O MERCADO QUER SABER
Questionamentos sobre a situação da maior rede varejista do Brasil em insumos agrícolas

Por Eduardo Lima Porto

No dia 29 de maio de 2025, a Lavoro Ltd., a maior varejista de insumos agrícolas do Brasil, listada na NASDAQ (LVRO), divulgou o seu relatório financeiro.

A empresa abriu seu capital na NASDAQ em março de 2023, com ações negociadas a US$ 10,00 por ação.

Atualmente, os papéis estão cotados a US$ 2,26, representando uma desvalorização de aproximadamente 77% desde o IPO.

Esse declínio significativo levanta preocupações sobre a percepção do mercado em relação à saúde financeira e às perspectivas futuras da empresa.

Recentemente, em 14 de maio de 2025, o Barclays reafirmou sua classificação underweight para as ações da Lavoro e reduziu o preço-alvo de US$ 5,00 para US$ 1,50. Essa revisão sugere uma expectativa negativa em relação ao desempenho futuro da empresa.

Embora negociada em bolsa americana, a atuação da Lavoro no mercado brasileiro de insumos agrícolas, como é notório, é de alta relevância e influencia diretamente as percepções de risco em um setor já tensionado por uma conjuntura muito desfavorável

Falo como investidor, mas também como profissional com mais de 30 anos de vivência no agronegócio. Não mantenho qualquer tipo de relação comercial com a companhia, tampouco com o fundo Pátria. As perguntas que apresento a seguir partem de uma motivação puramente intelectual e reflexiva, com o intuito de colaborar para a maturidade do ambiente de negócios do setor por meio da ampliação do debate.

Abaixo, organizei um questionário que julgo importante para uma avaliação mais crítica da situação da companhia e de seus impactos sistêmicos sobre o setor:

  1. A empresa possui um valor de ativos intangíveis significativamente superior aos ativos tangíveis, especialmente goodwill, direitos de uso e impostos diferidos. Considerando os sucessivos prejuízos e a forte queda no valor das ações, por que não houve até o momento ajuste por impairment?
  2. Na hipótese de reversão total dos ativos intangíveis, qual seria o impacto no patrimônio líquido?
  3. ⁠Qual seria o efeito da reversão no índice de alavancagem e em outras métricas de solvência?
  4. ⁠Tecnicamente, a alavancagem atual da companhia se justifica quando se excluem os ativos intangíveis e os créditos tributários?
  5. ⁠Qual o impacto da exclusão dos ativos intangíveis nas relações debt-to-equity e debt-to-assets?
  6. ⁠Como os auditores independentes têm validado as demonstrações financeiras da companhia, considerando a ausência de geração proporcional de caixa relacionada aos ativos intangíveis?
  7. ⁠A Lavoro pode ser considerada uma empresa em condição de going concern?
  8. ⁠Qual é a real capacidade de geração de caixa operacional da empresa frente ao atual nível de endividamento?
  9. ⁠Os recursos captados via CRA, Fiagro e outros instrumentos estão sendo utilizados para pagar fornecedores ou prioritariamente para rolagem de passivos estruturados e remuneração de cotistas?
  10. ⁠A emissão de Fiagros com quotas subordinadas a CDI + 100% é compatível com a capacidade de geração de caixa da empresa?
  11. ⁠Qual foi a razão para aprovar remunerações elevadas para a diretoria em 2023, mesmo diante do fechamento de unidades, dificuldades na entrega de insumos e aumento da inadimplência?
  12. ⁠Já houve propostas formais de alongamento de prazos ou descontos a credores no âmbito da reestruturação?
  13. ⁠Em agosto/23, houve uma operação financeira com garantia de 55% do capital da Lavoro. Considerando a forte desvalorização das ações, algumas questões surgem: a) houve chamadas de margem para recomposição das garantias?; b) a operação foi realizada com instituições independentes ou com veículos ligados ao Pátria?; c) na hipótese de ausência de chamada de margem, haveria espaço para questionamentos sobre a independência da operação e a transparência na exposição de riscos financeiros?
  14. ⁠As operações estruturadas com recompra de ações (FPAs) a preços prefixados poderiam ser interpretadas como estratégias de sustentação artificial de liquidez no curto prazo?
  15. ⁠Os FPA Investors são fundos e bancos independentes ou veículos vinculados ao próprio controlador?
  16. ⁠Por que a estratégia de expansão priorizou aquisições com ágio elevado, em vez da criação de ativos físicos estruturantes?
  17. ⁠Qual a justificativa técnica para manter estruturas comerciais deficitárias em determinadas regiões?
  18. ⁠Existe histórico ou dados de churn de clientes ou perda de market share pós-aquisição desde 2017?
  19. ⁠A aquisição da varejista Coram, com recursos do CRA Ecoagro, foi acompanhada de: a) TIR e payback projetados?; b) pagamento de novo ágio?; c) teste de impairment já realizado?
  20. ⁠O modelo de negócios, alicerçado em direitos de uso sobre estruturas de terceiros e expectativas de lucros futuros baseados na fidelidade dos clientes, é suficientemente sólido para justificar os valores envolvidos?
  21. ⁠Como a empresa justifica, do ponto de vista do credor, sua atuação de forma que não seja interpretada como estratégia de desmobilização do controlador?
  22. ⁠Os fornecedores estão tendo acesso a dados detalhados de inadimplência da carteira de clientes?
  23. ⁠O que está sendo feito para proteger os interesses dos fornecedores em meio à deterioração da conjuntura?
  24. ⁠Como uma companhia com quase R$ 1 bilhão em ativos intangíveis enfrenta dificuldade para pagar faturas de pequeno valor?
  25. ⁠O Fundo Pátria está disposto a realizar aporte novo de capital para reestruturar a operação?
  26. ⁠A estrutura do SPAC e os Vesting Agreements favorecem a antecipação da saída do fundo com retorno financeiro, mesmo em cenário adverso?
  27. ⁠O Fundo Pátria pretende permanecer ou sair da operação?
  28. ⁠A distribuição recente de dividendos via PAX (Patria) ocorreu com base em lucros recorrentes ou por antecipação via estruturas interligadas?
  29. ⁠A contratação da renomada consultoria internacional Alvarez & Marsal tem por objetivo uma reestruturação operacional preventiva, ou há indicativos de que uma alternativa mais extrema, como uma eventual recuperação judicial, está em avaliação?

