DIREITO AGRÁRIO
Equívoco da não indenização da posse na faixa de fronteira

Por Eduardo Diamantino

Não é uma novidade o entendimento dos Tribunais Regionais Federais sobre a não indenização de imóveis desapropriados na faixa de fronteira do Brasil, sob o argumento de que seriam bens da União e, logo, detidos de forma precária. Nessa questão, temos uma novidade e uma crueldade. A novidade é que com o julgamento do RE 1.010.919, que entendeu pela imprescritibilidade da Ação Civil Pública para discutir domínio, o raciocínio deve causar ainda mais estragos no Direito Agrário Brasileiro. A crueldade é que está se aplicando o entendimento de forma mais danosa possível ao proprietário rural.

É preciso voltar à Súmula 477, do Supremo Tribunal Federal (STF), que no final da década de 1960 determinou: ‘‘As concessões de terras devolutas situadas na faixa de fronteira, feitas pelos estados, autorizam, apenas, o uso, permanecendo o domínio com a União, ainda que se mantenha inerte ou tolerante, em relação aos possuidores’’. Tal súmula carrega um enorme casuísmo em sua elaboração, já que apenas três apelações ensejaram a sua edição. Além disso, é ultrapassado e descabido o argumento de que a proteção à faixa de fronteira é necessária à segurança nacional.

Acontece que a realidade fundiária brasileira mostra que a ocupação desse território se deu de forma distinta do determinado no mundo do Direito. A faixa de fronteira brasileira, especialmente na Região Sul do país, foi sendo ocupada por títulos de concessão estaduais ou mesmo das formas de registro anterior sem resistência alguma da União.

Dado o valor econômico das áreas, surgiram conflitos de ocupação. Em um esforço de economia do discurso, é possível dizer que existiam ao menos quatro lados nessa questão: os proprietários das terras que as tinham com registro nos cartórios de imóveis, os posseiros, os estados que haviam titulado as mesmas aos produtores e a União. Considerando que competia à União, através do Incra, tratar da política fundiária brasileira, a ele caberia regularizar a questão.

Deveria ter organizado as ações discriminatórias, conforme previsto na Lei 6.383/76, e resolvido a questão. Não foi o que ocorreu. Foi preferido o fácil caminho da desapropriação para fins de reforma agrária e estabelecida a confusão sobre a área.

Assim, nas décadas de 1970 e 1980, ocorrerem desapropriações na área, destinação das mesmas aos assentados, como se do particular fossem. Tudo isso com problemas no título de domínio. Ou seja, em um dado momento, se usava esse argumento para deixar de pagar a indenização.

A questão era tão sui generis que a jurisprudência da época, procurando dar um desfecho equitativo à questão, passou a admitir que a posse de boa-fé, provada por título registrado em cartório e exercida de forma mansa e pacífica, ensejava a indenização em 60% do valor total. Nesse sentido, no próprio TRF-4, o acórdão da Apelação 20140059934 é exatamente nesse sentido.

Não poderia fazer de forma diferente: I) os proprietários haviam adquirido as terras diretamente dos estados membros, com toda a aparência de legalidade; II) já haviam sido surpreendidos com uma súmula precoce e equivocada editada pelo Supremo Tribunal Federal; e III) haviam sido esbulhados de lá por desapropriação; logo, ao menos, receber pela posse parece ser o mais arrazoado.

Existem mais argumentos a favor dessa questão: não se tratam de  bens indispensáveis à União. Os bens da União podem ser: de uso comum, especiais e dominiciais, que são os aqui tratados. Existe uma gradação de sua importância e desafetação. Prova disso é o disposto no artigo 101 do atual Código Civil. O artigo 67, do Código Civil da época, autoriza a alienação dos referidos bens dentro de condições legais específicas. A forma de posse também conta. O próprio DL 9.760, de 1946, que trata da ocupação de bens da União, diferencia no parágrafo único do artigo 71 a posse de boa fé.

Entender de forma diferente é misturar o joio ao trigo. É isso que está ocorrendo. Aqui reside a crueldade mencionada. A novel jurisprudência vem entendendo por não indenizar de forma alguma os desapropriados de boa-fé, deixando-os à míngua de qualquer reparação pelos prejuízos sofridos.

Com a novidade tratada no início deste artigo, a AGU e o MPF terão permissão para revisitar toda a questão, provocando outro efeito nefasto: a insegurança jurídica. A decisão definitiva proferida em ação de desapropriação pode ser revisitada por meio de ação civil pública, em defesa do patrimônio público, para discutir a dominialidade do bem expropriado, mesmo expirado prazo decadencial para propositura de ação rescisória.

