RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Empregador e tomador dos serviços têm de indenizar eletricista que se acidentou em SC

Quando o acidente deriva das condições inseguras do ambiente de trabalho e não de atitudes imprudentes do empregado, a responsabilidade deve recair sobre o empregador. E, solidariamente, do tomador do serviço contratado, se também não observou as normas de saúde e segurança no trabalho.

O entendimento é da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12, Santa Catarina) após a análise de mérito de uma ação reclamatória na qual um eletricista da MC Serviços Elétricos se acidentou ao instalar fios elétricos no telhado da clínica Vida Veterinária – ambas sediadas no município de Videira, meio oeste de Santa Catarina, e rés no processo. Ambas foram condenadas solidariamente a indenizar o trabalhador em danos morais e materiais.

O caso aconteceu em junho de 2019. Durante a instalação dos fios, o trabalhador sofreu uma queda, resultando em lesões graves. Em vista do acidente, o eletricista resolveu buscar reparação na Justiça do Trabalho.

Primeiro grau

Em contestação, a MC Serviços Elétricos alegou, inicialmente, que o acidente foi causado por ato inseguro do próprio trabalhador, que teria negligenciado as normas de segurança do trabalho. No entanto, de acordo com o juízo da Vara do Trabalho de Videira, ficou evidenciado nos autos que o eletricista não havia recebido o equipamento de proteção individual (EPI) necessário, nem instruções adequadas para a execução segura do trabalho em altura.

Na sentença, o juiz Luiz Fernando Gonçalves, responsável pelo caso, condenou as rés, solidariamente, ao pagamento de uma indenização por danos morais no valor de R$ 15 mil.

Além disso, o juiz também concedeu ao trabalhador o direito a uma pensão mensal correspondente a 12,5% do seu último salário (que foi de R$ 1,3 mil) e R$ 24 mil a título de lucros cessantes (Art. 402 do Código Civil); ou seja, uma estimativa do que o trabalhador deixaria de ganhar nos próximos serviços se não tivesse sofrido o acidente.

‘‘Assim, tendo em vista que a segunda reclamada [Vida Veterinária] permitiu a prestação de serviços sem a observância das normas de saúde e segurança no trabalho, conforme já analisado, deverá responder de forma solidária pelas condenações impostas nesta sentença à primeira reclamada [MC Serviços Elétricos]’’, justificou Gonçalves na sentença.

Condição insegura x ato inseguro

Desembargador Nivaldo Stankiewicz
Foto: Arquivo/Secom/TRT-12

A primeira reclamada, inconformada com a decisão de primeiro grau, recorreu ao TRT-SC, defendendo a tese de culpa exclusiva da vítima. A empresa reforçou o argumento de que o serviço não exigia que o empregado subisse pelo lado de fora do telhado do cliente, pois o acesso ao local necessário para a manutenção poderia ser feito por dentro da residência, através de um alçapão.

No entanto, o argumento não foi acolhido pela 4ª Turma do TRT-SC. O relator do recurso, desembargador Nivaldo Stankiewicz, centrou a análise do caso na distinção entre ato inseguro e condição insegura de trabalho.

‘‘Na situação em exame, não se verifica a prática de ato inseguro pelo autor, mas a presença de condição insegura de trabalho. Isso porque, da prova testemunhal produzida se depreende que, embora os trabalhadores da ré já tivessem prestado serviços anteriormente no local do acidente, não foi enviado, pela empregadora, o cinto de segurança para o trabalho em altura’’, ressaltou o relator no acórdão.

Sem avaliação ou orientações

Nivaldo Stankiewicz disse que, apesar da existência de uma escada de marinheiro na lavanderia, para acessar o telhado, uma das testemunhas negou que os trabalhadores tivessem sido instruídos pelo empregador a utilizar essa rota no dia do acidente. Além disso, não foram apresentadas provas de uma avaliação prévia do local de trabalho pelo empregador, nem de orientações específicas que deveriam ter sido repassadas ao eletricista para o correto cumprimento de suas funções.

