VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE
O assédio moral invisível contra trabalhadores haitianos em Santa Catarina

Foto: Antônio Scartpinetti/Jornal Unicamp

Por Janice Bastos

No coração das fábricas de Santa Catarina, uma cena se repete todos os dias – trabalhadores haitianos enfrentando piadas racistas, ordens gritadas, isolamento e olhares de desprezo. Para muitos deles, o local de trabalho se transformou em um campo de batalha silencioso, onde o assédio moral se esconde sob a rotina.

Desde que o Brasil abriu suas portas para os haitianos, especialmente após o terremoto de 2010, milhares buscaram abrigo e trabalho aqui. Santa Catarina virou um destino frequente, com vagas no setor industrial. Mas, junto com a oportunidade, muitos imigrantes se depararam com um ambiente hostil. O que começa com comentários como ‘‘volta pro teu país’’ ou ‘‘você não serve pra isso’’, logo evolui para humilhações sistemáticas: tarefas impossíveis, exclusão de reuniões, ameaças veladas e pressões psicológicas constantes.

Esse tipo de violência – conhecida como assédio moral – ainda é tratado com indiferença por muitas empresas. Frequentemente, as vítimas não denunciam por medo de perder o emprego ou por não saberem a quem recorrer. A barreira do idioma e o desconhecimento das leis brasileiras também pesam.

É nesse cenário que a Convenção nº 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) surge como um sopro de esperança. Aprovada em 2019, essa convenção é o primeiro tratado global que reconhece o direito de todo trabalhador a um ambiente livre de violência e assédio, incluindo aqueles motivados por raça, nacionalidade ou origem.

A convenção traz uma mudança importante: não é mais necessário que o assédio se repita para ser reconhecido como tal – um único ato, se grave, já pode ser caracterizado como assédio moral. E mais: o conceito de ‘‘mundo do trabalho’’ foi ampliado, passando a incluir tudo o que envolve a relação de trabalho, mesmo fora do expediente, como mensagens abusivas por celular ou situações em alojamentos fornecidos pela empresa.

Ainda que o Brasil não tenha ratificado oficialmente essa convenção, seu conteúdo já serve como argumento em decisões judiciais e políticas públicas. Em Santa Catarina, onde os haitianos frequentemente se tornam alvos de discriminação silenciosa, sua aplicação pode ajudar a transformar essa realidade.

O assédio moral não deixa marcas visíveis, mas fragiliza emocionalmente a vítima de forma silenciosa – atingindo sua autoestima, sua saúde mental, sua dignidade. Quando direcionado a grupos já vulneráveis, como os imigrantes haitianos, ele se torna ainda mais cruel.

Reconhecer esse problema e agir com base em normas como a Convenção 190 é mais do que uma questão legal – é uma questão de humanidade.

Neste 2 de maio, Dia Nacional de Combate ao Assédio Moral no Trabalho, é urgente voltar os olhos para essas histórias silenciadas que atravessam os corredores das fábricas e escritórios. Que esta data não seja apenas simbólica, mas um chamado à ação, para que assumamos o compromisso de construir ambientes de trabalho verdadeiramente seguros, respeitosos e inclusivos. Lutar contra o assédio moral, sobretudo aquele que atinge de forma invisível os mais vulneráveis, é afirmar o valor da dignidade humana acima de qualquer fronteira.

Janice Bastos é juíza do trabalho substituta da 1ª Vara do Trabalho de Criciúma e gestora auxiliar do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do TRT-SC

USO OPORTUNISTA
Asset stripping e os bônus sobre EBITDA ajustado: drenagem premeditada em tempos de insolvência

Por Eduardo Lima Porto

Dando continuidade ao artigo publicado na última segunda-feira (21/04/2025), aprofundo aqui a reflexão sobre o uso de métricas ‘‘não-GAAP’’ – em especial o EBITDA ajustado – como base para remuneração executiva em cenários de fragilidade financeira, com atenção especial ao período que antecede os pedidos de recuperação judicial (RJ).

O objetivo central desta análise é integrar elementos contábeis, jurídicos e de governança corporativa, provocando o debate entre conselheiros, credores, investidores e operadores do Direito Empresarial.

O avanço silencioso do asset stripping

Em um ambiente empresarial cada vez mais desafiado por incertezas macroeconômicas, escassez de crédito e cobranças por desempenho trimestral, um fenômeno discreto – mas devastador –vem ganhando espaço: o asset stripping.

