DÍVIDA ATIVA
Portaria PGFN 1.241/2023 e o impacto nos acordos de transação tributária

Por Gustavo Vaz Faviero e Beatriz Palhas Naranjo

Reprodução: Sólido Consultoria

Publicada no dia 16 de outubro, a Portaria da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional de número 1.241/2023 trouxe alterações na Portaria PGFN 6.757/2022, que regulamenta a transação na cobrança de créditos da União e do FGTS, modalidade de acordo para a redução de dívidas tributárias já inscritas em dívida ativa.

Diferentemente de outras modalidades de parcelamento, a transação tributária passou a conceder descontos com base na capacidade de pagamento do devedor e no grau de recuperabilidade dos débitos tributários.

Em outras palavras, a concessão dos benefícios da transação depende da capacidade de pagamento do contribuinte, que deve ser avaliada em relação ao grau de recuperabilidade do crédito tributário, podendo ser classificada no rating entre ‘‘A’’ e ‘‘D’’.

Ocorre que a metodologia utilizada pela PGFN para mensurar a capacidade de pagamento dos contribuintes nunca foi muito clara. Tanto é que algumas empresas passaram a discutir o tema no âmbito judicial por discordarem do seu enquadramento e questionar a metodologia de cálculo utilizada pela Procuradoria.

Para sanar este ponto a Portaria PGFN 1.241/23 trouxe uma nova ‘‘obrigação’’ para o órgão que deverá disponibilizar, em seu site, informações detalhadas para a aferição da capacidade de pagamento presumida e procedimento para a sua revisão.

Seguindo essa linha de transparência e orientações aos contribuintes, a Portaria acrescentou a Seção VIII, que prevê a observância dos aspectos ambientais, sociais e de governança, também conhecidos como ESG, na celebração das transações tributárias.

Aparentemente, a ideia é conceder maiores benefícios nos acordos de transação para os contribuintes que, em contrapartida, passem a contribuir de alguma maneira com o desenvolvimento ambiental, social e de governança.

Por exemplo, um contribuinte que desenvolve projetos de assistência social poderá oferecer esta prática como uma contrapartida para PGFN conceder mais benefícios no acordo de transação. Esta medida pode ser vista como um incentivo para que, cada vez mais, as empresas passem a adotar práticas de sustentabilidade.

Apesar de ser uma medida benéfica para todas as partes envolvidas, há de se ressaltar que a norma ainda não prevê uma fiscalização das contrapartidas apresentadas pelo contribuinte.

Nota-se que as alterações trazidas pela Portaria PGFN 1.241/23 estão mais direcionadas ao comportamento da própria Procuradoria nos acordos de transação do que à própria transação. Resta agora aguardar como essas novas regras serão aplicadas.

Gustavo Vaz Faviero é coordenador e Beatriz Palhas Naranjo é sócia da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados

VINGANÇA
TJSP vê abuso em voto do Banco do Brasil que reprovou plano de recuperação judicial

Na recuperação judicial, o voto do credor é tido como abusivo quando proferido fora dos limites impostos pelos fins econômicos ou sociais, pela boa-fé ou pelos bons costumes, tal como prevê o artigo 187 do Código Civil.

Assim, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve decisão da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Capital que reconheceu abusividade no voto do Banco do Brasil (BB), credor, que rejeitou o plano de recuperação judicial da Supricel Logística S/A.

Segundo os autos, o banco alegou que votou contra o plano por considerar impróprias as condições impostas pela devedora, tais como o deságio de 75% dos créditos, pagamento em 13 anos, carência de 18 meses e pagamentos trimestrais – o que, no seu entendimento, significaria perdão da dívida.

O voto, no entanto, foi considerado nulo com base em dispositivo da Lei 11.101/05 que dispõe sobre abusividade quando o voto é manifestamente exercido para obter vantagem ilícita.

Desembargador Azuma Nishi foi o relator
Foto: José Luís da Conceição/OAB-SP

No entendimento do relator do acórdão, desembargador Azuma Nishi, a abusividade deve ser mantida, uma vez que o voto exercido pelo credor, na condição de representante único da classe e com poder de reprovar o plano, foi proferido fora dos termos do Código Civil.

