PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO
Holding familiar e desdobramentos tributários

Por Júlia Farina Dalpiaz

holding patrimonial familiar é uma ferramenta de planejamento sucessório. É um mecanismo jurídico que permite a organização da sucessão patrimonial de forma mais efetiva e vantajosa, em vida, visto que auxilia a evitar grandes perdas no patrimônio, assim como a morosidade e o desgaste de um processo de inventário.

Este modelo de holding consiste em uma sociedade empresarial que reúne, em seu capital social integralizado, o patrimônio de uma pessoa física ou de um casal (a depender do regime de bens), organizando este patrimônio de modo mais racional, econômico e seguro.

Na prática, em vez das pessoas físicas manterem os bens em seus nomes, elas os possuem através de uma pessoa jurídica – a controladora patrimonial. Com isso, há o compartilhamento dos bens efetivos, o que não é possível fazer com o testamento, cujos efeitos somente passam a se produzir após o falecimento do testador. Ao criar a holding familiar, a transferência dos bens ocorre por meio da integralização na constituição ou aumento de capital com a produção dos seus efeitos de modo imediato, servindo, portanto, não apenas para fins de planejamento sucessório, mas também, na mesma medida, para a organização do patrimônio em vida.

Uma das principais vantagens atribuídas às holdings familiares é a maximização da eficiência tributária na gestão do patrimônio familiar.

Esta economia da carga tributária se dá em diversos aspectos – desde a imunidade do ITBI na transmissão de imóveis para integralização de capital em pessoas jurídicas aos métodos de avaliação dos bens para fins de tributação (os bens partilháveis em caso de falecimento passam a ser as quotas ou ações da holding e não os bens individualmente considerados). Além disso, em caso de o patrimônio ser gerador de receita, a distribuição dos lucros se dá na forma de dividendos (não tributáveis), aproveitando, de resto, o regime de tributação mais favorável às pessoas jurídicas. A repercussão, portanto, se dá na base de cálculo do ITCMD, ITBI e imposto de renda (inclusive sobre ganho de capital).

Ao integralizar bens na sociedade empresária, o objetivo é organizar a sucessão, sendo que as cláusulas que determinam a divisão do patrimônio têm que respeitar as legítimas, inserindo a participação societária de cada um dos herdeiros.

Desse modo, a transmissão do patrimônio é feita com a execução do contrato social, não sendo mais atribuído ao fisco estabelecer o valor venal dos bens na incidência de tributos, sendo a base de cálculo, a partir de então, amparada por um laudo de mensuração do ativo ou da rentabilidade futura.

Ao se constituir uma holding, se poderá escolher entre as modalidades (de holding) pura ou mista.

As holdings, originariamente, são empresas que visam deter participações societárias em outras sociedades de interesse, gerindo e administrando os seus negócios. A holding pura é aquela que servirá tão somente para a gestão e proteção do património familiar, não exercendo qualquer tipo de atividade operacional; já a holding mista é aquela que possui um objetivo operacional, isto é, além da proteção patrimonial, ela também exercerá uma atividade empresarial.

Muito se fala sobre as vantagens na constituição de holdings familiares, porém, caso não seja bem estruturada, com um planejamento adequado que leve em consideração as particularidades de cada entidade familiar e os benefícios que se pretende alcançar, a gestão da sociedade familiar poderá ser comprometida.

Em razão disso, importa chamar atenção para o que disciplina a Lei Complementar nº 104/2001, que adicionou ao artigo 116, do CTN, o parágrafo único com a seguinte redação:

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

  1. – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;
  2. – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001) – grifou-se.

Trazendo a previsão para a aplicação prática, isso significa que, caso haja qualquer indício de que a holding familiar foi constituída com o único propósito de redução da carga tributária, a autoridade administrativa poderá considerar ter havido a simulação do fato gerador do tributo e desconstituir a pessoa jurídica e todos os atos ou negócios jurídicos que dela decorreram.

Mas caberá à administração tributária comprovar, mesmo havendo a existência de indícios e presunções, que existe, efetivamente, a prática de atos simulados, para só então descaracterizar o ato e, ao final, constituir os créditos tributários de acordo com o real negócio demonstrado.

De todo o modo, deve ser avaliado cada caso de maneira individualizada, a fim de se identificar a hipótese que melhor se enquadra à realidade e às particularidades dos cenários que se apresentam para, somente assim, elaborar o planejamento sucessório visando à melhor forma de resguardar os interesses dos envolvidos.

O certo é que estruturas jurídicas como as sociedades holding podem trazer diversos benefícios aos seus instituidores, desde a organização sucessória, à economia tributária e, de modo geral, uma melhor distribuição do patrimônio, prevenindo litígios e despesas desnecessárias, devendo-se, no entanto, ter atenção no momento da sua constituição de modo a alcançar, efetivamente, estes benefícios ao máximo.

Júlia Farina Dalpiaz integra a área de Direito Tributário do escritório Cesar Peres Dulac Müller Advogados (CPDMA), com atuação no RS e SP.

VÍNCULO EMPREGATÍCIO
A condenação da Uber e a nova face da subordinação no Direito do Trabalho

Por Lara Fernanda de Oliveira Prado

A recente condenação da Uber em ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) trouxe à tona questões cruciais sobre a natureza da relação de trabalho nesta era de gig economy. O cerne da controvérsia reside nos cinco elementos fático-jurídicos que definem a relação de emprego no Brasil, tendo em vista que a ausência de qualquer um desses elementos exclui a configuração do vínculo empregatício.

De acordo com a inteligência dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), uma relação de emprego existe quando são comprovadas a não eventualidade dos serviços prestados, a pessoalidade do trabalhador contratado, a onerosidade e a subordinação jurídica. Desta feita, o ponto mais importante deste debate é o preenchimento, ou não, desse último requisito na relação dos motoristas com a empresa.

Conforme estabelecido pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), para que a subordinação seja configurada, é necessária a presença de todos os componentes do poder hierárquico do empregador: os poderes diretivos, fiscalizatório, regulamentar e disciplinar. Sem a convergência concreta de todos, não há subordinação jurídica e, por conseguinte, relação de emprego. Portanto, ao analisar o caso da Uber, é preciso ponderar se os meios telemáticos utilizados são realmente capazes de controlar e dirigir a prestação de serviços.

O impasse da demanda tem início com as profundas transformações ocorridas em meio à globalização, reestruturação do sistema produtivo e revolução tecnológica, que desafiam a clareza do conceito em debate, outrora bem definido. Na época do surgimento do Direito do Trabalho (século da Revolução Industrial), a subordinação era facilmente identificável, haja vista que a supervisão direta dos trabalhadores era mais palpável. Acontece que, num mundo em constante transmutação das formas de trabalho, a objetividade na caracterização desse elemento precisa ser reavaliada.

Embora as relações de trabalho tenham evoluído e novas modalidades tenham surgido, essas não foram acompanhadas de regulamentação específica, de modo que, diante de tal lacuna, a questão em tela permanece altamente controversa e sujeita a debates acalorados.

Nesse ínterim, alguns tribunais entendem que a Uber não exerce uma subordinação plena sobre seus motoristas, enquanto outros sustentam o contrário. Porém, é necessário frisar que a competência para regulamentar a contenda é do Poder Legislativo. Aliás, o TST já se manifestou nesse sentido: ‘‘As novas formas de trabalho devem ser reguladas por lei própria e, enquanto o legislador não a edita, não pode o julgador aplicar indiscriminadamente o padrão da relação de emprego’’.

Plataforma impõe os preços

Fato é que o trabalho por meio de plataformas digitais é uma realidade singular, que mescla características tanto do trabalho autônomo quanto de uma relação, em certa medida, ‘‘subordinada’’. Uma defesa sólida para o reconhecimento de vínculo reside na imposição unilateral de preços pela plataforma, o que impacta diretamente na precificação do serviço, atribuição tradicionalmente do próprio trabalhador no trabalho autônomo.

Entretanto, outros aspectos da subordinação não se apresentam claramente definidos a ponto de configurar uma relação empregatícia, como a questão da fiscalização. Argumenta-se que o motorista que atua na plataforma possui autonomia para determinar quando estará disponível para prestar o serviço de transporte, o que leva à tese do ‘‘trabalho exercido pela plataforma tecnológica e não para ela’’.

Surge, então, duas indagações cruciais: o controle exercido pela empresa, como o rastreamento das rotas e a avaliação da prestação de serviço pelo passageiro, está direcionado primariamente à fiscalização do motorista ou à proteção do consumidor? As sanções, como a atribuição de uma baixa nota no aplicativo e, em último caso, a exclusão do motorista da plataforma, visam assegurar a qualidade do serviço ao consumidor final ou necessariamente implicam subordinação?

É que a verdadeira subordinação demanda um controle mais efetivo e restritivo por parte do empregador, algo que a Uber parece não impor. Isso porque a empresa proporciona aos motoristas uma notável liberdade e maior flexibilidade se comparada ao tradicional regime da CLT, em que o requisito é nitidamente delineado, acompanhado de uma inspeção eficaz e direta.

Estes são pontos e contrapontos que suscitam incertezas quanto à determinação da natureza da relação, e ressaltam a indispensabilidade da regulamentação para lidar com as nuances dessas novas formas de trabalho. A ausência de legislação específica torna qualquer reconhecimento de vínculo empregatício, nesses casos, passível de questionamentos quanto à sua legalidade, dada a vedação à interpretação extensiva na aplicação de sanções.

Embora a subordinação possua um conceito relativamente aberto, este não deve ser demasiadamente expandido pelo Judiciário para abranger formas de emprego não previstas anteriormente. Nesse sentido, a sentença proferida em primeira instância extrapolou os limites de um conceito sequer consolidado nos tribunais superiores e em análise na academia, de modo que uma única decisão judicial pode ter um impacto desmedido nesse cenário em evolução.

Em conclusão, o caso Uber ilustra a necessidade premente de regulamentação para abordar as complexidades das relações de trabalho na era dos aplicativos. Enquanto a subordinação permanece uma questão em aberto, a resposta adequada não é a imposição de vínculos empregatícios através de decisões judiciais, mas sim a formulação de leis específicas que abordem essa nova realidade laboral de forma justa e equitativa. É hora de o Poder Legislativo assumir a responsabilidade e fornecer orientações claras.

Lara Fernanda de Oliveira Prado é sócia da área cível e trabalhista no escritório Diamantino Advogados Associados.

DIREITO DE OPOSIÇÃO
Contribuição assistencial para todos: avanço ou retrocesso?

Por Daniela Minervina Silva da Paz

Reprodução Sinfae

Recentemente, o Brasil se viu envolto em intensos debates sobre as contribuições assistenciais, um tema amplamente discutido após uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 11 de setembro de 2023, no âmbito do Tema 935 da Repercussão Geral, abrindo espaço para reflexões sobre avanços e retrocessos no cenário sindical do país.

Nessa decisão, o STF deliberou pela constitucionalidade da cobrança de contribuições assistenciais de trabalhadores, independentemente de estarem filiados a sindicatos, desde que seja assegurado o direito de oposição. O objetivo dessa contribuição é custear as despesas dos sindicatos com a negociação coletiva, incluindo assembleias e greves.

A fundamentação para tal decisão reside no entendimento de que os benefícios provenientes de acordos e convenções coletivas devem beneficiar todos os trabalhadores, independentemente de sua filiação, em virtude da ampla representatividade dos sindicatos, um direito garantido no artigo 8º da Constituição Federal.

No entanto, essa determinação do STF vem gerando debates acalorados e repercussões significativas no financiamento das instituições sindicais. Isso porque, anteriormente, a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) considerou inconstitucional a chamada ‘‘contribuição sindical obrigatória’’, reduzindo substancialmente o financiamento dos sindicatos. Já a recente decisão do STF, alinhada aos argumentos apresentados pelos ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, reconhece a constitucionalidade da cobrança de contribuições assistenciais por meio de acordos ou convenções coletivas para todos os trabalhadores.

Isso levanta preocupações legítimas sobre a liberdade individual dos trabalhadores. Ao invés de garantir a escolha pessoal de se associar ou não a um sindicato, essa decisão impõe uma obrigação financeira a todos, independentemente de seu consentimento, embora tenha como salvaguarda o ‘‘direito de oposição’’. Vale destacar que a contribuição sindical obrigatória, antes da Reforma Trabalhista, representava uma fonte significativa de financiamento para os sindicatos, com o Ministério da Economia relatando arrecadações de cerca de R$ 3,5 bilhões em 2016. Após a eliminação dessa obrigatoriedade, houve uma queda substancial nesse valor, com relatos de declínios de até 90% nas receitas sindicais.

A falta de regulamentação clara sobre como exercer esse direito de oposição pode criar um ambiente propício para abusos e controvérsias, como no caso de trabalhadores que não desejam pagar, mas enfrentam obstáculos burocráticos, taxas para exercer a oposição ou prazos rigorosos. Uma sugestão relevante seria modernizar o processo de oposição, permitindo o exercício desse direito por meios eletrônicos.

Num mundo cada vez mais digital, seria sensato permitir que os trabalhadores exerçam seu direito de oposição por meio eletrônico, como por e-mail. Isso eliminaria a necessidade de deslocamento físico até o sindicato para apresentar uma carta de oposição, tornando o processo mais acessível e eficaz.

Este é um dilema que transcende o aspecto legal e alcança questões de princípio: até que ponto o Estado e os sindicatos podem impor obrigações financeiras aos trabalhadores numa sociedade que valoriza a liberdade de escolha?

As discussões sobre as contribuições assistenciais e a ponte que liga a liberdade individual e a sustentabilidade sindical estão apenas no começo e poderão render muitos conflitos. O tema aqui abordado constitui o marco de um capítulo que vai moldar profundamente as relações no cenário sindical do país nos próximos anos.

Daniele Minervina Silva da Paz é sócia da área trabalhista no escritório Diamantino Advogados Associados (DAA)

COMPETÊNCIA DELEGADA
Julgamento de execuções fiscais federais após decisão do STJ no IAC 15

Por Vitor Fantaguci Benvenuti

Diamantino Advogados Associados

Recentemente, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) finalizou o julgamento do Incidente de Assunção de Competência (IAC) nº 15, que discutia a possibilidade de processamento e julgamento de execuções fiscais federais pela Justiça Estadual, quando as comarcas de domicílio das partes executadas não sejam sede de vara federal (fenômeno conhecido como ‘‘competência federal delegada’’), diante das alterações promovidas no texto constitucional pela EC nº 103/2019.

A fim de explicar a relevância da matéria e suas implicações práticas, cabe uma breve contextualização das principais alterações legislativas, especialmente após o advento da Lei nº 13.043/2014.

Em sua redação original, o artigo 109, §3º, da Constituição previa que 1) ‘‘serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal’’; e 2) ‘‘a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual’’, ‘‘sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal’’.

Portanto, em relação aos feitos de natureza previdenciária, a competência delegada era obrigatória, por expressa previsão constitucional, bastando que a comarca de domicílio do segurado ou beneficiário não possuísse vara federal.

Por outro lado, em relação às demais causas (como as execuções fiscais e seus respectivos embargos à execução), a Constituição Federal outorgou à legislação infraconstitucional a faculdade de autorizar a competência delegada, desde que a comarca também não fosse sede de vara federal.

Historicamente, o exercício dessa faculdade constitucional constava do artigo 15, inciso I, da Lei nº 5.010/1966, segundo o qual ‘‘nas Comarcas do interior onde não funcionar Vara da Justiça Federal, os Juízes Estaduais são competentes para processar e julgar os executivos fiscais da União e de suas autarquias, ajuizados contra devedores domiciliados nas respectivas Comarcas’’.

Em 2014, tal dispositivo foi expressamente revogado pelo artigo 114, inciso IX, da Lei nº 13.043, extinguindo a competência delegada para processamento de execuções fiscais federais e seus respectivos embargos à execução.

Contudo, prestigiando a segurança jurídica, o artigo 75 da Lei nº 13.043/2014 previu uma regra de transição. De acordo com esse dispositivo, a extinção da competência federal delegada ‘‘não alcança as execuções fiscais da União e de suas autarquias e fundações públicas ajuizadas na Justiça Estadual antes da vigência desta Lei’’.

Até esse momento, portanto, não existiam dúvidas quanto à competência delegada para processamento de execuções fiscais federais.

As execuções fiscais anteriores à Lei nº 13.043/2014 deveriam permanecer na Justiça Estadual, por conta da regra de transição (artigo 75).

As novas execuções fiscais, por sua vez, deveriam ser ajuizadas perante a Justiça Federal. Isso porque, embora o texto constitucional vigente ainda outorgasse à legislação infraconstitucional a faculdade de instituir a competência delegada, o dispositivo legal que previa essa competência havia sido revogado.

Porém, com o advento da EC nº 103/2019, o artigo 109, §3º, da CF, teve sua redação alterada de forma significativa, na medida em que foi extinta por completo a possibilidade de haver competência delegada para execuções fiscais federais.

Desse modo, a rigor, a regra de transição do artigo 75 da Lei nº 13.043/2014 havia perdido o seu fundamento de validade constitucional (redação original do artigo 109, §3º, da CF).

Diante disso, surgiram decisões entendendo que toda e qualquer execução fiscal federal que tramitava na Justiça Estadual deveria ser redistribuída a uma vara federal, independentemente da data de ajuizamento.

É o caso, por exemplo, do acórdão proferido pela 1ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao julgar os Conflitos de Competência nºs 5027983-02.2021.4.04.0000 e 5027965-78.2021.4.04.0000:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. COMPETÊNCIA DELEGADA. ARTIGO 109, §3º DA CF. EC 103/2019. LEI 13.043/2019. REVOGAÇÃO. (…)

  1. A Emenda Constitucional nº 103/2019 alterou a redação do §3º do artigo 109 da CF. A modificação da norma acarretou a revogação dos dispositivos da Lei 13.043/14 que ainda mantinham a competência estadual delegada para processar e julgar Execuções Fiscais relacionadas a entes federais.
  2. Assim, desde a EC 103/2019, compete aos Juízes Federais o processamento de Execuções Fiscais que envolvam entes federais, independentemente da data em que ajuizado o feito.”

Em razão da divergência de interpretações entre os Tribunais Regionais Federais, a matéria foi levada ao STJ e afetada para julgamento em sede de incidente de assunção de competência, a fim de que o mesmo entendimento fosse aplicado em todo o território nacional, nos moldes do artigo 927, inciso III, do CPC/2015.

Ao apreciar a controvérsia, nesse recente julgamento, a 1ª Seção do STJ decidiu que a regra de transição contida no artigo 75 da Lei nº 13.043/2014 teria sido recepcionada pelo novo texto constitucional, fixando a seguinte tese:

‘‘O artigo 109, §3º, da CF/88, com redação dada pela EC 103/2019, não promoveu a revogação (não recepção) da regra transitória prevista no artigo 75 da Lei 13.043/2014, razão pela qual devem permanecer na Justiça Estadual as execuções fiscais ajuizadas antes da vigência da lei referida.’’

Analisando a fundamentação do acórdão, é possível notar que a Corte Superior fez uma interpretação teleológica para afirmar que o constituinte derivado não teve a intenção de regulamentar as execuções fiscais de modo específico, pois o Projeto do qual resultou a EC nº 103/2019 nada dispôs sobre o tema.

Assim, embora o artigo 75 da Lei nº 13.043/2014 realmente tenha perdido seu fundamento de validade original (ao menos do ponto de vista literal), o STJ entendeu que a incompatibilidade com o novo texto constitucional não seria ‘‘evidente’’.

Em que pese ser questionável o critério adotado pelo STJ (necessidade de incompatibilidade ‘‘evidente’’), é fato que a decisão prestigiou a segurança jurídica e levou em consideração os diversos problemas procedimentais que a revogação da norma de transição acarretaria.

Dentre os impactos, podemos mencionar a necessidade de redistribuição de uma enorme quantidade processos que ainda tramitam fisicamente, atribuição de novos números para tramitação na Justiça Federal, alteração de sistemas processuais etc.

Nesse cenário, aos contribuintes que tiveram suas execuções fiscais redistribuídas indevidamente a juízo federal e foram prejudicados por decisões posteriores (com determinações de penhora ou até mesmo a prolação de sentença desfavorável em embargos à execução fiscal), recomenda-se uma análise detida de eventuais nulidades processuais, por terem sido proferidas decisões por juízo incompetente.

Vitor Fantaguci Benvenuti é advogado da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados (DAA).

DUPLA LIBERDADE
Decisão do STF sobre a jornada 12×36 é positiva

Por Daniele Minervina Silva da Paz

A dinâmica entre empregadores e empregados tem sido alvo constante de discussões jurídicas, especialmente no que concerne à duração e à flexibilidade da jornada de trabalho.

Um dos marcos nessa discussão foi a ADI 5994, ação movida em agosto de 2018 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) no Supremo Tribunal Federal (STF). Essa ação questionava a constitucionalidade da fixação da jornada de trabalho 12×36 por meio de ‘‘acordo individual escrito’’, conforme estabelecido no artigo 59-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) após a reforma trabalhista de 2017.

A CNTS alegou que permitir a fixação da jornada 12×36, por acordo individual, violaria a ‘‘duração normal do trabalho’’ estipulada na Constituição Federal, a qual define uma jornada de até 8 horas diárias e 2 horas extras.

O ponto central do argumento estava na possibilidade de que tal flexibilização poderia ultrapassar os limites legais e prejudicar os direitos dos trabalhadores.

Contudo, é importante ressaltar que a aceitação da jornada 12×36 já estava consolidada na jurisprudência trabalhista, sendo considerada constitucional, inclusive, pela Suprema Corte.

A Súmula 444 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), anterior à reforma trabalhista, já entendia válida a adoção da jornada 12×36, desde que de forma excepcional e prevista em lei ou norma coletiva.

Adicionalmente, o artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal, não proíbe explicitamente a jornada 12×36, mas, sim, estabelece a possibilidade de relativização da jornada de 8 horas diárias ou 44 semanais mediante compensação, por acordo ou negociação coletiva.

Com o passar do tempo, a jornada de trabalho 12×36 foi gradualmente ganhando aceitação. A reforma trabalhista de 2017 trouxe consigo a normatização dessa jornada na CLT, permitindo sua adoção por meio de contrato individual.

Essa mudança representou um passo adiante na flexibilização, possibilitando que a jornada 12×36 fosse adotada por todas as categorias de trabalhadores, baseando-se na liberdade de escolha do obreiro.

Quase cinco anos após sua distribuição, a ADI 5994 foi finalmente julgada pelo plenário do STF em 30 de junho de 2023. A decisão, por maioria de votos, manteve a regra que permite a fixação da jornada de trabalho 12×36 por acordo individual escrito entre empregador e empregado.

A Corte considerou que essa flexibilização não afronta os preceitos constitucionais, entendendo-a como uma opção viável para as partes envolvidas.

A decisão do STF possui impactos significativos tanto para empregados quanto para empregadores. A possibilidade de estabelecer a jornada 12×36 por meio de um acordo individual oferece maior flexibilidade, permitindo que o trabalhador ajuste seu horário conforme suas necessidades e preferências.

Isso é particularmente vantajoso em setores como o da saúde, cuja demanda é constante e flutua ao longo do dia. Além disso, a decisão reduz a dependência das empresas da anuência sindical, para alterações na jornada de trabalho.

Antes da reforma trabalhista, isso era frequentemente necessário. A flexibilização proporcionada pelo acordo individual traz agilidade e autonomia para as empresas. A ADI 5994 gerou discussões essenciais sobre a flexibilidade da jornada de trabalho e seus efeitos na relação entre empregados e empregadores.

A decisão do STF, a favor da possibilidade de fixar a jornada 12×36 por meio de acordo individual, representa uma mudança significativa no cenário trabalhista. Ela oferece aos trabalhadores liberdade para escolher seus horários, e às empresas, maior adaptabilidade às demandas do mercado.

Contudo, é crucial que essa flexibilidade seja exercida de maneira responsável, garantindo que os direitos dos trabalhadores sejam mantidos e respeitados em todos os âmbitos.

Daniele Minervina Silva da Paz é sócia da área trabalhista no escritório Diamantino Advogados Associados