VAZAMENTO DE ÓLEO
TJRS anula multa ambiental porque a Fepam não prova notificação à Ipiranga

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Divulgação Ipiranga

Empresa que não atende às exigências legais ou regulamentares da legislação ambiental só pode ser multada quando devidamente notificada pela autoridade competente no prazo concedido, como dispõe o artigo 80 do Decreto Federal 6.514/08. Assim, se não há prova desta notificação, não se pode falar em validade do auto de infração que gerou a multa.

A invocação deste dispositivo legal pelas duas instâncias da justiça estadual do Rio Grande do Sul, no efeito prático, anulou um auto de infração lavrado pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (Fepam) contra a Ipiranga Produtos de Petróleo S.A.

O relator da apelação na 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), desembargador Leonel Pires Ohlweiler, disse que a Fepam deixou de demonstrar – nas vias administrativa e judicial – que o ofício contendo as exigências estabelecidas foi entregue à Ipiranga. Logo, como decorrência lógica, é nulo o auto de infração lavrado com base nessa conduta.

Dever de monitoramento

Desembargador Ohlweiler foi o relator
Foto: Imprensa TJRS

A petrolífera responde solidariamente pelo vazamento subterrâneo de óleo ocorrido num posto da Eluf Comércio de Combustíveis Ltda., de Horizontina (RS), em 2007, por falta de manutenção de equipamentos e descumprimento de exigências no licenciamento ambiental.

Conforme a autarquia estadual, ambos tinham o dever de realizar o monitoramento e amostragem, para verificar a situação da água subterrânea do posto de combustíveis.

Clique aqui para ler o acórdão

Clique aqui para ler a sentença

9037338-26.2019.8.21.0001 (Porto Alegre)

AJUDE A EXPANDIR NOSSO PROJETO EDITORIAL.
DOE ATRAVÉS DA CHAVE PIX E-MAIL
:
 jomar@painelderiscos.com.br

ANÚNCIO DESELEGANTE
Banca de advocacia que usa marca empresarial para captar clientes não viola a propriedade industrial

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Site Bruno Mesko Dias

Não é qualquer motivação comercial que torna o emprego de marca alheia dependente de autorização de seu titular. Quando esta é citada para designar produto alheio, e não um próprio, a autorização prévia é dispensável, ainda que a citação envolva algum interesse comercial.

A doutrina de Lélio Denicoli Schmidt (in Marca pp. 247/253, Lúmen Juris, Rio de Janeiro, 2016) ‘‘enterrou’’ a pretensão da Latam Airlines Brasil, que buscava, na Justiça paulista, indenização no valor de R$ 100 mil por violação do direito marcário. Motivo: a banca gaúcha Bruno Mesko Dias Advogados Associados, sediada em Canoas (região metropolitana de Porto Alegre), vem utilizando a marca TAM/Latam para atrair clientela no seu site e na sua página no Facebook.

O desfecho da ação judicial se deu na 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que manteve, na íntegra, a sentença de improcedência proferida pela 1ª Vara Empresarial e de Arbitragem da Comarca de São Paulo. Ou seja, a Justiça reconheceu que o anúncio da banca no Facebook não caracteriza uso indevido de marca alheia – logo, não há direito à indenização.

Sem concorrência

Desembargador Natan Arruda foi o relator
Foto: Jorge Rosenberg/TJSP

O relator do recurso de apelação no TJSP, desembargador Natan Zelinschi de Arruda, ponderou, inicialmente, que a busca de clientes – funcionários, ex-funcionários e prestadores de serviços da Latam – ‘‘demonstra deselegância no exercício da advocacia’’, mas se revela insuficiente para respaldar uma pretensão indenizatória.

‘‘Assim, o que fora utilizado pela corré, Bruno Mesko Dias Advogados Associados, fazendo referência exclusiva à empresa Latam, não configura irregularidade, mesmo porque, não se trata de concorrente da empresa aérea, mas, ao contrário, é prestadora de serviços; ou seja, exerce a capacidade postulatória, consequentemente, a referência sobre o nome da empresa não é em decorrência da empresa em si, mas de seus funcionários ou ex-funcionários’’, definiu no voto.

Para concluir, o desembargador-relator observou que os textos mencionados nos autos do processo ‘‘não fazem nenhum juízo de valor acerca dos serviços ofertados, nem destaca que a empresa teria deixado de cumprir algo ou ao menos conjecturas e ilações que viessem a depreciar o nome empresarial em relação aos consumidores, o que, por si só, afasta a pretensa indenização por dano moral’’.

Clique aqui para ler o acórdão

Clique aqui para ler a sentença

1125922-30.2020.8.26.0100 (Foro Central Cível de São Paulo)

AJUDE A EXPANDIR NOSSO PROJETO EDITORIAL.
DOE ATRAVÉS DA CHAVE PIX EMAIL
:
 jomar@painelderiscos.com.br

REPETITIVOS
STJ fixa tese sobre resolução de compra de imóvel garantida por alienação fiduciária

Foto-Arte: Site Anafe

Em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária devidamente registrado em cartório, a resolução do pacto, na hipótese de inadimplemento do devedor, devidamente constituído em mora, deverá observar a forma prevista na Lei 9.514/97, por se tratar de legislação específica, afastando-se, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O entendimento é da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), firmado sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.095).

Com a fixação da nova tese, voltam a tramitar todos os processos sobre a mesma questão jurídica, que estavam suspensos à espera do julgamento do repetitivo. O precedente qualificado deverá ser observado pelos tribunais de todo o país na análise de casos idênticos.

Lei 9.514/1997 definiu procedimento a ser seguido pelo credor

O ministro Marco Buzzi, relator do recurso repetitivo, comentou que o CDC não estabeleceu um procedimento específico para a retomada do bem pelo credor fiduciário, tampouco inviabilizou que o adquirente (devedor fiduciante) pudesse desistir do ajuste ou promover a resilição do contrato.

Ministro Marcos Buzzi
Foto: Sérgio Amaral/STJ

Já a Lei 9.514/1997, segundo o magistrado, delineou todo o procedimento que deve ser seguido, principalmente pelo credor fiduciário, para a resolução do contrato em caso de inadimplemento do devedor, ressalvando a este o direito de ser devidamente constituído em mora, realizar a purgação da mora, ser notificado dos leilões e, após a venda do bem, receber o valor que eventualmente tenha sobrado – no qual se inclui a indenização de benfeitorias –, depois de deduzidas a dívida e as despesas.

‘‘Esse procedimento especial não colide com os princípios trazidos no artigo 53 do CDC, porquanto, além de se tratar de lei posterior e específica na regulamentação da matéria, o parágrafo 4º do artigo 27 da Lei 9.514/1997, expressamente, prevê a transferência ao devedor dos valores que, advindos do leilão do bem imóvel, vierem a exceder o montante da dívida, não havendo se falar, portanto, em perda de todas as prestações adimplidas em favor do credor fiduciário’’ – afirmou o relator.

Requisitos próprios da Lei 9.514/1997 devem estar presentes

Marco Buzzi ressaltou que, para se afastar a aplicação do CDC na hipótese de resolução do contrato de compra de imóvel com cláusula de alienação fiduciária, deve ser verificada a presença de requisitos próprios da lei especial (Lei 9.514/1997): registro do contrato no cartório de imóveis, inadimplemento do devedor e sua constituição em mora.

De acordo com o ministro, a tese fixada no julgamento não abarca situações das quais estejam ausentes esses três requisitos.

O relator também apontou que, não havendo falta de pagamento – ou havendo, mas se o credor não tiver constituído o devedor em mora –, a solução do contrato não seguirá o rito especial da Lei 9.514/1997, podendo ocorrer com base no Código Civil (artigo 472 e seguintes) ou no CDC (artigo 53), se aplicável, dependendo das características das partes por ocasião da contratação. (Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ)

Leia o acórdão no REsp 1.891.498

INTERPOSTA PESSOA
Empresa que cria braço para recolher menos tributo no Simples não pode reaproveitar crédito, decide TRF-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Não existe lei que permita o reaproveitamento de tributo pago sobre a folha de salários no âmbito do Simples, numa empresa de fachada, se o correto era o recolhimento pelo regime de lucro real. Afinal, não faz sentido beneficiar empresas que se utilizam, em tese, de expediente fraudulento para sonegação fiscal.

