Por Bruna Nunes de Quadros
Ilustração FreePik
A atividade empresarial é complexa e apresenta uma série de dificuldades para quem a exerce. Essas adversidades, quando assentadas com maior veemência, podem culminar em crises. A evasão deste cenário de desequilíbrio econômico é de interesse de ordem pública e social, visto que as sociedades empresárias são instrumentos de geração de insumos e renda e, assim, exercem um papel significativo e determinante no meio social.
Com base nisso, a Lei nº 11.101/05 prevê o instituto da recuperação judicial, que tem como propósito viabilizar a superação da crise econômico-financeira e a preservação da empresa. A recuperação judicial não se limita à mera aceitação de créditos. O instituto pretende, principalmente, conservar a fonte produtora e resguardar a geração de empregos e renda. Atualmente, é a alternativa mais efetiva para a reversibilidade do cenário de crise, uma vez que a empresa, com a tutela do Poder Judiciário, apresenta uma série de medidas preventivas e organizadas em um plano de recuperação, que visa ao reequilíbrio econômico-financeiro do negócio.
As empresas que atravessam crises e se socorrem do instituto da recuperação judicial, via de regra, além dos débitos com outros credores, estão tendo dificuldades em adimplir débitos de natureza tributária. Todavia, como o crédito tributário não está sujeito aos efeitos da recuperação judicial, se instalou um cenário de insegurança e tensão, pois, ao mesmo tempo em que as dívidas de natureza tributária, por não se sujeitarem aos efeitos da recuperação judicial, a efetividade do processo depende em grande medida da concentração da competência para decidir sobre atos que possam impactar de modo significativo o patrimônio (e a capacidade de cumprimento do plano) da devedora no juízo onde se processa a recuperação.
Em 2022, a Lei de Recuperação Judicial passou por algumas mudanças e, entre elas, a criação de câmbio mais eficiente para o adimplemento de créditos tributários. A Lei nº 10.522/02 passou a prever, por exemplo, o aumento do número de parcelas para quitação do ordinário e negócio jurídico processual específico para empresas em recuperação judicial, além de outras medidas, dentre as quais, sem dúvidas, a transação tributária foi a que recebeu mais destaque.
A transação tributária para empresas em recuperação judicial é regulada pela Lei nº 10.522/02 e pela Portaria PGFN nº 2.382/2021, que prevê, para empresas em recuperação judicial, a possibilidade de liquidação de impostos federais em 120 prestações financeiras, além de fundos no valor da multa e juros. Foi prevista, ainda, a hipótese de utilização do benefício fiscal e da base negativa de CSLL ou outros créditos próprios, sem limite de 30% do valor devido, hipótese em que o saldo devedor, após compensações, poderá ser parcelado em até 84 parcelas horizontais.
Na transação, devem ser incluídos todos os débitos, ressalvados aqueles que forem objeto de discussão judicial, os quais poderão ser excluídos mediante apresentação de garantia (que não podem estar incluídos no plano de recuperação judicial), ou com a apresentação de decisão judicial que determine a suspensão da respectiva exigibilidade. Se o contribuinte tiver interesse em incluir esses débitos no parcelamento, deverá comprovar que desistiu das defesas garantidas, tanto na esfera administrativa quanto judicial.
A transação individual se inicia com a apresentação, pelo contribuinte, de uma proposta à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), da qual obrigatório constar o detalhamento do endividamento tributário, a projeção do fluxo de caixa, assim como as premissas de garantia das dívidas.
Aqui, é importante destacar como causas de exclusão da transação tributária, notadamente a falta de pagamento de 06 parcelas consecutivas ou 09 alternadas, a comprovação da realização de atos de esvaziamento patrimonial e decretação de falência. Sobre esse ponto é de se ressaltar que a rescisão da transação, além da possibilidade de ser causa para a retomada da cobrança dos débitos com os respectivos consectários (penhora de bens etc.), permite à Fazenda Nacional requerer a convolação da recuperação judicial em falência (mesmo que o crédito tributário não se submeta aos efeitos de processos de recuperação ou falência).
Das amostras, evidencia-se que a transação individual dispõe de mais vantagens em comparação à transação por adesão, pois possibilita (ao menos em tese) ajustar o fluxo de amortização conforme a capacidade efetiva de pagamento da devedora. A devedora pode, por exemplo, propor um fluxo progressivo de amortização, iniciando-se com parcelas mais baixas que incrementam gradativamente, de modo que a satisfação do passivo fiscal se dê em consonância com o cumprimento do plano de recuperação judicial.
A maior flexibilização no tratamento do endividamento tributário pretendida com a instituição da transação individual torna a Fazenda Pública menos alheia ao processo de recuperação, pressupondo o compartilhamento de premissas econômico-financeiras entre o plano de recuperação judicial e as medidas de garantia da dívida tributária..
Bruna Nunes de Quadros, advogada especializada em Direito Tributário da Cesar Peres Dulac Müller Advogados (CPDMA)