TRADE DRESS
TJSP condena empresa que vendia produto com embalagem similar à de concorrente

Copiar a embalagem do concorrente é atitude anticompetitiva que causa confusão à vista do consumidor, ensejando o dever de indenizar nas esferas moral e material. Assim, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve sentença da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem da Capital, proferida pela juíza Renata Mota Maciel, que condenou uma empresa de materiais de construção pela venda de produto com embalagem de características similares à de um grande concorrente.

As determinações judiciais incluem abstenção definitiva do uso da embalagem, indenização de R$ 10 mil por danos morais e reparação por danos materiais a título de lucros cessantes, com valor a ser apurado em fase de liquidação de sentença. A prática de copiar a embalagem é conhecida juridicamente como violação de trade dress; ou seja, quando há o uso indevido de um conjunto de elementos visuais ou expressões com função diferenciadora de determinada marca, o que configura concorrência desleal.

Confusão entre os consumidores

Desembargador JB Franco de Godói foi o relator

Segundo os autos, a apelante – condenada no primeiro grau – sequer contestou tal violação. Limitou-se a alegar que é uma empresa de pequeno porte voltada para público de baixa renda, sem a pretensão de competir ou prejudicar os negócios da requerida – a grande empresa prejudicada.

A tese da defesa, no entanto, não foi acolhida pela turma julgadora. ‘‘Uma mera comparação entre as fotografias das embalagens não deixa dúvida de que a conduta da ré era suficiente a causar confusão entre os consumidores em razão da similaridade da trade dress utilizado pelas partes’’, salientou o relator, desembargador J.B. Franco de Godoi.

‘‘Configurada a prática da concorrência desleal pela ré-apelante, de rigor sua condenação ao pagamento de indenização por danos materiais. No tocante aos danos morais, é certo que a atitude da ré ao fabricar e comercializar produto idêntico ao da autora foi suficiente a atingir a imagem e reputação desta’’, acrescentou.

Também participaram do julgamento os desembargadores Azuma Nishi, Fortes Barbosa, Cesar Ciampolini e Alexandre Lazzarini.

A decisão foi por maioria de votos. Com informações da Comunicação Social do TJSP.

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1013225-03.2019.8.26.0100 (São Paulo)

ATIVIDADE PERIGOSA
TST concede adicional de periculosidade a vigilante patrimonial desarmado

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou o município de Tianguá (CE) a pagar o adicional de periculosidade a um vigilante patrimonial público. De acordo com o colegiado, a legislação considera a atividade perigosa e não exige que o vigilante tenha de usar arma e registro na Polícia Federal (PF) para receber a parcela trabalhista.

Vigilância de patrimônio público  

O trabalhador fazia a vigilância de bens públicos de Tianguá e argumentou na reclamação trabalhista que estava sujeito ao risco de violência. Na ação, pediu o pagamento de adicional de periculosidade correspondente a 30% do salário.

Como prova, apresentou Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT), elaborado pelo próprio Município em outro processo, com a conclusão de que vigia tem direito a esse adicional.

Atividade sem risco

Em sua defesa, o Município alegou que o exercício do cargo de vigilante patrimonial não expõe o empregado a qualquer risco. Sustentou, ainda, que ‘‘a atividade sequer exige a utilização de instrumento de proteção pessoal ou de terceiros ou mesmo algum treinamento específico para o desempenho da função’’.

Adicional de 30%

Com base no laudo, o juízo da Vara do Trabalho de Tianguá (CE) julgou procedente o pedido de pagamento do adicional de periculosidade em percentual de 30%, tendo como base de cálculo o salário do vigilante.

Exigências específicas

No entanto, o Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE), ao analisar recurso do Município, negou o adicional. O TRT considerou que o exercício da função de vigilante, enquadrada como atividade perigosa segundo a NR-16 (norma regulamentadora que define os procedimentos para o pagamento do adicional de periculosidade dos trabalhadores), depende do preenchimento de uma série de requisitos, como a aprovação em curso de formação e em exames médicos, a ausência de antecedentes criminais, bem como o prévio registro no Departamento de Polícia Federal (artigos 16 e 17 da Lei 7.102/1983).

‘‘Não se tem notícia nos autos de que o vigilante faça uso de arma de fogo, nem que tenha sido submetido a curso de formação ou mesmo preenchido os demais requisitos previstos na Lei 7.102/83’’, concluiu o acórdão, reformando a sentença.

Atividade perigosa 

Em recurso de revista (RR), o vigilante apelou ao TST.  Sexta Turma deu provimento ao apelo para restabelecer a sentença que determinou o pagamento do adicional de periculosidade. Os ministros entenderam que as exigências se aplicam a empregados de empresas de segurança privada, conforme o Anexo 3 da NR-16. Pontuaram ainda que o texto da norma inclui, entre as atividades perigosas, aquelas exercidas por empregados contratados diretamente pela Administração Pública Direta ou Indireta que atuam na segurança patrimonial ou pessoal, sem demandar o cumprimento dos mesmos requisitos da segurança privada.

Além disso, o colegiado registrou a existência do Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho emitido pela Prefeitura de Tianguá que previu o direito ao adicional de periculosidade para ocupante do cargo de vigia.

A decisão foi unânime. Com informações de Guilherme Santos, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

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RR-678-10.2020.5.07.0029

PERSPECTIVA DE GÊNERO
57ª VT de SP condena Eletropaulo a indenizar leiturista terceirizada agredida por cliente

A Elcop Engenharia Ltda, que presta serviços para Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S.A., deve indenizar uma leiturista de energia elétrica em 20 vezes o seu último salário, a título de danos morais. Motivo: a funcionária terceirizada resultou agredida, verbal e fisicamente, por um cliente da Eletropaulo.

A condenação foi imposta pela 57ª Vara do Trabalho de São Paulo, que responsabilizou, subsidiariamente, a concessionária de energia elétrica – tomadora dos serviços da reclamante.

Da sentença, cabe recurso ordinário ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo).

Ofensas e agressões constantes

Nos autos da ação reclamatória, a mulher relata que constantemente sofria ofensas e ameaças verbais dos consumidores que tinham o fornecimento de eletricidade interrompido e que nenhuma providência era tomada pela empresa.

De acordo com o processo, a trabalhadora estava desempenhando sua função em uma residência quando, ao constatar que o morador estava em débito com a concessionária e informá-lo da situação, o homem tentou suborná-la para que não efetuasse o corte de energia.

Sem sucesso, ele deu-lhe um soco e a imprensou na parede. Ela, então, gritou por socorro e saiu correndo pela rua, momento em que uma pessoa do estabelecimento vizinho acionou a polícia, mas, mesmo assim, o agressor continuou perseguindo a vítima.

Em depoimento à Justiça do Trabalho, o preposto de uma das rés alegou desconhecimento dos fatos. Com a declaração, a juíza do Luciana Bezerra de Oliveira aplicou a pena de confissão.

Omissão e falta de apoio das empresas

No julgamento, ela considerou ainda que a empregadora não manifestou apoio à profissional. ‘‘Cabia à reclamada, diante desse contexto, garantir a segurança e integridade física e psicológica da autora durante o exercício das suas funções, adotando medidas para minimizar os riscos inerentes à atividade desenvolvida. E a reclamada sequer acompanhou a reclamante à delegacia ou ao hospital, omitindo-se no mais elementar dever que lhe incumbia’’, escreveu na sentença.

Na decisão, a magistrada mencionou a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho, que ‘‘reconhece que a violência e o assédio baseados em gênero no mundo do trabalho afetam de forma mais acentuada as mulheres e as menina’’.

A juíza concluiu que o combate à violência no ambiente laboral ‘‘requer uma abordagem inclusiva, integrada e com perspectiva de gênero’’. Redação Painel de Riscos com informações da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-2.

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ATOrd 1001248-59.2022.5.02.0057 (São Paulo)

ATO DE INDISCIPLINA
Técnica que deixou o hospital por 17 minutos, para assistir ao Réveillon de Copacabana, reverte justa causa

Foto: Alexandre Macieira Riotur

A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reverteu a justa causa aplicada pelo Hospital Copa D’Or, no Rio de Janeiro, a uma técnica de suporte demitida por deixar o plantão para assistir à queima de fogos na praia de Copacabana. Apesar de reconhecer o ato de indisciplina, por maioria, o colegiado entendeu que houve desproporcionalidade na aplicação da pena.

Saída do trabalho

Segundo o processo, na noite do Ano-Novo de 2017-2018, a funcionária e outros colegas se dirigiram teriam à praia de Copacabana para assistir à queima de fogos. Nesse tempo, a técnica foi chamada por telefone para retornar ao posto de trabalho, o que o fez. Contudo, duas semanas depois, ela foi demitida por justa causa.

Justa causa

Para a Rede D’Or São Luiz S.A., a conduta da funcionária, ao abandonar o posto de trabalho para assistir ao Réveillon na praia, foi inapropriada e irresponsável. A Rede lembrou que o plantão médico tem a finalidade de permitir atendimento imediato, rápido e eficaz, principalmente na noite do Ano-Novo, em um local como Copacabana, que recebe milhões de pessoas.

Ação trabalhista

Na reclamatória trabalhista, a funcionária disse que se ausentou do posto de trabalho entre 23h55 e 00h12 e que retornou imediatamente após ser chamada. Informou que tinha autonomia para se dirigir a outros hospitais da Rede e que o tempo em que ficou fora não causou nenhum problema para o hospital ou atraso no atendimento de pacientes.

Punição desproporcional

O juízo de primeiro grau entendeu que o episódio, de forma isolada, não foi suficientemente grave a ponto de ensejar uma justa causa. A sentença citou que a funcionária prestava serviços de forma adequada há mais de 10 anos e que o hospital deveria ter observado a gradação das penalidades, aplicando, inicialmente, advertência ou suspensão, a fim de coibir futuras reincidências. A sentença foi mantida pelo TRT da 1ª Região (TRT-1, Rio de Janeiro).

Ministro Douglas Alencar Rodrigues
Foto: Felipe Sampaio/TST

No TST, a Quinta Turma entendeu que a conduta da funcionária, embora configure transgressão disciplinar, não representa gravidade suficiente para autorizar a ruptura do contrato de trabalho por justo motivo. Segundo o ministro Douglas Alencar Rodrigues, que redigiu o voto vencedor, não houve uma consequência extremamente danosa para o empregador.

‘‘Tivesse acontecido uma intercorrência qualquer, uma pane no sistema, uma dificuldade de operacionalização por parte do empregador em razão da ausência da trabalhadora, nós teríamos, aí sim, um fato concreto que teria ensejado a gravidade absoluta, gerando prejuízos específicos a legitimar a resolução contratual’’, destacou.

Nesse sentido, Rodrigues entendeu que não houve uma proporcionalidade na imposição da falta grave. O magistrado lembrou ainda que a trabalhadora tinha um vínculo de trabalho de mais de 10 anos, sem qualquer tipo de transgressão contratual anterior, ainda que de natureza leve.

Vencida a ministra Morgana de Almeida Richa. Com informações de Ricardo Reis, coordenador de Editoria e Imprensa da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

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TST-RR-100309-42.2019.5.01.0056

FACES DA CIDADANIA
O consumidor cidadão e o impacto dos precedentes do STJ nas relações de consumo

A Constituição Federal de 1988, pela primeira vez, inscreveu a defesa do consumidor entre os direitos fundamentais. Até então, o Brasil não contava com uma proteção jurídica sistematizada para o consumidor em razão de sua condição de sujeito vulnerável do mercado.