Por isso, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) acolheu apelação da Fazenda Nacional, inconformada com sentença que declarou o direito de uma indústria de rações do Paraná à dedução dos lançamentos de contribuição social feitos por outra empresa, do mesmo grupo, criada apenas para registrar os seus funcionários.

Desembargador Leandro Paulsen foi o relator
Foto: Sylvio Sirangelo/Imprensa TRF-4

Para o relator da apelação, desembargador Leandro Paulsen, a ‘‘baixa’’ do CNPJ da segunda empresa mostra que esta foi criada com o único objetivo de abarcar os empregados da empresa autora, para tão somente usufruir dos benefícios do regime Simples. Isso não implica que os recolhimentos feitos pela segunda empresa possam ser aproveitados pela primeira. Logo, inviável o reconhecimento de suposto crédito de terceiro oriundo de empresa considerada inexistente pela fiscalização tributária.

‘‘A conduta perpetrada pelos administradores da Algomix e descrita na inicial é de elevada gravidade, podendo configurar, em tese, inclusive, crime contra a ordem tributária. A autoridade fiscal identificou a ocorrência de fraude, com utilização de interposta pessoa jurídica, para levar a autoridade fiscalizadora ao erro, com redução indevida de tributos’’, sintetizou o desembargador-relator, reformando a sentença.

Ações fiscais

O litígio jurídico teve início quando a Secretaria da Receita Federal (SRF) abriu duas ações fiscais contra as empresas Algomix Agroindustrial Ltda (Toledo-PR) e Silmater Agroindustrial Ltda (Ouro Verde do Oeste-PR), uma no ano de 2010, outra no ano de 2014. Motivo: o fisco concluiu pela existência de ‘‘planejamento tributário evasivo’’. Em outras palavras, a Algomix teria feito uso de práticas ilegais para se livrar ou para diminuir o recolhimento de tributos federais.

Na prática, a Receita constatou que, a fim de evitar o recolhimento das contribuições sociais com base no regime do lucro real, os empregados da empresa Algomix foram registrados em nome da empresa Silmater, beneficiária do regime simplificado de tributação – o chamado Simples Nacional.

Como consequência, a Fazenda Nacional (União) cobrou da Algomix os valores de contribuição previdenciária com base no lucro real, o correto, além de impor além da multa por descumprimento de obrigações acessórias em dois DebCads (Débitos Cadastrados).

Ação anulatória de cobrança

Para derrubar a cobrança do débito fiscal, a Algomix ajuizou ação anulatória, em face da Fazenda Nacional, na 1ª Vara Federal de Toledo. Argumentou que os valores cobrados a título de contribuição social dos segurados empregados e contribuintes individuais foram recolhidos pela empresa Silmater, acrescentando que esta cumpriu, na época própria, as obrigações acessórias.

O juiz federal Alexandre Pereira Dutra julgou procedente a ação anulatória. Ele reconheceu o direito da parte autora de deduzir os lançamentos correspondentes aos valores de contribuição social dos empregados e dos contribuintes individuais no âmbito do Simples Nacional. E, por decorrência, anulou a multa aplicada por descumprimento de obrigações acessórias num dos DebCads.

Dutra destacou que os fatos geradores são os mesmo, sendo que os créditos tributários deles decorrentes foram satisfeitos. ‘‘A exigência da Fazenda Nacional a enriquecerá indevidamente, mesmo que admita a possibilidade da Silmater requerer a repetição de valores, porquanto ainda restará a cobrança dos consectários decorrentes do recolhimento a destempo das exações pela Algomix’’, justificou na sentença.

Conforme o juiz, o comportamento ‘‘extremamente reprovável’’ das empresas, que realizaram planejamento tributário evasivo, não pode servir de justificativa para a União lançar mão de mecanismo punitivo não previsto em lei. Até porque, em situações similares, o TRF-4 – finalizou –, admite que seja considerado o recolhimento realizado pela empresa simulada.

Clique aqui para ler o acórdão

Clique aqui para ler a sentença

5001879-42.2019.4.04.7016 (Toledo-PR)

AJUDE A EXPANDIR NOSSO PROJETO EDITORIAL.
DOE ATRAVÉS DA CHAVE PIX E-MAIL
:
 jomar@painelderiscos.com.br

PRESTAÇÃO SIMULTÂNEA
TRT-MG vê responsabilidade subsidiária de 20 empresas que tomavam serviço de vigilante

A prestação de serviços a múltiplos tomadores durante o contrato de trabalho não obstaculiza a responsabilização subsidiária das empresas, ante os termos do artigo 5º-A, parágrafos 3º e 5º, da Lei 6.019/74 (que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas), bem como da Súmula 331, inciso VI, do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em tais casos, a responsabilização deve ser fixada em conformidade com a efetiva prestação de serviços a cada tomador, atentando-se para não transformar a subsidiariedade em solidariedade.

Com força deste entendimento, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais) reconheceu o direito de um vigilante de receber parcelas trabalhistas de seu empregador e, também, de mais de 10 empresas que tomavam o seu serviço. Os julgadores excluíram a responsabilidade subsidiária dessas empresas, apenas, quanto ao pagamento de horas extras pelo descumprimento do intervalo interjornadas. Houve homologação de acordo em juízo com cerca de outras 10 tomadoras, que foram excluídas da lide.

A decisão do colegiado regional manteve, no aspecto, sentença da 9ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. Os empregadores condenados já entraram com recurso de revista (RR), pedindo a reapreciação do caso no âmbito do TST.

Prestação de serviços para mais de 20 tomadoras e conluio entre empregadora e empregado

O que mais chamou atenção no caso foi o fato de o vigilante ter sido designado para prestar serviços para mais de 20 empresas tomadoras de serviços, sendo que, com exceção de uma delas, não havia exclusividade, tampouco uma escala de trabalho. Somou-se a isso a constatação de existência de conluio entre o próprio empregado e a empregadora, para que a excessiva jornada de trabalho, em desrespeito, inclusive, ao intervalo intrajornada de 11 horas descanso entre uma jornada e outra, fosse ‘‘escondida’’ dos órgãos públicos de fiscalização e das próprias empresas tomadoras dos serviços.

‘‘A irregularidade praticada, mormente considerado o expressivo número de tomadores, é inédita nesta Especializada [TRT-3]’’, destacou o desembargador José Murilo de Morais, que atuou como relator dos recursos ordinários (ROTs) interpostos pelo trabalhador e pelas empresas.

Recurso do trabalhador

A 6ª Turma do TRT mineiro deu provimento ao recurso do vigilante  para invalidar o sistema de compensação de jornada no período em que trabalhou no sistema de 12 X 36 (12 horas de trabalho por 36 horas de descanso). É que se constatou o cumprimento da jornada especial junto com a realização de plantões e missões de escolta extras, embora estas, conforme apurou o relator, tenham sido remuneradas como hora extra. Nesse quadro, a empregadora e as empresas que com ela formam grupo econômico foram condenadas, de forma solidária, a pagar ao vigilante, no período de junho de 2016 a julho de2018, o adicional convencional de três horas extras para cada dia trabalhado em jornada 12 X 36, com reflexos legais. Ficou claro que não há responsabilidade subsidiária sobre essa verba. As horas extras em razão dos plantões e missões extras, deferidas na sentença, restaram excluídas da condenação, porque já haviam sido pagas ao vigilante.

Entenda o caso

O trabalhador era empregado de uma empresa prestadora de serviços de vigilância e, em razão disso, exercia suas atividades profissionais em benefício de mais de 20 empresas, denominadas tomadoras dos serviços. Durante o contrato de trabalho, exerceu a função de vigilante patrimonial de 1º de março de 2016 a 15 de julho de 2018. No período de 16 de julho de 2018 a 1º de outubro de 2019, trabalhou exclusivamente como vigilante de escolta armada.

Além da jornada normal de trabalho, o profissional também realizava plantões e missões de escolta extras, inclusive no período em que cumpriu jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso. As provas produzidas no processo ainda revelaram o desrespeito ao intervalo intrajornada (para refeição e descanso) e interjornadas (de 11 horas de descanso entre uma jornada e outra).

Na ação reclamatória, o profissional postulou, em síntese, direitos decorrentes do contrato de trabalho, alguns estabelecidos em normas coletivas e outros decorrentes da jornada e da extinção do vínculo, sob a responsabilidade das empresas empregadoras integrantes do grupo econômico e dos tomadores de serviço. Celebrou acordo, homologado em juízo, com cerca de 10 empresas tomadoras, as quais foram excluídas do processo em razão da quitação conferida pelo trabalhador quanto ao pedido que lhes foi dirigido.

No entanto, a ação prosseguiu contra o grupo econômico constituído pela empregadora e demais tomadoras dos serviços, na qual o vigilante teve reconhecidos diversos direitos descumpridos ao longo do período contratual, entre os quais: diferenças salariais por inobservância do piso normativo; horas extras pelo descumprimento dos intervalos intrajornada (para refeição e descanso) e interjornadas (entre uma jornada e outra); horas extras pela invalidade do sistema de compensação no período da jornada 12X36; pagamento em dobro dos repousos semanais remunerados (RSRs) concedidos após o sétimo dia consecutivo de trabalho; pagamento de direitos previstos em normas coletivas (indenizações por vale-transporte, tíquete-refeição, café da manhã, diárias de alimentação); multas convencionais, multa do artigo 477 da CLT. Foi reconhecida a responsabilidade subsidiária das tomadoras dos serviços.

Desembargador José Murilo foi o relator
Foto: Imprensa TRT-3

Responsabilidade subsidiária

Conforme o desembargador-relator, a condenação se baseou na Súmula 331, inciso IV, do TST, que acolhe a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, no caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. O magistrado ressaltou que a Lei 6.019/1974, por força das inserções realizadas pelas Leis 13.429/2017, passou a prever expressamente a responsabilidade do tomador pelas obrigações trabalhistas e previdenciárias referentes ao período em que foi beneficiário da prestação de serviços (artigo 5º-A, parágrafo quinto).

Ao reconhecer a responsabilidade subsidiária das empresas que se beneficiaram da força de trabalho do vigilante, o relator também fez referência à decisão do STF que, no dia 30 de agosto de 2018, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e do Recurso Extraordinário (RE) 958252, aprovou a seguinte tese de repercussão geral: ‘‘É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante’’.

Segundo pontuou o desembargador, por meio da responsabilidade subsidiária, obtém-se a ampliação da base econômica em que o empregado firmará seus direitos, o que atende, entre outros, aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (artigo 1º, inciso IV, e artigo 170, caput, da Constituição). Conforme ressaltou, o fato de a prestação de serviços ter ocorrido de forma simultânea em proveito de diferentes tomadores não afasta a responsabilidade subsidiária das empresas, citando, inclusive, decisões recentes do TST nesse sentido.

Limites da responsabilidade

Na decisão, o relator tratou dos limites da responsabilidade dos tomadores dos serviços e citou, no aspecto, o parágrafo 3º, do artigo 5º-A, da Lei 6.019/1974, segundo o qual: ‘‘É responsabilidade da contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato’’.

Ele descreveu uma situação hipotética para ilustrar a ideia do limite da responsabilidade de cada tomador: ‘‘Imagine-se que um empregado vigilante, após trabalhar em um plantão de 12 horas para a empresa X, fosse, na sequência, designado para trabalhar para a empresa Y e lá sofresse um acidente de trabalho. Evidente que a responsabilidade pelos danos sofridos por ele seriam objeto de discussão perante a sua empregadora e a empresa onde ocorreu o acidente (empresa Y)’’, registrou o julgador no voto.

Ao descrever o exemplo, o desembargador teve o objetivo de mostrar que a responsabilidade da tomadora de serviços refere-se ao período em que se aproveitou da mão de obra do trabalhador; ou seja, da efetiva prestação de serviços em seu benefício, sem incluir o período em que o empregado deveria estar descansando. ‘‘Incogitável a fixação de responsabilidade à empresa X no exemplo mencionado, já que esta não interferiu para a ocorrência do acidente e não há na legislação previsão de solidariedade no caso de prestação de serviços a vários tomadores (artigo 264 e seguintes do Código Civil Brasileiro)’’, destacou no voto.

Responsabilidade subsidiária “com contornos de solidariedade” – Necessidade de adequação

Na visão do relator, no caso, o juízo de primeiro grau fixou a responsabilidade subsidiária das empresas tomadoras dos serviços com contornos de solidariedade, porque se estendeu a períodos em que o vigilante trabalhava fora de suas dependências (para outras empresas tomadoras), o que contraria as disposições da Súmula 331 do TST e do artigo 5º-A, parágrafos 3º e 5º, da Lei 6.019/1974, bem como os limites da lide traçados na peça inicial, em violação aos artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil (CPC).

O relator explicou que isso ocorreu em relação às horas extras deferidas na sentença em razão dos plantões extras de vigilância patrimonial realizados pelo vigilante, de março de 2016 a julho de 2018, nos períodos de folga da jornada de 12X36. Concluiu que, nesse contexto, é preciso haver a adequação da responsabilidade dos tomadores dos serviços, no período, tendo em vista que, ‘‘nos termos da Súmula 331 do TST e do artigo 5º-A, parágrafos 3º e 5º, da Lei 6.019/1974, cada tomador é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que foi beneficiário da prestação de serviços’’, frisou.

Alcance da responsabilidade subsidiária

Com relação ao alcance da responsabilidade subsidiária, o julgador se reportou aos artigos 186 e 927 do Código Civil, que estipulam a culpa in vigilando do contratante que deixar de fiscalizar o cumprimento das obrigações assumidas e impostas por lei, inclusive quanto aos trabalhadores. Explicou ainda que a responsabilidade subsidiária abrange, em geral, as verbas salariais, indenizatórias, rescisórias, inclusive as previstas nas normas coletivas firmadas pela empresa prestadora de serviços, ficando excepcionadas apenas as obrigações de caráter personalíssimo.

Intervalo intrajornada

Segundo o relator, as horas extras decorrentes do desrespeito ao intervalo intrajornada (para refeição e descanso) inserem-se no âmbito da responsabilidade subsidiária dos tomadores, já que essa obrigação se amolda no disposto no parágrafo 3º, do artigo 5º-A, da Lei 6.019/1974 (quando o trabalho é realizado nas dependências da tomadora ou em outro local previamente convencionado em contrato).

Intervalo interjornadas

Com relação às horas extras decorrentes do desrespeito ao intervalo interjornadas (entre uma jornada e outra), o entendimento do relator, acompanhado pelos demais julgadores da Turma, foi de que a responsabilidade subsidiária fixada na sentença não pode prevalecer. Isso porque as provas do processo revelaram, nas palavras do relator, ‘‘uma engenhosa articulação’’ entre a empresa empregadora e o próprio trabalhador ‘‘com o objetivo de inviabilizar a fiscalização governamental e, obviamente, a fiscalização dos próprios tomadores’’. Nesse caso, conforme explicou o julgador, não se configura a culpa in vigilando, que ocorre justamente quando há o descumprimento do dever de fiscalização.

Chamou a atenção do desembargador o fato de a planilha apresentada pelo próprio vigilante indicar descumprimento do artigo 66 da CLT apenas quando considerada globalmente; ou seja, em conjunto com a jornada prestada aos outros tomadores. A regra prevê um período mínimo de 11 horas consecutivas para descanso entre duas jornadas de trabalho (intervalo interjornadas). Na jornada em sistema de 12 X 36, o período de descanso deve ser de 36 horas.

No caso, o próprio trabalhador informou na petição inicial que o controle de jornada era separado para cada tomador, que havia rubricas distintas para diferenciar o pagamento dos plantões extras (rubrica backup) e missões extras (rubrica adicional de escolta armada).

Provas de conluio

Para o relator, a prática adotada teve o objetivo justamente de evitar o cômputo global das horas prestadas a diversos tomadores. Além disso, o vigilante confessou em depoimento que os controles de jornada eram feitos separadamente para cada tomador, para evitar eventual aplicação de multa pela fiscalização do Ministério do Trabalho. E ainda reconheceu que, caso não aceitasse trabalhar em algum plantão ou missão extra, não sofreria sanção.

Todas essas circunstâncias foram consideradas pelo relator como prova do conluio entre o vigilante e a empresa empregadora, para inviabilizar a fiscalização da jornada de trabalho por parte dos órgãos governamentais e dos próprios tomadores dos serviços.

Foto Ilustração: Ascom/ MPT-RS

Jornada exaustiva – Ausência de vantagem econômica por parte dos tomadores dos serviços

O relator considerou importante destacar que nenhum tomador de serviços de escolta armada ou de vigilância patrimonial auferiu vantagem econômica ou de qualquer outra ordem com o fato de o vigilante realizar jornadas exaustivas de trabalho, em descumprimento ao intervalo intrajornada. Observou, nesse sentido, que os plantões e missões extras foram remunerados como trabalho extraordinário, o mesmo ocorrendo com as horas excedentes à 44ª semanal no período em que se dedicou exclusivamente às missões de escolta armada.

‘‘Aliás, seria muito pouco crível que as empresas fossem aceitar que um vigilante patrimonial ou de escolta armada de cargas valiosas trabalhasse sem o necessário descanso, pois é fato notório que a supressão do sono e do descanso acarreta inúmeras consequências, inclusive impactando no desempenho no trabalho e aumentando os riscos de acidente (artigo 375 do CPC)’’, ponderou no voto.

Sobre a dificuldade de se apurar as irregularidades verificadas, o relator pontuou que, relativamente às missões de escolta armada, a convenção coletiva da categoria autoriza missões longas de trabalho, bem como considera horas extras aquelas que excederem as 44 semanais. E a irregularidade constatada no caso não diz respeito à falta de pagamento das horas extras, mas à supressão do descanso de 11 horas entre uma jornada e outra.

Na decisão, o magistrado chamou a atenção para o fato de o vigilante ser designado para prestar serviços para mais de 20 tomadoras, sendo que, à exceção de uma delas, não havia exclusividade nem uma escala de trabalho. ‘‘A irregularidade praticada, mormente considerado o expressivo número de tomadores, é inédita nesta Especializada’’, destacou o desembargador.

A jornada sobre o prisma de cada tomador – Observância dos limites legais e convencionais

Pela análise da jornada sob o prisma de cada tomador, o relator não identificou afronta aos limites legais e convencionais com relação à duração do trabalho e ao desrespeito ao intervalo interjornadas. O mesmo raciocínio foi aplicado ao pagamento do adicional de três horas extras diárias deferido em razão do desrespeito à jornada 12 por 36. Isso porque uma das tomadoras, única para a qual o vigilante trabalhou com exclusividade por certo período e a quem foi imputada a responsabilidade subsidiária por tal verba, não se beneficiou da irregularidade e sequer teria elementos para detectá-la mediante uma fiscalização ordinária.

Para o relator, as circunstâncias de a empregadora integrar um grupo econômico sólido e idôneo no mercado, bem como de ter conseguido a adesão e o consentimento do trabalhador na fraude empreendida, dificultaram muito a ação da fiscalização pelos órgãos públicos e também pelos próprios tomadores de serviços, de forma a afastar a culpa in eligendo e in vigilando no caso, por não fiscalizarem o horário de folga do vigilante. As culpas citadas dizem respeito à negligência na escolha da empresa prestadora de serviços (in eligendo) e no dever de fiscalização do cumprimento dos direitos trabalhistas pela contratada (in vigilando).

Por tudo isso, o desembargador-relator decidiu dar provimento parcial aos recursos das empresas para excluir a responsabilidade subsidiária de todas as tomadoras quanto às horas extras relativas aos intervalos interjornadas e respectivos reflexos; esclarecer que não há responsabilidade de qualquer tomadora pelo pagamento do adicional de horas extras deferido pela desconsideração da jornada 12 por 36; além de adequar a responsabilidade subsidiária das tomadoras aos limites do pedido e ao período em que se beneficiaram da força de trabalho do profissional. (Redação Painel com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3)

Clique aqui para ler o acórdão

Clique aqui para ler a sentença

0010466-22.2020.5.03.0009 (Belo Horizonte)