Por isso, essa guinada jurisprudencial há de ser revista. Feita dessa forma só atende aos cofres públicos, que estarão livres de indenizar e poderão aplicar os recursos como bem entenderem.

Eduardo Diamantino é vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABTD) e sócio do escritório Diamantino Advogados Associados

COMÉRCIO ELETRÔNICO
TRF-4 mantém multa à OLX por não impedir a venda de produtos ilegais na sua plataforma

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

As plataformas de comércio eletrônico podem ser responsabilizadas por anúncios divulgados nas suas páginas virtuais, se esses violarem o Código de Defesa do Consumidor (CDC) ou atentarem contra o meio ambiente e a saúde pública. Afinal, dispõem de meios tecnológicos para identificar anúncios irregulares sem que se faça necessária notificação prévia com indicação da URL para a remoção do conteúdo.

A conclusão é da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) ao negar apelação da OLX (Bom Negócio Atividades de Internet Ltda), que impetrou mandado de segurança (MS) contra a Fiscalização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em Curitiba, para se eximir de pagar multa por veicular anúncio de azeite argentino sem registro no Brasil.

Sobre o produto, recai a suspeita da adição de outros óleos que o descaracterizam como azeite de oliva, o que constitui fraude ao consumidor. Segundo a fiscalização do Mapa, também há indícios de que ingressa de forma ilegal no Brasil.

O relator da apelação no colegiado, desembargador Rogério Favreto, confirmou integralmente a sentença que reconheceu a legalidade da multa aplicada à OLX. Para o relator, o Marco Civil da Internet e a jurisprudência superior que garante a liberdade de expressão e impede a censura não afastam a aplicação das demais normas do ordenamento jurídico.

Ao contrário, advertiu, o Marco Civil deve se harmonizar com estas normas de forma a evitar a utilização da internet para a prática de crimes cibernéticos ou de atividades nocivas à saúde, ao meio ambiente, à dignidade da pessoa humana, bem como à segurança pública. Estas questões, aos olhos da Constituição, são tão importantes quanto a liberdade de expressão. Assim, não se pode falar em não-responsabilização das empresas de marketplace por anúncio divulgado nas suas páginas virtuais.

‘‘Ademais, (…), há meios tecnológicos – já utilizados por seus pares [outras plataformas de comércio eletrônico], para identificar anúncios irregulares sem que se faça necessária notificação prévia com indicação do URL para a remoção do anúncio’’, cravou no acórdão o desembargador-relator.

Mandado de segurança

Perante a 1ª Vara Federal de Curitiba, a OLX alegou que sua atividade é muito similar à seção de Classificados de jornal, pois se limita a oferecer espaço para que terceiros anunciem, sem ingerência sobre o seu conteúdo e sem intervir na negociação ou pagamento, que são transacionados diretamente entre os usuários.

Embora tenha removido os anúncios indicados pelo Mapa (azeite de oliva Olivares Del Viejo e Vale Viejo), disse que não tem como e nem por que cumprir a determinação de remover todo e qualquer anúncio destes produtos sem indicação da URL.

Em síntese, sustentou que não tem autorização (nem há exigência) legal para, de iniciativa própria, buscar e remover “outras [ofertas] que contenham anúncio deste produto”. Afinal, não tem obrigação de fazer o monitoramento prévio de anúncios supostamente irregulares, como assegura o parágrafo 1º do artigo 19 da Lei 12.695/2014 (Marco Civil da Internet). 

O juiz federal Friedmann Anderson Wendpap denegou a segurança, sob o argumento de que a plataforma tinha o dever de tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, tornar indisponível o conteúdo dos anúncios. Segundo o juiz, estas providência poderiam ser preventivas, criando requisitos a mais no sistema, para permitir a publicação do anúncio; ou repressivas, implementando códigos de programação para que a inteligência artificial possa identificar anúncios dos produtos ilícitos.

‘‘Entretanto, a impetrante em momento algum comprovou que adotou medidas específicas para o rastreamento e indisponibilização de anúncios de azeite de oliva com marca comercial Olivares Del Vale Viejo ou Vale Viejo; ao contrário, limitou-se a reafirmar que não está obrigada a adotar medidas nesse sentido, delegando aos usuários e à autoridade a identificação da localização dos ilícitos’’, escreveu o juiz na sentença.