Originalmente ligado a aquisições seguidas do desmonte e venda de ativos, o conceito hoje assume formas mais sofisticadas, como:

  • Distribuição de dividendos em volumes incompatíveis com o lucro real;
  • Financiamentos intercompany a custos acima do mercado;
  • Pagamentos de bônus baseados em métricas ajustadas e irreais;
  • Transações com partes relacionadas sem transparência;
  • E, no setor agro, retiradas desproporcionais de caixa para aquisições de imóveis, veículos de luxo ou aeronaves, que comprometem a sustentabilidade operacional do negócio em ciclos de baixa.

O foco aqui é o uso do EBITDA ajustado como instrumento de remuneração dissociado da geração de caixa, operando como uma forma velada de drenagem de recursos em vésperas de colapso anunciado.

EBITDA ajustado: métrica que informa, mas não explica

Defendido por consultorias renomadas como instrumento de análise de performance pura, o EBITDA ajustado permite – e frequentemente promove – exclusões subjetivas como:

  • Reestruturações recorrentes;
  • Provisões judiciais com alta chance de perda;
  • Baixas contábeis por deterioração de ativos;
  • Perdas em operações com falhas de gestão.

O problema emerge quando esse número ‘‘purificado’’ é usado para justificar bônus milionários, mesmo diante de:

  • Endividamento crescente;
  • Inadimplência operacional relevante;
  • Fluxo de caixa consistentemente negativo.

A verdade precisa ser dita sem rodeios: não há métrica que legitime a retirada de caixa em meio a indícios objetivos de crise. Quando essa prática antecede a insolvência, ela se aproxima perigosamente da fraude premeditada.

O timing da remuneração: sintoma de premeditação?

É nas demonstrações financeiras que se percebe o padrão: bônus pagos em exercícios que já evidenciavam tensões de liquidez, aumento do passivo e deterioração do capital de giro.

Essa correlação entre remuneração agressiva e iminência de colapso pode configurar, sob a ótica jurídica:

  • Premeditação de fraude contra credores;
  • Abuso do poder de administração;
  • Gestão temerária com dolo específico.

Mesmo sem entrar no mérito de dispositivos legais, é evidente que há fundamento ético e técnico para questionar a legitimidade desses atos, sobretudo quando inseridos em um contexto de iminente recuperação judicial.

Precedentes internacionais: lições relevantes

Casos julgados ou investigados nos EUA ilustram com clareza como o asset stripping, via bônus e métricas manipuladas, é tratado por reguladores:

  • Apollo Global Management (2016): multado pela U.S. Securities and Exchange Commission (SEC) por bonificações baseadas em EBITDA inflado;
  • Nikola Corporation: investigação federal por projeções enganosas e retirada de valor antes de colapso;
  • WeWork: extração de liquidez milionária pelo fundador com base em community-adjusted EBITDA, sem lastro operacional.

Nem toda métrica ajustada é fraude, mas todo excesso deve ser investigado

Não se trata de demonizar o uso do EBITDA ajustado. Trata-se de alertar para seu uso oportunista como base para enriquecimento indevido, especialmente quando a empresa já apresenta sinais visíveis de deterioração.

Remuneração deve ser consequência de valor gerado – não uma operação de saque pré-insolvência.

Conclusão: a realidade não pode ser ajustada

A governança séria exige que métricas não substituam a verdade contábil. Quando bônus são pagos sobre lucros que não viraram caixa – e isso ocorre no limiar da quebra – estamos diante de algo muito maior do que uma escolha contábil. Estamos diante de uma possível drenagem premeditada de recursos, que precisa ser analisada com o devido rigor.

Ajustar o EBITDA pode ser justificável. Ajustar a realidade para atender a interesses privados, jamais.

Eduardo Lima Porto é diretor da LucrodoAgro Consultoria Agroeconômica

REMUNERAÇÃO EXECUTIVA
Asset stripping e os bônus sobre o EBITDA ajustado: desvio ético ou drenagem de caixa explícita?

Por Eduardo Lima Porto

 Práticas sofisticadas de drenagem financeira, travestidas de eufemismos e embaladas por denominações da moda, vêm ultrapassando os limites do tolerável justamente num momento em que as empresas enfrentam severas pressões decorrentes da redução de margens, restrições de liquidez e aumento da inadimplência – fatores que caracterizam a conjuntura atual.

Nesse cenário, tornam-se cada vez mais injustificáveis os programas de remuneração baseados em métricas operacionais dissociadas da geração real de caixa.

A persistência no pagamento de bônus milionários com base no chamado ‘‘EBITDA ajustado’’, além de eticamente reprovável, configura um ato deliberado e temerário de gestão. Tal conduta pode ser passível de responsabilização cível e criminal, sobretudo quando realizada em prejuízo de fornecedores, empregados, acionistas minoritários e financiadores.

Embora tais práticas possam, em tese, estar dentro dos limites da contabilidade formalmente permitida, distanciam-se do espírito de transparência e de boa governança que se exige de qualquer administração responsável.

A utilização seletiva do EBITDA ajustado como métrica de remuneração cria espaço para a exclusão de perdas operacionais recorrentes – convenientemente classificadas como ‘‘não estruturais’’ —, ignora provisões para inadimplência e litígios e neutraliza efeitos de baixas contábeis obrigatórias (impairments), promovendo uma representação artificial dos resultados.

Há diversos casos em que executivos são premiados com bônus milionários com base em supostos lucros que não se convertem em caixa, enquanto a companhia se afunda em dívidas insolúveis, à beira da falência.

Mais grave ainda é ver o anúncio de melhoras no EBITDA sendo utilizado como prova de ajustes supostamente em curso, enquanto essa mesma métrica continua sendo instrumentalizada para justificar a drenagem financeira.

Tais práticas precisam ser expostas ao crivo público com total transparência, pois representam uma forma moderna – e legalmente ambígua – de asset stripping.

Asset stripping é a prática de extrair valor de uma empresa em benefício de seus controladores e executivos, ainda que isso comprometa sua saúde financeira e prejudique credores e acionistas minoritários. A drenagem pode ocorrer por meio de distribuição excessiva de dividendos, venda de ativos estratégicos, captações de dívida em condições duvidosas e, sobretudo, por bônus baseados em métricas dissociadas da realidade financeira da companhia.

Fornecedores tornam-se vítimas de riscos invisíveis, continuando a entregar mercadorias a clientes cuja liquidez já foi drenada. Credores financeiros permanecem no escuro, respaldados por garantias frágeis, enquanto os recursos da empresa escorrem para partes relacionadas. Investidores minoritários caem no ‘‘canto da sereia’’, seduzidos por relatórios de valuation recheados de premissas artificiais – relatórios que não resistem sequer à primeira pergunta: ‘‘E se…?’’

A remuneração de executivos e controladores precisa estar alinhada ao resultado líquido real da companhia e submetida a um escrutínio rigoroso por parte de todos os stakeholders.

Até quando se permitirá que a coreografia contábil voltada para justificar bônus continue levando empresas à ruína?

Conheço casos emblemáticos de empresas do setor agropecuário atoladas até o pescoço em práticas deliberadas de asset stripping, articuladas por meio de uma engenharia financeira questionável sustentada por estruturas societárias opacas, contratos de financiamento entre partes relacionadas e métricas contábeis grotescamente manipuladas. Evidenciando um desmonte financeiro sistemático, operado sob o verniz da legalidade, mas cuja essência é o desvio de valor em benefício de controladores e executivos – em prejuízo de fornecedores, credores e acionistas minoritários, mantidos reféns de uma governança arco-íris e iludidos por promessas de lucros futuros que jamais se concretizarão.

Eduardo Lima Porto é diretor da LucrodoAgro Consultoria Agroeconômica

RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA
Precedente do TRT de Pernambuco ameaça segurança jurídica das sociedades anônimas

Diamantino Advogados Associados

Por Pedro Brito e Lara Prado

A dinâmica da desconsideração da personalidade jurídica sempre foi controversa no Direito brasileiro, especialmente quando o assunto é tratado pela Justiça do Trabalho. Recente julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 9 pelo Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT-6), com jurisdição em Pernambuco, reacendeu o debate, agora sob a perspectiva da responsabilidade de acionistas e administradores das sociedades por ações (S. A.).

A Lei 6.404/1976 (Lei das S.A.) estabelece, em seu artigo 1º, a autonomia patrimonial das S.A., determinando que os seus respectivos acionistas não responderão pelas obrigações da companhia além do preço de emissão de suas ações subscritas e/ou adquiridas. Já o artigo 158 da Lei das S.A. dispõe que os administradores somente serão responsabilizados por atos praticados com violação da legislação aplicável ou do estatuto social da companhia, independentemente se tiverem agido com dolo ou culpa no exercício de suas funções.

Apesar destas previsões expressas, o TRT-6 estabeleceu, ao publicar o IRDR 9, teses que ampliam o alcance da responsabilidade, contrariando a dinâmica da regra legal imposta pela Lei das S.A.

De acordo com o entendimento demonstrado pelo TRT-6, nas S.A. de capital fechado, os acionistas serão pessoalmente responsáveis independentemente de sua posição no capital social da companhia (se acionista controlador, majoritário ou minoritário). Da mesma forma, diretores/administradores estatutários também serão pessoalmente responsáveis mesmo se ausente o cenário de conduta abusiva do cargo.

A simples inadimplência da companhia, portanto, passa a ser suficiente para o redirecionamento da obrigação e da execução das obrigações para os acionistas e diretores/administradores da companhia. Uma conclusão que contraria frontalmente os artigos 1º e 158 da Lei das S.A.

Como se não bastasse, o TRT-6 foi além no seu entendimento equivocado ao equiparar S.A. de capital fechado às sociedades limitadas: o tribunal também ignora as diferenças estruturais entre elas. As S.A. se baseiam na impessoalidade dos recursos que compõem seu capital social, enquanto a existência das sociedades limitadas se fundamenta no vínculo pessoal entre sócios (o affectio societatis).

Ao desqualificar essa distinção, o TRT-6 não apenas impõe responsabilidades que a lei não prevê, mas também esvazia o propósito desse tipo societário, tornando-o vulnerável a uma lógica que nunca foi a sua.

Para as S.A. de capital aberto, a tese fixada pelo TRT-6 seguiu a mesma lógica utilizada em relação aos acionistas com poder de controle: serão executados sem necessidade de comprovação de irregularidade. Já para os acionistas minoritários (e sem poder de controle), o TRT-6 demonstrou um entendimento coerente à legislação aplicável, mantendo-os protegidos.

Embora essas teses sejam vinculantes apenas na jurisdição do TRT-6, a decisão cria um precedente perigoso que pode influenciar outros tribunais na utilização da exceção (que é a desconsideração da personalidade jurídica) como se fosse regra.

Por enquanto, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem se manifestado em sentido contrário ao entendimento do TRT-6, exigindo a comprovação de atos ilícitos, dolo ou culpa. Afastando, assim, a aplicação da Teoria Menor, segundo a qual, para a desconsideração da personalidade jurídica, basta o mero inadimplemento de obrigações da companhia. O problema é que, até o momento, não há um precedente vinculante em âmbito nacional.

O que se desenha, portanto, é um cenário de absoluta imprevisibilidade, no qual empresas atuantes em diferentes estados da federação estarão sujeitas a interpretações divergentes, transformando a aplicação do Direito em uma verdadeira loteria jurídica.

O tratamento da matéria ultrapassa a necessidade de pacificação da jurisprudência em âmbito nacional: o caso demanda a abertura de um processo legislativo para estabelecer diretrizes, vez que o papel do Judiciário é aplicar a norma e não a reescrever, sempre que e como for conveniente. A previsibilidade das regras é o que sustenta a confiança no ambiente de negócios.

No entanto, quando o próprio sistema flexibiliza princípios estruturantes ao sabor das circunstâncias, aqueles que deveriam proteger a segurança jurídica se convertem em um fator de risco. O tema já percorreu um longo caminho de adaptações e expansões, mas a segurança jurídica não mais pode perder espaço para remendos interpretativos.

Se o Direito Empresarial se funda na estabilidade das relações econômicas, essenciais para o desenvolvimento e a atração de investimentos, a pergunta que fica é: qual o sentido de estabelecer limites claros à responsabilidade dos sócios/acionistas se, na prática, esses limites são corriqueiramente ignorados?

É hora de colocar fim à improvisação e, enfim, inserir o tema no ordenamento jurídico de forma clara e definitiva. Caso contrário, o próprio conceito das sociedades empresariais será corroído e o Brasil continuará afugentando investidores e prejudicando seu crescimento econômico e social.

Lara Prado é advogada da área cível, e Pedro Brito é coordenador da área de societário no Diamantino Advogados Associados (DAA)

RISCOS PSICOSSOCIAIS
Atualização da NR-1: sua empresa está preparada para as novas obrigações legais?

Advogada Luciana Klug, da banca CPDMA

Por Luciana Klug

A Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) é uma norma do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que estabelece os requisitos gerais de segurança e saúde (física e psicossocial) no trabalho. Ela é considerada a norma-mãe da segurança do trabalho, pois é a base das normas de segurança e saúde no trabalho no Brasil.

A referida NR passou por uma atualização em agosto de 2024, por meio da Portaria MTE nº 1.419, para abordar a gestão dos riscos psicossociais, como estresse, assédio e sobrecarga de trabalho, sendo fatores prejudiciais à saúde emocional e física do trabalhador. O instrumento aborda, ainda, o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), que reúne diretrizes para identificar, avaliar e controlar riscos ocupacionais.

A principal novidade da NR-1 é a inclusão dos riscos psicossociais no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), tornando obrigatória a adoção de medidas preventivas para proteger a saúde mental dos trabalhadores.

A NR-1 passou a apresentar o termo ‘‘riscos psicossociais’’ em seu texto, reconhecendo oficialmente que fatores como organização do trabalho, relações interpessoais e ambiente corporativo podem impactar a saúde dos trabalhadores.

A norma do MTE (na esteira da Lei 14.457/22) destaca a importância de um Canal de Denúncias confidencial como uma ferramenta de gestão de riscos. Além de ser um dos meios mais eficazes para cumprir as novas exigências do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais, o Canal de Denúncias contribui para um ambiente de trabalho mais transparente e respeitoso.

O fortalecimento da cultura de prevenção e bem-estar evita situações que possam comprometer a saúde psicológica e a produtividade dos trabalhadores, considerando que o estresse ocupacional, a ansiedade, a depressão e o burnout são fatores de risco que precisam ser monitorados e prevenidos.

Com o crescimento das denúncias de assédio moral e sexual, do adoecimento no trabalho, da alta judicialização sobre o tema e a inclusão, pelo Ministério da Saúde, dos transtornos mentais na lista de doenças relacionadas ao trabalho, a adequação aos preceitos da NR-1 garante que as empresas estejam alinhadas às boas práticas de governança e compliance com a prevenção de riscos e redução de passivos trabalhistas. Há, ainda, redução de custos com absenteísmo, afastamentos e rotatividade e o aumento da produtividade com a satisfação dos trabalhadores em geral.

Outra mudança importante da NR-1 é a necessidade de as empresas analisarem os eventos que poderiam ter levado a acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, ainda que esse cenário não tenha se concretizado. A abordagem preventiva busca reduzir os riscos antes que causem danos reais aos trabalhadores.

Um planejamento estruturado para lidar com situações de risco deve incluir a realização de exercícios simulados como procedimento de resposta a emergências, para que todos saibam como agir diante de situações críticas.

A NR-1 determina, ainda, que o PGR da empresa apresente medidas de prevenção específicas para os profissionais terceirizados e empresas prestadoras de serviço, garantindo que tenham acesso a um ambiente seguro e a medidas de proteção adequadas. As empresas contratantes podem, contudo, utilizar os programas de gerenciamento de riscos das empresas prestadoras, desde que atendam às exigências da NR-1 atualizada.

As empresas têm até 25 de maio de 2025 para se adequarem às atualizações da NR-1 do MTE para, em síntese, tratar questões relacionadas aos riscos psicossociais; promover a investigação de eventos perigosos no trabalho; traçar planos para realização de exercícios de resposta a emergências; e detalhar a proteção de trabalhadores terceirizados e prestadores de serviço.

A adequação à NR-1 é um mecanismo que auxilia na implementação de boas práticas de compliance e gestão de riscos, beneficiando as empresas com o aumento de produtividade através da justa preocupação com o bem-estar físico e emocional para com seus stakeholders [1]. Concomitantemente, atua na equalização, por meio da prevenção e redução de despesas com processos indenizatórios e ações de ressarcimento promovidas pelos órgãos previdenciários em razão dos benefícios e auxílios concedidos aos trabalhadores.

As empresas que ignorarem as exigências trazidas pela Portaria nº 1.419 podem sofrer sérias consequências, como multas decorrentes de fiscalizações do MTE (calculadas de forma proporcional ao número de empregados, ao grau de infração – do nível 2 a 4). A negligência na implementação de medidas de saúde mental pode levar, em casos extremos, a embargos ou interdições de setores, se forem constatados casos de risco iminente.

Para reforçar a importância da atuação empresarial, em paralelo, foi promulgada a Lei nº 14.831/2024, que criou o Certificado de Empresa Promotora da Saúde Mental, que será concedido às empresas que adotem boas práticas de promoção do bem-estar no trabalho.

Investir na saúde mental dos trabalhadores e promover o bem-estar no ambiente de trabalho garante destaque às empresas no mercado, tornando-se mais atraentes para talentos e parceiros, o que aumenta sua competitividade.

Em um cenário de alta competitividade, as empresas que não se adaptarem a essa nova realidade podem perder oportunidades de negócio, já que a abordagem trazida pela NR-1 e a possibilidade de certificação se alinham às tendências globais de investimento em ambientes de trabalho equilibrados, redução de custos com afastamentos e maior produtividade.

Luciana Klug é coordenadora da área Trabalhista do escritório Cesar Peres Dullac Müller Advogados (CPDMA)

[1] Descreve indivíduos ou grupos que têm interesse direto ou indireto nas operações de uma organização ou empresa. Abrange empregados, prestadores de serviços, parceiros, trabalhadores em geral.