‘‘Em resumo, é abusivo o voto que exceda a finalidade econômica, motivado por desígnios anômalos, valendo acrescentar que a interpretação da expressão vantagem indevida não deve ser feita restritivamente’’, pontuou o magistrado.

Voto sem racionalidade econômica

‘‘A piora nas condições de recebimento do crédito na falência, conjugada com o desinteresse em negociar durante a assembleia, é indicativo de voto meramente vingativo, o que destoa do princípio da proteção da empresa, que permeia todo o sistema da recuperação judicial’’, escreveu no acórdão.

‘‘No caso em tela, de fato, verifica-se que a conduta do credor agravante não possui racionalidade econômica, pois não há dúvida de que embora as condições do plano não sejam aquelas que ele gostaria de obter, o cenário da falência é bem pior, considerando que o agravante integra também a classe dos quirografários’’, concluiu o relator.

No entanto, o recurso do BB foi provido em parte para determinar que eventuais mudanças no quadro de credores deverão ser acompanhadas da readequação do valor trimestral repassado pela recuperanda, de modo a evitar deságio implícito, além de reconhecer a ilicitude de cláusula que prevê a compensação de créditos de forma genérica e cláusula que não determina conceitos de casos fortuito ou de força maior que autorizam a suspensão do pagamento.

Completaram a turma julgadora os desembargadores Fortes Barbosa e J. B. Franco de Godoi. Com informações da Comunicação Social do TJSP.

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0022816-69.2020.8.26.0100 (São Paulo – Foro Central)

TROCA DE GÁS
Exposição breve a risco não dá direito a adicional de periculosidade, decide TRT-SC

Reprodução TRT-SC/FreePik

Ficar exposto a risco durante períodos extremamente curtos não é suficiente para obter o direito de receber adicional de periculosidade. O entendimento é da 1ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12, Santa Catarina) em ação na qual um trabalhador reivindicou compensação por lidar com o perigo envolvido na substituição de cilindros de gás.

O caso aconteceu em Itajaí, litoral norte do Estado, envolvendo um operador de empilhadeira e uma empresa de transportes. Após encerramento do contrato de emprego, o homem procurou a Justiça do Trabalho, alegando que frequentemente substituía cilindros de gás na empilhadeira, uma tarefa que considerava perigosa devido à proximidade com agentes inflamáveis e a falta de delimitação de área de risco.

A empresa, por sua vez, contestou o argumento, defendendo que a brevidade e a frequência dessas trocas não configuravam um risco suficiente para justificar o pagamento do adicional.

Perícia

A juíza Rosilaine Barbosa Ishimura Sousa, responsável pelo caso na 3ª Vara do Trabalho de Itajaí, julgou o pedido do autor improcedente. Em sua decisão, a magistrada enfatizou que a avaliação pericial demonstrou que as atividades desempenhadas pelo reclamante não se classificavam como perigosas segundo os critérios normativos.

Além disso, Rosilaine Sousa também destacou que, de acordo com a perícia, a troca dos cilindros de gás, embora regular, era feita de forma breve, não justificando o adicional de periculosidade.

A magistrada ainda fez referência à Súmula 364 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que estabelece a não concessão do adicional em situações em que a exposição a riscos é considerada de ‘‘tempo extremamente reduzido’’.

Recurso

Insatisfeito com o teor da sentença, o autor da reclamatória recorreu. No entanto, a 1ª Câmara do Tribunal, sob a relatoria do juiz convocado Carlos Alberto Pereira de Castro, manteve a decisão de primeiro grau.

Castro ressaltou que o próprio reclamante informou ao perito sobre o curto período de exposição a riscos.  ‘‘A tarefa da troca do vasilhame de gás da empilhadeira era realizada no tempo de dois a cinco minutos e de uma a três vezes por semana, caracterizando atividade eventual e mensurada em tempo ínfimo’’, frisou o relator no acórdão.

