REMUNERAÇÃO EXECUTIVA
Asset stripping e os bônus sobre o EBITDA ajustado: desvio ético ou drenagem de caixa explícita?
Por Eduardo Lima Porto
Práticas sofisticadas de drenagem financeira, travestidas de eufemismos e embaladas por denominações da moda, vêm ultrapassando os limites do tolerável justamente num momento em que as empresas enfrentam severas pressões decorrentes da redução de margens, restrições de liquidez e aumento da inadimplência – fatores que caracterizam a conjuntura atual.
Nesse cenário, tornam-se cada vez mais injustificáveis os programas de remuneração baseados em métricas operacionais dissociadas da geração real de caixa.
A persistência no pagamento de bônus milionários com base no chamado ‘‘EBITDA ajustado’’, além de eticamente reprovável, configura um ato deliberado e temerário de gestão. Tal conduta pode ser passível de responsabilização cível e criminal, sobretudo quando realizada em prejuízo de fornecedores, empregados, acionistas minoritários e financiadores.
Embora tais práticas possam, em tese, estar dentro dos limites da contabilidade formalmente permitida, distanciam-se do espírito de transparência e de boa governança que se exige de qualquer administração responsável.
A utilização seletiva do EBITDA ajustado como métrica de remuneração cria espaço para a exclusão de perdas operacionais recorrentes – convenientemente classificadas como ‘‘não estruturais’’ —, ignora provisões para inadimplência e litígios e neutraliza efeitos de baixas contábeis obrigatórias (impairments), promovendo uma representação artificial dos resultados.
Há diversos casos em que executivos são premiados com bônus milionários com base em supostos lucros que não se convertem em caixa, enquanto a companhia se afunda em dívidas insolúveis, à beira da falência.
Mais grave ainda é ver o anúncio de melhoras no EBITDA sendo utilizado como prova de ajustes supostamente em curso, enquanto essa mesma métrica continua sendo instrumentalizada para justificar a drenagem financeira.
Tais práticas precisam ser expostas ao crivo público com total transparência, pois representam uma forma moderna – e legalmente ambígua – de asset stripping.
Asset stripping é a prática de extrair valor de uma empresa em benefício de seus controladores e executivos, ainda que isso comprometa sua saúde financeira e prejudique credores e acionistas minoritários. A drenagem pode ocorrer por meio de distribuição excessiva de dividendos, venda de ativos estratégicos, captações de dívida em condições duvidosas e, sobretudo, por bônus baseados em métricas dissociadas da realidade financeira da companhia.
Fornecedores tornam-se vítimas de riscos invisíveis, continuando a entregar mercadorias a clientes cuja liquidez já foi drenada. Credores financeiros permanecem no escuro, respaldados por garantias frágeis, enquanto os recursos da empresa escorrem para partes relacionadas. Investidores minoritários caem no ‘‘canto da sereia’’, seduzidos por relatórios de valuation recheados de premissas artificiais – relatórios que não resistem sequer à primeira pergunta: ‘‘E se…?’’
A remuneração de executivos e controladores precisa estar alinhada ao resultado líquido real da companhia e submetida a um escrutínio rigoroso por parte de todos os stakeholders.
Até quando se permitirá que a coreografia contábil voltada para justificar bônus continue levando empresas à ruína?
Conheço casos emblemáticos de empresas do setor agropecuário atoladas até o pescoço em práticas deliberadas de asset stripping, articuladas por meio de uma engenharia financeira questionável sustentada por estruturas societárias opacas, contratos de financiamento entre partes relacionadas e métricas contábeis grotescamente manipuladas. Evidenciando um desmonte financeiro sistemático, operado sob o verniz da legalidade, mas cuja essência é o desvio de valor em benefício de controladores e executivos – em prejuízo de fornecedores, credores e acionistas minoritários, mantidos reféns de uma governança arco-íris e iludidos por promessas de lucros futuros que jamais se concretizarão.
Eduardo Lima Porto é diretor da LucrodoAgro Consultoria Agroeconômica