário falecido. Na ação rescisória, a Bublitz tentou anular a decisão definitiva da condenação, argumentando que, no momento do homicídio, a vítima já não era mais sua empregada, e sua presença no alojamento não estava relacionada ao vínculo de trabalho anterior.

Ministra Liana Chaib foi a relatora
Foto Bárbara Cabral/TST

O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-9, Paraná) julgou improcedente a ação rescisória, levando a empresa a recorrer ao TST.

Competência

A relatora, ministra Liana Chaib, observou que os detalhes narrados na sentença demonstram que a morte resultou de uma animosidade entre colegas surgida durante o contrato de trabalho da vítima e que poderia ter sido evitada pela empresa. Isso se deve ao fato de que um dos sócios estava presente durante a discussão entre os dois na noite do homicídio e, mesmo sabendo do histórico de conflito entre eles, permitiu que o ex-funcionário, desacordado e vulnerável, passasse a noite no mesmo local em que o agressor.

Lesão pós-contratual

Para a ministra, a vinculação direta entre o episódio e o contrato de trabalho era clara porque, sem essa relação de trabalho anterior, nenhum dos eventos subsequentes teria ocorrido. Assim, a Justiça do Trabalho é competente para julgar o caso, porque os efeitos do contrato se estendem para além do seu término, tratando-se de lesão pós-contratual.

Ficaram vencidos os ministros Amaury Rodrigues Pinto Junior, Sergio Pinto Martins e a ministra Morgana de Almeida Richa. Com informações do técnico judiciário Bruno Vilar, compiladas pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

ROT-479-50.2022.5.09.0000

EXECUÇÃO FISCAL
Herdeiro não responde por dívida tributária quando contribuinte morre antes da citação 

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A execução fiscal só pode ser redirecionada para o espólio do devedor se o falecimento ocorreu após a citação pelo ente público, decidiu, à unanimidade, a 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC).

Por consequência, o colegiado manteve sentença proferida pela Unidade Regional de Execuções Fiscais Municipais da Comarca da Capital (Florianópolis) que fulminou uma execução fiscal proposta em 2016 pelo Município de Joinville (SC), para cobrar crédito tributário referente a IPTU e taxa de coleta de lixo do exercício de 2014.

Na sentença, a juíza Gabriela Sailon de Souza Benedet pontuou que o executado faleceu antes da citação na execução, razão que enseja a extinção do processo de execução.

Além disso, a julgadora entendeu ser inviável a substituição da Certidão de Dívida Ativa (CDA), uma vez que tal procedimento viola a Súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que veda a alteração do polo passivo.

No acórdão do TJSC, o relator do agravo interno em apelação, desembargador Jaime Ramos, foi mais longe. Ele observou que a jurisprudência do STJ tornou-se sedimentada e pacífica, com base na cláusula final de sua Súmula 392 e do Tema 166 (‘‘vedada a modificação do sujeito passivo da execução’’), no sentido da impossibilidade de redirecionar a execução fiscal ao espólio ou aos sucessores do executado falecido antes de sua citação.

No voto, o relator elencou uma série de decisões do STJ e de sua Câmara. ‘‘É irrelevante que a execução fiscal se refira a IPTU ou a qualquer outro tributo ou crédito da Fazenda Pública. Deve-se aplicar indistintamente o posicionamento jurisprudencial sedimentado no Superior Tribunal de Justiça e nesta Corte de Justiça a todas as execuções fiscais’’, fulminou o relator.

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PATRIMÔNIO DIGITAL
Mãe consegue na Justiça o direito de herdar os dados do celular da filha falecida

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Banco de Imagens/Imprensa TJSP

“O patrimônio digital pode integrar o espólio de bens na sucessão legítima do titular falecido, admitindo-se, ainda, sua disposição na forma testamentária ou por codicilo [manifestação de última vontade]”, diz o Enunciado 687 do Conselho da Justiça Federal (CJF), aprovado em maio de 2022 durante a IX Jornada de Direito Civil.

Em face do entendimento, a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) acolheu apelação de uma mãe que teve negado o acesso ao conteúdo do smartphone de sua filha, falecida abruptamente, tanto pela Apple como pelo juízo de primeiro grau, quando passou a judicializar o pedido.

Com a reforma da sentença, a fabricante foi obrigada a transferir o ID da titular do aparelho à autora da ação, para viabilizar o desbloqueio de todo o conteúdo digital.

Para o relator da apelação, desembargador Carlos Alberto de Salles, embora inexista regulamentação específica, o patrimônio digital de pessoa falecida – considerado o seu conteúdo afetivo e econômico – pode integrar o espólio e, assim, ser objeto de sucessão.

‘‘Não se verifica justificativa para obstar o direito da única herdeira de ter acesso às memórias da filha falecida, não se vislumbrando, no contexto dos autos, violação a eventual direito da personalidade da de cujus [falecida], notadamente pela ausência de disposição específica contrária ao acesso de seus dados digitais pela família. Acrescente-se, ainda, que não houve resistência da apelada ao pedido de transferência de acesso à conta da falecida, desde que houvesse prévia decisão judicial a esse respeito”, cravou no acórdão.