‘‘Assim, mantenho a conclusão da prova técnica com base no artigo 195, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pois nos autos não existem outros elementos de prova capazes de elidir o laudo pericial’’, concluiu o juiz.

A decisão ainda está em prazo para recurso de revista para o Tribunal Superior do Trabalho (TST). Com informações de Carlos Nogueira, Secretaria de Comunicação Social/TRT-12.

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ATOrd 0001043-35.2021.5.12.0047 (Itajaí-SC)

LAW AND ECONOMICS
Cresce a influência da Economia nas decisões da Justiça brasileira

Por Luciano Benetti Timm

Reprodução Econlib.Org

O uso do Judiciário para resolver disputas chegou a níveis preocupantes no Brasil, com custos bilionários e riscos de graves impactos para a sociedade. Para sair dessa armadilha, a mais alta Corte do país tem cada vez mais recorrido à Análise Econômica do Direito. O Congresso Anual da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro, na PUCPR, em Curitiba, marca a consolidação dessa corrente formada por juristas e economistas que buscam com dados científicos alertar para as consequências das decisões.

Um dos marcos mais recentes do avanço da Análise Econômica do Direito é a providência inédita do ministro Luís Roberto Barroso, ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), de ter chamado para a sua equipe um economista, Guilherme Resende, que era economista-chefe do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Essa escolha demarca a incorporação de uma nova perspectiva no STF. Em Direito, normalmente a gente olha para trás: matou alguém, qual a prova do crime? O Cade olha para a frente. Quando você incorpora consequência na decisão, tem de olhar para a frente. E isso é algo que os economistas fazem melhor, porque usam estatística.

É inegável que muitas políticas públicas hoje são feitas pelo Judiciário, e elas têm de ser baseadas em evidências, para evitar a atuação ideológica. Veja o caso dos planos de saúde: uma ordem para baixar o preço pode até ser popular, mas eleva o risco de falência das empresas, o que é pior para os consumidores. Decisões muito fáceis e ideológicas talvez não sejam o melhor caminho para a própria sociedade.

Outro exemplo são as plataformas de entrega. Para o consumidor, ter de se deslocar até um local para adquirir ou consumir um produto é menos eficiente do que recebê-lo em casa. Se aumentar o risco de condenações judiciais ao prestar o serviço, as empresas começarão a jogar no preço o risco de condenação.

O setor aéreo no Brasil sofre com uma litigância desproporcional. Emocionalmente todo mundo que perdeu um voo pode ver um motivo para ser indenizado. Caso isso ocorra, porém, essa despesa da companhia irá compor o preço, e ele continuará aumentando com frequência, porque a infraestrutura brasileira é pobre. É comum, quando ocorre uma chuva, o aeroporto ter de suspender a operação, e isso a empresa não tem como evitar, nem é responsabilidade dela. Na média internacional, a margem de lucro dessas empresas é de 2% – quando não têm prejuízo, como vem sendo o caso nos últimos anos. Se os processos comerem metade dessa margem, a tendência é de as empresas deixarem o país. Para o passageiro, é melhor ter três opções do que uma. Mas, se fica muito caro operar, o resultado é um monopólio natural: sobrará uma só.

Luciano Benetti Timm

Um tema recente é o dos apagões de energia. Ao tratá-los, é preciso lembrar que eventos extremos são imprevisíveis. Talvez com a repetição deles, daqui a dois, três anos, seja possível identificar um novo padrão. Antes disso, é simplista culpar a concessionária por um evento extremo. É mais complexo. A lição não é sair multando e expondo a empresa. É preciso buscar as causas. Pode ser que a prefeitura não tenha feito a poda das árvores como deveria, e elas caem na fiação. E toda decisão traz efeitos: caso se chegue à conclusão de que a solução é colocar a fiação para baixo da terra, o que multiplicaria o custo, é necessário ver quem vai pagar. A ciência ajuda a resolver esses dilemas, se a gente quiser trabalhar com evidências, em vez de seguir com crenças.

A Análise Econômica do Direito se apresenta como uma alternativa para derrubar o alto grau de judicialização. O Brasil é um caso único: tem hoje mais de 80 milhões de processos. O segundo país nesse ranking é a Índia, com em torno de 30 milhões, só que a Índia tem quase sete vezes mais população do que o Brasil. O impacto é no bolso do cidadão, porque cada processo tem um custo. R$ 100 bilhões é o que nós, brasileiros, gastamos por ano com disputas judiciais. E 50% já foi julgado, então o Judiciário não segue os seus próprios precedentes.

Para saneamento básico, o orçamento da União é em torno de R$ 1 bi. Significa que gastamos 100 vezes mais em disputa do que em saneamento. Em 10 anos, a gente já poderia ter entregado para a população brasileira saneamento completo, mas está torrando recurso público em disputas repetitivas. Do ponto de vista do contribuinte, é péssimo. O Judiciário precisa se racionalizar, e a Análise Econômica do Direito, com evidências, tem muito a contribuir para isso.

Luciano Benetti Timm é professor da FGV-SP e sócio do CMT Advogados

PROCEDÊNCIA DO PRODUTO
Para STF, benefício fiscal de MG a leite é inconstitucional

Por Douglas Guilherme Filho

Foto: Divulgação/Emater-MG

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a inconstitucionalidade de benefício fiscal concedido pelo Estado de Minas Gerais que permitia crédito presumido ou redução de base de cálculo para contribuintes do setor lácteo, que tivessem saída preponderante de queijo, requeijão, manteiga, leite em estado natural, ou leite tipos A, B, C e UHT.

A ação foi ajuizada pelo Partido Solidariedade e questionava dispositivos previstos no regulamento do ICMS do Estado de Minas Gerais, que concedessem alguma benesse apenas para os contribuintes que produzissem os bens em território mineiro.

Na ocasião, o autor da ação aduziu que a norma violaria o disposto no artigo 152 da Constituição Federal, que veda a concessão de tratamento diferenciado aos contribuintes, em razão apenas da procedência ou destino.

O objetivo era que a Corte declarasse a possibilidade de extensão do benefício para todos os contribuintes, e não apenas aos que produzissem os bens no Estado de Minas Gerais, com o intuito de zelar pelo princípio federativo.

De fato, não se pode privilegiar determinados contribuintes, em razão apenas de estarem localizados num determinado Estado, ou mesmo produzirem seus bens numa determinada região, pois tal medida somente tenderia a fomentar ainda mais a guerra fiscal entre os entes federados, na busca por um aumento de arrecadação.

O caso ganhou mais destaque ainda quando sobreveio um fato superveniente de extrema relevância – a revogação do regulamento do ICMS/MG, antes da análise pela Corte Superior, o que poderia causar a perda de objeto da ação.

No entanto, ainda que a norma questionada tenha sido revogada, prevaleceu o entendimento de que, considerando que a legislação que substituiu o antigo regulamento ICMS/MG manteve os inconstitucionais benefícios fiscais, ainda que com outro texto, seria possível a Corte analisar a questão.

Esse fato é de extrema relevância, pois mostra um novo posicionamento do STF, fruto da possibilidade de analisar o mérito da questão, mesmo em casos em que o ente federado tenha revogado, alterado ou modificado uma norma, simplesmente para que a Ação Direta de Inconstitucionalidade perca seu objeto.

Essa prática é bem comum, principalmente em casos que envolvam assuntos relativos à guerra fiscal, o que acabava por impedir que certas manobras feitas pelos entes federados fossem extirpadas do mundo jurídico de maneira definitiva.

No caso específico do benefício concedido por Minas Gerais, o STF reconheceu a inconstitucionalidade de todos os dispositivos que de alguma forma beneficiassem sujeitos que produzissem bens em território mineiro, prevalecendo o entendimento de que não se pode dar qualquer tratamento tributário diferenciado apenas e tão somente em razão da origem da produção do produto lácteo, em consonância com o disposto no artigo 152 da Constituição Federal.

Douglas Guilherme Filho é coordenador da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados.