GOODWILL
Ágio e empresas-veículo: lacuna legal permanece mesmo com nova decisão do STJ

Por Patrícia Campos Soares

Advogada Patrícia Campos Soares
Reprodução: Linkedin

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu decisão inédita e favorável aos contribuintes nos autos do REsp 2.026.473/SC, permitindo o aproveitamento fiscal do ágio por rentabilidade futura (goodwill) em operações com ágio interno e empresas-veículo; isto é, sociedades usualmente constituídas por um curto período para receber um aporte financeiro e adquirir um investimento, muitas vezes sendo utilizada como sociedade intermediária da operação.

Inobstante o novo precedente, a lacuna legal referente ao uso de empresas-veículo permanece mesmo com o advento da Lei nº 12.973/2014, que trouxe diversas alterações relevantes na legislação tributária, inclusive no que diz respeito aos dispositivos aplicáveis à amortização fiscal do goodwill [1], razão pela qual as discussões sobre a matéria parecem estar longe de se encerrar.

Isso porque as normas anteriores que tratavam do tema não traziam qualquer impeditivo ao aproveitamento fiscal do goodwill nesses casos e, não obstante a Lei nº 12.973/2014 tenha vedado expressamente a dedutibilidade do ágio interno, esta permaneceu silente quanto ao aproveitamento do ágio em operações com interposição de empresas-veículo.

Diante dessa lacuna legal, o Fisco lavrava — e continuará lavrando — inúmeros autos de infração sob o argumento de que as empresas-veículo são constituídas com o único objetivo de reduzir tributos mediante o aproveitamento fiscal do ágio; ou seja, não haveria fundamento econômico que desse respaldo à operação para validar a amortização do goodwill.

Quando essas discussões chegavam ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, as decisões proferidas pelo órgão variavam dependendo do caso concreto, sendo mantidas as autuações nas hipóteses de o Carf entender que não havia ‘‘propósito negocial’’ na operação; isto é, qualquer objetivo na constituição da empresa-veículo além da dedutibilidade do ágio.

Nos últimos cinco anos, diversos precedentes relevantes sobre o assunto foram publicados pelo Carf.  Veja-se alguns exemplos.

Em 19/10/2023, foi proferido o Acórdão nº 1201-006.216 [2], que, por maioria dos votos, julgou procedente o recurso voluntário do contribuinte sob o entendimento de que a legislação então vigente permitiria a aquisição de participações societárias por interposição de empresas-veículo, desde que observados outros requisitos, como a confusão patrimonial, o efetivo desembolso de valores, entre outros — o que teria ocorrido no caso analisado.

De acordo com a referida decisão, ‘‘a opção pela realização de investimentos societários mediante a interposição de empresa veículo necessária ou útil à estratégia de negócios do contribuinte não representa, por si só, infração à lei, com ou sem os reflexos tributários decorrentes da amortização do ágio’’ [g.n.].

Os conselheiros entenderam, ainda, que ‘‘buscar o ágio não é ilícito, salvo nos casos de demonstração de simulação ou outro tipo de patologia intencional que justifique a desconstituição do ato em si’’. [3] [4].

Vale dizer que, na situação analisada, todas as exigências legais para a amortização fiscal do ágio foram observadas pelo contribuinte, razão pela qual a mera utilização de empresa-veículo não teria o condão de afastar a dedutibilidade do goodwill, conforme entendimento do Carf.

Outro exemplo de decisão do Carf sobre a matéria — porém, neste caso, desfavorável ao contribuinte — foi a proferida no Processo nº 11065.722801/2016-67 [5].

Nesta hipótese, as reais adquirentes do investimento se situavam no exterior e adquiriram a participação societária almejada por meio de empresa-veículo que, de acordo com a fiscalização, não possuía quaisquer operações ou mesmo um CNPJ preexistentes, tendo a empresa servido de intermediária tão somente para receber o aporte de recursos advindos de investidores no exterior e adquirir uma eletrônica no Brasil.

O Fisco entendeu se tratar de uma operação simulada em que a empresa-veículo foi constituída com o único objetivo de aproveitar o ágio da operação, sendo que as efetivas adquirentes eram sociedades estrangeiras. O Carf, por sua vez, manteve a autuação do Fisco por entender que não havia propósito negocial na operação [6].

Em que pese haver, de fato, um risco nessa espécie de reorganização societária, parece ser mais apropriado o entendimento de que a utilização de empresa-veículo em uma operação legítima e com fundamento econômico não pode, por si só, ser um impedimento à amortização fiscal do ágio, seja porque não havia — e continua não havendo — quaisquer impedimentos legais nesse sentido, seja porque o ágio integra o custo de aquisição do investimento e o contribuinte deve ter o direito de deduzi-lo, sob pena de violação ao princípio da renda líquida, segundo o qual as regras de tributação do IRPJ e da CSLL devem observar o efetivo acréscimo patrimonial dos contribuintes após as eventuais deduções aplicáveis [7] [8].

Nesse diapasão, são acertadas as decisões no sentido de descaracterizar a autuação do Fisco nos casos em que os requisitos para o aproveitamento fiscal do ágio estão presentes, tais como o efetivo desembolso de valores, o fundamento econômico e a confusão patrimonial, independentemente do emprego de empresa-veículo.

Mesmo porque, do contrário do que costuma alegar o Fisco, existem sim razões comerciais para sua utilização que vão muito além da mera economia tributária — o que, como já explicado, sequer é um ato ilícito, não sendo o planejamento tributário vedado na legislação pátria, mas, sim, as operações que acarretem simulação, fraude ou outra espécie de prejuízo ao erário [9].

Um exemplo de uso de empresa-veículo que possui ‘‘propósito negocial’’ e pode ser benéfico às partes envolvidas na operação é o caso de cisão parcial com posterior aquisição da empresa cindida pelo investidor [10]. Veja-se.

Um investidor pretende adquirir um percentual de participação societária de uma determinada sociedade, mas não possui interesse em ter outros sócios em seu negócio. Os sócios da empresa-alvo, de outro lado, têm a intenção de vender uma parte de sua sociedade e não pretendem compartilhar seu negócio com um terceiro.

Os sócios alienantes, então, realizam uma cisão parcial de sua sociedade, enquanto o investidor cria uma empresa-veículo para adquirir integralmente a empresa cindida, passando a ser o único titular desta na proporção que pretendia em relação à sociedade originária. Após a compra, o adquirente poderá efetuar uma incorporação reversa, extinguindo a empresa-veículo e mantendo a sociedade operacional ativa.

Reorganizações societárias como a do exemplo citado já foram analisadas pelo Carf [11] e, da análise das decisões do órgão, é possível verificar que o risco de manutenção da autuação não está atrelado ao uso de empresas-veículo em si, mas, sim, da ausência de um objetivo em tal estrutura além da redução da carga tributária, apesar de não haver qualquer impedimento legal ao contribuinte de economizar tributos, conforme mencionado.

Como explicado, a oscilação da jurisprudência do Carf tem se repetido há tempos e, embora não tenha havido decisões relacionadas a fatos geradores posteriores ao advento da Lei nº 12.973/2014, considerando que esta não trouxe inovações quanto ao uso da empresa-veículo para fins de amortização fiscal do ágio, a tendência é a de que a jurisprudência administrativa seja mantida; isto é, permitindo o uso de empresas-veículo quando observado algum propósito negocial na operação.

Há, porém, um agravante ao contribuinte que poderá influenciar nas futuras decisões do órgão sobre o tema, qual seja, a retomada do voto de qualidade decorrente da Lei nº 14.689/2023, passando o voto de desempate ser a favor do Governo nas votações do Carf.

No entanto, em que pese a possibilidade de uma mudança de entendimento no Carf sobre a matéria, com a volta do voto de qualidade, há uma luz no fim do túnel que se acende na seara judicial com a recente decisão proferida pelo STJ nos autos do REsp nº 2026473/SC, em 05/09/2023.

Isso porque o STJ validou o entendimento de muitas decisões proferidas pelo Carf e defendido pelos contribuintes de que a mera utilização de empresas-veículo, por si só e diante da ausência de dispositivo legal em contrário, não significa um impedimento ao aproveitamento fiscal do ágio.

De acordo com o Tribunal Superior, ‘‘embora seja justificável a preocupação quanto às organizações societárias exclusivamente artificiais, não é dado à Fazenda, alegando buscar extrair o ‘propósito negocial’ das operações, impedir a dedutibilidade, por si só, do ágio nas hipóteses em que o instituto é decorrente da relação entre ‘partes dependentes’ (ágio interno), ou quando o negócio jurídico é materializado via ‘empresa-veículo’; ou seja, não é cabível presumir, de maneira absoluta, que esses tipos de organizações são desprovidos de fundamento material/econômico’’ [g.n.].

Vale destacar que é a primeira vez que um tribunal superior se posiciona sobre o tema, sendo, portanto, um precedente inédito e bastante favorável aos contribuintes.

Ademais, embora a decisão também trate de fatos geradores ocorridos antes da Lei nº 12.973/2014, como explicado, a nova norma não trouxe quaisquer impedimentos à amortização fiscal do ágio em operações com a interposição de empresas-veículo, de maneira que a decisão poderá servir de precedente para fatos geradores ocorridos após a publicação da referida lei.

De fato, a nova decisão do STJ brilha nos olhos dos contribuintes, mas, quando se lida com o Fisco, é preciso sempre se lembrar que nem tudo que reluz é ouro…

Por fim, independente da jurisprudência judicial ou administrativa sobre a matéria, prevalece a lacuna legal que dá ensejo a essa espécie de discussão. Considerando o teor da maioria das decisões proferidas pelo Carf e, agora, pelo STJ, o contribuinte que optar por utilizar empresas-veículos em suas estruturas societárias deve continuar buscando fundamento econômico e razões comerciais que deem à operação algum respaldo para aproveitar fiscalmente o goodwill sem riscos de questionamento pelo Fisco.

[1] Vide art. 20 do Decreto-lei nº 1.598/77 e Lei nº 9.532/1997.
[2] CARF. Recurso Voluntário. Acórdão nº 1201-006.216. Processo nº 10830.722174/2013-31. Data de Sessão: 19/10/2023.
[3] No mesmo sentido: CARF. Recurso Voluntário. Acórdão nº 1302-006.875. Processo nº 16682.720277/2019-89. Data de Sessão: 15/08/2023.
[4] Vide art. 149, VII, do Código Tributário Nacional.
[5] CARF. Recurso Voluntário. Acórdão nº 1401-003.185. Processo nº 11065.722801/2016-67. Data de Sessão: 19/03/2019.
[6] No mesmo sentido: CARF. Recurso Especial do Procurador. Acórdão nº 9101-003.740. Processo nº 10480.735112/2012-25. Data de Sessão: 12/09/2018.
[7] POLIZELLI, Victor Borges. Direito Tributário – Princípio da Realização no Imposto sobre a Renda. Estudos em Homenagem a Ricardo Mariz de Oliveira. Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). São Paulo, 2019. P. 42.
[8] ÁVILA, Humberto. “Dedutibilidade de Despesas com o Pagamento de Indenização Decorrente de Ilícitos Praticados por Ex-Funcionários” em Tributação do Ilícito. Cord. Pedro Augustin Adamy e Arthur Ferreira Neto. São Paulo. Editora Malheiros. 2018.
[9] O planejamento tributário e a teoria do proposito negocial. In: SCHOUERI, Luis Eduardo; BIANCO, João Francisco (coord.). Estudos de direito tributário em homenagem ao Professor Gerd Willi Rothmann. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p 770.
[10] Considerando a aquisição de controle, nos moldes do CPC nº 15.
[11] CARF. Recurso Especial do Contribuinte. Acórdão nº 9101-006.381. Processo nº 10600.720035/2013-86. Data de Sessão: 06/12/2022.

Patrícia Campos Soares é sócia da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados

PERSEGUIÇÃO
Bancária assediada moralmente após gravidez será indenizada em R$ 50 mil

Reprodução: Lawmm.Com.Br

O empregador responde pela conduta ilícita do seu empregado considerado preposto, nos termos dos artigos 932, inciso III, e 933, ambos do Código Civil. Por vislumbrar esta responsabilidade, a 3ª Vara do Trabalho de Sete Lagoas (MG) condenou um banco a indenizar ex-empregada que foi vítima de assédio moral por parte da supervisora após ter engravidado. O valor da reparação: R$ 50 mil.

No arbitramento do quantum indenizatório, o juiz do trabalho Frederico Alves Bizzotto da Silveira levou em conta vários fatores, como a extensão do dano (repercussão entre colegas de trabalho), o grau de culpa do banco réu, o efeito pedagógico e compensatório, a razoabilidade e proporcionalidade, a ausência de enriquecimento sem causa, a capacidade financeira do ofensor, o tempo de exposição ao dano.

A defesa do banco já interpôs recurso ordinário trabalhista (ROT), que pende de julgamento no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais).

Tratamento discriminatório

Na ação reclamatória, a bancária alegou que, depois de retornar de licença médica em razão de aborto espontâneo, passou a receber tratamento discriminatório de seus supervisores. Disse que foi transferida para agência localizada em outra cidade, como forma de punição por ter engravidado.

Na contestação, o banco negou os fatos afirmados pela ex-empregada e argumentou que a transferência de agência não teve relação com sua gravidez. Mas, na visão do magistrado, as provas produzidas no processo, especialmente a testemunhal, confirmaram o assédio moral e o tratamento discriminatório alegados pela bancária.

Transferências como forma de retaliação

Ficou demonstrado que, de fato, a empregada permaneceu afastada do serviço durante cinco dias, em decorrência de aborto espontâneo. Cerca de dois meses após seu retorno, ela foi transferida da agência em que trabalhava, na cidade mineira de Sete Lagoas, para uma agência situada em Paraopeba (MG).

Duas testemunhas ouvidas, que eram colegas de trabalho da bancária, afirmaram ter presenciado a forma discriminatória e agressiva com que a supervisora passou a tratá-la, após ela ter engravidado. Uma delas relatou que ouviu a supervisora dizer ‘‘que tinha nojo da reclamante pelo fato de ela ter engravidado e abortado’’.

As testemunhas também mencionaram que era comum a transferência de empregadas gestantes para agências menores e mais distantes, como forma de retaliação pela gravidez, inclusive com perdas salariais.

Ato ilícito causou prejuízo moral à bancária

Na análise do juiz, o banco, por meio de sua preposta, cometeu ato ilícito, causando prejuízo moral à ex-empregada. Não só pelo tratamento discriminatório e desrespeitoso no ambiente de trabalho, assim como pela transferência injustificada para outra cidade, gerando maiores dificuldades e gastos com o seu deslocamento.

O magistrado pontuou que a exposição da trabalhadora a situações humilhantes e constrangedoras durante o contrato de trabalho deve ser repelida pelo Poder Judiciário. ‘‘Os atos grosseiros e desrespeitosos da superiora hierárquica da reclamante ferem a civilidade mínima que se deve ter a qualquer pessoa, quanto mais no ambiente de trabalho’’destacou na sentença.

Segundo o julgador, a existência do dano é evidente, e o banco deve responder pelos prejuízos de ordem moral causados à ex-empregada, tendo em vista que é obrigação do empregador oferecer um ambiente de trabalho saudável.