Ação de obrigação de fazer

Maria Aparecida Rocha ajuizou ação de obrigação de fazer para compelir a Apple Computer Brasil S/A a desbloquear o smartphone de sua filha Natália, falecida abruptamente em abril de 2021, a fim de poder acessar vídeos, fotos, conversas e mensagens. Afinal, por ser a única herdeira, entende ter direito aos bens deixados pela filha – o que abrange o acervo digital.

Após a citação do juízo da 6ª Vara Cível da Comarca de Barueri (SP), a empresa apresentou contestação. Em síntese, sustentou que apenas o usuário pode desbloquear do aparelho. Em adendo disse que, embora seja impossível acessar o celular sem a senha, existem outras opções para obter dados pessoais que porventura tenham sido salvos na nuvem. Seria necessário, entretanto, informar à Apple o ID de Natália.

Sentença de improcedência

A juíza Maria Elizabeth de Oliveira Bortoloto julgou improcedente a ação, entendendo que a liberação de acesso ao material fere direitos fundamentais garantidos na Constituição da República, principalmente os direitos de personalidade elencados no artigo 5º, inciso X.

‘‘Em que pese a incalculável dor da perda de uma filha, não pode tal sentimento se sobrepor aos direitos fundamentais à intimidade e à privacidade de quem se foi e, consequentemente, já não mais pode expressar a sua vontade. Eis, em suma, a precípua razão pela qual o presente pedido não há de prosperar’’, resumiu na sentença.

Para a julgadora, se, em vida, a falecida não se manifestou sobre o acesso às suas informações, torna-se descabida a concessão desse direito aos herdeiros, salvo se houvesse indício de crime – o que não ocorre no caso dos autos.

‘‘Não é exagero dizer, a bem da verdade, que o aparelho objeto do presente litígio representa, tal qual um diário, o âmago do indivíduo, sendo esse fato motivo suficiente para que incida a tutela jurisdicional, de modo a proteger o direito à intimidade contra a intervenção de outrem’’, concluiu, enterrando a pretensão da parte autora.

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1017379-58.2022.8.26.0068 (Barueri-SP)

 

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CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE
Lei das S.A. rege apenas relações intersocietárias, decide STJ

Reprodução CNJ

​Ao discutir o regime de nulidades das deliberações da assembleia nas sociedades por ações, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a legislação específica – Lei 6.404/1976, a chamada Lei das S.A. – se aplica prioritariamente às relações intersocietárias – entre os acionistas ou entre estes e a própria sociedade. Assim, o Código Civil (CC) vale apenas para as situações em que os efeitos das deliberações da assembleia alcancem a esfera jurídica de terceiros.

No caso em julgamento, às vésperas da assembleia geral de aprovação de contas, um sócio administrador transferiu a totalidade de sua participação acionária para uma sociedade empresária da qual detinha, juntamente com a esposa, a totalidade do capital social, e que votou de maneira determinante para a aprovação das contas, configurando vício do voto.

Regime especial de invalidades das deliberações assembleares

Ministro Antonio Carlos Ferreira foi o relator
Foto: Sandra Fado/Imprensa/ STJ

O relator do caso, ministro Antonio Carlos Ferreira, explicou que há uma aparente incompatibilidade entre o artigo 286 da Lei das S.A. e a disciplina das nulidades dos negócios jurídicos em geral, prevista no Código Civil. No primeiro, esclareceu, a sanção é em regra a anulabilidade, que permite convalidação do ato; já no regime civil, a sanção prevista depende da gradação do vício previsto em lei.

Na sua avaliação, uma primeira solução para esse conflito é o critério da especialidade, segundo o qual prevalece a norma especial (Lei das S.A.) sobre a geral (Código Civil). Contudo, o relator destacou que há divergências na doutrina sobre a forma de aplicar cada um desses regimes: enquanto alguns defendem o uso exclusivo da lei especial, outros sustentam a aplicação do regime geral de invalidades a todas as relações jurídicas obrigacionais, e uma terceira corrente prega a aplicação do regime especial de nulidades com uso do sistema civil, a depender do interesse violado.

Para o ministro, diante desse regime especial de invalidade das deliberações da assembleia, o uso das normas gerais do direito civil deve ocorrer com prudência, ‘‘sendo possível desde que haja omissão e seja substancialmente compatível com a disciplina especial, partindo-se, em princípio, da previsão de sanção de anulabilidade aos vícios e considerando-se como referência fundamental o interesse violado’’.

