INTERPOSTA PESSOA
Empresa que cria braço para recolher menos tributo no Simples não pode reaproveitar crédito, decide TRF-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Não existe lei que permita o reaproveitamento de tributo pago sobre a folha de salários no âmbito do Simples, numa empresa de fachada, se o correto era o recolhimento pelo regime de lucro real. Afinal, não faz sentido beneficiar empresas que se utilizam, em tese, de expediente fraudulento para sonegação fiscal.

Por isso, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) acolheu apelação da Fazenda Nacional, inconformada com sentença que declarou o direito de uma indústria de rações do Paraná à dedução dos lançamentos de contribuição social feitos por outra empresa, do mesmo grupo, criada apenas para registrar os seus funcionários.

Desembargador Leandro Paulsen foi o relator
Foto: Sylvio Sirangelo/Imprensa TRF-4

Para o relator da apelação, desembargador Leandro Paulsen, a ‘‘baixa’’ do CNPJ da segunda empresa mostra que esta foi criada com o único objetivo de abarcar os empregados da empresa autora, para tão somente usufruir dos benefícios do regime Simples. Isso não implica que os recolhimentos feitos pela segunda empresa possam ser aproveitados pela primeira. Logo, inviável o reconhecimento de suposto crédito de terceiro oriundo de empresa considerada inexistente pela fiscalização tributária.

‘‘A conduta perpetrada pelos administradores da Algomix e descrita na inicial é de elevada gravidade, podendo configurar, em tese, inclusive, crime contra a ordem tributária. A autoridade fiscal identificou a ocorrência de fraude, com utilização de interposta pessoa jurídica, para levar a autoridade fiscalizadora ao erro, com redução indevida de tributos’’, sintetizou o desembargador-relator, reformando a sentença.

Ações fiscais

O litígio jurídico teve início quando a Secretaria da Receita Federal (SRF) abriu duas ações fiscais contra as empresas Algomix Agroindustrial Ltda (Toledo-PR) e Silmater Agroindustrial Ltda (Ouro Verde do Oeste-PR), uma no ano de 2010, outra no ano de 2014. Motivo: o fisco concluiu pela existência de ‘‘planejamento tributário evasivo’’. Em outras palavras, a Algomix teria feito uso de práticas ilegais para se livrar ou para diminuir o recolhimento de tributos federais.

Na prática, a Receita constatou que, a fim de evitar o recolhimento das contribuições sociais com base no regime do lucro real, os empregados da empresa Algomix foram registrados em nome da empresa Silmater, beneficiária do regime simplificado de tributação – o chamado Simples Nacional.

Como consequência, a Fazenda Nacional (União) cobrou da Algomix os valores de contribuição previdenciária com base no lucro real, o correto, além de impor além da multa por descumprimento de obrigações acessórias em dois DebCads (Débitos Cadastrados).

Ação anulatória de cobrança

Para derrubar a cobrança do débito fiscal, a Algomix ajuizou ação anulatória, em face da Fazenda Nacional, na 1ª Vara Federal de Toledo. Argumentou que os valores cobrados a título de contribuição social dos segurados empregados e contribuintes individuais foram recolhidos pela empresa Silmater, acrescentando que esta cumpriu, na época própria, as obrigações acessórias.

O juiz federal Alexandre Pereira Dutra julgou procedente a ação anulatória. Ele reconheceu o direito da parte autora de deduzir os lançamentos correspondentes aos valores de contribuição social dos empregados e dos contribuintes individuais no âmbito do Simples Nacional. E, por decorrência, anulou a multa aplicada por descumprimento de obrigações acessórias num dos DebCads.

Dutra destacou que os fatos geradores são os mesmo, sendo que os créditos tributários deles decorrentes foram satisfeitos. ‘‘A exigência da Fazenda Nacional a enriquecerá indevidamente, mesmo que admita a possibilidade da Silmater requerer a repetição de valores, porquanto ainda restará a cobrança dos consectários decorrentes do recolhimento a destempo das exações pela Algomix’’, justificou na sentença.

Conforme o juiz, o comportamento ‘‘extremamente reprovável’’ das empresas, que realizaram planejamento tributário evasivo, não pode servir de justificativa para a União lançar mão de mecanismo punitivo não previsto em lei. Até porque, em situações similares, o TRF-4 – finalizou –, admite que seja considerado o recolhimento realizado pela empresa simulada.

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PRESTAÇÃO SIMULTÂNEA
TRT-MG vê responsabilidade subsidiária de 20 empresas que tomavam serviço de vigilante

A prestação de serviços a múltiplos tomadores durante o contrato de trabalho não obstaculiza a responsabilização subsidiária das empresas, ante os termos do artigo 5º-A, parágrafos 3º e 5º, da Lei 6.019/74 (que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas), bem como da Súmula 331, inciso VI, do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em tais casos, a responsabilização deve ser fixada em conformidade com a efetiva prestação de serviços a cada tomador, atentando-se para não transformar a subsidiariedade em solidariedade.

Com força deste entendimento, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais) reconheceu o direito de um vigilante de receber parcelas trabalhistas de seu empregador e, também, de mais de 10 empresas que tomavam o seu serviço. Os julgadores excluíram a responsabilidade subsidiária dessas empresas, apenas, quanto ao pagamento de horas extras pelo descumprimento do intervalo interjornadas. Houve homologação de acordo em juízo com cerca de outras 10 tomadoras, que foram excluídas da lide.

A decisão do colegiado regional manteve, no aspecto, sentença da 9ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. Os empregadores condenados já entraram com recurso de revista (RR), pedindo a reapreciação do caso no âmbito do TST.

Prestação de serviços para mais de 20 tomadoras e conluio entre empregadora e empregado

O que mais chamou atenção no caso foi o fato de o vigilante ter sido designado para prestar serviços para mais de 20 empresas tomadoras de serviços, sendo que, com exceção de uma delas, não havia exclusividade, tampouco uma escala de trabalho. Somou-se a isso a constatação de existência de conluio entre o próprio empregado e a empregadora, para que a excessiva jornada de trabalho, em desrespeito, inclusive, ao intervalo intrajornada de 11 horas descanso entre uma jornada e outra, fosse ‘‘escondida’’ dos órgãos públicos de fiscalização e das próprias empresas tomadoras dos serviços.

‘‘A irregularidade praticada, mormente considerado o expressivo número de tomadores, é inédita nesta Especializada [TRT-3]’’, destacou o desembargador José Murilo de Morais, que atuou como relator dos recursos ordinários (ROTs) interpostos pelo trabalhador e pelas empresas.

Recurso do trabalhador

A 6ª Turma do TRT mineiro deu provimento ao recurso do vigilante  para invalidar o sistema de compensação de jornada no período em que trabalhou no sistema de 12 X 36 (12 horas de trabalho por 36 horas de descanso). É que se constatou o cumprimento da jornada especial junto com a realização de plantões e missões de escolta extras, embora estas, conforme apurou o relator, tenham sido remuneradas como hora extra. Nesse quadro, a empregadora e as empresas que com ela formam grupo econômico foram condenadas, de forma solidária, a pagar ao vigilante, no período de junho de 2016 a julho de2018, o adicional convencional de três horas extras para cada dia trabalhado em jornada 12 X 36, com reflexos legais. Ficou claro que não há responsabilidade subsidiária sobre essa verba. As horas extras em razão dos plantões e missões extras, deferidas na sentença, restaram excluídas da condenação, porque já haviam sido pagas ao vigilante.

Entenda o caso

O trabalhador era empregado de uma empresa prestadora de serviços de vigilância e, em razão disso, exercia suas atividades profissionais em benefício de mais de 20 empresas, denominadas tomadoras dos serviços. Durante o contrato de trabalho, exerceu a função de vigilante patrimonial de 1º de março de 2016 a 15 de julho de 2018. No período de 16 de julho de 2018 a 1º de outubro de 2019, trabalhou exclusivamente como vigilante de escolta armada.

Além da jornada normal de trabalho, o profissional também realizava plantões e missões de escolta extras, inclusive no período em que cumpriu jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso. As provas produzidas no processo ainda revelaram o desrespeito ao intervalo intrajornada (para refeição e descanso) e interjornadas (de 11 horas de descanso entre uma jornada e outra).

Na ação reclamatória, o profissional postulou, em síntese, direitos decorrentes do contrato de trabalho, alguns estabelecidos em normas coletivas e outros decorrentes da jornada e da extinção do vínculo, sob a responsabilidade das empresas empregadoras integrantes do grupo econômico e dos tomadores de serviço. Celebrou acordo, homologado em juízo, com cerca de 10 empresas tomadoras, as quais foram excluídas do processo em razão da quitação conferida pelo trabalhador quanto ao pedido que lhes foi dirigido.

No entanto, a ação prosseguiu contra o grupo econômico constituído pela empregadora e demais tomadoras dos serviços, na qual o vigilante teve reconhecidos diversos direitos descumpridos ao longo do período contratual, entre os quais: diferenças salariais por inobservância do piso normativo; horas extras pelo descumprimento dos intervalos intrajornada (para refeição e descanso) e interjornadas (entre uma jornada e outra); horas extras pela invalidade do sistema de compensação no período da jornada 12X36; pagamento em dobro dos repousos semanais remunerados (RSRs) concedidos após o sétimo dia consecutivo de trabalho; pagamento de direitos previstos em normas coletivas (indenizações por vale-transporte, tíquete-refeição, café da manhã, diárias de alimentação); multas convencionais, multa do artigo 477 da CLT. Foi reconhecida a responsabilidade subsidiária das tomadoras dos serviços.

Desembargador José Murilo foi o relator
Foto: Imprensa TRT-3

Responsabilidade subsidiária

Conforme o desembargador-relator, a condenação se baseou na Súmula 331, inciso IV, do TST, que acolhe a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, no caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. O magistrado ressaltou que a Lei 6.019/1974, por força das inserções realizadas pelas Leis 13.429/2017, passou a prever expressamente a responsabilidade do tomador pelas obrigações trabalhistas e previdenciárias referentes ao período em que foi beneficiário da prestação de serviços (artigo 5º-A, parágrafo quinto).

Ao reconhecer a responsabilidade subsidiária das empresas que se beneficiaram da força de trabalho do vigilante, o relator também fez referência à decisão do STF que, no dia 30 de agosto de 2018, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e do Recurso Extraordinário (RE) 958252, aprovou a seguinte tese de repercussão geral: ‘‘É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante’’.

Segundo pontuou o desembargador, por meio da responsabilidade subsidiária, obtém-se a ampliação da base econômica em que o empregado firmará seus direitos, o que atende, entre outros, aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (artigo 1º, inciso IV, e artigo 170, caput, da Constituição). Conforme ressaltou, o fato de a prestação de serviços ter ocorrido de forma simultânea em proveito de diferentes tomadores não afasta a responsabilidade subsidiária das empresas, citando, inclusive, decisões recentes do TST nesse sentido.

Limites da responsabilidade

Na decisão, o relator tratou dos limites da responsabilidade dos tomadores dos serviços e citou, no aspecto, o parágrafo 3º, do artigo 5º-A, da Lei 6.019/1974, segundo o qual: ‘‘É responsabilidade da contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato’’.

Ele descreveu uma situação hipotética para ilustrar a ideia do limite da responsabilidade de cada tomador: ‘‘Imagine-se que um empregado vigilante, após trabalhar em um plantão de 12 horas para a empresa X, fosse, na sequência, designado para trabalhar para a empresa Y e lá sofresse um acidente de trabalho. Evidente que a responsabilidade pelos danos sofridos por ele seriam objeto de discussão perante a sua empregadora e a empresa onde ocorreu o acidente (empresa Y)’’, registrou o julgador no voto.

Ao descrever o exemplo, o desembargador teve o objetivo de mostrar que a responsabilidade da tomadora de serviços refere-se ao período em que se aproveitou da mão de obra do trabalhador; ou seja, da efetiva prestação de serviços em seu benefício, sem incluir o período em que o empregado deveria estar descansando. ‘‘Incogitável a fixação de responsabilidade à empresa X no exemplo mencionado, já que esta não interferiu para a ocorrência do acidente e não há na legislação previsão de solidariedade no caso de prestação de serviços a vários tomadores (artigo 264 e seguintes do Código Civil Brasileiro)’’, destacou no voto.

Responsabilidade subsidiária “com contornos de solidariedade” – Necessidade de adequação

Na visão do relator, no caso, o juízo de primeiro grau fixou a responsabilidade subsidiária das empresas tomadoras dos serviços com contornos de solidariedade, porque se estendeu a períodos em que o vigilante trabalhava fora de suas dependências (para outras empresas tomadoras), o que contraria as disposições da Súmula 331 do TST e do artigo 5º-A, parágrafos 3º e 5º, da Lei 6.019/1974, bem como os limites da lide traçados na peça inicial, em violação aos artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil (CPC).

O relator explicou que isso ocorreu em relação às horas extras deferidas na sentença em razão dos plantões extras de vigilância patrimonial realizados pelo vigilante, de março de 2016 a julho de 2018, nos períodos de folga da jornada de 12X36. Concluiu que, nesse contexto, é preciso haver a adequação da responsabilidade dos tomadores dos serviços, no período, tendo em vista que, ‘‘nos termos da Súmula 331 do TST e do artigo 5º-A, parágrafos 3º e 5º, da Lei 6.019/1974, cada tomador é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que foi beneficiário da prestação de serviços’’, frisou.

Alcance da responsabilidade subsidiária

Com relação ao alcance da responsabilidade subsidiária, o julgador se reportou aos artigos 186 e 927 do Código Civil, que estipulam a culpa in vigilando do contratante que deixar de fiscalizar o cumprimento das obrigações assumidas e impostas por lei, inclusive quanto aos trabalhadores. Explicou ainda que a responsabilidade subsidiária abrange, em geral, as verbas salariais, indenizatórias, rescisórias, inclusive as previstas nas normas coletivas firmadas pela empresa prestadora de serviços, ficando excepcionadas apenas as obrigações de caráter personalíssimo.

Intervalo intrajornada

Segundo o relator, as horas extras decorrentes do desrespeito ao intervalo intrajornada (para refeição e descanso) inserem-se no âmbito da responsabilidade subsidiária dos tomadores, já que essa obrigação se amolda no disposto no parágrafo 3º, do artigo 5º-A, da Lei 6.019/1974 (quando o trabalho é realizado nas dependências da tomadora ou em outro local previamente convencionado em contrato).

Intervalo interjornadas

Com relação às horas extras decorrentes do desrespeito ao intervalo interjornadas (entre uma jornada e outra), o entendimento do relator, acompanhado pelos demais julgadores da Turma, foi de que a responsabilidade subsidiária fixada na sentença não pode prevalecer. Isso porque as provas do processo revelaram, nas palavras do relator, ‘‘uma engenhosa articulação’’ entre a empresa empregadora e o próprio trabalhador ‘‘com o objetivo de inviabilizar a fiscalização governamental e, obviamente, a fiscalização dos próprios tomadores’’. Nesse caso, conforme explicou o julgador, não se configura a culpa in vigilando, que ocorre justamente quando há o descumprimento do dever de fiscalização.

Chamou a atenção do desembargador o fato de a planilha apresentada pelo próprio vigilante indicar descumprimento do artigo 66 da CLT apenas quando considerada globalmente; ou seja, em conjunto com a jornada prestada aos outros tomadores. A regra prevê um período mínimo de 11 horas consecutivas para descanso entre duas jornadas de trabalho (intervalo interjornadas). Na jornada em sistema de 12 X 36, o período de descanso deve ser de 36 horas.

No caso, o próprio trabalhador informou na petição inicial que o controle de jornada era separado para cada tomador, que havia rubricas distintas para diferenciar o pagamento dos plantões extras (rubrica backup) e missões extras (rubrica adicional de escolta armada).

Provas de conluio

Para o relator, a prática adotada teve o objetivo justamente de evitar o cômputo global das horas prestadas a diversos tomadores. Além disso, o vigilante confessou em depoimento que os controles de jornada eram feitos separadamente para cada tomador, para evitar eventual aplicação de multa pela fiscalização do Ministério do Trabalho. E ainda reconheceu que, caso não aceitasse trabalhar em algum plantão ou missão extra, não sofreria sanção.

Todas essas circunstâncias foram consideradas pelo relator como prova do conluio entre o vigilante e a empresa empregadora, para inviabilizar a fiscalização da jornada de trabalho por parte dos órgãos governamentais e dos próprios tomadores dos serviços.

Foto Ilustração: Ascom/ MPT-RS

Jornada exaustiva – Ausência de vantagem econômica por parte dos tomadores dos serviços

O relator considerou importante destacar que nenhum tomador de serviços de escolta armada ou de vigilância patrimonial auferiu vantagem econômica ou de qualquer outra ordem com o fato de o vigilante realizar jornadas exaustivas de trabalho, em descumprimento ao intervalo intrajornada. Observou, nesse sentido, que os plantões e missões extras foram remunerados como trabalho extraordinário, o mesmo ocorrendo com as horas excedentes à 44ª semanal no período em que se dedicou exclusivamente às missões de escolta armada.

‘‘Aliás, seria muito pouco crível que as empresas fossem aceitar que um vigilante patrimonial ou de escolta armada de cargas valiosas trabalhasse sem o necessário descanso, pois é fato notório que a supressão do sono e do descanso acarreta inúmeras consequências, inclusive impactando no desempenho no trabalho e aumentando os riscos de acidente (artigo 375 do CPC)’’, ponderou no voto.

Sobre a dificuldade de se apurar as irregularidades verificadas, o relator pontuou que, relativamente às missões de escolta armada, a convenção coletiva da categoria autoriza missões longas de trabalho, bem como considera horas extras aquelas que excederem as 44 semanais. E a irregularidade constatada no caso não diz respeito à falta de pagamento das horas extras, mas à supressão do descanso de 11 horas entre uma jornada e outra.

Na decisão, o magistrado chamou a atenção para o fato de o vigilante ser designado para prestar serviços para mais de 20 tomadoras, sendo que, à exceção de uma delas, não havia exclusividade nem uma escala de trabalho. ‘‘A irregularidade praticada, mormente considerado o expressivo número de tomadores, é inédita nesta Especializada’’, destacou o desembargador.

A jornada sobre o prisma de cada tomador – Observância dos limites legais e convencionais

Pela análise da jornada sob o prisma de cada tomador, o relator não identificou afronta aos limites legais e convencionais com relação à duração do trabalho e ao desrespeito ao intervalo interjornadas. O mesmo raciocínio foi aplicado ao pagamento do adicional de três horas extras diárias deferido em razão do desrespeito à jornada 12 por 36. Isso porque uma das tomadoras, única para a qual o vigilante trabalhou com exclusividade por certo período e a quem foi imputada a responsabilidade subsidiária por tal verba, não se beneficiou da irregularidade e sequer teria elementos para detectá-la mediante uma fiscalização ordinária.

Para o relator, as circunstâncias de a empregadora integrar um grupo econômico sólido e idôneo no mercado, bem como de ter conseguido a adesão e o consentimento do trabalhador na fraude empreendida, dificultaram muito a ação da fiscalização pelos órgãos públicos e também pelos próprios tomadores de serviços, de forma a afastar a culpa in eligendo e in vigilando no caso, por não fiscalizarem o horário de folga do vigilante. As culpas citadas dizem respeito à negligência na escolha da empresa prestadora de serviços (in eligendo) e no dever de fiscalização do cumprimento dos direitos trabalhistas pela contratada (in vigilando).

Por tudo isso, o desembargador-relator decidiu dar provimento parcial aos recursos das empresas para excluir a responsabilidade subsidiária de todas as tomadoras quanto às horas extras relativas aos intervalos interjornadas e respectivos reflexos; esclarecer que não há responsabilidade de qualquer tomadora pelo pagamento do adicional de horas extras deferido pela desconsideração da jornada 12 por 36; além de adequar a responsabilidade subsidiária das tomadoras aos limites do pedido e ao período em que se beneficiaram da força de trabalho do profissional. (Redação Painel com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3)

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0010466-22.2020.5.03.0009 (Belo Horizonte)

DESVIO DE CLIENTELA
TJ-SP condena súper por vender gel erótico com marca de concorrente

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Atenta contra os direitos de propriedade intelectual quem expõe e vende produto cuja marca, no todo ou em parte, já tenha sido registrada por outra empresa no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), induzindo o consumidor a erro. A contrafação, reprodução e uso não autorizados de marca registrada, é descrita no artigo 189, inciso I; e a prática de concorrência desleal, no artigo 195, inciso V – ambos da Lei de Propriedade Industrial – LPI (Lei 9.279/96).

Por este fundamento jurídico, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reformou sentença que negou reparações moral e material a um fabricante de ‘‘gel erótico’’ que teve sua marca registrada copiada no produto de um concorrente, que vinha sendo comercializado por um supermercado da Capital paulista – o réu na ação indenizatória.

O relator da apelação na 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ-SP, desembargador Azuma Nishi, disse que a rubrica posta no cupom fiscal foi suficiente para atestar a violação dos direitos marcários, pois reproduz integralmente a marca nominativa cujo registro é de titularidade da autora da ação.

‘‘Registre-se que a simples divergência de grafia entre o produto descrito em nota fiscal e a marca ostentada no invólucro do item carreado à fl. 109 (a letra ‘‘k’’ antes do ‘‘Eros Gel’’) não detém o condão de alterar o julgamento da lide. Tanto a descrição constante do cupom fiscal quanto à marca destacada no invólucro do produto contrafeito configura violação ao direito marcário’’, escreveu no acórdão.

Desembargador Eduardo Azuma Nishi foi o relator
Foto: José Luis da Conceição/OAB-SP

No contexto da LPI, advertiu o desembargador-relator, não só é responsável pelo ilícito aquele que reproduz a marca sem autorização do titular, mas também quem vende ou expõe à venda o produto contrafeito. No caso dos autos, o estabelecimento comercial pode ajuizar ação de regresso contra o fornecedor, para se ressarcir dos prejuízos advindos da condenação cível.

Em fecho, o relator deu provimento à apelação para julgar procedente a ação indenizatória, condenando o supermercado ao pagamento de danos materiais, a serem apurados em liquidação de sentença, e de danos morais, no valor de R$ 20 mil. O réu também deve se abster vender produtos grafados com a marca ‘‘Erosgel’’, sozinha ou acrescida de outras expressões, sob pena de multa diária de R$ 1 mil.

Ação indenizatória por contrafação de marca

Carbogel Indústria e Comércio ajuizou ação indenizatória por contrafação de marca contra Bompreço Supermercados do Nordeste, narrando ter descoberto uma operação de produção e revenda ilegal de produto idêntico ao seu – gel cosmético para relações sexuais. A ação foi protocolada na 28ª Vara Cível do Foro Central Cível (Praça João Mendes) da Comarca de São Paulo.

A autora alegou que o produto descrito no cupom fiscal emitido pelo supermercado traz a expressão ‘‘Erosgel’’, objeto de proteção marcária, já que é detentora da marca nominativa ‘‘Erosgel Lub’’ em em todo o território nacional desde 2005. Assim, mesmo que não reproduza integralmente a sua marca, o produto adquirido, nominado ‘‘K Erosgel’’, tem o potencial de violar os artigos 124, inciso XIX; 129; e 130, inciso III e 131 – todos da LPI. A contrafação marcária ocorria desde janeiro de 2012, segundo a petição inicial.

Assim, a parte autora pediu que o Bompreço seja condenado a se abster de expor, vender ou manter em estoque produtos grafados com a marca ‘‘Erosgel’’. E, também, de pagar danos morais e materiais, estes, pelos lucros cessantes decorrentes da revenda e exposição indevida do produto ilegal que utiliza a sua marca.

Sentença de improcedência

O juízo da Vara julgou improcedente a ação indenizatória, por entender que a Carbogel não comprovou os fatos constitutivos de seu direito, como era a sua obrigação, a teor do que dispõe o artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil (CPC).

Na percepção da juíza Flávia Poyares Miranda, a autora apenas anexou ao processo um cupom fiscal datado de 9 de janeiro de 2012, expedido pelo Bompreço, no qual consta a descrição do produto ‘‘Eros Gel Lub’’. E só depois, no curso do processo, é que veio a juntar a embalagem e o produto com o nome de ‘‘K Eros Gel’’, alegando que o produto contrafeito havia sido adquirido através da ré. Em outras palavras, não foi possível estabelecer um nexo de causalidade entre a conduta da empresa demandada e a venda de produtos com a marca ‘‘K Eros Gel’’.

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DANO MORAL TRABALHISTA
Marcopolo vai pagar R$ 20 mil por deixar seu empregado no limbo previdenciário

Um soldador-montador que teve alta previdenciária do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), mas continuou incapacitado para o serviço, conforme o médico da empregadora e seu próprio médico particular, será indenizado em R$ 20 mil por danos morais, além de fazer jus aos salários a que tinha direito desde que saiu da licença. Isso porque, com a divergência entre o INSS e a empregadora, ele ficou no chamado ‘‘limbo previdenciário’’, sem receber o auxílio estatal nem o seu salário – pago pela Marcopolo S/A, de Caxias do Sul.

A decisão é da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul), que reformou, em parte, sentença da 4ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul.

A Marcopolo apresentou recurso de revista (RR) para tentar levar o caso à reapreciação no Tribunal Superior do Trabalho (TST), com o objetivo de reformar o acórdão da 8º Turma. O vice-presidente, do TRT-RS, desembargador Ricardo Hofmeister de Almeida Martins Costa, no entanto,negou seguimento ao recurso.

O empregado, admitido em agosto de 2018, entrou em licença previdenciária em 2019. A alta ocorreu em janeiro de 2021, conforme laudo do INSS. No entanto, o médico da empresa considerou que ele ainda não estava apto ao trabalho. O atestado do próprio médico particular do trabalhador foi na mesma direção. Assim, o contrato de trabalho continuou suspenso, e o empregado passou a não receber mais o benefício social, sem que tenha voltado a receber salário da empresa. As informações estão no processo.

Sem meios para prover o sustento

Ao ajuizar a ação reclamatória na 4ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul, o reclamante argumentou que ficou sem meios para prover o seu sustento. Pleiteou o ressarcimento dos salários do período após a alta previdenciária, bem como a indenização por danos morais, pelos transtornos causados.

Em decisão liminar, ainda no primeiro grau, o juízo lhe assegurou o pagamento dos salários, mas a Marcopolo entrou com mandado de segurança contra a determinação, que acabou sendo mantida pelo TRT-4.

Desembargadora Brígida Barcelos foi a relatora
Foto: Secom TRT-4

Na sentença, o juiz Rafael da Silva Marques confirmou em definitivo a decisão liminar que determinou o pagamento dos salários, mas optou por indeferir o pedido de indenização por danos morais. Descontente, o trabalhador apresentou recurso ao TRT-4.

Recusa de integração ao trabalho

Segundo a relatora do caso na 8ª Turma do TRT-4, desembargadora Brígida Joaquina Charão Barcelos, não houve controvérsia quanto ao fato da alta previdenciária, sendo que a empregadora recusou-se a integrar novamente o trabalhador ao serviço por considerá-lo inapto.

No entanto, para a magistrada, em casos de divergência entre o INSS e a empregadora, deve prevalecer a decisão da autarquia previdenciária, por tratar-se de um órgão público e, portanto, ter presunção de veracidade. Assim, para a relatora, a Marcopolo deveria ter acolhido o empregado e tentado adaptação em função diferente, arcando com o pagamento dos salários.

O entendimento foi unânime no colegiado. Também participaram deste julgamento os desembargadores Marcelo Ferlin D’Ambroso e Luciane Cardoso Barzotto. (Com informações da Redação Painel e Juliano Machado/Secom TRT-4)

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0020433-09.2021.5.04.0404 (Caxias do Sul-RS)

EXPOSIÇÃO DE KNOW-HOW
STJ desobriga seguradora de revelar procedimentos de regulação de sinistro

Obrigar uma única seguradora a fornecer cópias de todo o procedimento elaborado na apuração do sinistro, para justificar eventual negativa de indenização, ocasiona desequilíbrio concorrencial e custos administrativos exclusivos para a companhia. A conclusão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Com esse entendimento, o colegiado reformou decisão da Justiça Comum de São Paulo que, em ação civil pública (ACP), condenou a Porto Seguro a inserir em seu contrato padrão cláusula que a obrigue, em caso de negativa total ou parcial de indenização, a entregar cópias dos documentos relativos à apuração do sinistro.

A ação foi movida pelo Ministério Público estadual (MP-SP) somente contra a Porto Seguro, alegando que ela investiga as circunstâncias dos sinistros e, quando encontra algum motivo para não pagar a indenização, deixa de apresentar suas provas e impede o cliente de se contrapor a elas. Assim, segundo o MP-SP, o cliente que quiser questionar a decisão da seguradora terá de entrar na Justiça, para só então tomar conhecimento do que pesa contra ele.

As instâncias judiciais ordinárias entenderam que a seguradora se valia de seu poder no mercado para, em certos casos, descumprir os contratos de forma unilateral, negando as indenizações sem se preocupar em justificar a decisão adequadamente ao segurado. No recurso especial (REsp) interposto no STJ, a seguradora contestou essa afirmação.

Segurado deve ser comunicado formalmente quando a indenização não é devida

O relator do 1836910-SP, ministro Luís Felipe Salomão, observou que o artigo 46 da Circular 621/2021 da Superintendência de Seguros Privados (Susep) estabelece que, caso o processo de regulação de sinistros conclua que a indenização não é devida, o segurado deverá ser comunicado formalmente, com a justificativa para o não pagamento, dentro de 30 dias.

Ministro Luís Felipe Salomão foi o relator
Foto: Gustavo Lima/Imprensa STJ

A regulação de sinistro, de acordo com o magistrado, é um conjunto de procedimentos para verificar a existência, a causa e as circunstâncias do sinistro – bem como a extensão dos danos – e o seu enquadramento no contrato de seguro.

Segundo Salomão, foi demonstrado no processo que a seguradora, ao final da regulação, informa aos segurados expressamente, por carta, o motivo da negativa, inclusive com indicação da cláusula contratual em que se baseia.

Mostrar todos os documentos da regulação representaria extensa exposição ao mercado

Além disso, o ministro destacou que, como reconhece o próprio MP, nenhuma seguradora fornece a documentação que foi exigida da empresa ré na ação civil pública, o que a colocaria em desvantagem no mercado em relação às concorrentes.

O relator também ressaltou que as seguradoras, usualmente, se valem de empresas terceirizadas especializadas para a realização do procedimento. Para o magistrado, é evidente que uma condenação envolvendo apenas a ré lhe ocasionaria sérias restrições, pois a entrega de toda a documentação exporia o modo de atuação da reguladora terceirizada, que é, por natureza, elemento de propriedade industrial sigiloso.

‘‘Expor todos os documentos obtidos no procedimento de regulação, a toda evidência, representaria extensa exposição ao mercado do modo de apurar da seguradora e de sua parceira reguladora (know-how de ambas), trazendo desequilíbrio concorrencial, riscos de ocasionar dissabores, danos morais e materiais a segurados e terceiros beneficiários de seguro, e também dificultando sobremaneira a eficiência da regulação de seus contratos de seguros (facilitação de fraudes)’’, afirmou o ministro.

Ao dar parcial provimento ao recurso especial (REsp) para julgar improcedentes os pedidos embutidos na ACP, Salomão lembrou que, conforme entendimento recentemente firmado pela Terceira Turma do STJ no julgamento do REsp 1.846.502, não só o consumidor merece proteção, mas também a livre iniciativa e o livre exercício da atividade econômica (artigo 1º, inciso IV; artigo 170, inciso IV e parágrafo único; e artigo 174 da Constituição Federal). (Com informações da Imprensa STJ)

REsp 1836910-SP