GESTÃO DE NEGÓCIOS
Investidor qualificado não pode alegar falta de assessoria da corretora por investimentos ruins

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A corretora não pode ser responsabilizada por ‘‘falha de serviço’’ se não alcança as metas financeiras traçadas pelo cliente, principalmente se este é investidor qualificado, conhece finanças e os riscos do mercado. Ademais, o trabalho de uma corretora de valores é de meio, não de resultado.

Com este entendimento, a 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou sentença que livrou a Safra Corretora de Valores e Câmbio Ltda. de restituir taxas de corretagem pagas por um investidor insatisfeito com a ‘‘falta de assessoria financeira’’. A falta de suporte teria lhe causado prejuízo de quase meio milhão de reais.

A 23ª Vara Cível da Comarca de São Paulo ponderou que, no caso dos autos, a suposta falta de assessoria para investimentos não caracteriza inadimplemento contratual da corretora, embora se trate de relação típica de consumo. Por outro lado, a possível falha de serviço de corretagem não acarreta, automaticamente, o dever de indenizar, pois seria preciso comprovar o nexo de causalidade – tarefa do qual o autor da ação não se desincumbiu.

Além disso, segundo o juízo, o autor se apresentou com considerável patrimônio, bem como investidor qualificado, na hora de assinar o contrato com a corretora. Em síntese, ele declarou: que tinha conhecimento suficiente sobre o mercado financeiro; e que era capaz de entender, ponderar e assumir os riscos financeiros relacionados à aplicação de recursos mobiliários.

Nesse contexto, segundo o juiz Vítor Gambassi Pereira, as perdas financeiras não podem ser imputadas à corretora ré. O direcionamento dos investimentos, embora feitos por funcionários da corretora, eram analisados e confirmados pelo autor, o único que poderia, ao fim, concluir pelo investimento ou pela retirada de dinheiro.

‘‘Os prejuízos, portanto, decorreram de riscos inerentes ao próprio investimento, assumidos pelo investidor, além de sua própria atuação, o que afasta teses deduzidas na exordial, especialmente defeito nos serviços de intermediação. Tais serviços foram adequadamente prestados e, por isso, merecem ser remunerados, independentemente do resultado positivo ou negativo dos próprios investimentos, já que o pagamento da corretagem prescinde de lucro do investidor’’, cravou na sentença.

As acusações do cliente

O autor da ação celebrou contrato de prestação de serviços de corretagem junto à corretora para obter ‘‘acompanhamento periódico’’ de investimentos financeiros. O corretor (assessoria de traders) faria análise das evoluções de altas e baixas do mercado, no intuito de alertá-lo quanto aos possíveis riscos ou momentos ideais para compra e venda de quotas.

No entanto, ao contrário do prometido, ele nunca teve o devido suporte de acompanhamento quanto a corretagem, o que lhe acarretou prejuízos financeiros superiores R$ 400 mil. É que segundo narra a peça inicial, “os gerentes responsáveis tão somente ofereciam a compra e venda de ações, cobravam a taxa de corretagem em cima do valor investido e depois simplesmente sumiam, não informando ao autor, por exemplo, quando e como vender as ações e se tais ações eram boas ou não para investimentos”.

Nesse quadro, imputou à parte ré inadimplemento contratual decorrente da cobrança de taxa de corretagem apenas para venda de ações, sem a prestação do serviço efetivamente contratado – ‘‘acompanhamento de traders e avisos de riscos’’. Pediu a condenação da ré na restituição das taxas de corretagem pagas pelos serviços não prestados e a exibição dos extratos com as movimentações (compras, vendas e pagamento de taxas), desde a abertura da conta até o seu encerramento.

A defesa da corretora de valores

Em contestação, a defesa da corretora lembrou que o risco de prejuízo faz parte de qualquer investimento financeiro, seja ele ‘‘conservador, moderado ou agressivo’’. Assim, em face de insucesso, não seria possível imputar à corretora uma má prestação de serviço. E mais: o autor estava ciente dos riscos envolvidos nos investimentos realizados, não podendo alegar desconhecimento e/ou falta de informação. Além disso, não há prova de vício de consentimento nem de prestação de informação deficitária na assinatura do contrato.

Informou também o envio de relatório mensal de investimentos, que pode ser lido no aplicativo ou por internet banking. Por esta ferramenta, é possível checar o andamento e a evolução dos investimentos. Por fim, sustentou não ser possível a devolução da taxa de corretagem – no valor de R$ 116,7 mil –, já que é devida tanto no momento da compra como no da venda. Logo, se o serviço de corretagem foi prestado, nada mais justo do que pagar pelo serviço de intermediação.

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1009801-11.2023.8.26.0100 (São Paulo)

 

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TRATAMENTO DESIGUAL
Juiz reverte justa causa de trabalhador que postou figurinhas ‘‘desrespeitosas’’ no grupo do WhatsApp da empresa

Foto: Divulgação Paulinelli Serviços Gráficos

A justa causa só é legítima se o empregador prova a culpa do empregado, a gravidade do seu comportamento, o imediatismo da rescisão, o nexo de causalidade entre a falta grave cometida e o efeito danoso, além da singularidade e proporcionalidade da punição.

Por não vislumbrar o conjunto destas hipóteses, a 12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte reverteu a dispensa por justa causa aplicada a um empregado pela Paulinelli Serviços Gráficos Ltda. A empresa o demitiu por mau procedimento e insubordinação após ele postar de postar figurinhas ‘‘desrespeitosas’’ em um grupo corporativo de WhatsApp. Em decorrência da decisão, o juízo declarou a dispensa imotivada.

Atraso no pagamento de salários

O autor da ação reclamatória, que trabalhou para a empresa por 13 anos, foi dispensado sob acusação de ‘‘mau procedimento e indisciplina’’. Tudo aconteceu após a empresa informar, no grupo de WhatsApp, sobre atraso no pagamento de adiantamento salarial aos empregados. O autor, então, postou figurinhas no grupo corporativo, do qual também fazia parte o proprietário da empregadora.

As figurinhas foram consideradas ‘‘desrespeitosas’’ pela ré, que alegou que as mensagens causaram tumulto no ambiente de trabalho, justificando a aplicação da justa causa.

Contudo, após examinar o caso, o juiz do trabalho Marcelo Oliveira da Silva concluiu que as figurinhas postadas pelo trabalhador não tiveram gravidade suficiente para comprometer a confiança indispensável ao contrato de trabalho. ‘‘Não percebo, na atitude do reclamante, o intuito de prejudicar a reputação da empresa’’, destacou o juiz.

Além disso, ficou comprovado que o autor nem mesmo foi o primeiro a publicar as figurinhas sobre o aviso do atraso salarial, o que afastou a alegação da empresa de que ele teria instigado o comportamento dos colegas.

Apenas mais um a mostrar insatisfação

Chamou a atenção do julgador o depoimento do representante da empresa, reconhecendo que outro empregado, o primeiro a enviar figurinha no grupo, não foi dispensado, assim como os demais colegas que também postaram mensagens sobre o atraso do adiantamento. ‘‘Verifico que apenas o reclamante foi sancionado, o que indica claro tratamento desigual para pessoas que adotaram o mesmo comportamento’’, ressaltou o juiz.

As alegações da ré de que a postagem gerou caos na empresa, ‘‘faltas injustificadas e chacotas’’ foram afastadas na sentença, por ausência de prova. O magistrado observou ainda que, entre as regras de utilização do grupo de WhatsApp da empresa, apresentadas no processo, não há proibição de postagem de figurinhas ou realização de brincadeiras, salvo se o conteúdo for sensível, pornográfico, preconceituoso ou discriminatório – o que não ocorreu no caso.

Com a reversão da justa causa, a empresa foi condenada a pagar: aviso-prévio indenizado (66 dias); 13º salário proporcional; férias proporcionais acrescidas de 1/3; depósitos de FGTS com multa de 40%; multa prevista no art. 477 da CLT. A empresa também foi condenada a fornecer documentação para saque do FGTS e habilitação no seguro-desemprego.

A empresa recorreu da decisão, mas a questão da justa causa não foi objeto de recurso. Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais).

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ATOrd 0010711-82.2024.5.03.0012 (Belo Horizonte)

SERVIÇO DEFEITUOSO
Latam vai pagar R$ 10 mil por não oferecer comida kosher à passageira de origem judaica

Comida kosher em avião/Youtube

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O artigo 14 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor -CDC) diz que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

A aplicação literal deste dispositivo levou a Justiça Comum de São Paulo a condenar a Latam Airlines a pagar dano moral a uma empresária de origem judaica que não recebeu alimentação ‘‘kosher’’ durante o trajeto aéreo Londres-São Paulo, em janeiro de 2024. O valor da reparação foi aumentado na 21ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), saltando de módicos R$ 3 mil para R$ 10 mil – valor ‘‘mais adequado à jurisprudência’’ do colegiado.

Em resposta à citação da 38ª Vara Cível da Comarca de São Paulo, a companhia aérea alegou que não havia provas de que deixou de oferecer a alimentação especial à passageira. Disse que a autora da ação indenizatória deveria ter solicitado, junto a um funcionário da companhia, registro da negativa de fornecimento. Assim, sem este registro, não se poderia falar em ‘‘falha de serviço’’, muito menos em danos morais.

Prova diabólica

O juiz Danilo Mansano Barioni afirmou que restou demonstrada a solicitação da alimentação especial pela passageira – fato incontroverso nos autos. Logo, se a relação é consumerista – que permite a inversão do ônus da prova em favor do consumidor –, o dever de demonstrar o contrário é da empresa.

‘‘Não bastasse, não é lícito impor à autora a produção de prova negativa; ou seja, que não lhe foram servidas as refeições ‘kosher’ solicitadas previamente. É o que se chama prova diabólica (probatio diabolica)’’, advertiu na sentença. Noutras palavras, é uma prova impossível de ser produzida pelo consumidor – parte vulnerável à luz do CDC.

‘‘No caso concreto, não estamos diante de indiferente descumprimento contratual, pois o voo era longo, mas de dez horas, e o jejum imposto à autora, por falha da ré, transborda o mero aborrecimento, dado o longuíssimo lapso temporal, transmudando-se em dano que deve ser indenizado’’, fulminou o juiz sentenciante.

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MARKETING ESPORTIVO
TJSP derruba cobrança de ISSQN sobre contratos de cessão de imagem de jogadores

Divulgação

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A cessão de direitos de imagem não configura prestação de serviço, mas obrigação de dar e não de fazer. Logo, não se enquadra nas hipóteses de incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) previstas na Lei Complementar 116/03.

Em face do entendimento, a Justiça Comum de São Paulo desobrigou a empresa La Celeste Marketing Esportivo Ltda. de continuar recolhendo ISSQN para os cofres do Município de São Paulo, tendo como ‘‘fato gerador’’ a assinatura de contratos de cessão de imagem de jogadores de futebol.

O fisco municipal argumentou que tais contratos se referem a atividades de agenciamento e intermediação, que correspondem ao item 10.03 da lista de serviços anexa à LC 116/03. Afirmou que a autora da ação não comprovou ter assumido o encargo tributário, tampouco repassou tal encargo ao contribuinte.

Institutos diferentes

Para a juíza Cynthia Thomé, da 6ª Vara da Fazenda Pública/Acidentes da Comarca de São Paulo, as obrigações de dar e de fazer são institutos que não se confundem. No caso dos autos, trata-se de obrigação de dar e não de fazer, por não haver efetiva prestação de serviço no ato de dar, ceder ou autorizar o uso da imagem, mas apenas transferência a terceiro dos atributos da personalidade do atleta, para fins de exploração comercial. E tal não configura hipótese de incidência contida no item 10.03 da lista anexa à LC 116/03.

‘‘Portanto, a cessão dos direitos de exploração comercial de uso da imagem, voz e apelido constitui atividade que não se enquadra no conceito de prestação de serviços para incidência do ISS’’, definiu na sentença que julgou procedente a ação da empresa de marketing esportivo.

Além de declarar a inexistência de relação jurídico-tributária entre as partes, nesta questão, a julgadora determinou a restituição dos valores pagos a título do ISSQN, respeitada a prescrição quinquenal, devidamente corrigido de acordo com o IPCA-E.

Apelação do fisco improvida no TJSP

A sentença da juíza foi integralmente confirmada pela 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que, à unanimidade, desacolheu a apelação do fisco municipal.

Para o relator da apelação, desembargador Marcelo Lopes Theodósio, permitir a tributação seria o mesmo que extrapolar os ditames da LC 116/03. É que a Lei não admite inovação na definição de ‘‘serviços’’, nem ampliação do rol estampado na lista de serviços a ela anexa.

‘‘Assim é que, obviamente, revela-se despropositado, ilegal e inconstitucional exigir-se ISS sobre valores provenientes de outros negócios jurídicos distintos da prestação de serviços. Nesse viés, a despeito do esforço empreendido para convalidar a exigibilidade do tributo em discussão, a falta de precisão no enquadramento do ‘serviço’ desqualifica e, por consequência, nulifica a pretensa cobrança’’, fulminou o desembargador-relator.

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1058935-51.2023.8.26.0053 (São Paulo)

 

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ATIVIDADE-FIM
Contribuinte pode aproveitar crédito de ICMS na compra de produtos intermediários

​A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, considerou legal o aproveitamento, pela Petrobras, de créditos de ICMS decorrentes da compra de produtos intermediários utilizados em suas atividades-fim. Para o colegiado, esse entendimento se aplica ainda que os bens sejam consumidos ou desgastados gradativamente; o importante é que sejam necessários ao processo produtivo.

No caso analisado, a Petrobras entrou com ação para anular uma multa aplicada pelo fisco do Rio de Janeiro. A penalidade foi imposta devido ao aproveitamento supostamente indevido de créditos de ICMS gerados na aquisição de fluidos de perfuração, que a empresa classificou como insumos indispensáveis à sua cadeia produtiva.

Tanto a primeira instância quanto o tribunal estadual julgaram o pedido procedente, reconhecendo que os fluidos de perfuração (usados para resfriar e lubrificar as brocas que perfuram poços de petróleo) integram diretamente o processo produtivo da Petrobras. Portanto, são considerados insumos – o que permite o creditamento de ICMS.

No recurso especial (REsp) dirigido ao STJ, o Estado do Rio de Janeiro argumentou que a caracterização da mercadoria como insumo exigiria a incorporação física desses itens ao produto final; ou seja, exigiria o seu consumo integral no processo produtivo. Sustentou que, não sendo fisicamente incorporados ao produto final, os itens deveriam ser enquadrados como ‘‘bens de uso e consumo’’ – o que não permitiria o crédito de ICMS.

Jurisprudência do STJ sobre creditamento de ICMS na compra de insumos

O relator do REsp, ministro Francisco Falcão, ressaltou que a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) está alinhada à jurisprudência do STJ. Ele apontou precedentes da corte relacionados ao tema (EAREsp 1.775.781, REsp 2.136.036 e EREsp 2.054.083), além de reforçar que a Lei Complementar 87/1996 prevê o direito ao creditamento de ICMS na aquisição de insumos essenciais à atividade empresarial.

Ao negar provimento ao recurso do Estado, o ministro reafirmou que ‘‘é legal o aproveitamento de créditos de ICMS na compra de produtos intermediários utilizados nas atividades-fim da sociedade empresária, ainda que consumidos ou desgastados gradativamente, desde que necessários à realização do objeto social da empresa’’. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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AREsp 2621584