Fraude a votos em assembleia atinge interesses da empresa e é causa de anulabilidade

Antonio Carlos Ferreira verificou que, no caso julgado, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) concluiu pela nulidade da assembleia, ao fundamento que houve fraude à Lei das S.A., que veda ao administrador votar nas deliberações da assembleia geral relativas à aprovação de suas contas (artigo 115, parágrafo 1º). Esse vício, entendeu o tribunal paulista, causa a nulidade do ato, segundo o Código Civil (artigo 166, inciso VI).

Segundo o relator, contudo, embora essa proibição imposta ao acionista administrador tenha significativo fundamento ético, ela envolve interesses dos acionistas e da própria companhia, mas não interesses da coletividade ou de terceiros.

Desse modo, afirmou, a questão é de anulabilidade da deliberação, e não de nulidade. ‘‘Embora a proibição legal não possa ser desconsiderada pelas partes interessadas – notadamente sócios e a própria sociedade –, é possível sua convalidação, seja por nova deliberação assemblear livre do vício (sem o voto do sócio administrador) ou pelo transcurso do tempo necessário à ocorrência da extinção, pela decadência, do direito formativo à decretação de sua nulidade’’, esclareceu.

Por fim, o ministro lembrou que a jurisprudência do STJ exige a prévia desconstituição da decisão que aprovou as contas para o ajuizamento da ação de responsabilização e, como os acionistas minoritários não haviam ajuizado aquela ação, a ação de responsabilidade foi extinta sem resolução do mérito.

Leia aqui o acórdão

REsp 2095475

TRABALHO INFANTIL
Construtora é condenada em dano moral coletivo por contratar menor em atividades insalubres

Uma construtora sediada na capital mineira foi condenada a pagar indenização de R$ 20 mil, por danos morais coletivos, por contratar menor de 18 anos em trabalho prejudicial à saúde e à segurança dele, em atividades de construção civil e pesada, restauração, reforma e demolição.

As atividades fazem parte da lista das piores formas de trabalho infantil (Lista TIP), prevista no Decreto Federal 6.481/2008. O valor da indenização será revertido em favor de fundo ou instituição sem fins lucrativos específica de proteção aos direitos da criança e do adolescente.

A decisão é do juiz Marco Tulio Machado Santos, titular da 48ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, nos autos da ação civil pública de autoria do Ministério Público do Trabalho (MPT) contra a empresa.

Ação civil pública

O MPT instaurou inquérito civil em que se constatou que a empresa estava contratando menores para atividades listadas como as piores formas de trabalho infantil (Lista TIP). Mesmo após ser notificada e ter duas oportunidades de corrigir sua conduta, por meio da assinatura do Termo de Ajuste de Conduta (TAC), a empresa não se manifestou.

Diante das evidências de violações às leis trabalhistas e da recusa implícita da empresa em corrigir sua conduta, o Ministério Público do Trabalho ingressou com a ação civil pública. A construtora, apesar de notificada, não compareceu à audiência, sendo considerada confessa quanto aos fatos alegados pelo MPT.

Lista das piores formas de trabalho infantil

O magistrado ressaltou que a atividade desenvolvida pela empresa se insere na lista do anexo do Decreto Federal nº 6.481/2008, sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil, como trabalho prejudicial à saúde e à segurança (construção civil e pesada, incluindo construção, restauração, reforma e demolição).

Na sentença, o julgador manteve decisão que havia concedido liminar ao MPT, para evitar a continuação da ilegalidade trabalhista. Na liminar, ele determinou que a empresa se abstivesse de contratar menores de 16 anos, exceto na condição de aprendiz a partir dos 14 anos, e de contratar menores de 18 anos em atividades insalubres, perigosas, noturnas ou integrantes da lista das piores formas de trabalho infantil, prevista no Decreto Federal n. 6.481/2008. Em caso de descumprimento, a construtora estaria sujeita ao pagamento de multa no valor de R$ 10 mil, a cada constatação de descumprimento e por criança ou adolescente em situação irregular.

Dano moral coletivo

A conduta da empresa foi considerada grave violação às leis trabalhistas e aos valores morais da sociedade, resultando em dano moral coletivo. ‘‘O dano moral coletivo consiste na lesão cuja ofensa atinge valores extrapatrimoniais de determinada coletividade ou até mesmo de toda a sociedade, em decorrência de descumprimento da ordem jurídica e dos princípios constitucionais que norteiam o Estado Democrático de Direito, perturbando a paz e a harmonia social, gerando repulsa na comunidade’’destacou o magistrado.

De acordo com o juiz, a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano moral coletivo não se reveste de caráter punitivo, mas reparativo, preventivo e pedagógico, objetivando desestimular a prática de ilícitos dessa natureza.

O valor da indenização, fixado em R$ 20 mil, foi considerado razoável e proporcional aos fins repressivo e pedagógico. A quantia será revertida em favor de fundo ou instituição sem fins lucrativos que, de forma específica, assegure proteção aos direitos da criança e do adolescente.

Não houve recurso, e a sentença transitou em julgado. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3. 

Clique aqui para ler a sentença

ACPCiv 0010783-66.2023.5.03.0186