Considerações finais

São muitas as perguntas. Cada uma delas carrega em si reflexões que impactam a confiança no mercado de insumos agrícolas, tanto no Brasil quanto no exterior.

O futuro do agronegócio brasileiro depende também da confiança nos seus principais agentes financiadores.

A Lavoro exerce um papel estratégico na atualidade.

Disclaimer legal

Este artigo tem caráter opinativo, reflexivo e técnico, baseado em informações de domínio público, com o objetivo de contribuir para o debate qualificado e transparente no mercado de capitais e no setor de agronegócio.

As questões formuladas não configuram acusações, imputações de ilicitude, recomendações de investimento ou juízos definitivos sobre pessoas físicas ou jurídicas mencionadas.

O autor exerce, aqui, seu direito constitucional à liberdade de expressão, crítica e informação, conforme assegurado pelo artigo 5º, incisos IV, IX e XIV, da Constituição Federal do Brasil e pelas diretrizes jurisprudenciais do STF.

Eduardo Lima Porto é diretor da LucrodoAgro Consultoria Agroeconômica

VITÓRIA DOS ALIMENTOS
Preferência de honorários advocatícios sobre créditos tributários é questão de justiça 

Por Douglas Guilherme Filho

O Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu recentemente importante decisão em favor dos advogados do país, ao reconhecer que os honorários advocatícios detêm preferência sobre o crédito tributário. Prevaleceu o entendimento da Súmula Vinculante 47, segundo a qual os honorários têm natureza alimentar. Assim, os profissionais podem receber os valores antes dos entes federados.

Até então, o crédito tributário tinha preferência sobre o valor da verba honorária advocatícia, o que tornava seu recebimento muito mais lento, especialmente em processos de falência ou recuperação judicial, que seguem uma ordem cronológica de recebimento, baseado na natureza da verba e montante a ser pago ao credor (por exemplo: limite de 150 salários-mínimos para os casos de verba trabalhista).

A decisão do Supremo foi proferida em sede de repercussão geral, por ocasião do julgamento do RE 1.326.559 (Tema 1220/STF). Ou seja, deverá ser observada pelos demais órgãos do Poder Judiciário (artigo 927, inciso III, do Código de Processo Civil – CPC), tendo eficácia imediata a partir da publicação do acórdão paradigma, em consonância com o disposto no artigo 1.040 do CPC

A tese discutida envolveu a análise de um pedido de reserva de honorários. O pedido foi feito já na fase de cumprimento de sentença sobre uma penhora realizada pela União, na busca de satisfação de um crédito tributário. No caso, o advogado patrono da ação visava garantir o seu direito de receber o valor da verba honorária, sobre um valor que poderia ser objeto de bloqueio judicial.

Para tanto, foi confrontado o artigo 85, parágrafo 14, do CPC (que reconhece a natureza alimentar dos honorários), com o artigo 186 do Código Tributário Nacional – CTN (que determina a preferência do crédito tributário sobre qualquer outro, seja qual). Ainda que em tese, os ministros analisaram se caberia a uma lei complementar dispor sobre questões envolvendo crédito tributário, conforme prevê o artigo 146, inciso III, alínea ‘‘b’’, da Constituição Federal.

É importante frisar que a questão possui um viés predominantemente infraconstitucional. Afinal, trata de previsões contidas em leis, como o CPC e o CTN, e não na Constituição Federal – algo que, em tese, impediria a análise pela Suprema Corte. A questão foi superada e prevaleceu o posicionamento do STF firmado na edição da Súmula 47.

A Súmula 47 prevê a possibilidade de se reconhecer a natureza alimentar da verba honorária. Ela também traz maior segurança jurídica aos patronos em relação ao momento do recebimento da quantia que lhes é devida. Antes, esse pagamento, muitas vezes, era postergado, pois o crédito tributário tinha preferência sobre tal verba.

Espera-se que, com a decisão do STF, o recebimento dos honorários advocatícios se torne mais ágil. O objetivo é remunerar o advogado que muitas vezes litiga por anos até que venha receber o valor que lhe é de direito.

Douglas Guilherme Filho é coordenador da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados

INOVAÇÃO
STJ apresenta ferramenta da IA para aumentar eficiência na gestão de processos

Divulgação FGV

Por Ester Silva dos Santos

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) apresentou o STJ Logos, uma plataforma de inteligência artificial (IA) para acelerar a análise e elaboração de decisões. O objetivo final é reduzir o estoque de processos pendentes.

Por meio da IA, busca-se economizar tempo em tarefas repetitivas e aumentar a produtividade, uma vez que a plataforma conta com diversos mecanismos que poderão auxiliar na análise de admissibilidade de recursos, elaboração de relatórios, entre outras funcionalidades.

O painel de controle do STJ Logos interage com um sistema de chat, formula perguntas e obtém respostas precisas. Essa funcionalidade pode, por exemplo, listar os argumentos apresentados pela defesa em uma petição, facilitando e agilizando a elaboração de textos.

Há uma nova tendência quando o assunto é o avanço da tecnologia nos tribunais, em especial no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Com o objetivo de reduzir a litigiosidade e atuação jurisdicional repetitiva, as cortes superiores elaboraram o Acordo de Cooperação Técnica n.º 5/2021, com o intuito de adotar boas práticas e o compartilhamento de informações e dados entre os tribunais participantes.

A partir do acordo elaborado, criou-se o painel para otimizar recursos no STJ e STF, colaborando com a redução de litígios e aprimoramento da gestão processual.

Uma das mudanças relevantes é a possibilidade de visualização dos recursos a serem recebidos nos próximos dez dias.

Com a tecnologia, é possível auxiliar na administração do alto volume dos recursos enviados aos tribunais. Uma medida eficiente e extremamente relevante quando analisamos o cenário atual do Brasil.

O STF registrou, em 2024, a marca de 80.212 novos processos recebidos, segundo o ministro Luís Roberto Barroso. Houve, de fato, uma redução expressiva em comparação aos anos anteriores, mas essa diminuição dos índices também é resultado da gestão de precedente que evita a subida de casos repetitivos de forma desnecessária.

Além do empenho em aumentar a eficácia na gestão de precedentes, foi dada prioridade em decisões colegiadas em temas com maior relevância constitucional. Apesar disso, o STJ registrou um recorde de processos recebidos em 2024, com mais de 500 mil novas ações. ‘‘Um sistema insustentável e que não encontra precedente em nenhum outro tribunal nacional no mundo’’, afirmou o ministro Herman Benjamin, presidente do STJ.

‘‘É um recorde do qual não devemos ter orgulho, pois demonstra uma demanda incompatível com a capacidade humana, mesmo com o uso de tecnologia’’, complementou o vice-presidente da corte, ministro Luis Felipe Salomão.

O avanço da tecnologia e a implantação da inteligência artificial irão impactar diretamente a vida de todas as pessoas.