Em arremate, o magistrado destacou que a importância dos termos de uso da plataforma está diretamente ligada aos mecanismos próprios de verificação da conformidade das atividades dos usuários aos referidos termos. Ao deixar de implementar ferramentas internas de monitoramento do conteúdo –  prévios ou posteriores à publicação –, a OLX demonstra o seu descompromisso com os próprios termos de uso.

Clique aqui para ler a sentença

Clique aqui para ler o acórdão

MS 5035433-45.2021.4.04.7000 (Curitiba)

Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS

SIMPLES ROÇADA
Fazendeiro prova que não fez valeta em área de banhado, e TJ-RS enterra ação do MP

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O juiz se submete à causa de pedir definida na petição inicial, obrigação imposta pelos artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil (CPC). Logo, não pode decidir fora dos limites, para não proferir sentença acima (ultra), fora (extra) ou abaixo (citra ou infra) do pedido.

O fundamento, literalmente, serviu para enterrar ação civil pública (ACP) intentada pelo Ministério Público (MP-RS) contra um fazendeiro denunciado por construir uma valeta num banhado, em área de preservação permanente (APP) localizada dentro do Parque Estadual do Tainhas, no município de São Francisco de Paula.

Para a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), tal como o juízo da comarca de origem, os autos sinalizam que a causa de pedir do MP é a construção de uma valeta para drenagem de banhado (0,3 hectare), supostamente realizada pelo réu em 2013. Entretanto, a prova dos autos demonstrou que a valeta escavada na Fazenda Taperinha (adquirida em 1972 pelo réu) é bastante antiga, anterior a 1963, e que a fiscalização ambiental constatou, em verdade, que, em 2013, o proprietário fez uma roçada na área.

Regeneração ambiental

‘‘Embora a prova dos autos aluda ao dano ambiental resultante da intervenção por roçada, não é esta a causa de pedir da presente ação, não podendo a conduta de abertura de vala de drenagem ser imputada ao réu, por ausência de prova da sua autoria’’, registrou a ementa do acórdão que negou apelação do MP.

‘‘Mesmo que a autoria da roçada seja incontroversa [ou seja, do denunciado na ACP], não é essa a causa de pedir, de forma que a manutenção da sentença de improcedência é impositiva’’, fulminou o relator que negou apelação do MP, desembargador Leonel Pires Ohlweiler.

Por derradeiro, o magistrado destacou, com base na perícia, que a vala para escoamento de água, existente no local por décadas, está consolidada e estabilizada. Ou seja, o local se encontra regenerado, tomado por vegetação nativa, sem comprometer as funções ambientais do banhado.

Clique aqui para ler a sentença

Clique aqui para ler o acórdão

066/1.16.0000187-0 (São Francisco de Paula-RS)

Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS

AÇÃO IMPRÓPRIA
TST afasta condenação de supermercado por impedir entrada de empregado após demissão

Secom/TST

A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em decisão unânime, afastou a condenação da Líder Supermercados e Magazine Ltda., de Belém (PA), ao pagamento de R$ 300 mil de indenização por assédio moral a um empregado.

A reparação havia sido deferida em reconvenção (pedido formulado por uma parte em ação ajuizada pela outra) numa ação de consignação originariamente ajuizada pela própria empresa, mas, segundo o colegiado, esse não é o meio processual adequado para discutir a matéria.

Ação de consignação

Em agosto de 2020, a empresa comunicou a dispensa, mas o empregado teria se recusado a aceitá-la e a cumprir o aviso-prévio. Segundo a Líder, ele continuou a trabalhar ‘‘como se nada tivesse acontecido’’, levando-a a tomar medidas para impedir que sua entrada, sem permissão, nas suas dependências. Diante disso, ajuizou a ação de consignação para depositar, em juízo, as verbas rescisórias.

Reconvenção

O empregado, então, apresentou a reconvenção, instrumento utilizado no mesmo processo pelo réu para apresentar, além da contestação, pedidos contra a parte autora. Nela, pediu indenização, alegando ter sido vítima de assédio moral por três dos quatro sócios da empresa, com condutas como constrangimentos, falsa acusação de invasão de propriedade, produção de boletim de ocorrência, instauração de inquérito policial e ações judiciais.

Condenada

No primeiro grau, a empresa teve sua ação de consignação acolhida, com a extinção da reconvenção do empregado. Já o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (PA/AP), reformando a sentença, acolheu a reconvenção e condenou a Líder ao pagamento de R$ 300 mil de indenização, por considerar demonstradas as humilhações.

