BOA-FÉ
TRF-4 derruba condenação criminal de empresário que extraiu argila sem autorização

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Sede do TRF-4 em Porto Alegre
Foto: Diego Beck/ACS/TRF-4

O caput do artigo 21 do Código Penal (CP) diz que o desconhecimento da lei é indesculpável. O parágrafo único considera o erro sobre a ilicitude, se inevitável, isento da pena; se evitável, poderá diminuir a ilicitude.

A força deste dispositivo fez a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) rever a condenação criminal imposta a um empresário – proferida pela 1ª Vara Federal de Itajaí (SC) – por extração ilegal de argila numa única lavra localizada no município de Canelinha (SC), entre os anos de 2015 e 2016. O réu não tinha autorização para a lavra.

A maioria entendeu que o réu incorreu em erro de tipo inevitável por equivocar-se quanto a um dos elementos do tipo penal descrito no artigo 2º da Lei 8.176/91 – ‘‘sem autorização legal’’. O dispositivo: ‘‘Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo’’.

No primeiro grau, condenação por dolo direto

Na denúncia-crime oferecida pelo Ministério Público Federal de Santa Catarina (MPF-SC), o empresário foi processado como incurso nas sanções do artigo 2º, caput, da Lei 8.176/91, e do artigo 38 da Lei 9.605/98 (penaliza condutas e atividades lesivas ao meio ambiente), na forma do artigo 70 do CP. Em síntese, crime de usurpação de matéria-prima pertencente à União praticado em área de preservação permanente (APP).

Em sentença de mérito, o juízo de primeiro grau condenou o réu a um ano e dois meses de prisão, pena convertida em prestação de serviços à comunidade, e ao pagamento de prestação pecuniária e de multa.

‘‘Se realizou o réu a exploração mineral sem observar aspecto tão básico quanto a existência de córrego nas imediações, é porque assim quis proceder, tendo agido com o dolo direto previsto na parte inicial do inciso I do art. 18 do Código Penal, ou porque, em cegueira deliberada quanto a eventual existência de curso d’água nas proximidades, assumiu o risco de atingir área de preservação permanente, havendo atuado, então, pelo menos com o dolo eventual […] Entendo, portanto, que deve o réu […] ser também condenado como incurso nas sanções do art. 38 da Lei nº 9.605/98’’, cravou na sentença condenatória o juiz federal Moser Vhoss.

No segundo grau, erro de tipo essencial

No julgamento de apelação, a maioria dos integrantes da 8ª Turma do TRF-4 derrubou a sentença condenatória, graças aos fundamentos jurídicos expostos pelo juiz federal convocado Rodrigo Kravetz, voto divergente vencedor.

Para o julgador, as provas trazidas aos autos demonstram a boa-fé do empresário apelante e a intenção de exercer a atividade de extração mineral dentro dos ditames legais. É que ele contava com o auxílio de geólogo que já atuava como responsável técnico da área, a fim de se resguardar de eventuais irregularidades.

Ele afirmou que a dúvida a respeito da percepção da realidade sobre um elemento do crime não exime o apelante de eventual responsabilidade civil, administrativa ou ambiental pelos atos que praticou. Contudo, é causa impeditiva da condenação na seara penal.

‘‘O erro de tipo essencial, o qual exclui o dolo, incide quando o agente se equivoca sobre os elementos constitutivos do tipo penal; isto é, tem uma falsa percepção da realidade’’, registrou na ementa do acórdão.

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5006137-04.2019.4.04.7208 (Itajaí-SC)

 

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CERCEAMENTO DE DEFESA
TRT-SP anula sentença que indeferiu prova oral, essencial à solução da lide

Foto: Blog Concursos Online

A prerrogativa do juiz em avaliar a conveniência da apresentação de provas, prevista em lei, não afasta o direito ao contraditório e à ampla defesa, como sinaliza o artigo 5º, inciso LV, da Constituição.

Por tal fundamento, a 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo) anulou sentença proferida pela 6ª Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo em razão do cerceamento do direito de defesa da parte reclamada. A decisão foi unânime.

A empresa reclamada juntou aos autos o termo de rescisão de contrato de trabalho (TRCT), o qual atesta, em tese, que não é devedora de certas rubricas rescisórias. O documento, entretanto, foi contestado pelo trabalhador – que solicitou tais verbas na ação reclamatória.

O juízo da 6ª Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo, por sua vez, indeferiu a produção de prova oral, pedida pela empregadora, que poderia elucidar a controvérsia, dando procedência ao pedido do empregado.

Segundo a sentença anulada, a prova da empresa elenca diversos descontos cuja origem não é comprovada nos autos, como os referentes à assistência médica, vale combustível, atrasos, entre outros. Por essa razão, o juízo indeferiu a produção de prova oral e fez o julgamento antecipadamente.

No entanto, no segundo grau da Justiça do Trabalho, a desembargadora-relatora Bianca Bastos disse que a empresa deveria ter o direito de comprovar a validade do TRCT apresentado em audiência.

‘‘Não se pode negar que se a questão fosse unicamente de direito, seria incabível a prova. Todavia, a controvérsia foi dirimida pela análise de prova documental, e desse modo não se justifica o indeferimento de produção de prova oral’’, sintetizou a magistrada no acórdão que anulou a sentença.

Com o acolhimento da nulidade, o processo trabalhista deve voltar à origem para a reabertura da instrução processual e produção de prova oral, quando, então, será proferida nova sentença. Redação Painel de Riscos com informações da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-2.

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ATOrd 1000535-84.2023.5.02.0466 (S. Bernardo do Campo-SP) 

DANO MORAL
Bancária retaliada por ajuizar ação contra o Santander será indenizada em R$ 50 mil

O Banco Santander Brasil S.A. terá de arcar com indenização de R$ 50 mil, a título de danos morais trabalhistas, por ter suprimido de uma bancária de João Pessoa (PB) o pagamento de gratificação – feito há 22 anos – como forma de retaliação por ter ajuizado ação reclamatória.

Ao julgar recurso do banco, a Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve a condenação, mas reduziu pela metade o valor fixado nas instâncias anteriores para a reparação.

Gratificação cortada após ajuizar reclamatória

A bancária era gerente de relacionamento desde 1999 e dirigente sindical. Na reclamatória trabalhista, pretendia o pagamento de horas extras. Logo depois, ela recebeu um comunicado do banco, dizendo que, em razão do ajuizamento da ação, a gratificação de função seria cortada e sua jornada reduzida.

Com uma nova ação, a bancária conseguiu que a gratificação fosse restaurada e pediu indenização por danos morais em razão da conduta abusiva do banco. O Santander, por sua vez, defendeu que a supressão da gratificação ocorreu ‘‘por força de imperativo legal e convencional’’.

Ministro Alexandre Ramos foi o relator
Foto: Secom/TST

Ato foi considerado ilegal

A 6ª Vara do Trabalho de João Pessoa (PB) julgou improcedente o pedido da trabalhadora, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região (TRT-13, Paraíba) concluiu que ela apenas havia exercido o seu direito constitucional de acionar a Justiça.

Para o TRT, a retirada da comissão, como forma indireta de retaliar o ajuizamento da ação trabalhista, não poderia ser compreendida como exercício regular de um direito potestativo do empregador e deveria ser coibida pelo Poder Judiciário. Com isso, condenou o banco a pagar R$ 100 mil de indenização a título de danos morais.

Indenização menor em casos semelhantes

O relator do recurso de revista no TST, ministro Alexandre Ramos, ao propor a redução do valor, observou que, em outros casos semelhantes, o TST tem arbitrado a condenação entre R$ 10 mil e 40 mil. Para ele, R$ 50 mil é uma quantia razoável, que não representa enriquecimento sem causa da trabalhadora nem encargo financeiro desproporcional para o banco.

A decisão foi unânime. Com informações da jornalista Lourdes Tavares, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

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RRAg-699-41.2022.5.13.0031

CONDUTA PERIGOSA
Filmar brincadeira de colega não dá motivo para demissão por justa causa, diz TRT-GO

Por se tratar de penalidade máxima, tendo em vista a supressão de direitos legalmente estabelecidos na dispensa imotivada, a aplicação de justa causa só é aceitável se o empregador indica e comprova a má conduta do empregado, como dispõe o artigo 818, inciso II, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Por não apontar corretamente esta conduta, uma prestadora de serviços para companhias distribuidoras de energia não conseguiu manter a dispensa por justa causa aplicada a um ajudante de caminhão, segundo entendimento da Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-18, Goiás), que converteu a penalidade máxima em dispensa imotivada.

Segundo apontamentos do processo, o reclamante gravou um vídeo do motorista da equipe, dirigindo com o pé sobre o painel do veículo. Após a divulgação das imagens no aplicativo TikTok, a equipe foi dispensada na modalidade justa causa.

Des. Platon de Azevedo Neto
Foto: Reprodução/Enamat

Para o relator do recurso ordinário, desembargador Platon Teixeira de Azevedo Filho, a empresa não conseguiu comprovar a falta grave imputada ao reclamante – ônus que lhe cabia.

É que, apesar da empresa enquadrar o ajudante em ‘‘mau procedimento’’, falta grave prevista na alínea ‘‘b’’ do artigo 482 da CLT, não discriminou a conduta, juntando ao processo apenas o comunicado de dispensa por justa causa.

Falta de obrigação de impedir atos inseguros

No documento, consta como motivo: ‘‘filmar motorista de equipe em desconformidade com as normas de trânsito – dirigindo com o pé sobre o painel do veículo – em tom claramente jocoso, sem qualquer intervenção, com o intuito de tirar brincadeiras, em absoluta negligência com a sua segurança e dos demais colegas’’. Somente isso. No entanto, ficou claro que o reclamante apenas fez o filme e não foi o responsável pela sua postagem TikTok.

Para o relator, as provas esclarecem que o trabalhador tinha ciência do ato inseguro praticado pelos colegas, sendo dever do empregado cumprir e colaborar com a empresa na aplicação das normas de segurança do trabalho. Considerou, no entanto, que ‘‘não há nos autos provas de que o ajudante tinha a obrigação de impedir ou de reportar ao seu superior hierárquico os atos inseguros praticados por outros colegas’’.

O relator ainda disse que não foi observada a gradação das penalidades, sendo a justa causa aplicada indevidamente, porque desproporcional à falta cometida pelo ajudante. O desembargador considerou que a conduta do motorista teve maior gravidade que a dos demais empregados envolvidos, conforme registrado pela empresa na investigação interna, sendo todos punidos com a dispensa por justa causa. Com informações da Coordenadoria de Comunicação Socia do TRT-18.

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ATSum 0010403-50.2023.5.18.0081 (Aparecida de Goiânia-GO)

USUCAPIÃO
Cartório não pode condicionar registro de imóvel em edifício à regularização de condomínio

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Des. Carlos Cini Marchionatti, do TJRS
Foto: Imprensa/TRE-RS

Se o juiz proferiu sentença para reconhecer a usucapião, expedindo o mandado, o cartório não pode condicionar o registro do imóvel à regularização da unidade no condomínio de edifícios. Afinal, tal providência, além de estar fora do alcance da parte beneficiada, pode ser tomada em momento posterior, sem obstaculizar o registro.

O fundamento bem resume o teor da decisão monocrática proferida pelo desembargador Carlos Cini Marchionatti, integrante da 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), ao reformar despacho do juízo da 1ª Vara Judicial da Comarca de Canela (RS), que manteve a exigência de apresentação de documentos solicitados pelo Registro de Imóveis. A impugnação do registro foi lastreada na ausência de regularização do conjunto residencial que abriga o apartamento.

‘‘A sentença predominantemente declaratória da usucapião e o direito fundamental à propriedade privada imobiliária, unidos, são em tudo preponderantes ao registro, independente da exigência de regularização da construção’’, resumiu, à perfeição, na decisão monocrática que deu provimento ao gravo de instrumento manejado pelo usucapiente. O magistrado é autor da obra ‘‘Dúvida Registral Imobiliária e Direitos Fundamentais’’.

Construção não averbada

A decisão está em consonância com a jurisprudência do colegiado. No julgamento de apelação cível 50131233020148210001, realizado no dia 31 de maio de 2023, Marchionatti assim se manifestou na ementa do acórdão, no ponto que interessa: ‘‘Em tese, o fato de recair o pedido de reconhecimento da usucapião sobre unidades autônomas de uma construção não averbada deixa de obstar a pretensão dos usucapientes, diante da possibilidade de regularização posterior da edificação nos órgãos competentes e no Registro de Imóveis’’.

Conforme Marchionatti, assim como é possível, juridicamente, a usucapião de imóvel não regularizado junto ao Registro de Imóveis, também se revela possível a usucapião de unidades edilícias de edificação não regularizada nos órgãos competentes.

‘‘A usucapião e o respectivo registro da propriedade em nome da parte não impedem providências por esses órgãos, como, no futuro, poderão servir à regularização imobiliária. Exige-se apenas que a usucapião abranja coisa existente e perfeitamente individualizada, requisito que se encontra preenchido no caso concreto [na sentença declaratória de usucapião]’’, escreveu na decisão monocrática.

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5006858-08.2022.8.21.0041 (Canela-RS)

 

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