Ao colocar ‘‘a defesa do consumidor’’ como obrigação do estado, prevista no rol de direitos e garantias fundamentais (artigo 5º, inciso XXXII), o texto constitucional a tornou cláusula pétrea, ou seja, não pode ser eliminada nem alterada por emenda. Mais adiante, o texto afirma que a ordem econômica, entre outros princípios, deve observar a defesa do consumidor. Por fim, nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), ficou estabelecido que o Congresso Nacional, dentro de 120 dias da promulgação da Constituição, teria de elaborar o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Embora fora do prazo, a Lei 8.078 foi promulgada em 11 de setembro de 1990, entrando em vigor seis meses depois. O CDC colocou o Brasil numa posição de vanguarda na defesa dos direitos do consumidor e se tornou um importante marco do fortalecimento da cidadania.

Em seu artigo 6°, o código passou a assegurar a proteção da vida e da segurança contra os riscos de produtos e serviços, com efetiva prevenção e reparação, inclusive invertendo-se o ônus da prova pelo juiz; a informação adequada; a proibição da publicidade enganosa e abusiva; a modificação das cláusulas contratuais abusivas, ou sua revisão quando fatos supervenientes as tornarem excessivamente onerosas; o acesso à Justiça; a participação na formulação de políticas de consumo e a educação para o consumo; além da exigência de adequação e eficiência nos serviços públicos.

A proteção do consumidor é uma das múltiplas faces do exercício da cidadania

Código de Defesa do Consumidor, direitos fundamentais, relações de consumo, precedentes do STJ, jurisprudência comentada, série Faces da CidadaniaA série especial Faces da Cidadania mostra como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao interpretar e aplicar as normas consumeristas, vem atuando para garantir o pleno exercício dos direitos do cidadão também nesse campo.

Nas mais de três décadas que se seguiram à promulgação da Constituição e do CDC, o STJ produziu ampla jurisprudência sobre a matéria, com mais de 20 súmulas relacionadas ao direito do consumidor, dentre as quais se destacam:

*Súmula 608 – ‘‘Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão’’.

*Súmula 601“O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviços públicos’’.

*Súmula 563 – ‘‘O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às entidades abertas de previdência complementar, não incidindo nos contratos previdenciários celebrados com entidades fechadas’’.

*Súmula 359 – ‘‘Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição’’.

*Súmula 297 – ‘‘O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras’’.

Para a ministra Nancy Andrighi, o consumo cada vez maior de bens, serviços e informações passou a ser um critério de aferição da cidadania. A condição de consumidor, disse, é um importante papel que assumem os cidadãos na sociedade contemporânea, ‘‘sendo fácil perceber que o direito do consumidor está intimamente relacionado à tutela da cidadania’’.

Ministra Nancy Andrighi, Foto: Agência CNJ

Complemento ao microssistema de processos coletivos

Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e membro da comissão que elaborou o anteprojeto do CDC, o professor e advogado Kazuo Watanabe destacou que o Código é reconhecido por seu conteúdo principiológico; isto é, ‘‘como estatuto que contém princípios tutelares abrangentes, e não normas específicas voltadas a fatos típicos’’.

Na sua avaliação, a lei vem cumprindo adequadamente a função de proteger os consumidores, ainda que, em razão do tempo decorrido, tenha precisado de atualizações – como as que disciplinaram o comércio eletrônico e trataram do superendividamento (Lei 14.181/2021).

O professor também ressaltou que o CDC complementou o sistema brasileiro de processos coletivos – o qual, até então, contava apenas com a ação popular e a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), que tutela interesses difusos. ‘‘O Código de Defesa do Consumidor, além de dispor sobre os aspectos faltantes na lei de 1985, como a disciplina da competência, da coisa julgada, das espécies de provimentos, criou e disciplinou mais duas espécies de ação coletiva: a que tutela os interesses coletivos stricto sensu e a que tutela os interesses individuais homogêneos’’, explicou.

Cidadania instrumental do consumidor

Para Dennis Verbicaro, procurador do Estado do Pará, doutor e professor de direito do consumidor, a identidade coletiva como consumidor permite a ocupação de mais espaços políticos de deliberação, o que influi diretamente no aprimoramento dos deveres éticos do fornecedor. ‘‘É o que chamo de cidadania instrumental do consumidor; ou seja, a cidadania emerge da identidade política comum de todos nós, que nos impõe o dever de participar desse diálogo com os agentes econômicos do mercado, sob a mediação do estado e em prol da harmonia das relações de consumo’’, declarou.

Segundo o procurador, essa nova perspectiva de grupo ou de coletividade de consumidores tem uma capacidade muito maior de transformar a realidade: ‘‘Essa rede solidária de influência e articulação política impõe aos empresários a mudança de comportamento, seja voluntariamente – sob a forma de marketing de aproximação –, seja coercitivamente –, pela sujeição jurídica às normas administrativas, civis e penais de proteção ao consumidor, cuja exigibilidade é garantida pela atenta e oportuna atuação cívica da sociedade e pela fiscalização diligente do estado’’.

Quem pode ser considerado consumidor

Estendendo a ideia de consumidor para muito além do adquirente de bens ou serviços, o artigo 17 do CDC prevê a figura do consumidor por equiparação (bystander): também goza da proteção da lei aquele que, mesmo sem participar diretamente da relação de consumo, sofre as consequências do acidente de consumo, decorrente de defeito exterior que ultrapassa o objeto do produto ou do serviço e põe em risco sua segurança física ou psíquica.

‘‘Na hipótese de danos individuais decorrentes do exercício de atividade empresarial destinada à fabricação de produtos ou à prestação de serviços, é possível, em virtude da caracterização do acidente de consumo, o reconhecimento da figura do consumidor por equiparação, o que atrai a incidência das disposições do CDC’’, disse a ministra Nancy Andrighi.

A ministra relatou o REsp 2.018.386, no qual a Segunda Seção do STJ estabeleceu que as vítimas de supostos danos decorrentes da exploração de uma usina hidrelétrica podem ser consideradas consumidoras por equiparação. Elas alegaram que a produção de energia elétrica no complexo de Pedra do Cavalo (BA) causou danos materiais e morais em razão do impacto na sua atividade pesqueira e de mariscagem.

O colegiado, no julgamento do CC 143.204, em hipótese envolvendo derramamento de óleo, também considerou que os pescadores artesanais prejudicados eram vítimas de acidente de consumo, motivo pelo qual estaria caracterizada a figura do consumidor por equiparação e justificada a incidência do CDC.

Limites da publicidade no CDC

Uma das decisões mais impactantes do STJ na interpretação do CDC foi o primeiro precedente em que se considerou abusiva a publicidade de alimentos dirigida direta ou indiretamente ao público infantil. O julgamento ocorreu em 2016 na Segunda Turma (REsp 1.558.086).

Ministro Humberto Martins
Foto: Imprensa/STJ

Para o relator do recurso, ministro Humberto Martins, a decisão sobre compra e consumo de gêneros alimentícios, sobretudo em época de crise de obesidade, deve caber aos pais, não às crianças. ‘‘Daí a ilegalidade, por abusivas, de campanhas publicitárias de fundo comercial que utilizem ou manipulem o universo lúdico infantil (artigo 37, parágrafo 2º, do CDC)’’, afirmou à época.

Da mesma forma, o tribunal tem vários outros entendimentos sobre os limites da publicidade diante dos direitos do consumidor – entre eles, o que considerou enganosa, capaz de induzir em erro o consumidor, a mensagem que consta em letras minúsculas nas informações contratuais (REsp 1.599.423).

Responsabilidade solidária da cadeia de produção

O CDC também ampliou o campo de incidência da responsabilidade, que passou a alcançar não apenas o fornecedor diretamente ligado ao evento danoso, mas toda a cadeia produtiva envolvida na atividade de risco.

A Quarta Turma, no REsp 1.358.513, relatado pelo ministro Luís Felipe Salomão, decidiu que uma empresa engarrafadora de gás de cozinha e uma distribuidora – revendedora exclusiva da primeira – eram responsáveis solidárias por atropelamento ocorrido durante a entrega do produto, que culminou na morte de um menino de quatro anos, em 2008. A criança andava de bicicleta quando foi atingida pelo caminhão de entrega, no momento em que o motorista realizava manobra em marcha à ré.

Conforme o relator, o CDC estabelece expressamente, no artigo 34, que o fornecedor de produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos. ‘‘Ou seja, estabelece a existência de responsabilidade solidária de quaisquer dos integrantes da cadeia de fornecimento, que venham a dela se beneficiar, pelo descumprimento dos deveres de boa-fé, transparência, informação e confiança, independentemente, inclusive, de vínculo trabalhista ou de subordinação’’, afirmou Salomão na decisão.

O superendividamento na mira das instituições

De acordo com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido em abril de 2023), o superendividamento se tornou uma grande preocupação do direito do consumidor em todo o mundo, devido às facilidades de acesso ao crédito.

Ministro Sanseverino
Foto: Imprensa/STJ

Ele foi o relator do REsp 1.584.501, no qual a Terceira Turma analisou se o desconto de empréstimo consignado poderia alcançar quase o valor total do salário do devedor. Por reconhecer que tal situação trazia risco à subsistência do consumidor, o colegiado limitou a 30% os descontos na conta em que ele recebia seus rendimentos.

A decisão da Terceira Turma foi tomada quando ainda tramitava no Congresso o projeto que viria a se transformar na Lei 14.181/2021, a chamada Lei do Superendividamento, que disciplina o crédito ao consumidor. Mesmo reconhecendo que as relações contratuais são regidas pelo princípio da autonomia privada, Sanseverino ponderou que esse princípio se submete a outros, como o da dignidade da pessoa humana.

O problema do superendividamento do consumidor tem recebido atenção especial do Poder Judiciário. Em agosto de 2022, foi lançada no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a Cartilha sobre o Tratamento do Superendividamento do Consumidor, elaborada por um grupo de especialistas que teve o ministro do STJ Marco Buzzi como coordenador.

Em novembro do mesmo ano, o STJ promoveu o seminário O Tratamento do Consumidor Superendividado à Luz da Lei 14.181/2021: da trajetória legislativa à sua efetivaçãoNa opinião do ministro Buzzi, coordenador-geral do evento, o controle do superendividamento exige não apenas a atuação do Judiciário, mas um conjunto de ações a serem desempenhadas por vários segmentos sociais e instituições em favor de uma necessária mudança de mentalidade.

Relação entre o direito do consumidor e a proteção de crédito

A relação entre direito do consumidor e proteção de crédito é uma questão frequente nos processos que chegam ao STJ. Em 2009, ao julgar os Temas 40 e 41 dos recursos repetitivos (REsp 1.062.336), a Segunda Seção discutiu a possibilidade de indenização por danos morais diante da falta da comunicação prévia ao consumidor sobre a inscrição de seu nome em cadastros restritivos de crédito – exigência do parágrafo 2º do artigo 43 do CDC –, nos casos em que exista inscrição anterior feita regularmente. O julgamento levou à edição da Súmula 385.

A corte entendeu que o dano moral é configurado quando a entidade de proteção ao crédito aponta como inadimplente alguém que efetivamente não o é. Quando a anotação é irregular, mas o consumidor tem contra si alguma inscrição legítima, não se verifica o direito à indenização, mas apenas ao cancelamento.

Recentemente, no julgamento do REsp 2.056.285, a Terceira Turma estabeleceu que a notificação do consumidor sobre a inscrição de seu nome em cadastro restritivo de crédito exige o envio de correspondência ao seu endereço, sendo vedada a notificação exclusiva por e-mail ou mensagem de texto de celular (SMS). Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.