Ofensa à integridade psíquica da reclamante

Conforme a sentença, o assédio moral se caracteriza por condutas ilícitas reiteradas do empregador no decorrer do contrato de trabalho, ofendendo a integridade física e psíquica do empregado.

‘‘Provados os fatos alegados na inicial, é patente que houve ferimento dos direitos de personalidade da reclamante, abalando sua integridade psíquica e moral’’, frisou o juiz. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3 

IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO
Casa da Moeda tem imunidade tributária em serviços prestados em regime de exclusividade, decide STF

Banco de Imagens SCO/STF

O ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu pela imunidade tributária recíproca da Casa da Moeda do Brasil (CMB) quanto aos serviços prestados em regime de exclusividade, como a fabricação de papel moeda e moeda metálica e impressão de selos postais.

A decisão se deu no bojo da Ação Cível Originária (ACO) 2107, de autoria da Casa da Moeda. O relator também determinou a restituição dos valores pagos indevidamente durante os cinco anos antes do ajuizamento da ação.

Monopólio

A Casa da Moeda é uma empresa pública federal responsável por serviços públicos diversos, de prestação obrigatória e exclusiva do estado, realizando parte das suas atividades em regime de monopólio.

Na ação, a CMB pede a imunidade tributária recíproca quanto aos serviços prestados em regime de exclusividade e a devolução dos valores pagos indevidamente ao Estado do Rio de Janeiro, que cobrou imposto sobre importação de maquinário para impressão de cédulas.

Alegou que a isenção não é limitada aos impostos de competência do Rio de Janeiro, mas abrange impostos federais, estaduais, municipais e distritais, não havendo tratamento diferenciado para os entes federados.

Decisão

O ministro Nunes Marques destacou na decisão a competência do STF para dirimir controvérsias entre União, Estados e Distrito Federal, inclusive suas entidades da Administração indireta, desde que os conflitos apresentem potencial risco de lesar o pacto federativo.

A decisão apresenta jurisprudência do Tribunal no sentido da imunidade tributária dos serviços prestados pela Casa da Moeda em nome da União.

Para o ministro, cabe ao fisco do Estado comprovar que o maquinário não é utilizado em atividades em regime de monopólio – o que não consta no processo. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Leia aqui a íntegra da decisão

ACO 2107

INCLUSÃO SOCIAL
Cadeirante, devedor do INSS, derruba penhora sobre veículo adaptado no TRF-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

À luz dos aspectos da inclusão social, da garantida da dignidade da pessoa humana e da proteção da pessoa com deficiência, a Justiça pode flexibilizar/mitigar a norma legal e reconhecer a impenhorabilidade de um automóvel.

O fundamento foi expresso pelo desembargador João Pedro Gebran Neto, integrante da 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), ao manter decisão que derrubou a penhora de um Ford KA, ano 2019, pertencente a um deficiente executado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Veículo adaptado

O devedor, que mora em Cambé (PR), declarou à 7ª Vara Federal de Londrina (PR) que o seu carro é adaptado para uso pessoal, por ser deficiente físico. Além do ‘‘manche’’ na barra do volante, para aceleração e freio, o veículo ainda conta com adaptação no banco (almofada).

Sustentou que, mesmo trabalhando em regime de home office, utiliza o veículo para carregar a cadeira de rodas e para deslocar-se ao médico e ao fisioterapeuta. Além disso, quando necessita, entrega a direção do veículo à esposa.

O juiz federal João Carlos Barros Roberti Júnior reconheceu, de ofício, a impenhorabilidade do veículo, por pertencer à pessoa com deficiência. Dada à indispensabilidade do veículo para a realização de várias tarefas diárias, ele entendeu que o caso se situa na esfera da proteção da dignidade humana.

Agravo de instrumento

Inconformado, o INSS interpôs agravo de instrumento no TRF-4, pleiteando a reforma do despacho. Em razões recursais, lembrou que a execução é realizada no interesse do credor, conforme o artigo 797 do Código de Processo Civil (CPC). Todos os bens do devedor devem estar ao alcance do exequente, nos termos do artigo 831 do CPC, aplicável por força do artigo 1º da Lei 6.830/80 – que dispõe sobre a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública.

A autarquia observou que, mesmo nos casos em que o veículo esteja sendo usado para fins profissionais, a penhorabilidade é reconhecida, por ser o bem mero facilitador para o exercício da profissão do devedor, conforme entendimento assentado no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Des. João Pedro Gebran Neto
Foto: ACS/TRF-4

Por fim, destacou que, embora o veículo seja um facilitador para deslocamentos, não se torna imprescindível para a locomoção da parte devedora. Afinal, eventuais deslocamentos para consultas ou exames médicos podem ser feitos por meio de transporte público ou particular (táxi ou serviços de transporte como Uber e similares adaptados).

‘‘Síndrome de morquio’’

O relator do agravo no TRF-4, desembargador João Pedro Gebran Neto, explicou que a impenhorabilidade prevista no artigo 833, inciso V, do CPC, é a de instrumento de trabalho – taxista, transportador escolar ou instrutor de autoescola. Visa assegurar a continuidade da atividade laboral que provê o sustento do devedor e de sua família. Nesse caso, o veículo é essencial à vida profissional do devedor.

No caso dos autos, observou, não há notícia sobre a profissão do executado, mas sabe-se que o veículo objeto da penhora serve como meio de locomoção. Em linha de princípio, somente pela questão da acessibilidade, seria o caso de se reconhecer a penhora.

Entretanto, advertiu que deve ser pesado o fato do devedor ser cadeirante, portador da ‘‘síndrome de morquio’’ (doença genética rara e hereditária que afeta o desenvolvimento do esqueleto), que necessita de tratamento médico contínuo para suas deformidades. Além disso, o devedor já obteve, na justiça, a declaração de inexigibilidade do débito fiscal – obstando a cobrança do débito executado.

‘‘Portanto, no caso dos autos restou claro que se trata de veículo adaptado de acordo com a patologia do Agravado, restando demonstrada a inconteste utilidade do automóvel’’, decretou Gebran no acórdão, negando apelação ao INSS. O entendimento foi unânime no colegiado.

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5016718-83.2020.4.04.7001 (Londrina-PR)

 

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VALOR DO TRABALHO
Profissional de enfermagem não precisa quitar anuidade para renovar carteira, decide STF

Banco de Imagens SCO/STF

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou trechos de Resolução 560/2017, do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), que exigem a quitação de anuidades para que profissionais obtenham inscrição, segunda via e renovação da carteira profissional.

O Tribunal declarou a inconstitucionalidade do disposto no inciso II do artigo 16, do parágrafo 2º do artigo 32, dos incisos II e IV do artigo 46 e do parágrafo 6º do artigo 48 do Anexo da Resolução, editada em 23 de outubro de 2017.

O entendimento unânime no colegiado foi de que a medida criou punição política como meio coercitivo indireto para pagamento de tributo.

Livre exercício

Em seu voto, a relatora, ministra Cármen Lúcia, destacou que a inscrição no Conselho Regional de Enfermagem é um requisito indispensável para o exercício regular da enfermagem e de suas atividades auxiliares. Por isso, a Resolução viola, entre outros, o direito constitucional do livre exercício de trabalho.

Sanção política

A ministra lembrou ainda que, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 647885, com repercussão geral, o STF julgou inconstitucional a suspensão de inscritos em conselho de fiscalização profissional por inadimplência de anuidades, pois a medida consiste em sanção política em matéria tributária.

A decisão foi tomada na sessão virtual finalizada na sessão de 18 de dezembro, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7423, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Clique aqui para ler o voto da ministra relatora