PREOCUPAÇÃO FINANCEIRA
Operador de loja que vendeu refrigerante vencido tem justa causa anulada e ainda será indenizado em danos morais

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Um operador de loja não pode ser demitido por justa causa apenas por vender a colega de trabalho produtos alimentícios vencidos, pois tais itens, por questões de ética empresarial e de saúde pública, deveriam ser descartados para consumo.

Foi o que entendeu o juiz Eduardo Rockenbach Pires, titular da 38ª Vara do Trabalho de São Paulo, ao derrubar a dispensa por justa causa aplicada a um ex-empregado da Lojas Americanas (em recuperação judicial) e ainda condená-la ao pagamento de danos morais.

O trabalhador reclamante, sem autorização da chefia, rebaixou o preço de oito latas de refrigerante fora do prazo de validade, vendendo-as a um colega. Ambos consumiram os produtos.

Para o juiz sentenciante, ‘‘em qualquer rasa noção de ética, de consciência ambiental, humana ou social’’, a conduta esperada de um grande varejista como a Americanas seria a de corrigir seu próprio procedimento, de modo a evitar que seus empregados consumam produtos vencidos.

‘‘É óbvio que esse consumo irregular, mais cedo ou mais tarde, pode ocasionar acidentes ou doenças. Mas não. A ré não elaborou uma frase nesse sentido; ela se preocupou com a ‘perda financeira’ decorrente da venda de produtos pelo valor abaixo da margem de lucro. Como se a intenção da empresa fosse vender tais produtos normalmente no mercado!’’, espantou-se o julgador.

Juiz do trabalho Eduardo Rockembach Pires
Reprodução: Youtube

Dano moral presumido

O juiz também julgou procedente o pedido de dano moral feito pelo ex-empregado na peça inicial, já que a ‘‘acusação de justa causa’’ feriu direitos de personalidade listados no inciso X do artigo 5º da Constituição – privacidade, intimidade, honra e imagem.

Conforme o julgador, a lesão moral se prova assim que for provada a ação que agrediu injustamente algum interesse extrapatrimonial da vítima. ‘‘No caso em exame, o dano ocorre in re ipsa [por presunção], uma vez que a acusação violou a honra objetiva e subjetiva do trabalhador’’, concluiu na sentença, quantificando a reparação em R$ 9 mil.

Em decorrência da sentença favorável ao reclamante, o ato demissional foi convertido em dispensa sem justa causa. Assim, o juízo determinou pagamento de todos os direitos trabalhistas – saldo de salário do mês da rescisão, aviso prévio indenizado, 13º salário proporcional, férias integrais do período aquisitivo e férias proporcionais, Fundo de Garantia do Tempo de Serviços (FGTS) e a multa prevista no parágrafo 8 do artigo 477 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Da sentença, cabe recurso ordinário trabalhista (ROT) ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo).

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ATSum 1001855-95.2023.5.02.0038 (São Paulo)

 

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RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Empregador e tomador dos serviços têm de indenizar eletricista que se acidentou em SC

Quando o acidente deriva das condições inseguras do ambiente de trabalho e não de atitudes imprudentes do empregado, a responsabilidade deve recair sobre o empregador. E, solidariamente, do tomador do serviço contratado, se também não observou as normas de saúde e segurança no trabalho.

O entendimento é da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12, Santa Catarina) após a análise de mérito de uma ação reclamatória na qual um eletricista da MC Serviços Elétricos se acidentou ao instalar fios elétricos no telhado da clínica Vida Veterinária – ambas sediadas no município de Videira, meio oeste de Santa Catarina, e rés no processo. Ambas foram condenadas solidariamente a indenizar o trabalhador em danos morais e materiais.

O caso aconteceu em junho de 2019. Durante a instalação dos fios, o trabalhador sofreu uma queda, resultando em lesões graves. Em vista do acidente, o eletricista resolveu buscar reparação na Justiça do Trabalho.