O acórdão ressaltou que, a menos que o acidente seja claramente resultado de uma ação imprudente e individual do empregado, a responsabilidade recai sobre o empregador. Isso porque, em ambientes de trabalho onde os riscos são elevados, é dever do empregador implementar e monitorar rigorosamente as medidas de segurança necessárias para proteger seus funcionários.

A decisão ainda está em prazo de recurso. Redação Painel de Riscos com informações de Carlos Nogueira, da Secretaria de Comunicação Social (Secom)/TRT-12.

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ATOrd 0002056-87.2020.5.12.0020 (Videira-SC)

DÍVIDA TRABALHISTA
TST dá prazo para apresentação de apólice de seguro garantia em execução provisória

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) concedeu prazo para que a Petrobras S.A. possa apresentar, para substituição de valores bloqueados em conta, apólice de seguro garantia em uma execução provisória.

Para o colegiado, o prazo de 48h concedido pelo juízo da execução para que a empresa apresentasse o seguro garantia não foi suficiente para a viabilização da apólice, o que violou direito líquido e certo da empresa.

Mandado de segurança

No mandado de segurança, a Petrobras alegou que foi notificada para efetuar o pagamento ou garantir a execução de uma dívida trabalhista. A empresa propôs o uso de um seguro garantia judicial com o objetivo de assegurar o cumprimento da decisão judicial e permitir a interposição de recurso de embargos à execução.

No entanto, o juízo da 3ª Vara do Trabalho de Ipojuca (PE) negou o pedido ante a não apresentação da apólice do seguro garantia. Por consequência, ordenou o bloqueio dos valores na conta bancária da executada. Segundo a Petrobras, essa circunstância feriu seu direito líquido e certo de fazer a substituição prevista em lei.

Apólice

A Primeira Seção Especializada em Dissídio Individual do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT-6, Pernambuco) rejeitou o mandado de segurança ao fundamento de que a oferta do seguro garantia não foi indeferida. Segundo o TRT, o que aconteceu é que a empresa deixou de apresentar apólice de seguro apta à garantia da execução, razão pela qual o valor ficou bloqueado na conta da empresa.

Seguro garantia

A Petrobras recorreu ao TST. A relatora do caso na SDI-2, ministra Morgana de Almeida Richa, esclareceu que a jurisprudência do TST reconhece a possibilidade de se impetrar mandado de segurança em situações como essa.

Ela explicou que uma decisão judicial que nega o uso de seguro garantia judicial como alternativa ao bloqueio de dinheiro em conta bancária, visando assegurar a execução provisória, pode causar prejuízos imediatos ao devedor, contrariando direitos explicitamente garantidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e no Código de Processo Civil (CPC).

Direito líquido e certo

A ministra considerou que o prazo de 48 horas dado à Petrobras para assegurar a execução provisória não tem base legal e constituiu uma violação a um direito líquido e certo da empresa.

Diante disso, a ministra concedeu parcialmente a segurança para autorizar concessão de tempo à empresa para apresentar a apólice de seguro garantia e substituir os valores bloqueados na conta, desde que cumpridos os critérios estabelecidos no Ato Conjunto TST.CSJT.CGJT nº 1/2019, cuja avaliação se dará pelo Juízo da 3ª Vara do Trabalho de Ipojuca (PE).

A decisão foi unânime. Com informações do técnico judiciário Bruno Vilar, compiladas pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

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Ag-ROT-231-68.2022.5.06.0000

TRIANGULAÇÃO COMERCIAL
Benefício previsto em acordo da Aladi exige envio direto da mercadoria do país exportador para o importador

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a incidência do benefício tributário previsto no Regime Geral de Origem da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi) exige que a mercadoria seja expedida diretamente do país exportador para o importador; ou seja, que os produtos não sofram interferência em território de país não participante do acordo – procedimento conhecido como triangulação comercial.

A Aladi foi criada em 1980 pelo Tratado de Montevidéu e tem o Brasil como um de seus 13 integrantes. Por meio de acordos comerciais, a Associação busca incrementar o desenvolvimento econômico na região e estabelecer um sistema de preferências econômicas, visando a um mercado comum latino-americano.

A discussão que chegou ao STJ teve origem em operação comercial realizada pela Petrobras. A petrolífera importou combustível da Venezuela – país integrante da Aladi –, mas o faturamento do negócio ocorreu nas Ilhas Cayman (que não integram a Aladi), por meio da triangulação comercial.

Em razão da operação, foi gerado imposto de importação de mais de R$ 35 milhões. Contudo, em ação de desconstituição do crédito tributário, a Petrobras alegou que não poderia haver a incidência do tributo na operação, tendo em vista a redução tarifária prevista no acordo internacional firmado no âmbito da Aladi, ainda que tenha ocorrido a triangulação.

Interpretação ampliada de normas sobre benefícios tributários pode gerar abusos

Ministro Francisco Falcão foi o relator
Foto Luiz Antônio/STJ

Em primeiro grau, o juízo anulou o crédito tributário, e a sentença foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Segundo o tribunal, havendo certificado de origem para provar que o combustível importado é oriundo de nação integrante da Aladi, e tendo sido despachado diretamente para o Brasil, o faturamento em país que não é membro da Associação não impediria o tratamento tributário preferencial.

Relator do recurso especial (REsp) da Fazenda Nacional, o ministro Francisco Falcão afirmou que a interpretação ampliada de benefícios tributários previstos em acordos internacionais, especialmente no caso de operações com triangulação comercial, pode resultar em aberturas para práticas abusivas de não pagamento de tributos (elisão fiscal), em prejuízo da proteção da concorrência e do incentivo à igualdade comercial – objetivos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em relação à tributação internacional.

‘‘Por conseguinte, impõe-se a observância dos estritos termos da intenção dos países signatários de acordo internacional para fazer jus à obtenção de benefício tributário’’, declarou o ministro.

Passagem do produto por país não integrante da Aladi deve ser justificada

Francisco Falcão destacou que, nos termos do artigo 4º da Resolução 78/1987 (que aprovou o Regime Geral de Origem da Aladi), as mercadorias, para serem beneficiadas pelo tratamento preferencial, devem ter sido expedidas diretamente do país exportador para o importador.

‘‘Dessa forma, as mercadorias transportadas não podem passar pelo território de países não signatários dos acordos firmados no âmbito da Aladi’’, comentou o relator. Segundo ele, se as mercadorias tiverem de passar por um ou mais países não participantes, isso deverá ser justificado por motivos geográficos ou por razões de transporte. Também é preciso que as mercadorias não sejam destinadas ao comércio ou a qualquer forma de uso no país de trânsito; e que não sofram, durante o transporte e o depósito, qualquer operação diferente de carga e descarga ou de manuseio necessário para mantê-las em boas condições.

Ainda segundo Falcão, o Acordo 91 do Comitê de Representantes da Aladi – que disciplina a certificação de origem das mercadorias transportadas – estabelece que deve haver coincidência entre a descrição dos produtos na Declaração de Importação (DI), o produto negociado e a descrição registrada na fatura comercial que acompanha os documentos do despacho aduaneiro.

Interpretação extensiva de isenção tributária viola a legislação

Para o ministro, embora a triangulação seja prática comum no comércio exterior, no caso dos autos, não é possível confirmar o cumprimento dos requisitos para a concessão do benefício fiscal, tendo em vista a divergência entre a certificação de origem e a fatura comercial, decorrente da exportação do combustível venezuelano por terceiro país não signatário dos acordos da Aladi.

‘‘A exportação em discussão não se amolda aos requisitos determinados pelo artigo 4º do Regime Geral de Origem (Decreto 98.874/1990) e pelo artigo 1º do Acordo 91 do Comitê de Representantes da Aladi (Decreto 98.836/1990), não devendo as mercadorias serem beneficiadas pelo tratamento tributário privilegiado em relação ao Imposto de Importação, sob pena de interpretação extensiva de isenção tributária, o que afronta o artigo 111, inciso II, do Código Tributário Nacional’’, concluiu o relator ao dar provimento ao recurso da Fazenda Nacional. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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AREsp 2009461

APURAÇÃO DE ICMS
Secretaria da Fazenda de SP prorroga prazo para extinguir e-CredRural

Por Douglas Guilherme Filho

No fim de 2023, a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz) adotou uma medida que surpreendeu milhares de produtores rurais que atuam no Estado, ao prever a extinção do sistema e-CredRural a partir de junho de 2024. Entretanto, para alento dos produtores, recentemente, por meio do Decreto 68.406/2024, a Secretaria prorrogou o prazo para extinção programa, que poderá ser utilizado até 30 de setembro.

O e-CredRural é um sistema que permite aos produtores apurarem créditos de ICMS quando as suas saídas estiverem sujeitas à isenção, não incidência, entre outras hipóteses. Esse crédito é apurado mediante a avaliação dos valores do imposto destacados nas notas de aquisições.

Por meio desse sistema, é permitido que o produtor possa obter um ressarcimento, a fim de adquirir insumos utilizados na produção, diluindo o custo da sua produção/comercialização.

Para a Secretaria da Fazenda, o sistema teria se tornado obsoleto, sendo utilizado por um número reduzido de produtores rurais, após a alteração da formação de apuração do cálculo de um dos principais insumos (combustíveis).

As alternativas dadas pela Sefaz/SP foram duas.

A primeira seria a possibilidade de apurar os créditos anteriores a 30 de abril de 2024 para fins de utilização até 30 de junho de 2024. A medida, na prática, se mostrou inviável, pois haveria um prazo exíguo para que fossem consumidos os montantes apurados nos últimos cinco anos. O novo decreto buscou corrigir em parte esse problema, ao prolongar o prazo de utilização do programa até 30 de setembro de 2024.

Já a segunda opção seria a concessão de créditos outorgados, nos percentuais, respectivamente, de 1% nas operações de saída de café cru, em grão ou em coco, e de 2,4% sobre os demais produtos.

Embora financeiramente essa possibilidade trouxesse maior rapidez ao recebimento dos valores, já que autorizaria que o comprador efetuasse o ressarcimento direto ao produtor, apenas os casos em que as operações estivem sujeitas à isenção, ou não incidência, não abarcando, por exemplo, os casos que as saídas fossem diferidas — ou seja, postergadas para um momento da realização de uma nova operação comercial.

Além disso, esse crédito outorgado seria concedido de maneira transitória, pois a própria legislação que determinou uma data para pôr fim ao e-CredRural previu que esse regime vigoraria até 31 de dezembro de 2024, sem falar que limitaria, substancialmente, o momento a ser recuperado pelo produtor.

Em suma, as alternativas apresentadas não se mostravam vantajosas ao produtor rural, seja por exigir que ele abra mão de créditos apurados no passado, em clara afronta ao princípio da não cumulatividade e do direito adquirido, ou que ele migrasse de um regime simplificado (como é o caso do e-CredRural), para um mais complexo, como o caso do e-CredAc (sistema de créditos acumulados) notadamente nos casos em que a legislação veda a opção pelo crédito outorgado (saída diferida).

De todo modo, mesmo que o produtor tenha fôlego renovado para se preparar para o fim do e-CredRural, a nova legislação ainda impacta no custo de produção ao tentar simplificar as obrigações acessórias. Além disso, impõe ao produtor rural uma série de exigências que não existiam anteriormente, como manter controle de custeio ou preenchimento de SPED, por exemplo.

Diante das complexidades e desafios apresentados pela decisão da Sefaz/SP de extinguir o sistema e-CredRural, a prorrogação do prazo até setembro de 2024 representa um fôlego adicional para os produtores rurais se adaptarem às novas exigências. Essa extensão oferece um tempo precioso para avaliar estratégias, buscar orientação especializada e ajustar os processos internos, visando uma transição com menos sobressaltos. A expectativa é que a iniciativa proporcione maior segurança jurídica e operacional, permitindo uma melhor gestão dos créditos de ICMS e uma adequação mais eficiente ao novo regime vigente.

Douglas Guilherme Filho é coordenador da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados

JURISTOCRACIA TOTALITÁRIA
O ditador tenta, contra Musk, salvar a sua indefensável defesa da democracia

Reprodução internet

Por Félix Soibelman

Na Constituição brasileira está consignado que o Brasil rege-se, nas suas relações internacionais, pela prevalência dos direitos humanos e autodeterminação dos povos (respectivamente, incisos II e III do artigo 4º), bem como que a república brasileira constitui-se como Estado Democrático de Direito, tendo como fundamento a soberania (inciso I do artigo 1º).

O Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, na qual consta o direito à revolução ao declarar que ‘‘é essencial a proteção dos direitos do Homem através de um regime de direito, para que o Homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão’’.

O direito de revolução estava previsto também na Constituição francesa de 1790 (ou 95, se não me engano), assim como os mais inspirados filósofos como Aquino, Kant em certo modo, e até mesmo Hobbes o proclamaram. A 2ª Emenda à Constituição norte-americana manteve o direito a portar armas para garantir um estado livre, direito este extensivo aos indivíduos.

Nesta mesma Declaração está, em seu artigo 19, que ‘‘todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão’’.

A dignidade humana é industriada pelo cabedal de elementos que tornam o homem, pela tão só condição de ser homem, credor de respeito por toda a comunidade humana e portador de direitos invioláveis e inalienáveis que lhe garantem justiça, educação, saúde etc., não podendo ser coisificado pelo Estado nem objeto de engenharia social.

Muito bem. Uma vez mais cito meu pai no verbete sobre o Julgamento de Nuremberg [Leib Soibelman, em sua Enciclopédia Jurídica Soibelman], quando afirma, com grande felicidade no texto, que o julgamento assumiu que, no tocante aos direitos atinentes à dignidade humana, ‘‘o homem é sujeito de direito internacional antes de ser sujeito de um Estado’’.

Que raios significa isto? É muito simples. Significa que os direitos e garantias individuais existem como conquista de toda a civilização ocidental que se refletem na Constituição, não são criados por esta Carta e muito menos desta dependem para existir.

Muito mais ainda, todo cidadão, pela só condição de ser homem, tem o direito pleno de criticar a violação destes direitos fundamentais como membro da comunidade humana, quando tal violação ocorre em todo e qualquer país, não passando de xenofobia estúpida e rasa de Alexandre de Moraes quando afirma, em resposta a Elon Musk,  a cantilena abaixo do nível de grêmio estudantil de que há uma ‘‘antiquíssima mentalidade mercantilista que une o abuso do poder que só visa o lucro com o autoritarismo extremista de novos políticos’’ que ‘‘volta a atacar a soberania do Brasil (…)’’.

Ora, Musk, assim como todo ser humano do mundo ocidental que é aderente à citada Declaração, está no pleno direito de avaliar quando existe uma patologia democrática constituída por um tiranete em forma de juiz que cassa a palavra de parlamentares e mandatos; prende sem dar acesso aos autos; é capaz de despachos medíocres, onde nem consegue capitular o crime do qual acusa o cidadão; transforma a crítica a ministros em ataque às instituições democráticas, na mais abjeta encarnação do L’État c’est moi; suprime o processo acusatório, tornando-se juiz e acusador ao rejeitar o pedido de arquivamento de inquérito pelo Ministério Público; bane pessoas das redes sociais como pena criada de sua cabeça ou extraída de algum alfarrábio em suas aulas na USP, como fértil ventre de juristas prostituídos; ameaça com multas empresas que manifestem críticas a um projeto de lei, exigindo retratação pública sob pena de sanção econômica e suspensão (caso do Telegram); realiza chantagens judiciais para obtenção de confissão (caso do tenente-coronel Mauro Cid); ameaça prender responsáveis do Twitter brasileiro, que nenhuma ingerência têm na administração dos dados da rede, para ver se impede Musk de reativar contas banidas por sua ordem; devassa conversa de empresários, quebrando seu sigilo, tão só pelo dedo em  riste de Randolfe, um parlamentar que nada mais sabe fazer do que empenhar-se no denuncismo; transforma em incitação a simples manifestação de raiva e indignação (caso do ex-deputado  federal Daniel Silveira); viola a prerrogativa presidencial da graça, transformando o ato político em ato de gestão, para examiná-lo sob a ótica do desvio de finalidade; dogmatiza as urnas, transformando em crime o seu questionamento, imolando, assim, o direito à fiscalização dos poderes públicos estabelecido no artigo 37 da Constituição mediante a publicidade e transparência; estabelece mediante resolução do TSE a supressão de páginas e banimento de pessoas sem contraditório, ainda criando abortivamente um órgão de controle da informação para incrementar o que não se conseguiu mediante a aprovação de um projeto de lei das fake News.

Enfim, um sem-número de horrores, que somente ganham respeitabilidade pelo medo incutido, horrores estes sobre os quais Moraes quer, agora, pateticamente, lançar o manto da soberania, para ver se arrebata os idiotas ou aqueles afins, como alguns de boca aberta que se vê nas fotografias dos que o escutam a falar essas besteiras.

A transnacionalidade destes direitos que fazem de Musk pessoa absolutamente legítima para a crítica contra o tiranete da Suprema Corte de Sucupira enfeixa-se com os conceitos de soberania e autodeterminação dos povos, o que explico a seguir, para refutar a ideia de que Musk esteja interferindo nesta última.

A soberania define-se como poder de estabelecer um ordenamento jurídico num território sem haver nenhum outro poder que se encime a ele.

A autodeterminação dos povos, desde os tempos de Rui Barbosa, quando, em Haia (Holanda) lutou pela igualdade jurídica dos Estados soberanos, pretendendo o estabelecimento das relações internacionais pelo Direito e não pela força, dentro do idealismo que lhe caracterizava, tem sido abordada até hoje como uma questão de ‘‘descolonização’’, o direito de povos, e, por conseguinte nações, antes conquistados, de se orientarem como desejem para o estabelecimento de seus Estados como Nações.

Não obstante, o conceito merece ser ampliado em face de todos os direitos e conceitos compartilhados pela comunidade internacional, alguns dos quais enunciei acima. Não há, para mim, autodeterminação senão por um processo democrático. Ora, se o poder constituído é aquele que reflete a vontade do povo, e, portanto, denomina-se autodeterminação deste povo, é evidente que se um ditador toma o poder impondo-se ao povo, não está havendo nenhuma autodeterminação popular, mas a determinação do ditador.

Essa obviedade faz com que o ‘‘soberanismo para a ditadura’’ de Moraes não passe de uma arenga sem sentido algum para ser algo respeitado como autodeterminação, de forma que, muito ao contrário, ao combater Moraes, Musk está reforçando nossa autodeterminação, perdida para a primeira juristocracia totalitária do mundo livre.

A Constituição prescreve esta autodeterminação em suas relações internacionais, enquanto o Brasil atual apoia ditaduras como a do Irã, China, Rússia ou Venezuela, ainda querendo, pelas mãos do tirano de toga, transformar-se noutra ditadura, o que mostra o quão deve ser providenciada uma mutação hermenêutica para estabelecer que não há autodeterminação em ditaduras, obrigando o Estado brasileiro a mudar suas relações com estes regimes execráveis.

Ainda, por absurdo que pareça, há a necessidade, por igual mutação hermenêutica, de que seja estendida a regra às relações internas; ou seja, que o Brasil se paute também em suas relações internas pela autodeterminação do povo brasileiro, que foi jogada no lixo por Alexandre de Moraes, ao se transformar num ditador das lacunas de poder.

De forma melancolicamente estrábica, Moraes é recalcitrante na farsa que desmoronou aos olhos do mundo depois das denúncias de Musk, ficando cada vez mais saliente seu desequilíbrio penoso ao insistir na sua indefensável defesa da democracia.

Félix Soibelman é advogado no Rio de Janeiro