Com isso, surge um questionamento que já vem acompanhado, automaticamente, da utilização desta tecnologia: a IA poderá substituir o racional e a capacidade humana, proferir decisões, afetar-se emocionalmente com casos específicos, a depender de sua complexidade?

Evidentemente, isso traz consigo uma insegurança jurídica, levando os usuários e agregados do sistema a imaginarem cenários dos mais variados tipos.

Contudo, o STJ garante que a nova tecnologia será utilizada apenas como um auxílio e nada será feito sem a supervisão humana.

Recentemente, no dia 18 de fevereiro de 2025, o CNJ aprovou a regulamentação do uso da IA no Poder Judiciário.

Essas são algumas normas que irão conduzir a utilização da IA. A nova regulamentação atualizou a resolução do CNJ n.º 332/2020, que deu os primeiros passos sobre o assunto.

A regulamentação visou preservar o direito de pleitear uma tutela jurisdicional do estado, com igualdade e sem preconceitos.

Na resolução, houve ponderações importantes sobre o aprendizado da IA, uma vez que determina seu uso por fontes seguras, de preferência governamental, para o melhor controle, além da proteção de todos os dados utilizados e do seu uso responsável.

É notório, portanto, que o avanço tecnológico e a utilização da IA caminham juntos.

Conforme esses pilares evoluem, cada vez mais nos tornamos dependentes de suas funcionalidades, ficando nítido o quanto pode auxiliar diversos problemas que são enfrentados no mundo jurídico, como a alta demanda do contencioso judicial nos tribunais.

Neste contexto atual, espera-se que a IA aplicada nos tribunais seja uma aliada, utilizada com prudência e responsabilidade. A regulamentação do uso da IA nos tribunais pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é um primeiro passo importante. Porém, ainda é um grande desafio conseguir colocar em prática tal feito em decorrência da velocidade das informações.

Ester Silva dos Santos é advogada da Controladoria Jurídica no escritório Diamantino Advogados Associados (DAA)

INSEGURANÇA JURÍDICA
O duplo pagamento de honorários em processos extintos de regularização fiscal

Vitor Benvenuti, do Diamantino Advogados Associados (DAA)/Divulgação

Por Vitor Fantaguci Benvenuti

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou para julgamento, sob o rito dos repetitivos, uma importante questão envolvendo processos fiscais. Com o Tema 1.317, a Corte decidirá se o contribuinte pode ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios em Embargos à Execução Fiscal quando o processo é extinto por renúncia ou desistência, com o objetivo de incluir os débitos em programa de regularização fiscal que já abrange os honorários da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

A decisão final deverá ser obrigatoriamente aplicada por todos os juízes e tribunais do país. Para entender a controvérsia e seu enorme impacto financeiro sobre as empresas brasileiras, é preciso uma breve contextualização.

É comum que, durante a tramitação dos Embargos à Execução Fiscal, apresentados pelo contribuinte para contestar a cobrança de determinado tributo, seja editada uma lei que permita a regularização fiscal com benefícios (como redução de multas e juros, além de pagamento parcelado). Geralmente, um dos requisitos para adesão ao programa é a desistência de ações judiciais e a renúncia ao direito discutido nelas.

Uma vez tomada essa providência pelo contribuinte, o juiz deverá homologar a desistência ou renúncia e extinguir o processo com resolução de mérito (artigo 487, III, “c”, do Código de Processo Civil).

De acordo com o artigo 90 do Código de Processo Civil, a extinção do processo por desistência ou renúncia implica a condenação da parte desistente ao pagamento dos ônus de sucumbência. No entanto, os próprios programas de regularização fiscal costumam prever que o pagamento com os benefícios já abrange os honorários da Procuradoria.

Surge, então, a controvérsia: o contribuinte deve ser condenado ao pagamento de honorários nos Embargos à Execução Fiscal mesmo quando esses já foram quitados no âmbito do programa?

Em relação ao tema, vale lembrar que já existe precedente vinculante do STJ, que analisou a questão no âmbito federal. No julgamento do REsp 1.143.320/RS, sob o rito dos repetitivos (Tema 400), foi fixada a seguinte tese: ‘‘A condenação, em honorários advocatícios, do contribuinte que formula pedido de desistência dos embargos à execução fiscal de créditos tributários da Fazenda Nacional, para fins de adesão a programa de parcelamento fiscal, configura inadmissível bis in idem, tendo em vista o encargo estipulado no Decreto-Lei 1.025/69’’.

A lógica desse julgamento foi que, especificamente no âmbito federal: (i) a Certidão de Dívida Ativa (CDA) já inclui ‘‘encargos legais/honorários’’ no percentual de 20% sobre o valor dos débitos; e (ii) existe previsão legal de que tais encargos/honorários substituem a condenação do contribuinte ao pagamento de verba honorária nos embargos (artigo 3º do Decreto-Lei 1.645/1978 e Súmula 168 do extinto Tribunal Federal de Recursos).

A jurisprudência dos Tribunais de Justiça é oscilante, embora existam decisões aplicando o mesmo entendimento do Tema 400/STJ às execuções fiscais de Estados e Municípios, nos casos em que a própria lei instituidora do programa de regularização fiscal deixa claro que os honorários estão incluídos.

Contudo, as procuradorias vêm sustentando que os honorários abrangidos pelos programas de regularização se referem apenas à execução fiscal, e não aos embargos. Isso porque, ao contrário das CDAs federais, que já incluem honorários, as CDAs estaduais e municipais, via de regra, referem-se apenas aos débitos principais. Os honorários da execução são fixados pelo juiz no despacho de citação do executado.

Por isso, as procuradorias argumentam ser possível cumular os honorários da execução (quitados via programa) com os dos embargos (fixados na sentença de homologação da desistência), desde que respeitado o teto previsto no CPC – conforme tese firmada no Tema 587 do STJ.

O problema é que, na maioria das vezes, as legislações estaduais e municipais não especificam claramente quais honorários estão abrangidos pelo programa de regularização fiscal (apenas os da execução ou também os dos embargos), induzindo o contribuinte ao erro.

Essa indefinição gera grave insegurança jurídica. É inadmissível que o contribuinte, agindo de boa-fé e com base na interpretação razoável da norma, seja surpreendido com nova cobrança de honorários não prevista expressamente na legislação do benefício fiscal.

Diante desse cenário, é essencial que o STJ forneça uma solução clara e célere para a controvérsia, garantindo segurança jurídica. Caso contrário, haverá desestímulo à adesão aos programas de regularização, prejudicando tanto os contribuintes quanto a arrecadação dos próprios entes federativos.

Vitor Fantaguci Benvenuti é advogado da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados

BLINDAGEM TRIBUTÁRIA
Reflexões sobre o risco oculto para proprietários de terras em parceria rural

Reprodução Blog Aegro

Por Eduardo Lima Porto

Dando sequência à série de artigos sobre recuperação judicial (RJ) no setor agropecuário – o primeiro abordou a inviabilidade dos pedidos feitos por arrendatários rurais com 70% da área cultivada –, o foco, agora, será sobre os riscos enfrentados pelos proprietários de terras que firmam contratos de parceria rural.

O avanço das RJs no agro tem exposto fragilidades contratuais e operacionais que impactam não apenas produtores e financiadores diretamente envolvidos, mas também terceiros que, à primeira vista, não estariam sujeitos aos riscos da insolvência.

Embora o contrato de parceria rural se diferencie formalmente do contrato de arrendamento, sobretudo em termos tributários e de divisão de riscos, na prática, a Receita Federal e diversos credores têm contestado essa distinção. A acusação central é de que muitos desses contratos mascaram verdadeiros arrendamentos, com finalidade de elisão fiscal ou, em situações mais graves, uso do arrendatário como interposta pessoa (laranja).

Riscos jurídicos para o proprietário: solidariedade e confusão patrimonial

O Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) e o Decreto nº 59.566/66 definem a parceria rural como um contrato associativo, no qual parceiro-outorgante (proprietário) e parceiro-outorgado (explorador) compartilham os riscos do empreendimento.

Contudo, essa solidariedade intrínseca ao negócio pode gerar interpretações gravosas no contexto de recuperações judiciais, especialmente quando os credores alegam:

*    existência de confusão patrimonial entre outorgante e outorgado;

*     obtenção de vantagens indevidas por parte do proprietário, em razão de simulação contratual;

*      participação direta ou indireta na gestão operacional ou financeira da atividade rural.

Diante desse quadro, é juridicamente possível que credores tentem incluir o proprietário como corresponsável, ou até mesmo como coobrigado solidário pelas dívidas da massa em recuperação, principalmente em contratos atípicos ou redigidos de forma deficiente.

A gravidade do tema foi escancarada na ‘‘Operação Declara Grão’’, conduzida pela Receita Federal, que revelou distorções estruturais no uso da parceria rural.

Vários produtores foram autuados por contratos de parceria que, na prática, eram arrendamentos disfarçados, redigidos unicamente para evitar a tributação da renda do proprietário da terra.

Segundo os relatórios da Receita, foram identificadas discrepâncias entre os valores declarados como receitas de parceria (isentas) e os valores efetivamente pagos por operadores agrícolas, que atuavam, de fato, como arrendatários típicos.

Em muitos desses contratos, o proprietário não participava de decisões operacionais, nem assumia riscos de produção ou de mercado. Essas características contrariam frontalmente a definição legal da parceria rural.

O recado da Receita Federal foi direto: ‘‘Se o proprietário não compartilha os riscos, trata-se de renda de aluguel, tributável na forma da legislação aplicável’’.

Esse entendimento fiscal pode repercutir nas esferas civil e comercial. Se a Receita pode desconsiderar a forma contratual para fins de tributação, por que o Judiciário não poderia fazer o mesmo para atribuir responsabilidade solidária em uma recuperação judicial ou falência?

Por coerência jurídica e bom senso, não se pode gozar dos benefícios da parceria rural (isenção tributária) e, ao mesmo tempo, rejeitar seus ônus naturais (solidariedade e riscos do negócio) quando surgem adversidades.

Isso contraria o brocado latino Venire contra factum proprium (em português, ‘‘vir contra seus próprios atos’’). É um princípio jurídico que veda comportamentos contraditórios ou surpreendentes que causem prejuízo à confiança recíproca entre as partes envolvidas em uma relação jurídica, como um contrato. Noutras palavras, não se pode adotar determinada postura jurídica para obter vantagem e depois negá-la quando ela se torna desfavorável.

Assim, se o proprietário se apresenta como parceiro para fins fiscais, deve estar ciente de que poderá ser interpretado como corresponsável pelas obrigações da atividade rural, inclusive, e especialmente, diante de credores em uma RJ.

A armadilha dos arranjos mal estruturados

O que se observa, na prática, é o uso da estrutura de parceria rural como blindagem tributária, sem o devido alinhamento com a realidade operacional. A consequência tem sido a exposição crescente de proprietários a riscos jurídicos e patrimoniais não previstos, incluindo: autuações fiscais retroativas; e cobranças judiciais movidas por credores, fornecedores ou trabalhadores do parceiro-outorgado.

Assim, a pancada é dupla:

  1. para o proprietário: a ‘‘economia tributária’’ pode custar caro se a estrutura contratual for frágil, expondo-o à responsabilização pelas dívidas do parceiro;
  2. para o Judiciário: a coerência entre os achados da Receita e a percepção dos credores impõe uma revisão do tratamento das simulações contratuais. A dissociação entre as esferas fiscal e civil cria incentivos à simulação.

Com a insolvência do parceiro rural, o proprietário da terra pode enfrentar consequências severas:

  1. suspensão no recebimento da renda contratada;
  2. inadimplemento de obrigações ambientais ou trabalhistas, cuja omissão pode gerar responsabilização subsidiária;
  3. degradação física da propriedade: esgotamento do solo, compactação, perdas estruturais; e
  4. ações de massa promovidas por credores, buscando responsabilização solidária.

Considerações Finais

A era da passividade contratual precisa acabar. A visão de que o proprietário pode simplesmente ‘‘alugar’’ sua terra e aguardar os frutos, sem avaliar os riscos do parceiro, é cada vez mais insustentável e também inaceitável.

Terras não são imóveis urbanos. São ativos complexos, que demandam compreensão técnica em Agronomia, Finanças, Contabilidade e gestão de risco. Poucos proprietários contam com assessorias multidisciplinares capazes de compreender e orientar de forma consistente sobre esses aspectos.

Se o proprietário não domina os riscos envolvidos na cessão da posse produtiva, o mais prudente é vender o ativo e aplicar o capital em instrumentos financeiros de baixo risco, que hoje oferecem retorno líquido superior à média da renda obtida com o arrendamento informal de terras, com muito menos dor de cabeça.

AVISO:

Este artigo expressa minha opinião. Não sou advogado. Não pretendo influenciar decisões de qualquer natureza, mas contribuir com uma reflexão sobre o momento que o setor agropecuário está atravessando.

Eduardo Lima Porto é diretor da LucrodoAgro Consultoria Agroeconômica