Primeiro grau

Em contestação, a MC Serviços Elétricos alegou, inicialmente, que o acidente foi causado por ato inseguro do próprio trabalhador, que teria negligenciado as normas de segurança do trabalho. No entanto, de acordo com o juízo da Vara do Trabalho de Videira, ficou evidenciado nos autos que o eletricista não havia recebido o equipamento de proteção individual (EPI) necessário, nem instruções adequadas para a execução segura do trabalho em altura.

Na sentença, o juiz Luiz Fernando Gonçalves, responsável pelo caso, condenou as rés, solidariamente, ao pagamento de uma indenização por danos morais no valor de R$ 15 mil.

Além disso, o juiz também concedeu ao trabalhador o direito a uma pensão mensal correspondente a 12,5% do seu último salário (que foi de R$ 1,3 mil) e R$ 24 mil a título de lucros cessantes (Art. 402 do Código Civil); ou seja, uma estimativa do que o trabalhador deixaria de ganhar nos próximos serviços se não tivesse sofrido o acidente.

‘‘Assim, tendo em vista que a segunda reclamada [Vida Veterinária] permitiu a prestação de serviços sem a observância das normas de saúde e segurança no trabalho, conforme já analisado, deverá responder de forma solidária pelas condenações impostas nesta sentença à primeira reclamada [MC Serviços Elétricos]’’, justificou Gonçalves na sentença.

Condição insegura x ato inseguro

Desembargador Nivaldo Stankiewicz
Foto: Arquivo/Secom/TRT-12

A primeira reclamada, inconformada com a decisão de primeiro grau, recorreu ao TRT-SC, defendendo a tese de culpa exclusiva da vítima. A empresa reforçou o argumento de que o serviço não exigia que o empregado subisse pelo lado de fora do telhado do cliente, pois o acesso ao local necessário para a manutenção poderia ser feito por dentro da residência, através de um alçapão.

No entanto, o argumento não foi acolhido pela 4ª Turma do TRT-SC. O relator do recurso, desembargador Nivaldo Stankiewicz, centrou a análise do caso na distinção entre ato inseguro e condição insegura de trabalho.

‘‘Na situação em exame, não se verifica a prática de ato inseguro pelo autor, mas a presença de condição insegura de trabalho. Isso porque, da prova testemunhal produzida se depreende que, embora os trabalhadores da ré já tivessem prestado serviços anteriormente no local do acidente, não foi enviado, pela empregadora, o cinto de segurança para o trabalho em altura’’, ressaltou o relator no acórdão.

Sem avaliação ou orientações

Nivaldo Stankiewicz disse que, apesar da existência de uma escada de marinheiro na lavanderia, para acessar o telhado, uma das testemunhas negou que os trabalhadores tivessem sido instruídos pelo empregador a utilizar essa rota no dia do acidente. Além disso, não foram apresentadas provas de uma avaliação prévia do local de trabalho pelo empregador, nem de orientações específicas que deveriam ter sido repassadas ao eletricista para o correto cumprimento de suas funções.

O acórdão ressaltou que, a menos que o acidente seja claramente resultado de uma ação imprudente e individual do empregado, a responsabilidade recai sobre o empregador. Isso porque, em ambientes de trabalho onde os riscos são elevados, é dever do empregador implementar e monitorar rigorosamente as medidas de segurança necessárias para proteger seus funcionários.

A decisão ainda está em prazo de recurso. Redação Painel de Riscos com informações de Carlos Nogueira, da Secretaria de Comunicação Social (Secom)/TRT-12.

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ATOrd 0002056-87.2020.5.12.0020 (Videira-SC)

TRIANGULAÇÃO COMERCIAL
Benefício previsto em acordo da Aladi exige envio direto da mercadoria do país exportador para o importador

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a incidência do benefício tributário previsto no Regime Geral de Origem da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi) exige que a mercadoria seja expedida diretamente do país exportador para o importador; ou seja, que os produtos não sofram interferência em território de país não participante do acordo – procedimento conhecido como triangulação comercial.

A Aladi foi criada em 1980 pelo Tratado de Montevidéu e tem o Brasil como um de seus 13 integrantes. Por meio de acordos comerciais, a Associação busca incrementar o desenvolvimento econômico na região e estabelecer um sistema de preferências econômicas, visando a um mercado comum latino-americano.

A discussão que chegou ao STJ teve origem em operação comercial realizada pela Petrobras. A petrolífera importou combustível da Venezuela – país integrante da Aladi –, mas o faturamento do negócio ocorreu nas Ilhas Cayman (que não integram a Aladi), por meio da triangulação comercial.

Em razão da operação, foi gerado imposto de importação de mais de R$ 35 milhões. Contudo, em ação de desconstituição do crédito tributário, a Petrobras alegou que não poderia haver a incidência do tributo na operação, tendo em vista a redução tarifária prevista no acordo internacional firmado no âmbito da Aladi, ainda que tenha ocorrido a triangulação.

Interpretação ampliada de normas sobre benefícios tributários pode gerar abusos

Ministro Francisco Falcão foi o relator
Foto Luiz Antônio/STJ

Em primeiro grau, o juízo anulou o crédito tributário, e a sentença foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Segundo o tribunal, havendo certificado de origem para provar que o combustível importado é oriundo de nação integrante da Aladi, e tendo sido despachado diretamente para o Brasil, o faturamento em país que não é membro da Associação não impediria o tratamento tributário preferencial.

Relator do recurso especial (REsp) da Fazenda Nacional, o ministro Francisco Falcão afirmou que a interpretação ampliada de benefícios tributários previstos em acordos internacionais, especialmente no caso de operações com triangulação comercial, pode resultar em aberturas para práticas abusivas de não pagamento de tributos (elisão fiscal), em prejuízo da proteção da concorrência e do incentivo à igualdade comercial – objetivos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em relação à tributação internacional.

‘‘Por conseguinte, impõe-se a observância dos estritos termos da intenção dos países signatários de acordo internacional para fazer jus à obtenção de benefício tributário’’, declarou o ministro.

Passagem do produto por país não integrante da Aladi deve ser justificada

Francisco Falcão destacou que, nos termos do artigo 4º da Resolução 78/1987 (que aprovou o Regime Geral de Origem da Aladi), as mercadorias, para serem beneficiadas pelo tratamento preferencial, devem ter sido expedidas diretamente do país exportador para o importador.

‘‘Dessa forma, as mercadorias transportadas não podem passar pelo território de países não signatários dos acordos firmados no âmbito da Aladi’’, comentou o relator. Segundo ele, se as mercadorias tiverem de passar por um ou mais países não participantes, isso deverá ser justificado por motivos geográficos ou por razões de transporte. Também é preciso que as mercadorias não sejam destinadas ao comércio ou a qualquer forma de uso no país de trânsito; e que não sofram, durante o transporte e o depósito, qualquer operação diferente de carga e descarga ou de manuseio necessário para mantê-las em boas condições.

Ainda segundo Falcão, o Acordo 91 do Comitê de Representantes da Aladi – que disciplina a certificação de origem das mercadorias transportadas – estabelece que deve haver coincidência entre a descrição dos produtos na Declaração de Importação (DI), o produto negociado e a descrição registrada na fatura comercial que acompanha os documentos do despacho aduaneiro.

Interpretação extensiva de isenção tributária viola a legislação

Para o ministro, embora a triangulação seja prática comum no comércio exterior, no caso dos autos, não é possível confirmar o cumprimento dos requisitos para a concessão do benefício fiscal, tendo em vista a divergência entre a certificação de origem e a fatura comercial, decorrente da exportação do combustível venezuelano por terceiro país não signatário dos acordos da Aladi.

‘‘A exportação em discussão não se amolda aos requisitos determinados pelo artigo 4º do Regime Geral de Origem (Decreto 98.874/1990) e pelo artigo 1º do Acordo 91 do Comitê de Representantes da Aladi (Decreto 98.836/1990), não devendo as mercadorias serem beneficiadas pelo tratamento tributário privilegiado em relação ao Imposto de Importação, sob pena de interpretação extensiva de isenção tributária, o que afronta o artigo 111, inciso II, do Código Tributário Nacional’’, concluiu o relator ao dar provimento ao recurso da Fazenda Nacional. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia aqui o acórdão

AREsp 2009461

JURISTOCRACIA TOTALITÁRIA
O ditador tenta, contra Musk, salvar a sua indefensável defesa da democracia

Reprodução internet

Por Félix Soibelman

Na Constituição brasileira está consignado que o Brasil rege-se, nas suas relações internacionais, pela prevalência dos direitos humanos e autodeterminação dos povos (respectivamente, incisos II e III do artigo 4º), bem como que a república brasileira constitui-se como Estado Democrático de Direito, tendo como fundamento a soberania (inciso I do artigo 1º).

O Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, na qual consta o direito à revolução ao declarar que ‘‘é essencial a proteção dos direitos do Homem através de um regime de direito, para que o Homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão’’.

O direito de revolução estava previsto também na Constituição francesa de 1790 (ou 95, se não me engano), assim como os mais inspirados filósofos como Aquino, Kant em certo modo, e até mesmo Hobbes o proclamaram. A 2ª Emenda à Constituição norte-americana manteve o direito a portar armas para garantir um estado livre, direito este extensivo aos indivíduos.

Nesta mesma Declaração está, em seu artigo 19, que ‘‘todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão’’.

A dignidade humana é industriada pelo cabedal de elementos que tornam o homem, pela tão só condição de ser homem, credor de respeito por toda a comunidade humana e portador de direitos invioláveis e inalienáveis que lhe garantem justiça, educação, saúde etc., não podendo ser coisificado pelo Estado nem objeto de engenharia social.

Muito bem. Uma vez mais cito meu pai no verbete sobre o Julgamento de Nuremberg [Leib Soibelman, em sua Enciclopédia Jurídica Soibelman], quando afirma, com grande felicidade no texto, que o julgamento assumiu que, no tocante aos direitos atinentes à dignidade humana, ‘‘o homem é sujeito de direito internacional antes de ser sujeito de um Estado’’.

Que raios significa isto? É muito simples. Significa que os direitos e garantias individuais existem como conquista de toda a civilização ocidental que se refletem na Constituição, não são criados por esta Carta e muito menos desta dependem para existir.

Muito mais ainda, todo cidadão, pela só condição de ser homem, tem o direito pleno de criticar a violação destes direitos fundamentais como membro da comunidade humana, quando tal violação ocorre em todo e qualquer país, não passando de xenofobia estúpida e rasa de Alexandre de Moraes quando afirma, em resposta a Elon Musk,  a cantilena abaixo do nível de grêmio estudantil de que há uma ‘‘antiquíssima mentalidade mercantilista que une o abuso do poder que só visa o lucro com o autoritarismo extremista de novos políticos’’ que ‘‘volta a atacar a soberania do Brasil (…)’’.

Ora, Musk, assim como todo ser humano do mundo ocidental que é aderente à citada Declaração, está no pleno direito de avaliar quando existe uma patologia democrática constituída por um tiranete em forma de juiz que cassa a palavra de parlamentares e mandatos; prende sem dar acesso aos autos; é capaz de despachos medíocres, onde nem consegue capitular o crime do qual acusa o cidadão; transforma a crítica a ministros em ataque às instituições democráticas, na mais abjeta encarnação do L’État c’est moi; suprime o processo acusatório, tornando-se juiz e acusador ao rejeitar o pedido de arquivamento de inquérito pelo Ministério Público; bane pessoas das redes sociais como pena criada de sua cabeça ou extraída de algum alfarrábio em suas aulas na USP, como fértil ventre de juristas prostituídos; ameaça com multas empresas que manifestem críticas a um projeto de lei, exigindo retratação pública sob pena de sanção econômica e suspensão (caso do Telegram); realiza chantagens judiciais para obtenção de confissão (caso do tenente-coronel Mauro Cid); ameaça prender responsáveis do Twitter brasileiro, que nenhuma ingerência têm na administração dos dados da rede, para ver se impede Musk de reativar contas banidas por sua ordem; devassa conversa de empresários, quebrando seu sigilo, tão só pelo dedo em  riste de Randolfe, um parlamentar que nada mais sabe fazer do que empenhar-se no denuncismo; transforma em incitação a simples manifestação de raiva e indignação (caso do ex-deputado  federal Daniel Silveira); viola a prerrogativa presidencial da graça, transformando o ato político em ato de gestão, para examiná-lo sob a ótica do desvio de finalidade; dogmatiza as urnas, transformando em crime o seu questionamento, imolando, assim, o direito à fiscalização dos poderes públicos estabelecido no artigo 37 da Constituição mediante a publicidade e transparência; estabelece mediante resolução do TSE a supressão de páginas e banimento de pessoas sem contraditório, ainda criando abortivamente um órgão de controle da informação para incrementar o que não se conseguiu mediante a aprovação de um projeto de lei das fake News.

Enfim, um sem-número de horrores, que somente ganham respeitabilidade pelo medo incutido, horrores estes sobre os quais Moraes quer, agora, pateticamente, lançar o manto da soberania, para ver se arrebata os idiotas ou aqueles afins, como alguns de boca aberta que se vê nas fotografias dos que o escutam a falar essas besteiras.

A transnacionalidade destes direitos que fazem de Musk pessoa absolutamente legítima para a crítica contra o tiranete da Suprema Corte de Sucupira enfeixa-se com os conceitos de soberania e autodeterminação dos povos, o que explico a seguir, para refutar a ideia de que Musk esteja interferindo nesta última.

A soberania define-se como poder de estabelecer um ordenamento jurídico num território sem haver nenhum outro poder que se encime a ele.

A autodeterminação dos povos, desde os tempos de Rui Barbosa, quando, em Haia (Holanda) lutou pela igualdade jurídica dos Estados soberanos, pretendendo o estabelecimento das relações internacionais pelo Direito e não pela força, dentro do idealismo que lhe caracterizava, tem sido abordada até hoje como uma questão de ‘‘descolonização’’, o direito de povos, e, por conseguinte nações, antes conquistados, de se orientarem como desejem para o estabelecimento de seus Estados como Nações.

Não obstante, o conceito merece ser ampliado em face de todos os direitos e conceitos compartilhados pela comunidade internacional, alguns dos quais enunciei acima. Não há, para mim, autodeterminação senão por um processo democrático. Ora, se o poder constituído é aquele que reflete a vontade do povo, e, portanto, denomina-se autodeterminação deste povo, é evidente que se um ditador toma o poder impondo-se ao povo, não está havendo nenhuma autodeterminação popular, mas a determinação do ditador.

Essa obviedade faz com que o ‘‘soberanismo para a ditadura’’ de Moraes não passe de uma arenga sem sentido algum para ser algo respeitado como autodeterminação, de forma que, muito ao contrário, ao combater Moraes, Musk está reforçando nossa autodeterminação, perdida para a primeira juristocracia totalitária do mundo livre.

A Constituição prescreve esta autodeterminação em suas relações internacionais, enquanto o Brasil atual apoia ditaduras como a do Irã, China, Rússia ou Venezuela, ainda querendo, pelas mãos do tirano de toga, transformar-se noutra ditadura, o que mostra o quão deve ser providenciada uma mutação hermenêutica para estabelecer que não há autodeterminação em ditaduras, obrigando o Estado brasileiro a mudar suas relações com estes regimes execráveis.

Ainda, por absurdo que pareça, há a necessidade, por igual mutação hermenêutica, de que seja estendida a regra às relações internas; ou seja, que o Brasil se paute também em suas relações internas pela autodeterminação do povo brasileiro, que foi jogada no lixo por Alexandre de Moraes, ao se transformar num ditador das lacunas de poder.

De forma melancolicamente estrábica, Moraes é recalcitrante na farsa que desmoronou aos olhos do mundo depois das denúncias de Musk, ficando cada vez mais saliente seu desequilíbrio penoso ao insistir na sua indefensável defesa da democracia.

Félix Soibelman é advogado no Rio de Janeiro

CARRO RETOMADO
Venda prematura do bem pelo banco não justifica multa se busca e apreensão foi julgada procedente

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a multa de 50% sobre o valor originalmente financiado em contrato de alienação fiduciária, prevista no artigo 3º, parágrafo 6º, do Decreto-Lei 911/1969, não pode ser aplicada quando a sentença de improcedência da ação de busca e apreensão é revertida em recurso.

Na origem do caso, o banco credor – Banco Pan S. A. –, alegando falta de pagamento das prestações, ajuizou ação de busca e apreensão de um carro comprado mediante alienação fiduciária. O veículo foi apreendido liminarmente, mas o devedor quitou as parcelas em aberto, e o juízo determinou que o bem lhe fosse devolvido imediatamente. O veículo, entretanto, não pôde ser restituído porque já havia sido alienado a terceiro pelo banco.

O juízo, então, proferiu sentença de improcedência do pedido e determinou que o banco pagasse ao devedor fiduciante o equivalente ao valor de mercado do carro na data da apreensão, além da multa de 50% do valor financiado, conforme o disposto no Decreto-Lei 911/1969.

O Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL) reformou a sentença para que a ação de busca e apreensão fosse julgada procedente, por entender que, ao purgar a mora, o devedor teria reconhecido implicitamente a procedência da ação. No entanto, como o banco alienou o carro prematuramente e sem autorização judicial, o acórdão manteve a condenação da instituição financeira a pagar o valor do bem acrescido da multa de 50% sobre o financiamento.

Multa exige duas condições cumulativas

Ministro Marco Aurélio Bellizze foi o relator
Foto: Sergio Amaral/STJ

O relator do recurso do banco no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, afirmou que a multa prevista no artigo 3º, parágrafo 6º, do Decreto-Lei 911/1969, tem por objetivo ‘‘a recomposição de prejuízos causados pelo credor fiduciário em razão da ação de busca e apreensão injustamente proposta contra o devedor fiduciante’’, conforme definido pela Terceira Turma ao julgar o REsp 799.180.

De acordo com o ministro, esse dispositivo legal estabelece duas situações cumulativas para a aplicação da multa equivalente a 50% do valor originalmente financiado: a sentença de improcedência da ação de busca e apreensão e a alienação prematura do bem.

No caso dos autos, embora o carro tenha sido alienado antecipadamente pelo banco credor, o relator assinalou que o tribunal estadual julgou a busca e apreensão procedente, o que torna inaplicável a multa de 50% em favor do devedor.

Bellizze comentou também que o devedor não recorreu do acórdão que reformou a sentença para julgar a ação procedente, ‘‘de modo que não há como alterar essa questão no presente recurso especial’’.

‘‘Assim, havendo julgamento de procedência do pedido, tendo em vista o reconhecimento da dívida pelo devedor ao purgar a mora, não há como aplicar a multa prevista no artigo 3º, parágrafo 6º, do Decreto-Lei 911/1969, visto que a ação de busca e apreensão não foi injustamente proposta contra o devedor fiduciante’’, declarou o ministro. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia aqui o acórdão

REsp 1994381