Conexão

No recurso ao TST, a empresa sustentou que não havia conexão entre a ação de consignação e o pedido formulado na reconvenção. Defendeu, ainda, que a demissão se inseria no poder diretivo do empregador e não configurava ato discriminatório nem assédio moral. Segundo a Líder, o empregado fora apenas convidado a prestar esclarecimentos pelo fato de frequentar suas dependências mesmo após ter sido despedido, e, diante de sua resistência, apenas encaminhara a situação às autoridades competentes.

Dispensa válida

O relator do recurso de revista (RR), ministro Ives Gandra, assinalou que a ação de consignação não é o âmbito para discutir validade da demissão e o dano moral dela decorrente. Haveria, no caso, uma impropriedade do meio processual. Segundo ele, a validade da dispensa só poderia ser discutida numa reclamação trabalhista, uma vez que a reconvenção em ação de consignação deve se restringir à matéria objeto do pedido – no caso, o depósito em juízo das verbas rescisórias.

Para o relator, a condenação por danos morais estava ‘‘umbilicalmente’’ ligada à validade da dispensa. ‘‘Se a despedida foi válida, as medidas adotadas pela Líder também o são, não constituindo assédio, mas defesa de seu direito de dispensa e de propriedade’’, acentuou.

Clique aqui para ler o acórdão

RRAg-540-94.2020.5.08.0003-PA

ROYALTIES INDEVIDOS
Monsanto tem de fornecer as provas para agricultor instruir ação de repetição de indébito

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O Código de Processo Civil (CPC) diz, no inciso I do artigo 373, que o ônus da prova é do autor da ação. No entanto, diante da dificuldade em cumprir este encargo, o juízo pode, por decisão fundamentada, atribuir o ônus da prova de forma diversa, como acena o parágrafo primeiro deste dispositivo.

Assim, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) manteve decisão da Vara Judicial da Comarca de Sarandi, que deferiu pedido de inversão do ônus da prova numa ação de repetição de indébito movida por um grupo de agricultores contra a multinacional Monsanto, dona da soja transgênica Roundup Ready (RR).

Na petição inicial, os agricultores alegaram que a cobrança dos royalties – realizada na entrega dos grãos na cooperativa – nas safras de 2010, 2011 e 2012 é indevida, já que a patente da soja transgênica expirou em 31 de agosto de 2010. Por isso, pleitearam a devolução destes valores, estimado em 2% do pagamento que receberam pela produção.

Teoria das cargas processuais dinâmicas

Como consequência da decisão da 5ª Câmara Cível, a Monsanto terá de trazer ao processo uma planilha com os valores retidos a título de royalties (por uso da tecnologia patenteada desta semente) em nome de cada um dos autores da ação. Afinal, segundo a Justiça gaúcha, a parte a ré detém o controle do quantitativo de terra plantada assim como o faturamento de cada agricultor que optou pela semente transgênica.

Conforme a juíza que proferiu o despacho, Andreia dos Santos Rossatto, trata-se da aplicação da teoria das cargas processuais dinâmicas, uma vez que as partes não se encontram em igualdade de condições para a tarefa de coleta probatória. Ou seja, os agricultores não têm como levantar os valores retidos, em nome de cada um, nos períodos descritos na petição inicial.

Segundo a literatura jurídica, esta teoria facilita os direitos daqueles que, por estarem em posição menos favorecida jurídica ou economicamente, não têm os meios para instruir os pedidos judiciais com os documentos comprovadores de suas alegações.

TJ-RS barra recurso da Monsanto em direção ao STJ

Em combate à decisão, a Monsanto interpôs recurso especial (REsp) no Tribunal de Justiça, a fim de rediscutir a questão no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em caráter monocrático, a terceira vice-presidente da Corte, desembargadora Lizete Andreis Sebben, não admitiu o recurso. Para a magistrada, o entendimento do acórdão combatido está em sintonia com a orientação do STJ no que diz respeita à matéria.

Para ilustrar a sua decisão, a desembargadora citou o desfecho do julgamento do AgInt no AREsp 1.438.327/SP, relatado pelo ministro Marco Aurélio Bellizze: ‘‘A jurisprudência desta Corte Superior admite a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual, havendo peculiaridades relativas à excessiva dificuldade de uma das partes em produzir as provas necessárias, esse ônus deve ser atribuído de forma diversa, por decisão judicial fundamentada, àquela parte que tiver mais facilidade na sua produção, (…). Súmula 83/STJ’.

Clique aqui para ler o acórdão do agravo

Clique aqui para ler a decisão que inadmitiu o REsp

Processo 069/1.14.0001480-2 (Sarandi-RS)

 Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS