TELETRABALHO
O fisco, a Justiça do Trabalho e o reembolso de despesas com internet e energia elétrica

Por Joice Müller

Reprodução: Catho

Recentemente, em 11 de maio de 2023, foi publicado no Diário Oficial da União a Solução de Consulta Cosit nº 87/2023, na qual a Receita Federal esclarece que o reembolso de despesas de internet e energia elétrica no regime de trabalho home office trata-se de verba indenizatória, desde que necessárias à atividade da empresa e à manutenção da fonte produtora e devidamente comprovadas pelo beneficiário mediante documentação hábil e idônea.

Consequentemente, as despesas são dedutíveis na determinação do lucro real das empresas, e o trabalhador não precisa incluir o valor recebido a tais títulos na base de cálculo de seu Imposto de Renda.

A mencionada resposta do órgão fiscal reforça o entendimento consagrado na reforma da legislação trabalhista (Lei 13.467, de 2017), que alterou o parágrafo 2º do artigo 457, ao citar expressamente que a contraprestação de importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao Contrato de Trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.

Cumpre destacar que não há previsão legal que obrigue a empresa a custear as despesas do empregado em home office. Mesmo a Lei nº 14.442, de 2022, criada para estabelecer as regras de teletrabalho, não menciona a obrigatoriedade de custeio pelo empregador. Ainda, em seu artigo 75-D, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) condiciona tal necessidade de pagamento à existência de contrato escrito entre as partes – ou com a categoria de trabalhadores ou mediante regulação via regimento interno da empresa.

Em pesquisa na jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul), há divergência entre as turmas quanto à necessidade de custeio das despesas do empregado em home office pela empresa, sendo muitas decisões condicionadas à prova, por parte do funcionário, da necessidade de receber o reembolso de valores.

No entanto, são raras as decisões do colegiado que determinam a integração das verbas de custeio em questão na base salarial do trabalhador, o que fatalmente ocorre quando as empresas não observam a forma exigida para realizar o pagamento: a orientação é que a parcela seja paga como ajuda de custo ou reembolso, sempre tendo como base os recibos dos valores pagos pelo colaborador, sendo fundamental que a empresa exija a comprovação de despesas do trabalhador.

Dentro desse contexto, não há dúvidas de que a ajuda de custo tem natureza indenizatória e corresponde a pagamento para ressarcir o funcionário de despesa necessária ao desempenho de suas funções, não integrando o salário.

Por fim, a ajuda de custo deve ser igual ou próxima ao valor das contas de luz e internet usualmente pagas pelo trabalhador. É que, se demonstrado o acréscimo patrimonial pelo empregado, em ação judicial trabalhista, poderá ser retirado o caráter indenizatório da verba.

Joice Müller, advogada trabalhista, pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Integra a equipe de Cesar Peres Dulac Müller Advogados (CPDMA), com atuação no RS e SP 

DERROTA DO CONTRIBUINTE
Câmara aprova PL que restabelece a volta do voto de qualidade em favor da Fazenda

Douglas Guilherme Filho

Em 07/07/2023, em meio às discussões envolvendo a reforma tributária, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 2.384/2023, que restabelece a retomada da proclamação do resultado de julgamento no âmbito dos processos administrativos federais, por meio do voto duplo do presidente Câmara do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF (tribunal administrativo que analisa processos federais), o qual é sempre um representante fazendário.

A discussão não é nova, mas nos últimos anos ganhou novos rumores, principalmente a partir do momento em que o voto de qualidade passou a favorecer os contribuintes, no ano de 2020, por supostamente trazer fortes impactos aos cofres públicos.

Tanto é assim que, uma das primeiras medidas adotadas em seu Governo, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou a Medida Provisória nº 1.159/2023, que restabeleceu essa metodologia de proclamação de resultado pelo voto duplo do presidente Câmara.

No entanto, em razão da medida provisória não ter sido convertida em Lei, a norma caducou, diante do decurso do prazo prevista na Constituição Federal (60 dias, prorrogável uma única vez, por mais 60 dias).

O Projeto de Lei nº 2.384/2023 que foi aprovado pela Câmara, busca um consenso entre fisco e contribuintes, a fim de que possa ser restabelecida o critério do voto duplo do presidente da Câmara (integrante fazendário), sem que os contribuintes sejam totalmente prejudicados, mediante a concessão de algumas benesses em caso de derrota pelo voto de desempate.

Dentre as novidades trazidas, estão por exemplo, a possibilidade de exclusão das multas e cancelamento de eventual representação fiscais para fins penais.

Essa exclusão das multas poderá valer até mesmo para os casos em que já sido encerrada a discussão no âmbito administrativo (CARF), mas que sejam objeto de julgamento perante o Poder Judiciário.

A nova lei prevê ainda a possibilidade de os contribuintes optarem por efetuar o pagamento dos débitos que tenham sido objeto de discussão finalizada pelo critério do voto duplo, dentro do prazo de 90 (noventa) dias, de maneira parcelada (até 12x), inclusive com a utilização de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL.

Por fim, o texto também dispõe sobre a redução dos percentuais a serem aplicados para o caso de multa qualificada, passando de 150% para 100%, nas hipóteses em que o contribuinte não for reincidente de uma determinada infração.

O projeto será encaminhado para o Senado, devendo as discussões prosseguirem após o recesso parlamentar, a partir de agosto deste ano.

Douglas Guilherme Filho é coordenador tributário do escritório Diamantino Advogados Associados

CONFISCO À VISTA
Limite das multas tributárias por descumprimento de obrigação acessória

Por João Vitor Prado Bilarinho

Reprodução internet

Foi retomado no Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento do Tema nº 487 da Repercussão Geral (RE nº 640.452/RO), em que se discute a limitação da multa por descumprimento de obrigação acessória. Após um pedido de vista do ministro Dias Toffoli no final de 2022, o processo foi retomado em Plenário Virtual em 23 de junho, mas acabou sendo suspenso novamente devido a um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.

A discussão se dá quanto à limitação da multa por descumprimento de obrigações acessórias, que são atividades auxiliares à obrigação principal de pagamento de tributos. Elas incluem ações como o preenchimento de sistemas específicos pelo contribuinte e a emissão de guias que comprovam o pagamento de tributos. Neste caso, o debate central gira em torno do limite da multa aplicada quando essas obrigações acessórias não são cumpridas.

Ademais, o ponto considerado pelos tributaristas como o mais relevante deste julgamento é a possibilidade (ou não) de se considerar o valor da operação como base de cálculo para a multa, elevando exponencialmente o valor desta e, por conseguinte, caracterizando-a como confiscatória.

A matéria chegou ao STF por meio de recurso interposto pela empresa Eletronorte contra uma lei do estado de Rondônia. Essa lei previa uma multa de 40% sobre o valor da operação em caso de descumprimento de obrigações acessórias – no caso específico, a empresa deixou de emitir notas fiscais em compras de diesel para geração de energia termelétrica.

O Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) reduziu o percentual da multa para 5%, mas, apesar disso, a empresa escolheu recorrer ao STF, alegando que a multa teria caráter confiscatório. Caso o percentual de 40% fosse mantido, o valor da multa paga pelo contribuinte seria o dobro do imposto recolhido – ICMS recolhido pela sistemática da substituição tributária.

Posteriormente, a Eletronorte aderiu a um programa de parcelamento oferecido pelo estado e desistiu da ação. Ocorre que, em função do artigo 998, parágrafo único do CPC, o STF pode analisar matéria cuja repercussão geral já foi reconhecida, mesmo que haja a desistência pelo recorrente.

Até o momento, apenas o relator, ministro Luís Roberto Barroso, e o ministro Dias Toffoli proferiram seus votos. O relator propôs a limitação da multa em questão a um percentual máximo de 20% sobre o valor do tributo devido, estabelecendo um teto e uma base de cálculo para a penalidade, afastando a possibilidade de considerar o valor da operação como base de cálculo. O objetivo seria equilibrar a imposição de sanções pelo descumprimento de obrigações acessórias e proteger o contribuinte contra o confisco de valores em excesso, como se evidencia na tese proposta pelo relator:

‘‘A multa isolada, em razão do descumprimento de obrigação acessória, não pode ser superior a 20% (vinte por cento) do valor do tributo devido, quando há obrigação principal subjacente, sob pena de confisco.’’

Em contrapartida, o ministro Dias Toffoli adotou um posicionamento pró-fisco, sugerindo um teto de 60% do valor do tributo para a multa por descumprimento de obrigação acessória. Além disso, em casos agravantes, como dolo, reincidência específica ou violação de uma obrigação já esclarecida por meio de consulta formulada pelo infrator, a multa poderia chegar a 100% do tributo devido.

Toffoli também propôs que, quando a obrigação acessória não estiver diretamente relacionada a um tributo específico, como no caso de atraso na emissão de uma nota fiscal, a multa não deve ultrapassar 20% do valor da operação. Em circunstâncias agravantes, esse limite poderia ser elevado para 30% do valor da operação, com a multa aplicada individualmente limitada a 0,5% ou 1% do valor total da base de cálculo, correspondente aos últimos 12 meses do tributo em questão.

Além das propostas de limites para a multa, o ministro Toffoli enfatizou a importância da modulação dos efeitos da decisão, defendendo sua aplicação a partir da data de publicação da ata do julgamento do mérito. Sugeriu também que ações judiciais pendentes até essa data sejam ressalvadas, estabelecendo regras para restituição ou pagamento da diferença no valor da multa referente aos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação.

Observa-se, portanto, que o relator Barroso propôs uma tese mais coerente, enquanto o ministro Dias Toffoli apresentou uma posição mais favorável ao fisco, com limites de multa mais altos, bem como possibilitando considerar o valor da operação como base de cálculo da multa.

Ainda não há uma data definida para o retorno do tema à pauta de julgamento, mas o pedido de vista deve ser devolvido dentro de 90 dias contados da data de publicação da ata de julgamento, conforme entendimento recente do próprio STF.

João Vitor Prado Bilharinho é advogado tributarista do escritório Diamantino Advogados Associados

ARTIGO
Decisões do STF sobre defensivos agrícolas ameaçam o agro brasileiro

Por Bruno Minoru Takii                                                                       

Divulgação Cenipa

Parece tentadora a ideia de se proibir o uso dos ditos agrotóxicos pois, pela corrente popular e majoritária de pensamento, eles só teriam a função de ‘‘intoxicar o meio ambiente e o ser humano’’. Porém, a história da humanidade é repleta de exemplos de como soluções populistas encampadas pelo Estado podem ter efeitos colaterais muito piores do que os supostos males que pretendiam combater.

Em decisão recente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Estado do Ceará pode proibir, de forma irrestrita e em todo o seu território, a utilização de aeronaves para a pulverização de defensivos agrícolas. No voto aprovado por unanimidade de seus pares na ADI 6137, a ministra Cármen Lúcia aprovou a tese de que tanto Estados quanto Municípios detêm a prerrogativa de legislar sobre questões de meio ambiente, desde que as suas normas sejam complementares ou mais restritivas que as editadas em âmbito federal, especialmente em relação ao que a Corte insistiu em chamar por ‘‘agrotóxico’’.

Para suportar essa decisão, a ministra se apoiou em diversas normas e convenções internacionais, inclusive as produzidas pelo Parlamento Europeu, além de ‘‘trabalhos científicos’’ produzidos por militantes da causa ambiental, tal como o da pesquisadora Raquel Maria Rigotto, para quem ‘‘é preciso barrar a expansão do ecocídio e do genocídio cultural em curso, conquistando territórios livres do agronegócio’’, conforme artigo de sua autoria publicado em 24/05/2022 pelo periódico francês Le Monde Diplomatique.

Por fim, com base nos princípios difusos da dignidade humana, valorização do trabalho humano, livre concorrência, função social da propriedade, defesa do consumidor, meio ambiente e pleno emprego, a ministra rejeitou a tese de que a proibição violava o princípio da livre iniciativa. Esqueceu-se, porém, que a retirada de aeronaves (aviões e drones) dos campos, quando possível (pois, em muitos dos casos, essa possibilidade inexiste), deve ser necessariamente substituída por dezenas de trabalhadores no solo que, estes sim, estarão expostos a níveis consideráveis de contaminantes.

Outro julgamento que merece holofotes é a ADI 5553, onde a constitucionalidade de benefícios fiscais do ICMS (isenção e redução de base de cálculo) e do IPI (alíquota zero) sobre a comercialização de defensivos foi questionada pelo PSOL, tendo como relator do caso o ministro Edson Fachin.

Em seu voto, o ministro Fachin acolheu a tese apresentada pelo partido político, sob os argumentos de que o poder público não pode incentivar o consumo de uma mercadoria que traz risco à saúde humana e de desequilíbrio do meio ambiente. Ainda, enfatizou que ao Estado não é autorizado fomentar uma forma de produção (agricultura tradicional) em detrimento de outras (agroecologia e agricultura orgânica).

Quando confrontado com a questão do necessário repasse dos custos tributários adicionais ao consumidor final, o ministro disse que não há garantias de que o benefício fiscal hoje tenha implicação direta sobre os preços dos alimentos. Evidentemente, a visão do ministro é equivocada, porque todo e qualquer custo agregado à cadeia produtiva tende a ser repassado à sociedade, o que ocorre quase que de forma obrigatória quando o produto em questão é indispensável à sobrevivência humana.

Diversamente da visão deturpada apresentada nesses dois julgados do STF, a FAO (agência da ONU dedicada à Alimentação e à Agricultura) reconhece que, ‘‘quando aplicados com responsabilidade, os pesticidas são um insumo agrícola chave que podem auxiliar a proteger sementes e salvaguardar plantações de ervas daninhas, insetos, bactérias, fungos e roedores’’, sendo indispensáveis, portanto, à manutenção da segurança alimentar dos mais de 8 bilhões de seres humanos que ocupam a superfície da terra.

Sem essa tecnologia, todas as forças da natureza que, até meados do século passado, dizimavam plantações e, por consequência, provocavam a fome em uma população infinitamente menor do que a que temos hoje, podem vir à tona, tal como no experimento social malsucedido ocorrido recentemente no Sri Lanka (04/2021 a 07/2022), onde até os fertilizantes sintéticos foram proibidos para se fazer cumprir com a utopia da produção orgânica, tendo como resultado óbvio uma grave crise humanitária que levou à fuga e à renúncia do então presidente, Gotabaya Rajapaksa.

Enfim, até que a humanidade consiga desenvolver tecnologias tão ou mais eficientes que suplantem o uso de agroquímicos nas lavouras para a eliminação de pragas, é simplesmente impossível se cogitar em uma proibição que não tenha efeitos colaterais catastróficos e quase imediatos, advindos da drástica redução da oferta de produtos agropecuários.

Até que esse cenário utópico chegue, cabem ao Estado apenas as tarefas de não contaminar os preços de alimentos com impostos, de controlar o mau uso dos defensivos, bem como a de reduzir as burocracias para a aprovação das novas moléculas constantemente desenvolvidas pela indústria agroquímica, que tendem a ser mais eficientes e menos nocivas ao meio ambiente e à saúde humana.

Bruno Minoru Takii é sócio da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados

 

TERRAS INDÍGENAS
Queda de braço entre os poderes no debate do marco temporal

Por Maria Letícia Mesquita

Diamantino Advogados Associados

Está em pauta nos debates nacionais o imbróglio sobre a demarcação de terras indígenas, prevista no artigo 231 da Constituição. Aprovado na Câmara dos Deputados com 324 votos a favor e 131 contra, o PL do Marco Temporal é o pontapé inicial para a manutenção da segurança jurídica e garantia de isonomia nos atos discricionários da Funai. Infelizmente, apesar de pautado em decisão exarada pelo próprio STF, ele abre caminho para mais um embate entre o Legislativo e o Judiciário.

No texto aprovado, entre outras previsões, estão as 19 condicionantes estabelecidas pela Suprema Corte no julgamento do caso da Reserva Raposa Serra do Sol e, em especial, a fixação do marco temporal da promulgação da Constituição de 1988 para demarcação de terras de povos indígenas.

O referido caso tem sido utilizado como norte jurisprudencial sobre o assunto desde o ano de 2013 e que, em vista da evidente relevância da matéria versada, foi objeto de Despacho presidencial de Michel Temer em 2017 que aprovou o Parecer 001/2017/GAB/CGU/AGU. Neste, ficou ratificado o dever da Administração Pública Federal em observar e dar efetividade às condicionantes fixadas na Decisão da PET 3.388/RR (Caso Reserva Raposa Serra do Sol).

Desde o último dia 8 de maio o Despacho encontra-se com efeitos suspensos por conta de liminar deferida à Comunidade Indígena Xokleng pelo ministro Edson Fachin, no transcurso do Recurso Extraordinário 1017365.

O PL agora tramita no Senado como PL 2903/23, de relatoria da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS). Apesar da grande pressão da bancada ruralista, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), negou o pedido de regime de urgência e afirmou que o texto irá correr de acordo com a agenda comum.

No Judiciário, a matéria é discutida através do RE 1017365, interposto pela Funai contra acórdão do TRF-4 que confirmou a sentença de primeira instância no que concerne à procedência da Ação de Reintegração de Posse ajuizada pela Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente (Fatma), em área administrativamente declarada como de tradicional ocupação dos índios Xokleng, localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás, em Santa Catarina.

Seu julgamento teve como início o voto do ministro relator Edson Fachin em 9 de setembro de 2021, que, em completo desacordo com o princípio da segurança jurídica, afastou as condicionantes estabelecidas na PET. 3388/RR sob o preceito de suposta desconsideração dos direitos indígenas como fundamentais. O voto também traz evidente prejuízo aos adquirentes de boa-fé, posto a não previsão de direito à compensação justa pela desapropriação de área total por parte da União.

Já o ministro Nunes Marques votou pelo não provimento do recurso, fundamentando-se no caso Reserva Raposa Serra do Sol.

O ministro Alexandre de Moraes rechaçou em seu voto a possibilidade de fixação do marco temporal sob a argumentação de que, prevalecendo a referida hipótese, a demarcação de terras de uma comunidade retirada à força do local antes da promulgação da Constituição seria impossível e evidente flagrante aos direitos indigenistas.

Em contrapartida ao voto do relator, vislumbrou aspectos positivos aos produtores rurais como a responsabilidade da União em indenizar terras adquiridas de boa-fé por seu valor total e possíveis casos de compensação com terras equivalentes em outras regiões aos povos originários.

O julgamento está suspenso pelo pedido de vista do ministro André Mendonça.

Advindo do Recurso Extraordinário foi reconhecida a Tese de Repercussão Geral 1031, que em 2021 atingia o julgamento de outros 82 processos, e será responsável pela definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena.

A concomitância de apreço da mesma matéria pelos poderes citados é a exemplificação perfeita de problemas frequentes na atualidade: o descumprimento do princípio de harmonia entre os três poderes e da previsibilidade.

O Legislativo, em pleno gozo de sua competência, está vertendo em texto legal o entendimento já exarado pela Suprema Corte, conferindo à jurisprudência o manto da imutabilidade, conforme preceitua o artigo 5°, inciso XXXVI, da Carta Magna.

Não se demonstra plausível que após dez anos, aparentemente arrependido de sua decisão, o STF resolva se tornar revisor de si mesmo. Utilizando-se da impossibilidade de vincular o Acórdão emanado em sede de Ação Popular (PET 3.388/RR), a Suprema Corte parece buscar maneira para eximir-se de um precedente por ela mesma criado.

A incerteza quanto às consequências que permeiam a dúvida sobre quem irá vencer a queda de braço vigente entre os poderes é grande, porém se espera que o direito de legislar seja respeitado e garantido ao poder que lhe é devido e, futuramente, o projeto de lei aprovado, resguardando o direito adquirido, ato jurídico perfeito e principalmente a coisa julgada.

Ainda, caso seja assegurada a preferência ao Legislativo para tratar sobre a matéria, conforme prevê a Constituição Federal, em caso de necessidade evidente, o texto da Lei poderá ser posteriormente analisado em caráter de Ação do Controle de Constitucionalidade, cenário ideal de cumprimento aos preceitos constitucionais, independência e cooperação dos Três Poderes.

Maria Letícia Mesquita é sócia da área Cível no escritório Diamantino Advogados Associados (DAA)

Publicado originalmente na Folha de São Paulo (Jota), em 18/7/2023