RETALIAÇÃO
Loja vai pagar dano moral por demitir vendedora que acompanhou o filho no hospital

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Reprodução internet

O empregador goza do direito potestativo de rescindir o contrato de trabalho, sem justa causa, de acordo com a sua conveniência. Entretanto, como tal direito não é absoluto, este ato passa a ser ilícito se for discriminatório – o que atrairá a responsabilização civil.

Foi o que ocorreu com a vendedora de uma loja de bijuterias e artesanato de Belo Horizonte, demitida após faltar dois dias de trabalho para acompanhar o filho no hospital. Como a dispensa foi considerada discriminatória, nos dois graus da Justiça do Trabalho mineira, o seu empregador foi condenado a pagar-lhe indenização de R$ 5 mil, a título de reparação por danos morais.

No bojo da ação reclamatória, a reclamante disse que avisou a diretora de recursos humanos (RH) de que faltaria dois dias ao trabalho, pois precisava acompanhar o filho, muito doente, ao hospital – prometendo apresentar o atestado médico. Na volta ao trabalho, ela foi surpreendida com um aviso de demissão sem justa causa.

O juízo da 44ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte constatou que a empregada foi dispensada exatamente dois dias após o seu retorno do hospital. E que a diretora de RH, pelo teor das conversas printadas do WhatsApp, fez pouco caso da situação, dizendo que ‘‘difícil vai ser convencer aqui’’, pois ‘‘não depende de mim’’ –, referindo-se à impossibilidade de abonar as faltas ao trabalho.

Penalizada por ficar ao lado do filho doente

Para o juiz do trabalho Ulysses de Abreu César, a prova demonstrou que a dispensa foi um ato discriminatório, que teve como objetivo penalizar a reclamante por ter se ausentado pelos dois dias para acompanhar o filho doente. Assim, estão presentes o dano, o nexo de causalidade e a incidência da responsabilidade civil da empresa reclamada, atraindo o dever de indenizar na esfera moral.

Des. Paulo Roberto de Castro
Foto: Imprensa/TRT-3

‘‘Nessa situação, é devido o pagamento da indenização por danos morais, em razão do preenchimento dos requisitos legais exigidos (dano, nexo causal e culpa empresarial), conforme autorizam os incisos V e X do art. 5º da Constituição Federal e os arts. 186 e 927, caput, do CC/2002’’, escreveu na sentença, arbitrando o valor em R$ 5 mil.

No segundo grau, os julgadores da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais), mantiveram intacta a sentença, no aspecto.

‘‘O texto constitucional garante, ainda, ao trabalhador, o direito à relação de emprego protegida contra a dispensa arbitrária (inciso I, art. 7º), de modo que não se pode admitir que a rescisão do contrato por iniciativa do empregador importe violação a direito fundamental do empregado, ofendendo princípios consagrados na ordem constitucional’’, agregou, no acórdão, o desembargador-relator Paulo Roberto de Castro.

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ATSum 0010600-44.2022.5.03.0182 (Belo Horizonte)

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BRAÇOS CRUZADOS
TRT-SP mantém dispensa por justa causa de fiscal de súper que se omitiu diante de roubo

Fachada do TRT-SP / Reprodução: CNJ

Fiscal que presencia um roubo e não toma nenhuma atitude para preservar o patrimônio da empresa – como seria de sua competência – incorre em improbidade e dá motivo à dispensa por justa causa, como prevê a alínea ‘‘a’’ do artigo 482 da Consolidação dos Leis do Trabalho (CLT). Afinal, a omissão quebra o pacto de confiança que deve haver entre empregador e empregador.

Por isso, um fiscal de loja do Supermercado Dubom Preço Ltda não conseguiu reverter a dispensa por justa reconhecida pela 61ª Vara do Trabalho de São Paulo em recurso ordinário aviado no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo).

Segundo o processo, o trabalhador, responsável por fazer rondas internas e externas no estabelecimento, foi observado por filmagens internas totalmente inerte durante a ação de ladrões, que subtraíram a fiação elétrica do imóvel, danificando as caixas de disjuntores, deixando o prédio sem energia elétrica.

Em defesa, o reclamante disse que não era obrigado a agir em razão de conduta criminosa e que os fatos não ocorreram nas dependências de sua área de atuação, mas em prédio desocupado da organização. Além disso, não haveria provas de sua presença ou conivência com o delito.

Passividade total

Os vídeos e fotografias juntadas no processo, no entanto, mostram que o autor esteve no estacionamento da empresa e permaneceu de braços cruzados, olhando o desenrolar do roubo. De acordo com os autos, ele se ausentou do local e voltou cerca de duas horas e meia depois, onde não poderia ser visto pelos bandidos. Em síntese: ele assistiu à ação dos ladrões sem tomar providências.

‘‘Ora, qualquer pessoa que visualizasse a cena acionaria a polícia, muito mais há de se esperar do empregado que foi contratado para exercer a função de fiscal de loja, e encarregado de laborar no turno noturno e resguardar o patrimônio da ré’’, afirmou a desembargadora-relatora Rilma Aparecida Hemetério, da 18ª Turma do TRT-2.

Segundo a magistrada, o reclamante estava há quatro anos na empresa na função de fiscal de loja. Logo, não poderia alegar que não era de sua alçada averiguar o patrimônio da reclamada, ainda que se tratasse de um galpão vazio e, no caso, contíguo ao seu local de trabalho.

‘‘Ato falho também ocorreu em não ter, o reclamante, comunicado imediatamente o seu superior ou à empresa no dia seguinte’’, definiu no acórdão, mantendo a legalidade da dispensa por justa causa. Redação Painel de Riscos com informações da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-2.

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ATOrd 1001439-92.2022.5.02.0061 (São Paulo)

REPERCUSSÃO GERAL
Imunidade tributária no processo de exportação depende de lei complementar, decide STF

Divulgação CNI

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a imunidade tributária de produtos para exportação diz respeito apenas aos bens que se integrem fisicamente à mercadoria final, não se estendendo a toda a cadeia produtiva.

De acordo com a decisão, o aproveitamento de créditos de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) de bens ou insumos utilizados na elaboração da mercadoria exportada depende de lei complementar para sua efetivação.

A decisão foi tomada no Recurso Extraordinário (RE) 704815, com repercussão geral (Tema 633), na sessão virtual encerrada no dia 7 de novembro.

No recurso, o Estado de Santa Catarina questionava decisão do Tribunal de Justiça do estado que admitiu o aproveitamento de créditos de ICMS em favor de uma empresa.

Para o estado, o artigo 155, parágrafo 2º, inciso X, alínea ‘‘a’’, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional (EC) 42/2003, isenta do ICMS apenas as operações que destinem mercadorias para o exterior e os serviços prestados a destinatários no exterior.

Incentivo às exportações

Ministro Gilmar Mendes
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Prevaleceu no julgamento o entendimento do ministro Gilmar Mendes de que a EC 42/2003 não previu expressamente o direito ao crédito de ICMS decorrente da aquisição de bens de uso e consumo empregados na elaboração de produtos destinados à exportação. Segundo o ministro, o regime de compensação do imposto deve ser definido em lei complementar, de acordo com a emenda constitucional.

De acordo com o voto do Ministro Gilmar Mendes, referida alteração constitucional nada dispôs sobre a maneira de creditamento de ICMS, se físico ou financeiro, razão pela qual não seria possível inferir uma ruptura com o modelo até então consagrado de crédito físico, isto é, de garantir o creditamento do ICMS daquilo que efetivamente se incorpora à mercadoria destinada à exportação.

Mendes explicou que a imunidade tributária de produtos de exportação (quando o imposto caberá apenas ao país de destino dos bens) visa incentivar as exportações e aumentar a competitividade dos produtos brasileiros.

Ele observou, contudo, que apenas os bens que se integrem fisicamente à mercadoria estão sujeitos ao creditamento, porque se submetem à incidência tributária tanto na entrada quanto na saída da mercadoria. Aderiram a essa compreensão os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin, Luiz Fux e Nunes Marques.

O voto do Ministro Gilmar Mendes foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin, Luiz Fux e Nunes Marques.

Imunidade do ICMS

Já para o relator do recurso, ministro Dias Toffoli, a imunidade não se limita às mercadorias exportadas e que foram tributadas, mas alcançam também os produtos relacionados ao processo de industrialização e que tenham impacto no preço de exportação.

Votaram nesse sentido as ministras Rosa Weber (aposentada) e Cármen Lúcia e os ministros Edson Fachin e André Mendonça.

Tese

A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte: ‘‘A imunidade a que se refere o art. 155, § 2º, X, ‘a’, CF/88, não alcança, nas operações de exportação, o aproveitamento de créditos de ICMS decorrentes de aquisições de bens destinados ao ativo fixo e uso e consumo da empresa, que depende de lei complementar para sua efetivação’’. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

RE 704815

DEVEDOR FIDUCIANTE
Intimação sobre data do leilão só se tornou obrigatória após 2017, decide a Quarta Turma do STJ​

Reprodução: Sedep

A intimação do devedor fiduciante, sobre a data de realização do leilão extrajudicial do imóvel objeto de alienação fiduciária, passou a ser obrigatória a partir da entrada em vigor da Lei 13.465/2017. Segundo a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no momento do leilão, o bem já não pertence mais ao devedor.

‘‘A partir da Lei 13.465/2017, tornou-se necessária a intimação do devedor fiduciante da data do leilão, devido à expressa determinação legal, passando também a ser assegurado ao devedor fiduciante, até a data da realização do segundo leilão, o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida’’, afirmou a relatora do recurso especial (REsp), ministra Isabel Gallotti.

No mesmo julgamento, a Quarta Turma considerou que, se uma pessoa jurídica é a devedora e se nega a receber a intimação para quitar a dívida em seu endereço comercial, informando falsamente aos Correios que teria se mudado, não há impedimento a que o cartório de registro de imóveis a intime por edital.

No caso analisado pela turma julgadora, o cartório expediu cinco cartas com aviso de recebimento (AR) para o endereço indicado no contrato de alienação fiduciária, todas devolvidas com a informação de que as duas empresas devedoras teriam se mudado. Posteriormente, houve tentativa de intimação dos sócios, também sem sucesso. O cartório, então, fez a intimação por edital.

Pela via judicial, as devedoras buscaram a anulação do leilão, mas o pedido foi julgado improcedente em primeira e segunda instâncias.

Devedor que se oculta pode ser intimado por edital

Ministra Isabel Gallotti foi a relatora
Foto: Imprensa/STJ

Por meio de recurso especial (REsp), as empresas alegaram que, em caso de insucesso da intimação pelos Correios, não há autorização automática para que seja feita por edital, o que só poderia ocorrer após o esgotamento de todos os meios possíveis de intimação pessoal. Elas também sustentaram que, nos termos da Lei 9.514/1997, seria necessária a intimação pessoal do devedor sobre a data da realização do leilão, tendo em vista que, até a arrematação, ainda seria possível quitar o débito.

Segundo a ministra Isabel Gallotti, o artigo 26, parágrafo 4º, da Lei 9.514/1997, autoriza expressamente que, após sucessivas tentativas fracassadas de intimação pessoal, haja a intimação por edital, caso o devedor fiduciante esteja em local ignorado, incerto ou inacessível.

Em consulta à internet, porém, verificou-se que o endereço das empresas continuava aquele informado no contrato. ‘‘Constatado que as recorrentes se esquivaram, por diversas vezes, de receber as intimações para purgar a mora em seu endereço comercial, conforme expressamente indicado no contrato de alienação fiduciária, induzindo os Correios em erro ao indicar possível mudança de domicílio que nunca existiu, não há óbice à intimação por edital’’, declarou no voto.

Antes da Lei 13.465/2017, intimação do devedor sobre leilão não era obrigatória

Em relação à necessidade de intimação do devedor acerca da data do leilão, a ministra apontou que esse requisito só passou a existir com a entrada em vigor da Lei 13.465/2017, a qual incluiu parágrafos no artigo 27 da Lei 9.514/1997, que regula a alienação fiduciária de imóvel.

‘‘Até então, a lei de regência não impunha essa obrigatoriedade de intimação da data do leilão, e essa falta de previsão não se deu, ao contrário do que possa parecer, por falha do legislador, mas sim porque, em se tratando de contrato de alienação fiduciária, caso o devedor não se manifeste após ser intimado para purgar a mora, a propriedade se consolida, automaticamente, em nome do credor fiduciário, conforme previsto no artigo 26 da Lei 9.514/1997’’, explicou.

Isabel Gallotti reconheceu que a Terceira Turma do STJ tem precedentes (REsp 1.447.687 e outros) no sentido de considerar necessária a intimação do devedor fiduciante, mas, segundo ela, tal entendimento decorre de interpretação jurisprudencial sobre os dispositivos do Decreto-Lei 70/1966 que regem a execução extrajudicial de dívida hipotecária, situação em que o imóvel é levado a leilão antes da transferência de sua propriedade.

De acordo com a ministra, esse entendimento deve ser revisto ao menos para a fixação de um marco temporal a partir do qual a intimação do devedor fiduciante passou a ser exigida. No caso dos autos, a relatora concluiu que, como a execução extrajudicial é anterior à data de entrada em vigor da Lei 13.645/2017, a falta de intimação dos devedores sobre a realização do leilão não gerou nulidade. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 1.733.777

RECUPERAÇÃO JUDICIAL
A assembleia geral de credores e a flexibilização do prazo para encerramento

Por Camila Cartagena Espelocin

A Assembleia Geral de Credores, órgão [1] da recuperação judicial e da falência com previsão legal expressa na Lei 11.101/2005 [2] (LRF), tem como principal função reunir os credores sujeitos, com o fim de expressar seus interesses particulares e decidir sobre questões relevantes ao andamento do procedimento sobre as quais a LRF exija sua manifestação.

As atribuições conferidas ao conclave encontram disciplina no artigo 35, incisos I e II de referida norma, sendo que no processo de recuperação judicial, seu principal objetivo é a votação da aprovação, ou não, do Plano de Recuperação Judicial.

A Lei 14.112/2020 alterou diversos aspectos da Lei 11.105/2005, dentre as quais se destaca a previsão expressa de que, uma vez instalada, a assembleia geral de credores, convocada com o fim de votação do plano, deverá ser encerrada no prazo de 90 (noventa) dias [3].

Notadamente, ao impor um limite para conclusão da assembleia geral de credores, pretendeu o legislador dar celeridade ao procedimento [4], evitando sucessivos e injustificados adiamentos que poderiam levar à proposital procrastinação do processo concursal sem que houvesse deliberação acerca do plano.

O novo § 9º do artigo 56 da LRF diz que “Na hipótese de suspensão da assembleia geral de credores convocada para fins de votação do plano de recuperação judicial, a assembleia deverá ser encerrada no prazo de até 90 (noventa) dias, contado da data de sua instalação.”

Em uma primeira leitura, parece haver a possibilidade de suspensão da assembleia para além dos 90 (dias), isso porque, em que pese o verbo emanar uma ordem (“deverá”), o procedimento não indica quais seriam as consequências para o desatendimento desse prazo. Esse tipo de dispositivo, considerado uma norma imperfeita, deve ser interpretado em consonância com os demais princípios da LRF (i.e preservação da empresa e soberania das decisões assembleares).

Importante destacar que ainda não há jurisprudência consolidada acerca do tema. Apesar disso, a exemplo do que tem se visto nos casos de prorrogação do período de blindagem conhecido como stay period – em que a jurisprudência tem entendido ser cabível sucessivas   prorrogações desde que a recuperanda não tenha contribuído para o retardamento da tramitação do processo –, a tendência é que a norma também seja flexibilizada a fim de que se permita, com base no princípio da preservação da empresa e do melhor interesse dos credores, que a suspensões da assembleia geral de credores ultrapassem o limite de 90 (noventa) dias.

Na doutrina, encontramos algumas interpretações normativas que buscam suprir a omissão legislativa ao prever quais seriam as consequências práticas do não encerramento da assembleia no prazo previsto em lei. Para tanto vale destacar as que referem que: (i) o prazo seria impróprio, portanto, desprovido de sanção [5]; (ii) a necessidade de encerramento do conclave e designação de nova data sujeito a nova verificação de quórum [6]; e por fim (iii) a necessidade de decretação da falência [7].

Nesse contexto, na prática, partindo da premissa de que as recuperandas apresentem justificativas plausíveis para suspensão, bem como tendo em vista a autonomia da assembleia geral de credores, onde os interesses dos credores devem ser respeitados e tutelados, alguns juízos já têm admitido a possibilidade de mitigação da previsão contida no § 9º do artigo 56 da LRF, ratificando a possibilidade de colocar-se em votação a suspensão da solenidade por período superior à 90 (noventa) dias, de forma que caberá aos credores tal decisão [8].

A título exemplificativo, em recente decisão proferida na recuperação judicial da Aelbra Educação Superior – Graduação e Pós-Graduação S.A., foi autorizada a flexibilização desse prazo, considerando que a recente alteração da Lei comporta interpretação, bem como que, no caso, excepcional prorrogação do prazo não se mostraria prejudicial aos envolvidos, muito antes pelo contrário, já que a votação de plano ainda não maduro seria potencialmente ensejar prejuízo aos destinatários [9].
Em que pese seja compreensível a preocupação do legislador com a duração razoável do processo, na prática o atraso para conclusão das assembleias gerais de credores se deve às dificuldades estruturais do próprio procedimento que não se resolvem com a fixação de prazos. Além disso, cabe ao credor decidir pela votação do plano ou a suspensão da assembleia a fim de que questões sejam sanadas e o plano esteja maduro para ser submetido à apreciação dos credores.

A vedação de uma suspensão da assembleia geral de credores por prazo superior a 90 (noventa) dias poderá trazer potenciais prejuízos aos envolvidos, credores e devedores. Especialmente se considerarmos que o ambiente assemblear é o responsável por intensificar as negociações e ajustar procedimentos complexos como o financiamento da devedora (DIP financing), alienação de ativos (distressed assets), discriminação e venda de unidades produtivas da devedora (M&A), ajustes de propostas base/vinculantes (stalking horse) e tantos outros exemplos, é que se justifica a dilação desse prazo.

Na maioria dos casos, esses procedimentos são complexos e muitas vezes dependem de articulações com um número expressivo de credores, análise em comitês internos, circulação de informações aos investidores (em geral por contrato de confidencialidade – NDA), cujo prazo para conclusão não depende da devedora, pelo contrário, é o credor que dita o ritmo da evolução da proposta, contrapropostas ou nova suspensão.

Ou seja, sob pena de afronta aos princípios da preservação da empresa e da soberania da assembleia de credores, é razoável que se afaste a interpretação isolada do artigo 56, § 9º da Lei 11.101/2005, e se autorizem tantas suspensões quanto forem necessárias a fim de que não seja posto em votação plano imaturo e, portanto, incapaz de atender às necessidades de devedores e credores, e propiciada a promoção da preservação da empresa e sua função social.

É nesse sentido que se espera que a jurisprudência seja consolidada.

[1] A ideia de órgão está vinculada à de interesse comum ou coletivo. Cf.: AZEVEDO, Erasmo Valadão. FRANÇA, Novaes. ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Assembleia Geral de Credores. São Paulo: Quartier Latin, 2022.p. 96.

[2] A Assembleia Geral de Credores está disciplinada no artigo 35 e seguintes da Lei 11.101/2005.

[3] Artigo 56. § 9º: Na hipótese de suspensão da assembleia-geral de credores convocada para fins de votação do plano de recuperação judicial, a assembleia deverá ser encerrada no prazo de até 90 (noventa) dias, contado da data de sua instalação.

[4] Em estudo realizado pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), constatou-se que o número de sessões assembleares até a votação do plano é o principal fator para dilatar o prazo até a votação.

Disponível em: https://abjur.github.io/obsFase2/relatorio/obs_recuperacoes_abj.pdf

[5] LOLLATO, Felipe, FRANÇA, Guilherme. Assembleia geral de credores: novidades e pontos controvertidos”. Artigo publicado no livro “Reforma da Lei de Recuperação e Falência (Lei 14.112/20)”. Editora IASP, 2021.p.484-486.

[6] COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. p.235.

[7] AZEVEDO, Erasmo Valadão. FRANÇA, Novaes. ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Assembleia Geral de Credores. São Paulo: Quartier Latin, 2022.p. 98.

[8] Sobre o Quórum Geral de Deliberação dispõe o artigo 42, da Lei 11.101/2005 que “Considerar-se-á aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia-geral, exceto nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial nos termos da alínea a do inciso I do caput do art. 35 desta Lei, a composição do Comitê de Credores ou forma alternativa de realização do ativo nos termos do art. 145 desta Lei.”

[9] Processo de Recuperação Judicial n. 5000461-37.2019.8.21.0008, em tramitação perante o 1º Juizado da 4 Vara Cível do Foro da Comarca de Canoas – RS.

Camila Cartagena Espelocin é advogada especializada em Direito de Negócios, atuando na área de reestruturação de empresas do escritório Cesar Peres Dullac Müller (CPDM)